Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.
1. Mensagem do Joaquim Costa, com data de 27 de novembro passado:
Bom dia, Luís: como vai essa perna? Espero que em plena recuperação.
Por sugestão do nosso camarada Beja Santos envio partes do meu livro, no qual faço referência à família e infância, para caso de consideres pertinente o partilhares com os camaradas e amigos do blogue.
Sempre a considerar-te e um grande abraço. Joaquim Costa.
2. Comentário do editor LG:
Obrigado, Joaquim. São histórias dos primórdios do "Tigre Azul" e "Furriel Pequenina", que complementam o teu livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel pequenina". É verdade, todos temos uma origem, uma mãe, e quase sempre um pai e, naquele tempo, um bando de irmãos... E, na maior parte dos casos, uma alcunha... A infância e a adolescência da geração que fez a guerra e a paz, não diferem muito de Norte a Sul, de Vila Nova de Famalicão à Lourinhã. Estas memórias, que faziam parte do plano original do teu livro, têm todo o cabimento no nosso blogue. Para mais, estão recheadas com o teu saudável e fino humor. Saúdo, por isso, a tua reaparição. E aproveito para te desejar, a ti e a toda a família, um Bom Natal e um Melhor Novo Ano de 2023. Em meu nome e dos demais editores e colaboradores permanentes do blogue. Eu, por cá, vou indo... Um alfabravo fraterno. LG
Origens do Tigre Azul: Nado e criado entre Famalicão e o Porto (Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351, Cumbijã. 1972/74) - Parte I: A pomada milagrosa
O tigre azul ou tigre maltês (espécie muita rara), foi visto na província chinesa de Fujian. Eu asseguro que existiu uma família desta linda espécie em Vila Nova de Famalicão
Sendo o sétimo filho do José e da Gracinda, tendo em conta a época, nasci em berço de ouro,
o mesmo não podem dizer-se dos meus irmãos.
O pai Zé e a mãe Gracinda viveram a miséria dos tempos da primeira e da segunda guerras mundiais e da gripe espanhola, saindo destes conturbados acontecimentos sem esmorecerem, continuando a lutar, resilientes, por uma vida melhor para a família
O Zé, naquele contexto, trabalhou numa pedreira (de granito), mais escultor que pedreiro, tal a arte como trabalhava a pedra. Não tendo frequentado a escola, lia o jornal (devagar, devagarinho), e fazia contas como ninguém. Quase “bacharel”, na aldeia abriu uma pequena mercearia/taberna, que para além de melhorar as sua condição de vida, lhe deu estatuto social e garantia de eleitor, na União Nacional, claro! (manga de ronco).
A minha memória está cheia de memoráveis e ternurentas histórias vividas com o meu pai, mas a da ida ao médico...!!!
O meu pai andava há vários dias a queixar-se com dores nas costas, situação que não o deixava dormir nem fazer as suas lides diárias no amanho de um pequeno terreno. A minha mãe já não suportava tanto queixume, lembrando que também lhe doía um joelho e que não se queixava tanto. Contudo, sugeriu, para sossego dela e dele, que fosse ao médico, ao Dr. Cândido, proprietário de uma quinta na região, e grande produtor de vinho.
A insistência da minha Mãe acabou por o convencer. Vai daí, convidou-me para ir com ele ao dito médico. O percurso acidentado para a casa do médico foi feito em esforço, com paragens frequentes para dar descanso às costas do meu pai. As queixas eram tantas que até eu sentia as dores do Velho.
Chegados à casa senhorial do médico, depois de uma caminhada sofrida, demos dois puxões ao arame que acionava uma sineta de bronze, acordando os cães, que foram os primeiros a chegar ao portão. Logo de seguida chega a empregada, de avental branco de linho com “folhinhos” de renda, que lhe dava um ar angelical, nossa conhecida, que saúda o meu pai:
− Então, sr. José! Tudo bem lá em casa? O que o traz por cá? Coisa boa ou coisa má?... (coisa boa se vinha comprar vinho, coisa má se vinha por causa de alguma maleita.)
Respondeu o meu pai que gostaria de ser consultado pelo Doutor, sobre uma ligeira, mas incomodativo, dor de costas:
− Muito bem, sr. José, entre e espere um pouco neste banco de pedra que eu vou chamar o patrão que está lá para baixo para o lameiro.
Passados uns bons minutos chega o Dr. Cândido, de galochas enlameadas, de enxada na mão, chapéu de palhinha na cabeça, camisa branca salpicada de suor, mancando ligeiramente:
− Boa tarde, sr. José, desculpe a minha demora mas ultimamente tenho andado com umas dores nas costas que nem me deixa dormir nem fazer o que mais gosto que é as minhas caminhadas pelos campos. Mas não vale a pena a gente queixar-se Sr. José, tal como sabiamente dizem os homens na sua taberna, é o “PêDêI”, e quanto a isso nada há a fazer a não ser aligeirar esta maldita dor com a pomada da adega.
Fomos então encaminhados para a dita adega (o consultório) onde o bom homem e excelente médico (o nosso João Semana) partiu um pouco de pão de milho, ainda quente, acabado de sair do forno, e avantajadas fatias de presunto. Enquanto ia tirando o batoque da pipa para vazar vinho para uma caneca de barro, pergunta ele ao meu pai:
− Então o que o trás por cá, sr. José?
O meu pai ficou desarmado pelo desabafo do médico e já não teve coragem para dizer ao que vinha e começou a gaguejar, acabando por dizer que vinha saber se ainda tinha alguma pipa disponível para venda.
“Bucha” de pão e naco de presunto puxa pela pinga… a pinga puxa pelo pão e pelo naco de presunto e este pela pinga e assim sucessivamente até a conversar começar a tropeçar no arrastar das palavras.
Abruptamente, enquanto se sentia, ainda, algum discernimento, avançou-se para o negócio
Selou-se o mesmo com mais um brinde, e, já com as dores de costas atiradas para trás das costas, regressamos a casa, com o meu pai curado, dada a desenvoltura e alegria como caminhava, e ainda com uma garrafa de vinho no alforge oferecida pelo médico.
Chegados a casa, logo a Gracinda perguntou ao Zé:
− Então! e o médico, receitou-te alguma coisa para as costas?
− Deu-me lá uma pomada milagrosa que me limpou logo a dor.
− Ainda bem! E trouxeste mais dessa milagrosa pomada?
− Trouxe...
− Dá cá então para eu pôr também aqui no meu joelho a ver se me dá cabo desta dor malvada…
− Diacho de mulher!… − desabafa o Zé.
(Continua)
___________
Nota do editor
(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21827: Tabanca Grande (508): Joaquim Costa, ex-fur mil at Arm Pes Inf (CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74), natural de Vila Nova de Famalicão; senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 826
(*) Vd. poste de 30 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21827: Tabanca Grande (508): Joaquim Costa, ex-fur mil at Arm Pes Inf (CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74), natural de Vila Nova de Famalicão; senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 826
6 comentários:
João Semana
Da galeria de tipos rústicos apresentados em As Pupilas do Senhor Reitor, de Júlio Dinis, destaca-se a figura do velho médico rural João Semana. "Apesar das aparências de homem endurecido, de que fazia ostentação", é um homem bondoso e abnegado, sempre ao serviço dos outros.
Fonte_
Porto Editora – João Semana na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2022-12-18 17:42:22]. Disponível em https://www.infopedia.pt/$joao-semana
Belo texto, Costa, e que pomada.
Até parece que estamos dentro da cena, só faltou saber se ajudaste o teu pai no regresso do "centro de saúde".
Tirando a pomada foleira do Dafonseca e mistelas chenesas, a pomada pras costas do Ti Costa ficou com marca registada para sempre, aviada sem ser em farmácias e de fácil arrumação numa garrafeira.
Na Figueira da Foz havia um "consultório" muito interessante, agora não me lembro do nome do "médico". Sei que ficava na rua do Casino e aviava os "remédios" em conformidade.
Dor de dentes.....bagaço de vinho verde
Dor de cabeça......tinto maduro
Dor nas costas......tinto verde
Dor de barriga....ginjinha
E assim era, 'senhor doutor hoje dói-me os pés', dizia um recruta. Para os pés não tenho nada, mas tenho um branco da bairrada para a barriga das pernas, receitava o "médico".
Abraço e boas pomadas
Valdemar Queiroz
Joaquim, a gente hoje "brinca" com a falta de cuidados de saúde na nossa terra, quando nascemos... Tu e eu (que sou um pouco mais velho do que tu) ainda somos do tempo do parto com dor, de acordo com a punição divina, bíblica, tudo por causa do "incesto" de Adão e Eva...
A história que contas da ida do teu pai ao médico, o dr. Constantino, o "João Semana" da tua terra, pode multiplicar-se por mil... Nessa época existiam em Portugal cerca de 6 seis mil médicos.... (7 mil em 1960). Mais de metade concentrados em Lisboa, e o resto por Porto e Coimbra, as cidades universitárias... O resto dos distritos apanhavam as sobras... Quantos médicos tinha Famalicão ? Se calhar, não mais do que na minha terra, que eram 3... A tendência era para virem de fora, e fazerem bons casamentos com as filhas de médios e grandes proprietários agrícolas... E depois tinhas um mísero hospital da misericórdia... A tua misericórdia é de 1872, a minha já vem do tempo dos Filipes (1581, se não erro)...
Boas festas. Luis
Joaquim, hoje tempos 60 mil médicos e há gente (mais de um milhão) sem médico de família...
Meus caros amigos Luís e Valdemar,
Já nos anos 50/60 se ia às “Urgências” sem necessidade!
Quem sou eu para contrariar o Mestre em saúde Pública.
Em Famalicão ou em qualquer outro ponto no interior do país as duas entidades locais de saúde eram a parteira/aparadeira e o endireita (que na minha aldeia era o sapateiro).
Meu caro Valdemar fiquei maravilhado com o último programa da Fátima Campos Ferreira (Primeira Pessoa), cujo entrevistado foi o Maestro Vitorino de Almeida, tendo como cenário: Caminha e a praia de Moledo. Uma lágrima correi ao ver o programa. Se não vista aqui tens o link.
Um grande abraço e um Santo Natal são os votos do do amigo Costa que ainda não desistiu de ir à Montanha.
https://www.rtp.pt/play/p10074/e658816/primeira-pessoa
Ah! grande Costa, não podia perder o Vitorino de Almeida e Moledo do vento e mar de água fria.
E ir a Vilar de Mouros era como subir a Montanha.
Abraço, Feliz Natal e saúde da boa
Valdemar Queiroz
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