quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21556: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (12): A cobra e o seu matador....



Guiné > Região de Quínara > Buba > Foto de Boaventura Alves Videira, enfermeiro,  
CCS/BCAÇ 1861 (Buba, 1965/67), com um cobra pitão (ou "irã-cego"), enviada através do endereço do nosso camarada Júlio César [membro da nossa Tabanca Grande desde Julho de 2007, ex-1º Cabo, CCAÇ 2659 / BCAÇ 2905, Cacheu, 1970/71]. Como comentámos na altura, parece tratar-se de uma cobra pitão africana, uma Phyton sebae, popularmemte conhecida como "irã cego". na Guiné-Bissau... 

Pode atingir os 6 metros de comprimentos, não é venenosa e não constitui um perigo real para os seres humanos... A nossa malta na Guiné chamava-lhe erradamente jibóia... (As jiboias só existem no Novo Mundo, ou seja, na América Central e na América do Sul).

Foto (e legenda): © Boaventura Alves Videira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) é um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª  C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 15 referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.


A cobra e o soldado António Cruz… 

por Carlos Barros (*)


Nova Sintra, um destacamento desterrado no sector do Quínara, com uma população escassa, apenas algumas “cubatas” ladeavam, interiormente,  o nosso aquartelamento militar.

Todas as manhãs, por escala, grupos de militares deslocavam-se a um poço para trazer água nuns bidões geralmente para a cozinha,  embora houvesse um outro poço, protegido em cimento armado e com um tampo em cimento, para tapar a abertura do mesmo, perto do aquartelamento,  que era para a população se reabastecer..

Numa manhã, pelas 10 horas, o furriel Barros, acompanhado de quatro soldados, deslocaram-se num Unimog com quatro bidões para se reabastecerem no poço..

Chegados ao local, em direcção à estrada de Lala, a viatura parou e algo nos apareceu à nossa frente: Nada mais, nada menos, que uma cobra com quase quatro metros de comprimento. Era comprida mas bastante estreita. 

Foi um pânico momentâneo e o ofídio abriu a boca, tentando atacar, ou melhor, ameaçar! O soldado António Cruz, num ápice, pega na G3 e dispara quatro tiros, a pequena distância,  tendo dois deles, atingido a coluna do bicho e um outro perto da barriga. Com a boca ferida, escorrendo sangue, a cobra ficou paralisada e nós acabamos por matá-la.

Enchemos os bidões de água, pegamos na cobra já morta e trouxemos para o aquartelamento, onde os nossos companheiros nos esperavam porque a notícia já tinha chegado…Era o regresso a pé. À frente da viatura.

Foi o espanto geral quando, no aquartelamento, mostrámos o nosso “troféu”. E lá contámos a história, sendo o herói o soldado Cruz,  do 3º grupo de combate, que revelara uma afinada pontaria…

A cobra foi mostrada em procissão, a todos os militares e até o Capitão Cirne se revelou espantado com a rapidez e coragem do Cruz, soldado muito alegre e sempre bem humorado, com ele presente nunca havendo tristezas.

O primeiro sargento “Rasteiro” soube da notícia, mas não saiu da secretaria,  talvez tivesse medo da cobra morta…

Passados vinte minutos, fizemos uma cova funda, no meio do capim, e enterrámos a cobra que, penso,  não chegou a beber a água onde nós nos abastecemos….

O furriel Barros levou os soldados para a cantina e pagou umas cervejas e umas "fantas", servidas pelo simpático Gonçalves, o “cantineiro” de Nova Sintra.

Para ilustrar a história para os nossos vindouros, tirámos uma fotografia,  numa máquina fotográfica Olimpus Pen F que nos foi emprestada. 

Em Bissau, o rolo foi revelado e concretizou-se assim o registo desta história,  bem real,  e que poderá ser testemunhada por alguns militares que foram protagonistas nesta situação, com um desfecho natural porque foi em legítima defesa, numa contexto em que era necessária uma intervenção rápida e eficaz.

Esta história poderia ter outro desfecho?

Naturalmente que poderia,  contudo, ao vermos aquele enorme ofídio em posição de ataque, houve a natural resposta que terminou com a morte trágica do animal.

Nova Sintra, 1973 
 Carlos M. Lima Barros,
 ex-furriel miliciano

2. Comentário do editor LG:

O autor da série não nos mandou a foto da tal cobra com "quase quatro metros de comprimento". Pelo comprimento poderia ser uma cobra pitão-real (Python regius), um das mais pequenas dos pitões... Mas não costuma ultrapassar os dois metros... (lê-se no portal do Jardim Zoológico). Provavelmente, seria um exemplar, juvenil, do "irã-cego" (ou pitão africano), da qual temos, no nosso blogue, várias  estórias...
 
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 11 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21533: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (11): O morcego e a cria, ou um "desastre.. da caça"

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Nunca mates o teu irã-cego...


(...) Acordou alagada da sesta… maldita humidade. Abriu os olhos ainda tempo de ver o Irã que deslizava, entre uma trave e outra, no tecto do quarto, para desaparecer no escuro da telha enegrecida. Em que buraco se metia? Lembrou-se…

“- Matem a cobra!
- Não. Senhora…
- Mata a cobra… Anselmo?! Há uma cobra no tecto da casa!
- Senhora é o guardião… não.
- Guardião…?
- Sim, Senhora, guarda a casa.
- Anselmo… É uma cobra branca.
- Não… É Irã Cego… é poderoso e vai protegê-la a si e aos meninos.” (...)


9 DE JUNHO DE 2009
Guiné 63/74 - P4484: Fauna & flora (20): Histórias de grandes serpentes: da jibóia de 7 metros (Paulo Raposo) ao irã-cego (Clara Amante)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

irã-cego.

nome masculino: pitão africano (, no Novo Mundo, jiboia).

Do crioulo guineense iran segu, «idem», de irã+segu, «cego», por os olhos só poderem ser observados se fechados

https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ir%C3%A3s-cegos

Fernando Ribeiro disse...

Luís, tens a certeza de que a pitão não constitui um perigo real para os seres humanos? Pelo menos para as crianças, ela constitui um perigo real e bem real. Se ela come cabras e cães e até vitelos (e come!), também pode comer uma criança. Há um poema de Agostinho Neto em que ele afirma ter sido salvo «do abraço da jiboia», mas não diz que idade tinha quando isso aconteceu. O poema é este: https://www.lusofoniapoetica.com/angola/agostinho-neto/mussunda-amigo.

Vi várias pitões no norte de Angola, onde eram chamadas jiboias. Onde quer que o terreno fosse rochoso, era garantido que havia por lá uma ou mais cobras dessas. Não era preciso procurar muito para se encontrar uma, imóvel, a fazer a digestão de mais um almoço (um antílope ou javali, talvez). Os angolanos até inventaram o verbo "jiboiar", cujo significado facilmente se adivinha. Os angolanos são danados para inventarem palavras...

O uso em África de nomes provenientes do Brasil não é de espantar. O tráfico de escravos explica-o facilmente. As idas e vindas de navios negreiros entre o Brasil, por um lado, e a Guiné, a Mina, o Congo, Angola e outras paragens africanas, por outro, tornavam as colónias africanas, não colónias de Portugal diretamente, mas sim colónias do Brasil. Elas eram colónias de uma colónia; eram duplamente colónias. Por isso, não é de admirar que em Angola, nomeadamente, se chame jiboia a uma pitão, onça a um leopardo ou jacaré a um crocodilo.