Dois comentários do Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF (Piche e Bissau, 1970/72), nosso colaborador permanente (provedor do leitor), com cerca de 180 referências no blogue, os quais merecem ser publicados, como poste, na nossa "montra grande", na série "A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra" (*)
(i) O Depósito Geral de Adidos
Estas "histórias/recordações" que o Luís Graça nos presenteia (*), têm muito "sumo" pelo qual se podem abordar e comentar.
Aqui, e agora, não me vou aventurar a comentar os dois episódios, conto fazê-lo depois.
Agora é só para me centra em dois tópicos que têm vindo a ser referidos: os Adidos e a Rua da Atalaia, ao Bairro Alto.
Então, relativamente à Rua da Atalaia, que é, hoje por hoje, uma rua cheia de estabelecimentos de restauração e bar muito concorridos, já teve várias evoluções ao longo do tempo, desde que passou a ser local de "peregrinação noturna".
Relativamente ao Depósito Geral de Adidos, pois também fui "cliente".
Não tenho a certeza de já ter referido isto mas, enquanto não foi atribuído transporte marítimo para a Guiné, estive adido aos Adidos. Recordo que saiu a minha mobilização a 1 de Setembro de 1970, mais uns dias no Porto para fazer já não me lembro o quê, depois os tais 10 dias das "NNM qualquer coisa" e a partir daí "cliente dos Adidos. A marcação opara o embarque foi para o dia 26 de Outubro, o que quer dizer que devo ter estado "adido" cerca de mês, mais coisa, menos coisa.
Durante esse tempo só passava por lá para ver quando estava escalado para serviço e de todas as vezes que isso aconteceu, dei "a matar" o serviço. Só que uma vez que um camarada de Santo Tirso estava escalado, não consegui a sua substituição e fui eu que o fiz.
Tentaram vender-me um "casaco de antílope", que recusei, e tive que escolher entre um "Sharp" e um "Casio" resultado de um contentor que tinham "ajudado a descarregar", para não ter problemas durante a ronda...
Como passatempo (não dava para deitar na cama sem correr o risco de ser atirado ao chão pelos "percevejos seus habitantes habituais"), presentearam-me com lições de carteirismo que consistiu, por exemplo, em treinar retirar um documento ou carteira do bolso de uma camisa e/ou de um casaco, pendurado num cabide suportado por uma corda passada entre dois armários.
Muito educativo.
Hélder Sousa, 29 de junho de 2022 às 00:20 (**)
Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça.
Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e, tremelicando, aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "Olha, se me molhas, bato-te!", deixando desconcertado o pobre homem.
Quanto ao "Grelhas" de Catió, teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...
Hélder Sousa
30 de junho de 2022 às 19:11 (*)
(*) Último poste da série > 29 de junho de 2022 >Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)
Estas "histórias/recordações" que o Luís Graça nos presenteia (*), têm muito "sumo" pelo qual se podem abordar e comentar.
Aqui, e agora, não me vou aventurar a comentar os dois episódios, conto fazê-lo depois.
Agora é só para me centra em dois tópicos que têm vindo a ser referidos: os Adidos e a Rua da Atalaia, ao Bairro Alto.
Então, relativamente à Rua da Atalaia, que é, hoje por hoje, uma rua cheia de estabelecimentos de restauração e bar muito concorridos, já teve várias evoluções ao longo do tempo, desde que passou a ser local de "peregrinação noturna".
Devem lembrar, ou pelo menos ter ouvido falar, num bar muito "badalado" na década de 80, o "Frágil", que ficava nessa rua e que foi, à época um precursor do que hoje é quase "o pão nosso de cada dia", genericamente chamados de "bar gay". Passei por lá há pouco tempo (em serviço....) e é um outro tipo de estabelecimento, o "Cheers", com muito bom aspeto.
Relativamente ao Depósito Geral de Adidos, pois também fui "cliente".
Não tenho a certeza de já ter referido isto mas, enquanto não foi atribuído transporte marítimo para a Guiné, estive adido aos Adidos. Recordo que saiu a minha mobilização a 1 de Setembro de 1970, mais uns dias no Porto para fazer já não me lembro o quê, depois os tais 10 dias das "NNM qualquer coisa" e a partir daí "cliente dos Adidos. A marcação opara o embarque foi para o dia 26 de Outubro, o que quer dizer que devo ter estado "adido" cerca de mês, mais coisa, menos coisa.
Durante esse tempo só passava por lá para ver quando estava escalado para serviço e de todas as vezes que isso aconteceu, dei "a matar" o serviço. Só que uma vez que um camarada de Santo Tirso estava escalado, não consegui a sua substituição e fui eu que o fiz.
Tentaram vender-me um "casaco de antílope", que recusei, e tive que escolher entre um "Sharp" e um "Casio" resultado de um contentor que tinham "ajudado a descarregar", para não ter problemas durante a ronda...
Como passatempo (não dava para deitar na cama sem correr o risco de ser atirado ao chão pelos "percevejos seus habitantes habituais"), presentearam-me com lições de carteirismo que consistiu, por exemplo, em treinar retirar um documento ou carteira do bolso de uma camisa e/ou de um casaco, pendurado num cabide suportado por uma corda passada entre dois armários.
Muito educativo.
Hélder Sousa, 29 de junho de 2022 às 00:20 (**)
(ii) O "Grelhas" e o "Ruizinho pugilista" de Catió
"Grelhas" poderá haver muitos!
Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) terem as barras com espaços apertados para evitar fugas, e que com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão como "ver o sol aos quadradinhos".
Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF, Nélson Batalha, contou-me alguns episódios passados com um tal "Grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 1971, [O "Grelhas", Armando de seu nome próprio, hoje taxista no Porto, pertenceu à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022 .]
Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) terem as barras com espaços apertados para evitar fugas, e que com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão como "ver o sol aos quadradinhos".
Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF, Nélson Batalha, contou-me alguns episódios passados com um tal "Grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 1971, [O "Grelhas", Armando de seu nome próprio, hoje taxista no Porto, pertenceu à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022 .]
Presumo ser a mesma pessoa. Acho que havia como que uma espécie de "companhia disciplinar" que, além do "Grelhas", comportava mais alguns militares que provinham do cumprimento de penas.
Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça.
Calmamente, segundo ele, pegou no relógio, subiu as escadas, entrou na casa, perguntou qual foi a mão que atirou o relógio e, após a resposta. partiu-lhe o braço respetivo. Hospital, queixa, prisão.
Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e, tremelicando, aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "Olha, se me molhas, bato-te!", deixando desconcertado o pobre homem.
Quanto ao "Grelhas" de Catió, teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...
Hélder Sousa
30 de junho de 2022 às 19:11 (*)
__________
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 29 de junho de 2022 >Guiné 61/74 - P23397: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (2): a minha passagem pelo Depósito de Adidos, em Brá, em 1973: como sargento de dia à Casa de Reclusão Militar, fiz uma escala de serviço para que os presos (alguns violentos) pudessem sair e entrar, "livremente", "ir às meninas" ao Pilão, petiscar em Bissau, etc. (Augusto Silva Santos, ex-fur mil, CCAÇ 3306, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/72, e Depósito de Adidos, Brá, 1973)
Vd. poste anterior da série > 29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)
(**) Vd. poste de 28 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23391: A galeria dos meus heróis (46): uma história pícara de três “a(r)didos” - II (e última) Parte (Luís Graça)
5 comentários:
Helder, obrigado pela partilha. Acho que toda a gente tem histórias pícaras para contar.
Sem querer (nem poder) generalizar, e muito menos "pôr adesivos ou etiquetas" na testa de ninguém, a verdade é que a tropa e a guerra também foram uma "escola de malandragem"... Houve quem fosse para lá como "menino de coro" e regressas e como "bom malandro"...
Esta é uma série de "humor de caserna", onde todos podem participar com histórias que hoje já não ofendem ninguém...
Gralha: "regressasse"...
"Escola de virtudes" mas também de malandragem... Pouca gente do nosso tempo, em que o serviço militar era obrigatório, havia uma guerra bem longe de casa e vivia-se em ditadura,dirá honestamente que foi "o melhor tempo da sua vida"...
Olá Luís
Olha que não se pode generalizar.
É verdade, é bem verdade, que a "coisa" para muitos não correu bem, não correu mesmo nada bem, uns morreram, outros ficaram feridos fisicamente, outros psicologicamente.
A todos, foi o tempo de afastamento de familiares, de amigos, de estudos, do trabalho.
A todos, foi a angústia do desconhecimento do que os esperava, em termos de flora e fauna, das características do território, das populações, da atividade operacional.
A todos, ficava a esperança de, no fim da comissão, poder regressar "vivo, são e inteirinho".
Sem dúvida que tudo somado desde que se "assentava praça" até que se atingisse a disponibilidade, decorreram muitos meses de vidas interrompidas, de muitas dúvidas, angústias, interrogações, dos próprios e familiares e isso, por si só, não pode ter sido "coisa boa" mas, e há sempre um "mas", foi também um tempo de crescimento, de maturidade, de criação de amizades, das verdadeiras, de construção de personalidades.
E isso traduziu-se no que nós, por aqui, percebemos ser o resultado do que depois se tem traduzido na reposição destas memórias, dos convívios e também na criação de novos relacionamentos e descobertas.
Com isto quero dizer que é possível que se possa dizer que houve momentos, episódios, situações, etc., que se podem enquadrar na frase "o melhor tempo da sua vida".
Por mim, é sabido que não fui um "operacional", daqueles que pertenceram aos "especiais" (comandos, fuzileiros, paraquedistas, etc.) que alinharam sempre em constante perigo, nem pertenci também a nenhum tipo de "tropa de quadrícula" em tivesse que alinhar em emboscadas, golpes-de-mão, constantes colunas perigosas, etc.
Fui em rendição individual, estive numa Unidade no leste, integrei para me deslocar algumas colunas, sofri algumas flagelações, convivi com ataques ao quartel, estive presente aquando da malfadada "Operação Mabecos". Mas ganhei amigos e vivi tempos irrepetíveis. Foram "os melhores da vida"? Não terão sido, certamente, mas recordo com simpatia muitos momentos e situações vividas.
Hélder Sousa
Já agora, e em complemento, aqui vai mais uma situação interessante.
Pelo menos para mim.
Há dias recebi um mail de um camarada nosso, da Guiné, que me desafiava a percorrer a minha memória e tentar perceber se, por acaso, não nos teríamos conhecido antes do Blogue e respetivos convívios, incluindo as diversas Tabancas entretanto criadas.
Espicaçado pela curiosidade, entrei em contacto com ele e deu-me algumas pistas, dizendo que algumas indicações minhas, como por exemplo ser natural de uma aldeia junto ao Cartaxo, ter referido conhecer (relativamente, claro) o Bairro da Encarnação, em Lisboa, ter "Valério" como apelido, lhe diziam que teríamos alguns pontos de contacto.
E realmente assim foi.
Ele revelou que em tempos de juventude vivia no Bairro da Encarnação e onde tinha como amizade um outro jovem também com apelido "Valério" e que, por via dessa amizade, fazia algumas férias numa aldeia chamada Vale da Pinta.
Confirmei que esse tal "Valério" era familiar, embora num grau já afastado.
Nessa minha aldeia há uma quinta que era designada na gíria pela "Quinta do Sampaio", e era pertença do antigo político, o Embaixador Teixeira de Sampaio e uma outra quinta do "Ramada Curto", que pertencia a esse advogado que ficou famoso por ter defendido uma pessoa que era acusada ter ter chamada "filho de puta" a alguém que procurou vingar a ofensa em tribunal. Pois conta-se que o Dr. Ramada Curto fez uma defesa tão brilhante do réu, alegando o tom coloquial com que a frase poderia ser encarada e mais algumas outras alegações, que o Juiz ilibou o réu. Quando o réu agradeceu o Juiz disse-lhe "não me agradeça a mim, agradeça antes ao "filho da puta" do seu advogado"!
Para além destas quintas havia também uma outra quinta menor, pertença a um tal "Parente", que tinha 3 ou 4 moinhos. Lembrava-me de se falar que uns "meninos de Lisboa" durante as férias grandes, tinham resolvido brincar com um deles e acabaram por estragar as velas e encravando os varais.
Pois fiquei agora a saber que esses tais "meninos de Lisboa" eram mesmo os parceiros do Bairro da Encarnação.
E foi assim, deste modo, que eu e o Sacôto, se não nos cruzámos antes (sou um bocadito mais novo...) estivemos então muito próximos.
Hélder Sousa
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