sábado, 20 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24329: Os nossos seres, saberes e lazeres (573): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (103): Com sangue d’África, com ossos d’Europa (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
As construções turísticas ficam mais adiante, é surpreendente o que se está a edificar, lá para os lados do Porto Grande, agora renovado. Vim até à réplica da Torre de Belém, foi Capitania dos Portos, é deslumbrante o que se avista das suas janelas, encerra agora o Museu do Mar, modesto mas museograficamente modelar, encerra um acervo que se prende com vestígios de naufrágios de imponentes embarcações, Mindelo era então indispensável para o abastecimento do carvão, não deixa de surpreender como esta ilha, tão pouco habitada até ao século XIX explodiu demograficamente, deixando no seu rastro e como lembrança singularíssimas construções. E Mindelo cresce exponencialmente, emigrantes na Europa e nas Américas aqui investem, como em quase toda a ilha, surpreendeu-me a visita que fiz a Salamansa, que conheci em 1970 com os seus casinhotos de pescadores e que se transformou de modo impressionante, como adiante se referirá.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (103):
Com sangue d’África, com ossos d’Europa (2)


Mário Beja Santos

Despedi-me no último texto mostrando uma indicação de que havia uma Avenida da República a circundar uma parte da belíssima baía do Mindelo, abarcando sobretudo o chamado Porto Grande. Estou agora no antigo edifício da Capitania do Porto, uma réplica da Torre de Belém, adiante dela se falará. Agora funciona aqui o Museu do Mar, todo o seu acervo é digno da nossa atenção. E as legendas ajudam-nos a perceber a importância do Mindelo, nomeadamente no século XIX, aqui se instalaram companhias carvoeiras, a companhia inglesa Royal Mail estabeleceu depósitos de combustível, e este Porto Grande tornou-se influente, com o seu constante vaivém de navios a reabastecerem-se de carvão, entrando e saindo em todas as direções. Data desse tempo o cais de embarque e desembarque, os armazéns, o forte, a alfândega, o quartel, os Paços do Concelho, e as lojas de fazenda, os bares, os hotéis; cresceu a população, Mindelo ganhou novos hábitos culturais e sociais. Plantaram-se árvores, iluminaram-se ruas, nelas há gente a falar em várias línguas, inclusivamente joga-se críquete e golfe, a própria Inglaterra tem cônsul. Em 1875, Mindelo é estimado como o maior porto carvoeiro do médio-Atlântico. A faina marítima torna-se complexa: fornecedores de navios, negociantes de bordo (troca direta), rocegadores (pesca artesanal e atividades extrativas, rocegava-se o carvão caído com auxílio de um instrumento denominado rocéga), os catraeiros (remadores que manobravam os botes com as mercadorias) andavam numa roda-viva.

Sinto-me deslumbrando nesta baía do Porto Grande que tornou o nome Mindelo universal.

Imagem exterior da réplica da Torre de Belém. Ao fundo, debaixo de toldos metálicos funciona o mercado do peixe salgado.
Aqui virei a várias horas do dia desfrutar desta largueza de vistas, esta bela cercadura vulcânica e o permanente vaivém das embarcações. Mindelo pode já não ter a importância que teve o seu Porto Grande, mas vive legitimado pela magnificência da sua baía, sinuosa, com os seus lugares recônditos, tendo Santo Antão pela frente.
Lá ao fundo, o porto modernizou-se, tem marinha, área de contentores e ali atracam os barcos que percorrem as ilhas, é dali que irei até Santo Antão.
É o espelho de prata que me deixa abismado, até me pergunto como esteve o dia tão quente e na curvatura do seu declínio há este êxtase, melhor prenda do sistema solar não podia haver
Estou no Museu do Mar a observar estas duas fotografias de barcos da CUF, era a navegação Lisboa-Mindelo-Bissau, aliás o Alfredo da Silva teve papel ativo no transporte de tropas.
O Museu do Mar realça a importância do Porto Grande na encruzilhada das rotas de navegação. Aqui se exibem acervos de expedições de arqueologia subaquática em resultado de grandes naufrágios que ocorreram nestas paragens, tanto podiam ser barcos vindos com prata de Potosi, marfim vindo das Índias Orientais.
É dado como certo e seguro que Diogo Afonso, aqui em estátua de bronze, teria descoberto as cinco ilhas mais ocidentais de Cabo Verde: Brava, São Nicolau, São Vicente, Santo Antão e os ilhéus Branco e Raso, foi capitão donatário, aqui se homenageia o descobridor ou o mareante do achamento.
Duas imagens tiradas no mercado do peixe da salga, vinha igualmente à procura de facultar ao leitor uma visão mais nítida da réplica da Torre de Belém.
Esta réplica foi construída entre 1918 e 1921, aqui funcionou a capitania do Porto Grande, já se enfrentava a concorrência dos portos de Dacar e das Canárias. Os anexos do edifício foram construídos em 1937, funcionou como Capitania dos Portos até 1967. Esta réplica foi construída em alvenaria com tijolos e argamassa de pedra e cal. Quadrada na sua base, tem três andares, um observatório na cobertura, torres de vigia aos cantos e a meias. Apresenta detalhes decorativos do estilo manuelino. O edifício foi restaurado no ano de 2001, com o apoio da cooperação portuguesa, e inaugurado em 2010.
Não me quero despedir do leitor sem mostrar duas reminiscências do período colonial, bem abonatórias do que terá sido a vida no Mindelo em termos de comércio, vida associativa desportiva. Há edifícios bem restaurados e outros que, na sua decadência, falam do passado do Mindelo do Porto Grande. Mas ainda há tanta coisa para ver! No entretanto, percorro o Mindelo em transportes públicos e andarei em S. Vicente nos chamados coletivos.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24312: Os nossos seres, saberes e lazeres (572): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (102): Com sangue d’África, com ossos d’Europa (1) (Mário Beja Santos)

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