Guiné > Região de Bafatá > Xime > Tabanca > c. agosto / setembro de 1972 > O nosso camarada Jorge Araújo sentado na sua "turpeça"..
Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Jufunco ou Djufunco > 9 de maio de 2013 > Os dois régulos locais com as suas "turpeças" que nunca largam por nada deste mundo... Dois tipos agarrados ao poder, deve ter pensado o régulo da Tabanca de Matosinhos, Zé Teixeira... Sentar-se no banquinho do régulo é punível com a pena capital... Os felupes não fazem a coisa por menos...
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Caro Luís,
Será que pode-se considerar uma "turpeça", onde me encontro sentado? A ser verdade, deve ser uma muito antiga, ou um modelo diferente das que vimos nas fotos do camarada Zé Teixeira. (*).
Ab. Jorge Araújo.
2. Comentário do editor LG:
Jorge, é surpreendente a capacidade de resposta dos nossos grã-tabanqueiros, a qualquer hora do dia, da noite ou da semana... Há sempre uma história, uma foto, um episódio, uma expressão, uma palavra... a propósito de tudo ou quase tudo o que aqui abordamos, relativamente à nossa querida Guiné, às suas gentes, à sua cultura, à sua história e à nossa relação com aquela terra, aquele povo...
Obrigado pela tua foto, enviada carinhosamente, "just in time"... Pois, claro, que é uma "turvela" o banquinho em que estás sentado, com uma criança ao colo e com uma catana na mão direita... Deve ser no Xime, por volta de 1972, mas também podia ser no Enxalé ou em Mansambo (aqui menos provável, já que a população era reduzida, pelo menos no meu tempo, aos guias das NT e suas famílias).
É uma "turvela", sim, senhor, embora mais tosca do que as dos "colegas" do nosso Zé Teixeira, os régulos de Djufunco, no chão felupe... As "turpeças" deles são mais artísticas e mais leves, e curioso, têm uma reentrância que facilita o seu transporte manual...
Mais curioso ainda, e não vá o irã tecê-las, têm uma cordel atado à mão do régulo que é o único (e cioso) proprietário do "banquinho"... Não sei o que é que aconteceria Zé Teixeira (ou a esposa) se se sentasse, inadvertidamente, na "turpeça" do régulo... No mínimo, teríamos um grave incidente diplomático... Ainda bem que o Zé Teixeira é um profundo conhecedor das idiossincrasias guineenses... e sobretudo é um homem sábio.
Mais curioso ainda, e não vá o irã tecê-las, têm uma cordel atado à mão do régulo que é o único (e cioso) proprietário do "banquinho"... Não sei o que é que aconteceria Zé Teixeira (ou a esposa) se se sentasse, inadvertidamente, na "turpeça" do régulo... No mínimo, teríamos um grave incidente diplomático... Ainda bem que o Zé Teixeira é um profundo conhecedor das idiossincrasias guineenses... e sobretudo é um homem sábio.
A tua "turvela", meu caro Jorge, parece ser fula e, nesse caso, diz-se um "cirã"... Em mandinga, não sei como se diz... Oferecer uma "turvela" a um convidado, estrangeiro como nós, era um ato de grande hospitalidade e de deferência... Claro que não era pelos nossos lindos olhos mas pelo que representávamos, aos olhos dos régulos, das milícias e da população...
Recordo-me de, em Saré Ganá (**), com dois meses e meio de Guiné, ainda "periquito" com todas as penas verdes no corpo, me terem "oferecido" (sic) uma morança , uma enxerga de palha de capim, uma "turpeça" e... uma jovem trintona (uma das mulheres do comandante da milícia), quando fui, com uma secção, reforçar o frágil sistema de autodefesa da tabanca, no desgraçado regulado de Joladu, no subsetor do Geba...
Meio embaraçado com a hospitalidade local (fula ou mandinga?), foi lá que me apercebi do profundo significado socioantropológico de ter ou não ter uma "turpeça"... Os meus soldados, fulas, dormiam numa esteira, quer dizer, no chão... e comiam à volta de um alguidar de arroz, acocorados no chão... Só ontem, ao fim de quase 50 anos, é que eu ouvi ou li, pela primeira vez, a palavra "turpeça"... e apercebi-me da importância de se ter ou não uma "turpeça" naquelas paragens, ontem e hoje...
_____________Meio embaraçado com a hospitalidade local (fula ou mandinga?), foi lá que me apercebi do profundo significado socioantropológico de ter ou não ter uma "turpeça"... Os meus soldados, fulas, dormiam numa esteira, quer dizer, no chão... e comiam à volta de um alguidar de arroz, acocorados no chão... Só ontem, ao fim de quase 50 anos, é que eu ouvi ou li, pela primeira vez, a palavra "turpeça"... e apercebi-me da importância de se ter ou não uma "turpeça" naquelas paragens, ontem e hoje...
Notas do editor:
(**) Vd. poste de 17 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P535: Fátima, a furtiva gazela de Sare Ganá (Luís Graça)
4 comentários:
Caro Luís,
Esta foto data de Ago/Set de 1972, vai fazer quarenta e seis anos. Foi tirada na Tabanca do Xime. A catana não está na mão esquerda, mas sim na direita. É apenas um detalhe.
Bom fim-de-semana e um abraço.
Jorge Araújo.
Jorge, já fiz segunda edição, corrigida e aumentada... Mantenhas. LG
Jorge, é uma ternura a tua foto, tirando o pormenor da "catana" ( a "espada"...), que está na mão direita, já que não és esquerdino... Do lado esquerdo, está o "coração" (a "cruz")... Mas a tua atitude não é de "prosélito", "missionário" ou "cruzado"... Imagino que estás a contar um conto de fadas ou a cantar uma canção de embalar à criança que tens ao colo... Uma menina, mandinga, presumo...
De repente, lembrei-me de uma canção de embalar, linda, do "cancioneiro" sul-americano, ou mais, exatamente argentino... Ainda há dias a ouvi, num concerto do Grupo Coral Infanto-Juvenil da Universidade de Lisboa... É uma criação fabulosa do grande Atahualpa Yupanqui (1908-1982)...
https://es.wikipedia.org/wiki/Atahualpa_Yupanqui
https://www.letras.com/atahualpa-yupanqui/849424/
_________________
Duerme Negrito
Atahualpa Yupanqui
(Arrullo)
Duerme, duerme, negrito,
que tu mamá está en el campo,
negrito...
Te va a traer
codornices para ti.
Te va a traer
rica fruta para ti.
Te va a traer
carne de cerdo para ti.
Te va a traer
muchas cosas para ti
Y si el negro no se duerme,
viene el diablo blanco
y ¡zas! Le come la patita,
¡chacapumba!
Duerme, duerme, negrito,
que tu mamá está en el campo,
negrito...
Trabajando,
trabajando duramente,
trabajando sí.
Trabajando y no le pagan,
trabajando sí.
Trabajando y va tosiendo,
trabajando, sí.
Trabajando y va de luto,
trabajando sí.
Para el negrito chiquitito,
trabajando, sí.
Duramente, sí.
Va tosiendo, sí.
Va de luto, sí.
Duramente, sí
Duerme, duerme, negrito,
que tu mama está en el campo,
negrito...
"Diabo branco": era o cognome do "nosso" capitão Teixeira Pinto, na época das "campanhas de pacificação" (1913-1915)...
Por que é que, ao longo da história, diabolizamos o outro que nos quer conquistar e dominar ? É talavez a uma forma de resistência passiva e uma tentativa para não se perder a identidade... A expressão "diabo branco" circulou durante séculos entre a África e o Novo Mundo, associada ao esclavagismo e depois ao colonialismo...
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