sábado, 26 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26081: As nossas geografias emocionais (27): Berlim, 2023: junto aos restos do muro mais tristemente famoso do mundo: "Mein Gott, hilf mir diese tödliche Liebe zu überleben" / “Meu Deus, ajuda-me a sobreviver a este amor fatal" (António Graça de Abreu)







Alemanha > Berlim > Agosto de 2023

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), ainda no rescaldo de mais um cruzeiro que efetuou, com a esposa, em agosto de 2023, desta vez à Gronelândia e à Islândia (*):

Data -  25 out 2024, 19:15

Assunto - Berlim 2023- .. Dá para publicar ?


Berlim, 2023, Alemanha

por António Graça de Abreu


"Para lá das portas de Brandenburgo e da Praça de Potsdam, reina a fria inteligência marxista, onde os soldados soviéticos, alguns deles sobraçando espingardas-metralhadoras, parecem sentinelas de um angustiante rigor, tolhendo toda a alegria de viver."  (Urbano Tavares Rodrigues, em 1954)


Regresso a Berlim no Verão de 2023, cinquenta e quatro anos depois, agora em avião da TAP e aterragem em Brandenburg, um dos aeroportos da cidade.

Caudais imensos de água límpida e poluída correram entretanto sob as pontes do rio Spree, que atravessa Berlim. E eu cresci, em conhecimento, em aspecto, hoje muito mais largo e gasto do que o rapazinho de há cinco décadas atrás. Levo comigo o gosto de regressar a uma cidade que marcou os meus anos de juventude, que me fez definitivamente descrer no modelo soviético de governo das gentes do mundo.

Para esta viagem de 2023, procurei na net um hotel situado na antiga parte oriental de Berlim, a mais rica em monumentos e História, e acho que acertei. Fico no Arcotel John F. Kennedy, logo ao lado da chamada ilha dos museus. Um quatro estrelas, noventa euros por noite, um pequeno almoço digno de marqueses, viscondes e barões pequeninos. Na mesma rua situa-se o vasto edifício do actual Ministério dos Negócios Estrangeiros, já aqui instalado nos tempos da Alemanha comunista.

Tenho cinco dias para conhecer, reconhecer Berlim, sem muros, nem arame farpado. Há muitos quilómetros para fazer a pé, de metro, compro um passe de dois dias para os autocarros vermelhos Hop on Hop off que dão uma volta à cidade em duas horas, passando pelos mais importantes lugares turísticos. Sobe-se, desce-se do autocarro, somos levados para quase tudo quanto é sítio.

Caminho algo perdido pela malha da cidade, em busca do norte/sul/leste e oeste, procurando o recortado traçado do velho Muro como referência. No mapa, no telemóvel, quanta sinuosidade, quantos espaços terraplanados, quanta reconstrução, quantas paredes tapadas, quanto rasgar doloroso na memória do coração de Berlim...

Hoje, o que é que resta do Muro, como recordar a humilhação de todo um povo? Em Charlie Point, tiro uma fotografia da fronteira entre as duas Berlins. Por aqui passei, engolindo sapos e petróleo, de carro, atravessando para o lado dos camaradas comunistas, em 1969. 

Agora, 2023 o posto militar ainda de pé, atravancando a Friedrichstrasse, mas funcionando para definir o avançar da avenida ladeada, entre outros, por um museu do Muro, um MacDonald e um Kentucky Fried Chicken. Não longe, há um pedaço do Muro honestamente conservado. E um extenso passeio com reconstituições rigorosas, com fotografias e texto, do que foram esses tempos sofridos de divisão da cidade.

Numa outra parte de Berlim, junto ao rio Spree, na Mühlenstrasse mantém-se de pé um pedaço do Muro com quase um quilómetro de extensão. Transformaram-no num original museu a céu aberto, com as secções do Muro decoradas com dezenas e dezenas de largas pinturas alusivas à liberdade, e outros temas da autoria dos mais diversos pintores. 

Sobressai uma cópia em grande de uma famosa fotografia de Leónidas Brejnev, o líder russo, beijando gloriosamente na boca o líder alemão comunista, Erich Honecker. A foto verdadeira foi tirada aqui em Berlim em 1979. Por baixo do rosto dos dois senhores está escrito em russo e em alemão Mein Gott, hilf mir diese tödliche Liebe zu überleben, o que significa “Meu Deus, ajuda-me a sobreviver a este amor fatal.”

Os museus da cidade, o Altes e o Neues Museun, o Bode, o Pergamon, a Nationalgalerie. Neste último espaço, numa sala enfeitada de magia, tiro uma fotografia entre dois retratos de mulher, à minha direita uma dama linda de rosto alongado pintada por El Greco (1541-1614), à minha esquerda, uma espaventosa senhora saída da imaginação de Pablo Picasso (1881-1973). A perfeição do traço, a serenidade do olhar, a esfusiante loucura. Que maravilha!

Toda esta zona da cidade foi intensamente bombardeada durante a II Guerra Mundial, houve grandes destruições, mas os nazis tinham já cuidado de guardar, em precária segurança, muitos dos fundos culturais mais valiosos. 

Os russos, os primeiros a chegar à Alemanha derrotada em 1945, levaram para Moscovo e São Petersburgo muitas das peças dos museus alemães. Estão ainda hoje, no Museu Pushkin e no Ermitage. A Alemanha reivindica o seu regresso, e há negociações para que tal aconteça.

Passear-me em absoluto prazer pela Avenida Unter der Linden, a Ópera com o Daniel Barenboim como o maestro, adiante o Reichstag, o parlamento da terra germânica. Logo depois, as Portas de Brandenburgo, ao fundo, silenciosamente abertas para a liberdade do mundo.

(Revisão / fixação de texto, bold, itálicos, título: LG)

2 comentários:

Valdemar Silva disse...

Graça Abreu, tomara eu, agora, poder fazer essas viagens.
O muro de Berlim acabou, mas continuam muros da vergonha entre pobres e ricos na cidade de Lima (Peru) e na fronteira entre o México-EUA e de segregação racial na Cisjordânia-Israel.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, infelizmente, continuamos a ter muitas barreiras a dividir os seres humanos, muitas delas mais símbólicas do que físicas...Mas não cultivemos o discurso maniqueísta,dos bons e dos maus, dos eleitos e dos condenados, dos certos e dos errados... Esse é talvez a pior (e mais potencialmente mortífera) barreira que podemos antepor entre nós todos, habitantes deste frágil planeta... Também aí estive, junto aos restos do muro que nos ainda hoje envergonha a todos (todo o muro é como a palma da mão ou a moeda: tem verso e reverso)... Mantenhas. Luís