Antigo Quartel do Regimento de Transmissões - Porto
Foto retirada da página http://zala.fotosblogue.com/129565/Codigo-de-Morse/, com a devida vénia
1. Mensagem do nosso camarada Hélder Valério de Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 16 de Novembro de 2020:
Caros amigos,
Como já faz tempo que não envio colaboração, aqui vai uma coisa "ligeira", que penso pode ser colocada na minha série "Histórias em tempo de guerra".
Em parte talvez sirva para amenizar um pouco a agressividade verbal (escrita) que tem aparecido mais recentemente aqui no Blogue.
Por outra parte entendo ser um assunto, o da reconhecimento da faceta humana e solidária por parte de alguns homens do Quadro que connosco se cruzaram e de homenagem aos seu comportamento.~
Será talvez dar corpo à minha faceta de "conciliador-mor" mas não me sinto mal com isso.
Como de costume isto está "fraco" de imagens que possam ajudar a enquadrar o texto e amenizar a sua leitura mas tenho ideia que no Post que cito há por lá uma imagem da parada do Quartel. Não tenho nenhuma foto de quem estou a recordar e mesmo minhas também são raras.
Envio duas fotos de há 3 anos desse Quartel do RTm, a da entrada actual que pouco difere da do meu tempo e onde se vê um pouco do interior da parada com várias viaturas e uma do Edifício do Comando, bastante degradado e uma outra foto pessoal, mais recente, tirada na Feira do Livro de Lisboa o ano passado, aquando da apresentação do livro do Zé Ferreira.
Saudações
Hélder Sousa
Recordação/Homenagem de reconhecimento a Guedes Barbosa
Caros amigos
Vou fazer referência a um “Homem do Quadro” que me marcou e que considero necessário e importante dar aqui testemunho disso e porquê.
Há por norma alguma “animosidade” contra esses homens (haverá algumas razões, com certeza) mas também já apareceram referências a Oficiais e elementos da classe de Sargentos do Quadro que não desmereceram a qualidade de nossos camaradas.
Portanto, o “porquê” destas linhas poderão verificar no final e esclareço também que da pessoa em causa não tenho notícias já faz bastante tempo, ignoro se é viva (e espero que sim), nem falei com ele recentemente de modo a obter anuência para o que vou escrever.
Trata-se de Guedes Barbosa. Ao tempo que o conheci, no então RTm (Regimento de Transmissões), no Porto, chefiava a Secretaria e, embora sem qualquer certeza agora, julgo que era 2.º Sargento. Este Homem era um militar de carreira, do Quadro, um “chico” como dizíamos, mas era dotado de grande sentido humanista e também de humor.
Entrada do então Regimento de Transmissões do Porto
Ora bem, antes do episódio que agora recordo, ocorrido aí em finais de Julho de 1970, devo dizer que estava nesse Quartel em funções de formação de futuros Oeradores de Morse e que por circunstâncias várias estava a chefiar um Pelotão de instruendos, tal como vários dos meus camaradas de Curso, aqueles a quem por hábito costumo designar por “Ilustres TSF”. Por via disso, dessas funções, era corrente ter que tratar de assuntos vários na Secretaria e, naturalmente, interagir com o senhor Sargento Guedes Barbosa.
Então, esperando que não me chamem muitos nomes por agora “puxar a brasa à minha sardinha” (o amigo Branquinho perdoará este meu “falar sobre o meu umbigo”), sempre vos digo que arranjei maneira de termos (os “Cabos Milicianos” que estávamos de “instrutores”) uma semana de férias, quando isso normalmente não teria sido possível.
E como foi? Ora bem, por aqueles tempos faltavam “Aspirantes” e, como disse acima, nós, os “Ilustres” é que estavam a comandar os Pelotões de Instrução. Algures no Regulamento (RDM) eu li que “quem estivesse a desempenhar funções normalmente cometidas a um 'superior', por um período igual ou superior a 3 meses, tinha direito a 1 semana de licença".
Na posse desta informação (não sei precisar se cheguei lá de “motu próprio” ou foi “soprada” por alguém), a verdade é que fui com isso ao Guedes Barbosa, argumentei, reconheceu que tinha razão (estava no RDM….) mas que isso não era habitual, e que seria difícil acontecer mas que, no entanto, ia apresentar a situação ao Senhor Comandante e que, caso houvesse deferimento, não poderíamos ir todos ao mesmo tempo.
Não era habitual acontecer mas aconteceu! Essa minha semana de férias, inédita volto a dizer, ocorreu de 24 ou 25 de Agosto a 1 de Setembro quando regressei e fiquei logo de “Sargento de Dia”.
Nesse dia, 1 de Setembro de 1970, ocorreu então em “encontro imediato” com um personagem sinistro que havia no Quartel, um tal Capitão Carneiro (a quem chamavam “cobra cuspideira” porque quando vociferava – ele raramente “falava” – enchia o interlocutor de perdigotos”) mas isso é outra história, mais comprida, e já a contei aqui no Blogue, no poste P10341, de 6 de Setembro de 2012, intitulado “Abuso de poder”.
Desse “encontro” resultou uma ameaça do tal sinistro personagem de me “embrulhar” numa participação. Acontece que, por sua vez, houve quem me aconselhasse a “fazer queixa” dele, já que o desaforo foi exercido contra um militar em funções, com imensas testemunhas desde o Oficial de Dia aos instruendos de 5 Pelotões que estavam formados à porta do Refeitório.
Por coincidência, no rescaldo dessa refeição foi dado conhecimento da minha mobilização para a Guiné, juntamente com mais alguns.
Quem foi então que me ajudou? Claro, o Sargento Guedes Barbosa! Em primeiro lugar pelo tal conselho de “fazer queixa” (fazer “participações” não era nossa prerrogativa) e depois por ter demovido o tal Capitão de avançar com a participação “porque o rapaz acabava de ser mobilizado para a Guiné e já chegava de “castigo”).
Ao mesmo tempo, junto de mim também influenciou considerando que devia desistir então, em simultâneo, da “queixa”, pois embora tivesse razão e tudo para ganhar o pleito, o processo ia-se arrastar e nunca mais me despacharia da tropa.
Mas acabou aqui o meu relacionamento com o Guedes Barbosa? Não!
Mas acabou aqui o meu relacionamento com o Guedes Barbosa? Não!
Também ele acabou por ir parar à Guiné e aí já me recordo de ser 1.º Sargento. Por essa época, estando eu a desempenhar funções no “Centro de Escuta”, o 1.º Guedes Barbosa vivia numa moradia ali ao lado e cruzámo-nos várias vezes, trocando impressões. Numa ocasião queixei-me de dores no estômago e não é que o “nosso 1.º” se afadigou em arranjar e fazer um chazinho para o estômago? Pois é, caí em graça e já se sabe que “mais vale cair em graça que ser engraçado”.
Terminou? Não!
Alguns anos mais tarde, não sei agora precisar mas estimo que no início da década de 80, eu e o Nelson Batalha, acompanhados das respetivas “consortes”, metemo-nos ao caminho desde Setúbal para ir visitar um camarada nosso, o Manuel Martinho que julgo por essa altura ainda habitar em S. Martinho do Campo.
No caminho passámos no Porto, fomos até à Arca d’Água, chegámos à porta de armas do Quartel das Transmissões e pedimos para falar com o “senhor 1.º Sargento Guedes Barbosa”. Nessa altura, já não sei se o sentinela, se o “sargento de dia” que entretanto apareceu, retorquiram: “1.º Sargento não, nosso Capitão Guedes Barbosa” e informaram que ele se encontrava num edifício que ficava no interior logo que se saía da parada para o lado das salas de instrução, que bem conhecíamos.
Com a devida autorização fomos até lá. Ficámos à entrada do portão do edifício, uma espécie de armazém de material, em perfeita contra-luz para quem estava no interior em penumbra e dissemos em uníssono “meu Capitão, dá licença”? De imediato ele volta-se para nós e diz: “Olha o Batalha e o Bigodes”!
Foi comovente, pois passados aí uns 10 anos foi capaz de nos reconhecer num ápice. Não sei mais nada dele, espero que esteja bem, mas guardo boas e gratas recordações.
Abraços
Hélder S.
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Nota do editor
Último poste da série de 6 DE JUNHO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13249: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (16): A Carta de Condução
6 comentários:
Bonita homenagem. Nunca se deve generalizar.
Um abraço, camarada Helder.
Carvalho de Mampatá.
Saúdo, antes de mais, o teu regresso. E, relativamente, à tua história, estou de acordo com contigo e com o Carvalho de Mampatá: não podemos fazer da tropa e da guerra um filme a preto e branco, muito menos diabolizar ninguém... Na classe de sargentos, como na classe de oficiais do QP, para não falar dos nossos camaradas, milicianos e do contingente geral, havia de tudo, filhos de muitas mães...E de alguns ficámos com gratas recordações para o resto da vida...
É este o tom, de cordialidade e assertividade, que devemos continuar a manter e a cultivar no nosso blogue. Mesmo quando falamos de experiências mais negativas, de más recordações e até de pesadelos...
De resto, és um homem afável e sempre estimado na Tabanca Grande... Nosso colaborador permanente e, porque não, também, por "defeito ou feitio", um conciliador, um limador de arestas, um construtor de pontes...
Que os bons irãs te protejam dos raios e coriscos... e da covid-19. Luís.
Olá Helder!
Entre boa gente há sempre uma saudável camaradagem, independentemente das patentes de cada um.
Infelizmente há ainda muita gente que não consegue tirar as divisas e os galões , mesmo na reforma. Defeito de fabrico, talvez já tenham nascido com farda e condecorações.
Parabéns camarada, uma bela discrição de um episódio de vida que a todos nos humaniza.
Grande abraço
Francisco Baptista
Amigo Hélder Sousa,
Amigo Hélder,
O teu artigo, pelo conteúdo, pelo reconhecimento, pela amizade, é uma lufada de ar fresco que importa realçar. Não teria que sair da minha companhia, a CCaç 3327/BII17, para te acompanhar em homenagem semelhante.
Mas hoje, 19 de Novembro de 1971…
Uma data que marcou a minha comissão na Guiné, um dia que me acompanha desde sempre.
Estando eu em Bolama a frequentar o Estágio das Unidades Africanas, o alto-falante na parada soou o meu nome para me apresentar de imediato na Secretaria do CIM (Centro de Instrução Militar) e assim fiz. Para grande surpresa minha, por detrás da secretária estava o Sargento-Ajudante Manuel Rodas, um continental, que assentara arraiais com a família na ilha do Faial. Mais, ele era o 1° Sargento da CCaç 2637/BII18, que a minha companhia fora substituir nos Destacamentos de Teixeira Pinto.
O Ajudante Rodas não me conhecia pelo nome, mas viu CCaç 3327 nos documentos e isso espicaçou a sua curiosidade. Numa conversa mais ou menos longa perguntou-me se eu estava interessado em ir para o Destacamento de São João. Foi mis longe, disse-me que eu deveria aceitar. No dia seguinte iria para aquele Destacamento, para o PelCaçNat56. Foi a última vez que vi e falei com aquele militar, que veio a falecer na ilha do Faial.
Hélder,
São homenagens como a tua que me fazem acreditar que ainda há muito de bom neste mundo.
Abraço transatlântico,
José Câmara
Caro amigo Helder conheçes a pessoa que esta na entrada do antigo Regimento de Transmissões?
Olá "Manolo"!
Conheço, pois.
És tu, Manuel Dias Pinheiro Gomes, radiotelegrafista que fez a sua Comissão de serviço no CTIG, de 70 a 72, principalmente no Posto do STM de Catió.
E digo-te, escapaste "pela face de uma moeda" de me aturares lá.
Joguei à moeda (caro ou coroa) com o Nelson Batalha e foi ele para lá e eu fui para Piche.
Acertei?
Abraço.
Hélder Sousa
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