Guiné > Região do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Um "suspeito" do PAIGC..."Turra" não era "prisioneiro de guerra", à luz do entendimento das autoridades político-militares do território...
Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia. (Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem mais de duas centenas de referências no nosso blogue.)
Data - quarta, 22/09/2021, 23:39
Assunto - Heróis e heróis: um texto que busca debate
Tendo em conta a duração da guerra e o número de militares nela envolvidos nos três teatros de operações, foram muitos os actos de heroísmo nela praticados.
Como em todas as guerras, alguns procedimentos criminosos terão existido mas, pelo seu número e frequência, não foram representativos.
No caso da Guiné, elementos nativos integrados nas forças militares portuguesas salientaram-se pela sua extraordinária coragem pessoal e dedicação no cumprimento das missões que lhes foram atribuídas. São inúmeros os militares portugueses que a eles devem a vida.
Infelizmente entre alguns dos medalhados, ações do maior heroísmo são acompanhadas por frequentes procedimentos dentro de uma área que legalmente se pode considerar abrangida por sevícias ou mesmo crimes de guerra.
Não só sevícias, a seu modo justificáveis por praticadas no calor dos combates, como também praticadas a “frio” e em situações “resguardadas”.
O contraste com a generalidade do procedimento do PAIGC para com os prisioneiros portugueses foi marcante. Considerados pelo PAIGC como prisioneiros de guerra, foram tratados de acordo com as Convenções Internacionais.
O governo português não crendo caracterizar a situação na Guiné como uma situação de guerra, recusava-se a aplicar tais Convenções aos seus prisioneiros o que permitiu uma impunidade quanto ao tratamento dos mesmos.
Impunidade que levou ao “desaparecimento” da maioria deles às mãos da polícia política, das milícias e tropas especiais formadas por naturais da Guiné.
O facto de estes actos serem praticados por naturais da Guiné ao serviço de Portugal sobre outros guinéus, não deverá levar a considerá-los menos graves, sob o perigo de uma “graduação” não aceitável por profundamente racista nos seus fundamentos.
Especificamente, a Convenção de Genebra define normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional que mais não são que um conjunto de normas que procuram limitar os efeitos dos conflitos armados tanto no respeitante a indivíduos como às populações não combatentes.
Tendo em conta as numerosas violações destas regras por alguns dos mais representativos (e díspares) países da cena internacional, alguns mais “pragmáticos” têm dificuldade em aceitar a existência de uma “moral internacional” apoiada em princípios jurídicos.
Mas, e com todas as reconhecidas limitações, é a única forma de defesa dos verdadeiramente mais desprotegidos, sejam eles prisioneiros de guerra, populações civis em áreas de combates,ou refugiados.
Uma nítida demarcação entre valores civilizacionais e a lei do mais forte.
Um abraço do J.Belo
Último poste da série > 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados
Assunto - Heróis e heróis: um texto que busca debate
Tendo em conta a duração da guerra e o número de militares nela envolvidos nos três teatros de operações, foram muitos os actos de heroísmo nela praticados.
Como em todas as guerras, alguns procedimentos criminosos terão existido mas, pelo seu número e frequência, não foram representativos.
No caso da Guiné, elementos nativos integrados nas forças militares portuguesas salientaram-se pela sua extraordinária coragem pessoal e dedicação no cumprimento das missões que lhes foram atribuídas. São inúmeros os militares portugueses que a eles devem a vida.
Infelizmente entre alguns dos medalhados, ações do maior heroísmo são acompanhadas por frequentes procedimentos dentro de uma área que legalmente se pode considerar abrangida por sevícias ou mesmo crimes de guerra.
Não só sevícias, a seu modo justificáveis por praticadas no calor dos combates, como também praticadas a “frio” e em situações “resguardadas”.
O contraste com a generalidade do procedimento do PAIGC para com os prisioneiros portugueses foi marcante. Considerados pelo PAIGC como prisioneiros de guerra, foram tratados de acordo com as Convenções Internacionais.
O governo português não crendo caracterizar a situação na Guiné como uma situação de guerra, recusava-se a aplicar tais Convenções aos seus prisioneiros o que permitiu uma impunidade quanto ao tratamento dos mesmos.
Impunidade que levou ao “desaparecimento” da maioria deles às mãos da polícia política, das milícias e tropas especiais formadas por naturais da Guiné.
O facto de estes actos serem praticados por naturais da Guiné ao serviço de Portugal sobre outros guinéus, não deverá levar a considerá-los menos graves, sob o perigo de uma “graduação” não aceitável por profundamente racista nos seus fundamentos.
No contexto do Direito Internacional referente aos conflitos armados, englobando as leis das Convenções de Haia e Genebra, Portugal sempre se referenciou como um país respeitador das mesmas.
Especificamente, a Convenção de Genebra define normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional que mais não são que um conjunto de normas que procuram limitar os efeitos dos conflitos armados tanto no respeitante a indivíduos como às populações não combatentes.
Tendo em conta as numerosas violações destas regras por alguns dos mais representativos (e díspares) países da cena internacional, alguns mais “pragmáticos” têm dificuldade em aceitar a existência de uma “moral internacional” apoiada em princípios jurídicos.
Mas, e com todas as reconhecidas limitações, é a única forma de defesa dos verdadeiramente mais desprotegidos, sejam eles prisioneiros de guerra, populações civis em áreas de combates,ou refugiados.
Uma nítida demarcação entre valores civilizacionais e a lei do mais forte.
Um abraço do J.Belo
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Nota do editor:
Último poste da série > 6 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados
21 comentários:
Será de recordar os três majores do meu CAOP 1, o alferes e os dois guias africanosde Teixeira Pinto,em 1970, que caminharam desarmados ao encontro dos homens do PAIGC e foram por eles cobardemente assassinados. Amílcar Cabral fez um grande elogio a esta acção.
Abraço,
António Graça de Abreu
Meu Caro Amigo e Camarada Graça de Abreu.
Como certamente bem sabes o criminoso acto efectuado por um grupo muito específico,dos já então existentes nas lutas pelo poder no interior do PAIGC.
Foi uma das poucas exceções a todo um modo de procedimento deste grupo político durante cerca de uma década de guerra .
Posso citar um outro crime de guerra cometido pelos guerrilheiros aquando da sua entrada num Destacamento das nossas tropas abatendo a “sangue frio” os graduados portugueses que a população da Tabanca lhes referenciou.
A leres atentamente o meu texto (pretensiosismo meu!) lá encontrarás referido que crimes se cometeram em…todas as guerras.
O que não quer dizer ter esta sido a praxis do PAIGC durante o longo período de guerra, de difícil controle centralizado, por parte de um multi-étnico partido caracterizado pelas mais variadas divergências internas tanto políticas como,não menos,rácicas.
O texto por mim escrito refere-se especificamente a alguns “medalhados” que terão cometido ações passíveis de serem consideradas crimes de guerra.
O facto de se compreender as chamadas “lutas de libertação” não nos torna ingênuos ao ponto de considerar que o PAIGC teve um determinado procedimento para com os prisioneiros portugueses baseado em…”coisas do coração”!
Nestes casos específicos ,e por conveniência da sua propaganda política internacional,procurou usar as Convenções referidas no texto em proveito próprio.
Não fazendo parte dos que sentiram “ necessidades interiores” de dar palmadinhas nas costas dos antigos inimigos( o respeito por ideais não significa, por arrastamento, amizade) não venho aqui propagandear a sua inteligência política no assunto referido.
E,saindo mais uma vez do assunto focado no meu texto,poderíamos referenciar os fuzilamentos, e as mais variegadas sevícias, practicadas pelo governo da Guiné sobre os seus cidadãos que tinham sido combatentes ao serviço da “Autoridade Administrativa Responsável pelo Território da Guiné “, modo de referência usado,e aprovado pelas Nações Unidas que,curiosamente,Portugal nunca abandonou.
Mas estes fuzilamentos já fazem parte de um outro contexto abrangedor.
Contexto no qual um país soberano comete actos extra judiciais sobre os seus cidadãos.
Num caso evidente de às necessidades políticas internas se terem sobreposto à propaganda para o exterior.
Um abraço do J.Belo
Em nenhuma guerra, os combatentes de um lado e do outro vêm, mais tarde, a confessar publicamente que cometeram "crimes de guerra". O maior crime é sempre a própria guerra, e toda a violência passa a ser legitimada pela bandeira ou a causa sob a qual se combate...Podem admitir, isso,sim, que se cometerem "excessos"... Nenhum combatente pode ser juiz em causa própria. Nunca conseguiremos fazer um debate "desapaixonado" sobre este tema que é tabu, e por isso "fracturante"... As experiências do passado, no inicio, do blogue não foram boas... De resto, uma das regras do blogue é a "lei do silêncio" sobre certas práticas, individuais ou grupais... Há coisas que podemos confessar ou relatar nos livros de memórias ou de ficcão, mas dificilmente num blogue de camaradas de armas. É mais fácil falar da violência do "outro", o "inimigo" de então...
...Falamos dos nossos "excessos" com alguma naturalidade e até "cumplicidade" à mesa,face à face, com ou outro camarada, quando nos reencontramos nos nossos convívios. São conversas "off record".
De resto, é "mais fácil" falar aqui na caixa de comentários (o nosso "confessionário...) do que postar certas coisas na montra do blogue...
Olá Camaradas
Recordo também o assassínio do "Azenavour" que o António Moreira recorda por vezes. Era um alferes parecido com o Charles Azenavour que, gravemente ferido nas pernas, gritou dizendo quem era e que se rendia e foi assassinado, mesmo assim. Mas há mais... E vêm no blog. A contradição começa quando o governo português considera os guerrilheiros como presos (políticos?) (de delito comum?) (ou de guerra?). Sei que houve um oficial que apresentou a sua demissão por considerar que não queria participar numa "Guerra Civil", uma vez que os guineenses também eram portugueses...
Como seria o ambiente na Ilha das Galinhas onde estavam presos capturados do PAIGC. Nem sabemos quantos e o que é pior é que nem eles sabem...
Por mim creio que mutilar um cadáver e guardar partes dele, como se faz em tantas guerras, mão é uma selvajaria é uma estupidez, uma prática de menoridade mental, mas há quem aplauda.
Um ab.
António J. P. Costa
"Porta do cavalo": boa definição...
Mas deixa dizer-te, Zé Belo, que a nossa geração, de antigos combatentes, tem o dever e o direito de memória, incluindo o direito a defender a sua honra... Há coisas que ainda hoje ouvimos, de amigos, colegas e até familiares próximos, que nos chocam, ferem os nossos sentimentos e a nossa dignidade como portugueses e seres humanos: "Pois, se calhar andaste lá na Guiné a matar crianças, mulheres e velhos!"... É uma insinucação intolerável.
Claro, que eu respondo por mim, mas também ponho a mão no lume por muitos camaradas que conheci (e que estou a conhecer agora, ao longo destes anos todos)...
Quando em 30 soldados, (pelotão) aparecia um elemento com sentimentos de "carniceiro", era evidente o afastamento e repúdio pelos outros 29 dessas ideias e desse elemento.
Uns podiam calar-se e afastarem-se do dito carniceiro, mas outros reagiam e caiam em cima dele, que era preciso alguma coragem para o enfrentar, em circunstâncias de cabeça perdida.
Quanto ao destino do IN que era enviado para a PIDE, isso era mais do conhecimento a partir de capitão, cá por baixo pouco se vinha a saber.
Direta ou indiretamente, foram 13 anos dentro ou junto da guerra, em várias circunstâncias.
Ás vezes sabia-se mais estando cá fora.
Mas havia o boato que desmultiplicava os factos.
Meu caro Zé Belo. Direitos humanos ou guerra é guerra? Porque é que Amílcar Cabral elogiou o assassínio bárbaro dos três majores?
Recordo o seu comentário e satisfação:
Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai.
Secretário: Vasco Cabral.
Amílcar Cabral – "Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais."
Direitos humanos?
Abraço,
António Graça de Abreu
No ano de 1971, apercebi-me que no geral as maiores operações militares eram realizadas pelas companhias de comandos africanos, que já havia bastantes. Antes de eles intervirem, os objectivos eram intensamente bombardeados, durante dois ou três dias, pela aviação e por obuses de longo alcance que eram transportados para aquartelamentos próximos ( no Morés eram assim). Depois as tropas eram lançadas de helicópteros, a fazer não sei bem o quê, pois depois de um bombardeamento tão intenso, de certeza que não iriam encontrar guerrilheiros, Todas essas operações eram planeadas pelos altos comandos em Bissau. Não posso falar do que não vi, porém havia muitas vozes, algumas chegaram-me aos ouvidos.
Para mim os culpados pelos excessos foram os altos comandos militares e o poder político que estava em Bissau e em Lisboa.
Amigo José Belo é sempre um prazer manter um diálogo contigo, mesmo que curto. Um grande abraço.
Francisco Baptista
Caros amigos,
O Luis Graça já chamou a nossa atenção sobre os temas fracturantes, e este que o amigo JB nos trouxe é um deles.
E, o Francisco Baptista, na sua forma peculiar de falar transmontano resumiu tudo em poucas palavras: O único responsável ou responsáveis daquela guerra estavam em Lisboa e em certa medida, se quisermos alargar um pouco, em Bissau.
Detesto estar de acordo com o AGA, mas quando somos portugueses, de que serve aplaudir a actuação de um Partido como o Paigc que, todos sabemos, nunca teve principios orientados para o respeito nem de direitos nem de vidas humanas.
O JB, que respeito muito, fala de "medalhados" de "milicias" de nativos, mas esquece que, do ponto de vista jurídico e da lei portuguesa, todos eram "portugueses" !?...
Há um ditado guineense que diz: " Porque te preocupas tanto com a queda e não vês onde deste a topada ?!".
As tais Convenções, que de resto não convencem ninguém, foram feitas para se cumprir ?...Se sim, e porque os seus inteligentes fazedores não as cumprem ???
E porque razão os ex-combatentes portugueses gostam tanto de dar tiros nos próprios pés ?... Será por idealismo a mais ou por esperteza saloia que impede a visão e prática do "real-politic" ou pragmatismo dos grandes países que nunca têm amigos nem "re"conhecem direitos sobre os seus interesses !?
Os naturais da Guiné, usados de um lado e d'outro numa guerra que podia e devia ser evitada não devem ser bodes expiatórios dos excessos cometidos, de forma alguma.
Não me recordo, nem antes nem depois, de uma cena de entrega de prisioneiros da parte do Paigc, dos portugueses, naturais da Guiné. Por outro lado, Portugal utilizou a mesma propaganda sempre que se tratasse de internacionais Cubanos porque assim ditavam seus interesses.
Na minha opinião, as únicas convenções que, de facto intetessam, são as que podem evitar as guerras e não tentar controlá-las e envolvé-las num manto de hipocrisia internacional que só serve para dominar os mais fracos e convencer os mais...
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Pois, o problema surge quando um frasco com uma orelha em formol questiona a coragem constante em presença do inimigo, pelas suas virtudes militares, espírito de sacrifício, decisão, alheamento consciente do perigo, prestígio pessoal sobre as tropas comandadas ou entre os seus camaradas e superiores se impõe como um alto valor moral da Nação.
Valdemar Queiroz
p.s. o surrealismo tem destas coisas
Olá Camaradas
Mas esta discussão tem algum interesse?
Já houve alguma melhoria/alteração no que já foi dito?
Depois disto o que é que virá? A velho questão dos "filhos do vento"?
Por mim será boa ideia pensarmos antes de irmos buscar os assuntos fracturantes...
Um Ab.
António J. P. Costa
Grato a todos os que se deram ao trabalho de ler, e comentar,este meu texto.
Gratidão também aos que,amigavelmente, sempre me ajudam a apreciar o ar livre que há mais de quatro décadas tenho tido o privilégio de diariamente respirar.
Um abraço do J.Belo
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