domingo, 1 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24717: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (5): A nossa feira de setembro (José Saúde, Aldeia Nova de São Bento, Serpa)

A nossa feira de setembro



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 
    

Camaradas,  

Em primeiro lugar, aplaudo a excelente iniciativa que nos faz recuar ao nosso tempo de meninos e moços; em segundo lugar, aplaudo, também, tudo o que tenho lido sobre esse tempo no nosso blogue; em terceiro lugar, mas com a devida vénia, vou colocar um texto que fez parte de um dos meus livros sobre a terra que viu nascer: Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes, uma obra que vai na segundo edição.      

O texto diz-nos como era a feira de setembro, 1, 2 e 3, na minha aldeia e os seus diversos contextos para uma miudagem que não perdia a oportunidade de acompanhar passo a passo o desenvolvimento de uma novidade, anual, que traziam normalmente novidades. Aliás, era assim esse já recuado tempo, pois, atualmente tudo mudou de forma radical. 

A nossa feira de setembro

por José Saúde

 

Aspeto geral da feira, mas numa fase de construção. Vê-se a marcação das ruas ainda incompletas 


A curiosidade da rapaziada ao longo da semana que antecedia a nossa feira que se realizava nos dias 1, 2 e 3 de setembro, apresentavam-se divinalmente ao rubro. A bisbilhotice da miudagem era interessante. Tudo começava quando se dava início ao colocar os postes de iluminação, o estender dos fios nos postes e o subsequente colocar das lâmpadas, assim como a definição das ruas. 

Seguia-se o interesse pela chegada dos primeiros tendeiros que se faziam transportar por um carro puxado por uma besta. Depois as camionetas atulhadas com o material para o carrossel, ou de carros para a pista de automóveis, e outros que transportavam tudo o que fosse importante para a montagem do circo. O circo era constituído por famílias de artistas que utilizavam as suas próprias caravanas, o mesmo sucedendo para os proprietários dos carrosséis e da pista dos automóveis. De resto, tudo passava pelo coabitar nas próprias barracas.

Na verdade, a semana era deveras estonteante para uma juventude que passara o ano a pensar na sua feira. A malta, sempre ativa, não arredava pé do recinto e inteirava-se de todos os pormenores. Seguiam-se as cavaqueiras de uma mocidade que via na feira a grande novidade desse tempo.Novidades que se estendiam por diversos acontecimentos, quiçá únicos, vistos nessa altura.           

Apareciam os vendedores de versos avulsos, os amola-tesouras, as bancas de brinquedos no exterior do mercado, gentes a pedir esmola, as tendeiras a procurarem uma costureira para lhe arranjarem um vestido, ou de pessoas dos circos, carrosséis, ou da pista dos carros a procurarem um mecânico para um pontual arranjo no seu veículo, enfim, havia de tudo um pouco.

Recordo o mestre Portela que tinha uma oficina num casão que era propriedade de Luís de Lá Féria, propriedade esta que fazia parte da sua mansão familiar, hoje essa antiga residência é pertença da Junta de Freguesia, ser muito solicitado para os amanhos dos velhos automóveis dos feirantes, sobretudo de pessoas do circo que possuíam a maioria desses de transporte. Um ano tive a oportunidade em assistir a um arranjo na oficina do Portela do automóvel do “palhaço pobre” do circo e que era um espetáculo de homem. Os seus apartes punham a malta em delírio.

O primeiro dia de feira era, na parte da manhã, destinado à corredora. Ali faziam-se os negócios do gado. Não havia cheques nem transferências bancárias. Todo o negócio era feito com dinheiro vivo. O vendedor aprontava para o preço do animal e o comprador retorquia com um valor muito abaixo do pretendido pelo dono da besta. Pelo meio aparecia o “cortador” (homem feito ao ganho de uma percentagem previamente acertada e normalmente um individuo de raça cigana), pessoa esta que fazia “chantagem” para a concretização no negócio, sendo os ciganos mestres nestas andanças.

Ciganos, “negociantes” de gado

A muito custo o vendedor lá ia cedendo ao preço lançado pelo comprador. Exemplificando: partindo do princípio que o vendedor pretendia dez notas, isto significava que uma nota, nesses tempos, era de 100 mil réis, sendo o preço lançado de mil réis, mas o comprador propunha o valor de 500 mil réis. Entretanto, aparecia o “cortador” a intrometer-se no negócio oferecendo, também, dinheiro para a compra do animal. Conversa puxa conversa, o vendedor fraquejava e o comprador avançava com mais uma nota. Chegava-se, finalmente, a um acordo e a passagem do dinheiro para a venda do animal ficar concluída.

Ao lado dos negócios do gado, situavam-se pequenas barrancas que continham os apetrechos para os animais. Cabrestos, chocalhos, albardas, golpelhas para transportar a palha, molins, arreatas, de entre outros utensílio

                                                            A corredora

Nesses tempos dizia-se que o primeiro dia era dos campaniços. Esta pressuposta dicotomia é-nos plenamente admissível. As pessoas viviam em montes dispersos na serra aldeã, logo, o dia era propício para se fazerem negócios. Havia que reforçar a frota com animais novos. A idade sabia-se pelos dentes das bestas. Mas, na feira compravam-se utensílios que não existiam normalmente na aldeia.

O povo enchia-se de gentes que, vestindo-se de grave, passeavam pela feira que assumia o estatuto de evento de grande porte. Comprava-se torrão, algodão doce, bugigangas, pratos, panelas de alumínio, tachos, cadeirões em buinho, jarras, molduras, jogava-se um tiro nas barracas onde as meninas, sempre solícitas, chamavam os clientes que no fim recebiam um miminho, andava-se no carrossel, conduziam-se os carros na pista, e, à noite, ia-se ao circo. 

Havia, ainda, quem se dedicasse aos jogos de lazer, onde o objetivo passava por trazer algo para casa ou umas moedinhas para os bolsos, ou desembolsar os tostões que lhe fugiam inadvertidamente da algibeira. Existiam também as barracas de comes e bebes e um frango assado na brasa, naquele tempo, apresentava-se como repasto de se lhe tirar o chapéu.

A rua que dava acesso à feira, aquela que se situa entre o Largo do Rossio pequeno e o Rossio grande, estava apetrechada com barracas de fruto, particularmente de peros amarelos, sendo o seu cheiro deveras divinal, sobretudo ao longo da noite. Ou de barrancas onde se vendiam as mantas trazidas pelos vendedores vindos das Beiras, onde se comercializavam os safões, as pelicas, com a famosa lã de ovelha, as mantas, de entre outros agasalhos de inverno.

Lembro, também, a visita dos forasteiros que se instalavam nas tabernas onde mastigavam os seus farnéis. Puxavam de um “talego” e lá vinham os bons nacos de presunto, ou de paios, ou de toucinho com “vieirinho” magro, que acompanhavam com o vinho, ou cerveja, arrefecidos no fundo do poço localizado no quintal, pois nesses tempos não havia frigoríficos, sendo que nessas vendas aconchegavam os seus estômagos. Existia, ainda, a possibilidade de refrescar a bebida, comprando-se barras de gelo na fábrica que os taberneiros colocavam em alguidares de barro.

O terceiro dia de feira era o mais forte. Pelo menos foi essa a impressão com que o povo ficou e que ainda hoje preservo. O circo, por exemplo, cedo anunciava “grátis às damas, damas grátis” e a plebe enchia as bancadas à volta da pista do espetáculo.

Nós, então crianças, delirávamos com a magia do espetáculo. Os contorcionistas, os palhaços (o rico e o pobre), os trapezistas, os ilusionistas, os malabaristas, o trabalho com animais ferozes feito pelos domadores, enfim, uma amalgama circense que nos levava a inimagináveis sonhos.

À entrada da feira, à esquerda, situava-se, habitualmente, a barraca do Favinhas, um retratista que fora, sem dúvida, um homem que fotografou milhares pessoas cujas imagens são agora restos de saudade. Não fora ele não existia hoje reproduções dos nossos antepassados.

Assim era, em resumo, a nossa feira de setembro!


Um abraço, camaradas

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________ 

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de  1 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24716: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (4): A minha primeira viagem, de camioneta, a Lisboa, com 9 anos (Eduardo Estrela, Faro)

13 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Lembra-me do meu pai ir á feira da Aldeia Nova de São Bento quando tinha algum gado que impreterivelmente teria que vender ou comprar porque senão aproveitasse as feiras de Setembro só lhe restava para o fazer a feira de Castro verde em Outubro e aí tinha que ser como dizia "ó sim ó sopas". Abraço.

Valdemar Silva disse...

Zé Saúde, fora a filigrana da 'pressuposta dicotomia' temos na "A nossa feira de Setembro" um belo texto de antologia.
Aquela da compra/venda da besta, com cigano pelo meio, é das boas, como é que as pessoas caíam na mesma todos os anos.

Quando trabalhava na baixa de Lisboa, os ciganos vendiam relógios baratos que mandavam vir de Marrocos para ser mais barato a venda, diziam, que afinal eram imitações/brinquedos para crianças. Desde omegas e seikos "verdadeiros" começavam por pedir um preço altíssimo, como tinham que baixar o preço arranjavam uma desculpa extraordinária 'p.favor não diga nada à polícia consegui enganar um turista e posso fazer mais barato', para dar a entender que o relógio era dos bons e iam baixando o preço até à venda final de um Omega de ouro.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Fernando Ribeiro disse...

Caro José Saúde,

A dado momento do teu texto referes que «o primeiro dia era dos campaniços». Desculpa a minha infinita ignorância. Esta palavra "campaniços" refere-se a quem? Eu só conhecia esta palavra "campaniço" como designando um tipo de viola tradicional alentejana, a "viola campaniça". Parece-me claro que a palavra "campaniço" vem de "campo". Quererás então dizer que os campaniços eram os habitantes do campo, isto é, os que não viviam em povoações como Aldeia Nova de S. Bento e Serpa, antes viviam espalhados pelos campos do Alentejo? Parece-me que sim.

Fiz uma rápida pesquisa na internet e dei de caras com um programa de televisão, melhor dizendo com um episódio de uma série de televisão chamada Povo que Canta, que aborda a referida "viola campaniça". O episódio está no Arquivo da RTP e pode ser visto em https://arquivos.rtp.pt/conteudos/a-viola-campanica-e-o-despique-no-baixo-alentejo/

De resto, parece-me que vale a pena ver todos os episódios da série, um a um. O autor da série foi o grande musicólogo corso Michel Giacometti, a quem Portugal tanto deve, pelas inúmeras recolhas de música tradicional que fez de norte a sul do país. O retrato que a série de televisão Povo que Canta nos dá, do Portugal rural, é impressionante, pelo atraso e pobreza generalizada que nos mostra e que nos permite verificar como Portugal mudou depois do 25 de Abril de 1974, a ponto de quase ficar irreconhecível, para o bem e para o mal. A série aparentemente completa está em https://arquivos.rtp.pt/programas/povo-que-canta/

José Saúde disse...

Camarada Fernando Ribeiro,

Quando sito, justamente, "que o primeiro dia era dos campaniços", creio que tua dedução está correta. Os campaniços eram pessoas que viviam em montes espalhados pela serra aldeã. A palavra campaniço jamais foi pejorativa, aliás, as pessoas assumiam-se como tal. Eram gentes trabalhadoras, que comiam "o pão que o diabo amassou", que se dedicavam à criação do gado, trabalhavam arduamente no campo desde o nascer ao pôr do sol, que se entregavam à agricultura, uma vez que eram possuidores de animais que não só trabalhavam a terra como puxavam a carroça que os levava a fazer o "avio" na aldeia, ficando em estalagens então por ali existentes, sendo o seu monte um lar normalmente farto, onde pouco ou nada faltava, enfim, pessoas simples e de bom coração.
Fazes, e bem, uma reflexão sobre a viola campaniça e Michel Giacometti foi um mestre que muito retratou o mundo rural. Neste contexto, em Aldeia Nova de São Bento sempre houve uma aproximação a esse povo rural para com a população local. Hoje, na aldeia vive muita gente oriunda daquilo a que nós chamamos serra.
Abraço, camarada

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, um texto de antologia, sem dúvida. Fez-me recuar mais de 60 anos, recordando a também nossa feira anual de setembro... que na Lourinhã era a 21. Parabéns. Está lá tudo... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

campaniço
(cam·pa·ni·ço)

adjetivo e nome masculino
1. Relativo a Campo Branco, no Alentejo, ou o seu natural ou habitante.

2. Relativo a Campo Maior, no Alentejo, ou o seu natural ou habitante. = CAMPO-MAIORENSE

3. [Portugal: Alentejo] Diz-se de ou ovino proveniente de Ourique, no Alentejo.

4. [Portugal: Alentejo] Diz-se de ou cavalo do campo.

etimologia
Origem etimológica:latim campaneus ou campanius, -a, -um, relativo ou pertencente aos campos + -ço.

"campaniço", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/campani%C3%A7o.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

corredoura
(cor·re·dou·ra)

nome feminino
1. Peça que está por baixo da mó do moinho.

2. Rua desviada numa povoação para passagem de gado.

3. Lugar de corridas.

sinonimo ou antonimoSinónimo geral: CORREDOIRA
etimologiaOrigem etimológica:correr + -doura.

Confrontar: corredora.

"corredoura", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2023, https://dicionario.priberam.org/corredoura.

Valdemar Silva disse...

Campaniços, interessante ser a designação de gente do campo, no caso dos alentejanos gente dos montes.
Mas, como não deviam ser habitantes de Campo Maior ou pastores de ovelhas, pensei tratar-se de tocadores de violas.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, são um pequeno reparo: do ponto de vista da antropologia, não há um "raça cigana"... seria mais correto falar-se em "etnia"... Tal como na Guiné, não havia raças mas grupos etnolinguísticos: fulas, balantas, mandingas...

O nosso povo, incluindo o alentejano, tende a perpetuar estes estereótipos... Mesmo o exónimo "cigano" (para designar um romani) tem conotações negativas:

(...) No primeiro Congresso Mundial Romani em 1971, foi votado por unanimidade rejeitar todos os exônimos do povo Romani, incluindo Cigano/a por suas conotações negativas e estereotipadas e etimologias controversas.(...)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ciganos

José Saúde disse...

Luís, meu amigo

Concordo plenamente contigo. Mas, linguisticamente, falei "na voz do povo". E neste livro existem pequenos ditos simplesmente populares, ou seja, originários da minha querida Aldeia Nova de São Bento e que não quis de forma alguma mascarar. Vesti as "calças de cotim, com uma camisa de chita comprada numa loja da terra, a do senhor Ernesto, por exemplo, e manobrada pelas laboriosas mãos das esposas que em casa lá iam costurando, uma camisola interior de cor branca com manga comprida, as ceroulas que se atavam com um fio na sua parte inferior, calcei os butes cardados feitos e arranjados num sapateiro da povoação, os peúgos feitos também em casa do fio de uma meada que se trabalhava com duas agulhas, mas com a mestria das mulheres, enverguei uma pelica mesmo em pleno Verão, pois a lã tanto "matava" o frio como o calor, pronunciei, por vezes, as palavras de um homem já idoso, o "homem grande lá da corte rural", o tal que às seis da manhã matava o bicho com um copo de aguardente numa venda local, procurei sintetizar os falatórios do antigamente e parti para a elaboração de um livro - ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO - MEMÓRIAS, ESTÓRIAS E GENTES -, que teve uma aceitação de todo inesperada, tanto que neste fica narrada para a posterioridade as estórias das nossas gentes.
É óbvio que tive cuidado na construção do texto. Mas, sinto-me realizado por mais uma obra que deixo e desta vez para o meu povo, aquele que um dia me viu nascer e que um dia me verá na campa do cemitério da minha terra, onde descansarei para a eternidade. Obrigado, Luís, pelos teus esclarecimentos de todo muito úteis. Continua elucidando os camaradas desses pequenos pormenores deveras importantes. Todos certamente agradecem e eu, como é lógico, também. Fica expresso a minha gratidão, respeito e o meu profundo obrigado para com a tua pessoa. És afinal um camarada do conflito da Guiné que ousaste, em com enorme êxito, lançares um blogue de todo incomparável.
Abraço fraterno e de amizade.
Zé Saúde

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Zé, às vezes sou acusado de ser "politicamnete correto" ou de fazer o papel do lexicógrafo, o especialista da língua (que não sou). Procuro, isso, sim, resepityar e fazer respeitar as regras do nosso "livro de estilo"... sem contudo coartar a liberdade de expressão dos nossos autores e comentadores...

Mas sõ tenho que concordar contigo no que diz respeito à liberdade da criação e expressão literárias: o teu livro sobre memórias, estórias e gentes da tua terra, já vai em 2ª edição, e será por certo daqui a 50 anos lido e lembrado pelos filhos dos teus netos e bisnetos... bem como pelos filhos dos netos e bisnetos dos teus amigos, condiscípulos e vizinhos... É uma obra literária, náo é um trabalho que tenha seguir as normas dos trabalhos académicos...

O termo "cigano" usado por ti na magnífica recinstituição da feira de setembro faz todo o sentido... Também o uso nas minhas memóriaas (inéditas), de infância (de que já publiquei bastos excertos.

De resto, temos um descritor "Ciganos" (com meia dúzia de referências no blogue)...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Também uso o termo "ciagnos" no contexto das minhas memórias de infància:

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2019/08/guine-6174-p20064-manuscritos-luis.html

(...) 50. Ah!, e as feiras da tua infância!, não te esqueças de mencionar as feiras, havia as feiras e os mercados, no Rossio, junto ao rio Grande, a merda dos bois e das vacas no terreiro (, caca, que a tua mãezinha nunca te deixaria dizer merda, e de castigo punha-te pimenta na língua!)

E os pobres dos ciganos sem eira nem beira, escorraçados ao fim de três dias, e de quem tinhas medo que te pelavas, quando por lá passavas, nos acampamentos do Rossio, a caminho da Quinta do Bolardo!

Tinham fama, os desgraçados, de desenterrar os animais, mortos por doença, que a fome era negra, e eram tantas as bocas no acampamento. (...)

José Saúde disse...

Luís, as memórias, as nossas, principalmente as dos tempos de criança, são, de facto, inacabáveis. Somos, afinal, filhos de uma longa madrugada onde o breu escondia vultos de gentes que dissimulavam rostos que alvitravam, e lutavam, por um novo futuro, futuro este carregado de esperança.
Grande amigo, gostei da tua visão sobre as estórias do antigamente, sublinhando, com enfâse, que o Mundo, sempre em evolução, nos surpreende amiúde.
Abraço,
Zé Saúde