Queridos amigos,
Para saber um pouco mais sobre o aparecimento e funcionamento da Escola Colonial que teve a sua origem na Sociedade de Geografia de Lisboa em 1906 recomenda-se a leitura do artigo publicado em TECOP - Textos e Contextos do Orientalismo Português. A Escola tinha o seu anuário e qualquer estudioso da Guiné poderá confrontar a importância que ela tinha nos estudos dos futuros administradores e outros quadros coloniais, recorde-se que o estudo das línguas nativas era nesta escola a prioridade das prioridades. O que me parece logo curioso na observação do aluno é ele querer privilegiar a rede hidrográfica, isto a um tempo em que as escolas coloniais introduziam a discussão nos caminhos-de-ferro e da ampliação da rede de estradas macadamizadas. Um outro aspeto que me parece da maior utilidade e que se depreende da leitura deste trabalho escolar é o entusiasmo quanto às potencialidades guineenses, o que está em conformidade com os diferentes estudos feitos na época. Não é percetível a queda da importância da borracha, mas sabemos que a I Guerra Mundial foi determinante para o crescimento da cultura do arroz, e assim será até à década de 1950.
Um abraço do
Mário
Dados sobre a Guiné no início da década de 1920, trabalho de um aluno da Escola Colonial
Mário Beja Santos
A Escola Colonial nasceu em 1906 na dependência da Sociedade de Geografia de Lisboa, era a primeira tentativa séria de formar quadros da administração e conhecedores das múltiplas línguas nativas faladas nas parcelas do Império. Quem lê o anuário da Escola Colonial encontrará as caraterísticas dos diferentes sistemas de ensino, os seus conteúdos e, curiosamente, trabalhos dos alunos. A folhear o Anuário de 1923-1924 encontrei um trabalho de um aluno sobre a Guiné, é óbvio que quem o elaborou consultou estatísticas mas não esconde o seu entusiasmo quanto às potencialidades da colónia.
Depois de dizer que a Guiné está a cinco ou seis dias de viagem da metrópole e que está a conhecer melhores indicadores de desenvolvimento, refere os seus principais portos: Bolama, Bissau, Cacheu, Cacine e Bafatá, adiantando que os principais rios que constituem a rede fluvial são Cacheu, Mansoa, Geba, Corubal e Compony (? incompreensível a referência, este rio situa-se no que é hoje a Guiné Conacri, à época fazia parte da Guiné Francesa). O porto de Bissau já era o de maior movimento, tinha a sua importância por fazer o comércio proveniente dos Bijagós e do Rio Grande de Buba. Ponto curioso é o aluno defender a rede hidrográfica em detrimento dos transportes terrestres, na época vários institutos coloniais já davam primazia à importância do transporte terrestre, e como pude verificar quando estudei a correspondência do BNU da Guiné, os comerciantes defensores da manutenção da capital em Bolama propunham uma rede viária por toda a colónia, que assim privilegiaria o tráfego comercial de Bolama sobre Bissau. Pois bem, o aluno apostava no desenvolvimento da Guiné pela sua rede hidrográfica navegável por pequenos vapores e lanchas: “Limpando e melhorando alguns dos canais e estudando melhor a hidrografia, poucas serão as estradas a abrir como grandes artérias de comércio, e essas mesmas quase se limitam ao oriente da província, na região entre o Corubal e o Geba”.
E refere as riquezas da agricultura, o seu solo ubérrimo que produz mancarra, arroz, cana-sacarina, algodão, tabaco, cola, borracha, magníficos pastos, muita pesca, ouro (?), no entanto, impunham-se trabalhos, tais como, a balizagem das barras do Cacheu, do Canal de Orango e do Cacine, completando as dos de Geba e Arcas, colocando faróis na ponta oeste de Bolama e no porto de Bissau, intensificando o alumiamento da costa. E de seguida o aluno lança-se nos números para mostrar a crescente importância do impor, expor e do movimento comercial, com exceção dos anos 1914 e 1915, início da guerra. Os produtos mais exportados eram o arroz, o amendoim, o coconote, a borracha, a cera e os couros secos. Os países-destino das exportações eram principalmente Portugal, Espanha, França, Holanda e Reino Unido; a Marinha que mais frequentava a colónia era a alemã, seguindo-se a portuguesa, a francesa, a grega e a britânica. As importações de Portugal tinham crescido significativamente, mas o aluno dizia abertamente que Portugal ainda não tinha no comércio da colónia o lugar que lhe devia pertencer.
E dá sugestões:
“Seria desejável que o comércio e indústria nacionais se abalançassem à concorrência com o comércio estrangeiro no fornecimento de tecidos de algodão aos indígenas tendo, como têm, por si, as vantagens provenientes de um menor frete, dada a proximidade que existe entre a colónia e a metrópole. O facto de a indústria dos algodões ser a primeira, pela sua importância, entre as indústrias nacionais, gozando de uma enorme proteção pautal, devia impô-la à concorrência das estrangeiras. Mas infelizmente não se dá isso ainda. Nós ainda vemos a França e a Inglaterra venderem aquilo que nós, por uma questão de interesse e de amor próprio, devíamos procurar ser os únicos a vender.
Antes da guerra, a Guiné importava, como a metrópole o fazia, quase todo o arroz que necessitava para o seu consumo, importância essa que orçava por uns 60 a 70 contos anuais. Com a guerra, a Guiné com a falta de transportes, ficou na situação de suportar necessidades e quase a fome com a falta desse produto, que constitui a base da sua alimentação, ou na contingência de ter de cultivar. Assim fez; e optando por esta solução, de tal forma se dedicou a esta cultura que, tendo importado 70 contos de arroz em 1914, em 1915 somente importou 21 contos e em 1916 somente 697 escudos; hoje possui o arroz para o seu consumo e com pouco de boa-vontade esta colónia poderia ser a fornecedora da metrópole. Apesar de a Guiné ter terrenos esplêndidos para a cultura do arroz, aonde poderia ser feita uma cultura intensiva e próspera, a metrópole vê-se na necessidade de importar ainda, anualmente, 20 milhões de quilos do estrangeiro! Com a carne dá-se outro tanto. É Portugal um dos países da Europa aonde a carne é mais cara e aonde a sua população menos quantidade come, devido ao seu elevado preço. Pois na Guiné, a cinco dias de viagem da metrópole, aonde ela não falta e as pastagens são abundantíssimas, e aonde os indígenas têm magníficas aptidões para a criação de gados, desde 1916, deixaram-se morrer devido a uma epizootia pneumónica, mais de 100 mil cabeças de gado, em virtude de não se ter mandado para lá um veterinário e respetivo pessoal competente para combater a epidemia, como a colónia insistentemente pediu.
Com a borracha dá-se facto idêntico; há no sertão milhares de toneladas; pois o indígena não a extrai ou, se a extrai, fá-lo por forma a perder-se a maior parte e a desvalorizar-se a que se aproveita. Esta borracha vai para a Inglaterra e depois nós importamo-la!”.
No termo do seu trabalho, o aluno não identificado lista as medidas que julga indispensáveis para incrementar o desenvolvimento da colónia: intensificar as carreiras marítimas; melhorar a iluminação da costa; apetrechamento dos portos de modo a permitir uma rápida vazão dos produtos; procurar desenvolver nos territórios de leste a criação de gados; ensinar aos indígenas os modernos processos de cultura dos produtos existentes na colónia; completar o estudo da sua hidrografia; manter uma flotilha de pequenos vapores para passageiros e carga entre os portos da província; intensificação de comunicações com Cabo Verde, aumentando assim as suas relações comerciais.
Aqui se deixa o olhar de um aluno da escola colonial há cerca de um século.
A Sociedade de Geografia de Lisboa, gravura de 1901
Imagem antiga do cais do Pidjiquiti
____________Nota do editor
Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23378: Historiografia da presença portuguesa em África (322): A Guiné e as Campanhas Coloniais (1850-1925) (Mário Beja Santos)
2 comentários:
A fotografia "A Sociedade de Geografia de Lisboa, gravura de 1901", assim identificada, engana as pessoas que não conhecem o edifício.
A fotografia é do edifício do novo Coliseu dos Recreios de Lisboa, na Rua das Portas de Santo Antão.
Em 1876, a SGL alugou à Empresa do Coliseu dos Recreios de Lisboa uma parte, o lado esq., que vendo bem não chega a um terço do edifício.
Valdemar Queiroz
Essa escola formava e mandava para o Ultramar alguns daqueles funcionários a que se chamava os Intendentes, que hierarquicamente estavam acima dos Chefes de posto e dos Administradores.
Não havia muitos, era um bom tachito, não davam muito nas vistas, mas tinham bastante projeção na sociedade, até davam para "meter umas cunhas".
Como todos os que lá estávamos tinham a sua utilidade.
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