Tancos > RCP (Regimento de Caçadores Paraquedistas) > 8 de Agosto de 1961 > Da esquerda para a direita: Maria do Céu, Maria Ivone (†) , Maria de Lurdes (Lurdinhas), Maria Zulmira (†) , Maria Arminda e o capitão pqdt Fausto Marques (Director Instrutor). Nota: Para completar o grupo das "Seis Marias", falta(va) a Maria da Nazaré (†) que torceu um pé no 4.º salto e só viria a acabar o curso alguns dias depois.
1. A Maria Arminda Santos (tenente graduada enfermeira parquedista, 1961-1970) pertence ao grupo das Seis Marias, nome pelo qual ficou conhecido o 1.º curso de Enfermeiras Paraquedistas portuguesas feito em 1961. Arminda Santos (n. 1937), nossa grã-tabanqueira nº 500 (desde 23 de maio de 2011), é agora a decana ou a matriarca das antigas enfermeiras paraquedistas: tem uma "memória de elefante" , é à sua "base de dados" que recorro sempre que tenho uma dúvida ou uma pergunta sem resposta sobre o "curriculum vitae" das suas colegas).
O ”turra” e a boina verde
da enfermeira paraquedista
por Maria Arminda
(…) Quase sempre, ao aproximar-me do DO-27 ou do AL III, para iniciar uma missão, ao chegar junto dele, instintivamente, dava-lhes duas palmadas na fuselagem, em jeito de saudação. Era assim como que a dizer-lhe: “Aqui estou eu! Leva-me em segurança”.
O incidente
que passo a relatar, ocorreu num DO-27.
Eu tinha sido destacada para uma base de operações, em Cufar, em alerta para
evacuação urgente de feridos. A operação desenrolava-se no Cantanhez, conhecida
pelo “Reino do Nino”. (**)
Surgiu então
uma missão de evacuação (…).
Havia três
feridos para evacuar, todos africanos, supostamente do recrutamente local,
todos metidos dentro do DO-27. Eu fiquei próxima do único que considerava estar
em estado grave, a fim de melhor o poder socorrer durante o percurso. (O que
aquele avião nos permitia fazer!)
Daqueles três
feridos, o mais grave, e que ia junto a mim, era combatente do inimigo, um “turra”
(…). Mesmo que não me tivessem previamente
informado desse facto ainda em terra, eu
facilmente chegaria a essa conclusão pela forma pouco amistosa com que os restantes dois feridos o encaravam e, por vezes, se lhe dirigiam, verbalmente.
O voo decorria com normalidade e eu ia, evidentemente, dispensando mais cuidados ao ferido “turra” por
ser o único grave. Mss era bem visível que esta minha atitude não agradava aos
outros, embora eu não entendesse bem o que eles diziam entre si.
Aí a meio da
viagem, o sol começou a incidir sobre a cabeça
do guerrilheiro e, não tendo eu mais nada para o proteger do sol, coloquei
a minha boina verde de paraquedista na cabeça dele.
Aí os outros
não aguentaram mais! E foi a revolta! Houve quase um motim a bordo!
Indignados,
gritavam para mim que ele, o guerrilheiro, era um “bandido”, e que não merecia um bom tratamento. E muito menos que lhe pusesse
na cabeça a minha boina militar!
Lá os
acalmei como pude, gritando um pouco também, e consegui sossegá-los. Já me não
recordo de que forma, e como o consegui, mas foi com alguma dificuldade, chegando mesmo a recear que eles agredissem o
guerrilheiro.
O final do motim ainda me deu tempo, até aterrarmos em Bissalanca, para meditar sobre a importância que aqueles africanos davam à boina de um militar. Tão grande, que era indecoroso ser colocada na cabeça de um guerrilheiro.
Consegui
acalmá-los com dificuldade, dizendo-lhes
a verdade: que para as enfermeiras paraquedistas, aquele guerrilheiro era apenas
mais um ferido, a necessitar de todo o
meu saber e empenhamento. E que, como era entre todos eles o mais grave, era a ele
que tinha de dispensar mais cuidados.
Mas a eles
pouco ou mesmo nada lhes interessavam estas teorias!
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, introdução: LG) (**)
Coautoras (das 30 da lista, com a Rosa Serra, editora literária, 18 são Marias...):
Maria Arminda Pereira | Maria Zulmira André (†) | Maria da Nazaré Andrade (†) | Maria do Céu Policarpo | Maria Ivone Reis (†) | Maria de Lourdes Rodrigues | Maria Celeste Guerra | Eugénia Espírito Santo | Ercília Silva | Maria do Céu Pedro (†) | Maria Bernardo Teixeira | Júlia Almeida | Maria Emília Rebocho | Maria Rosa Exposto | Maria do Céu Chaves | Maria de Lourdes Cobra | Maria de La Salette Silva | Maria Cristina Silva | Mariana Gomes | Dulce Murteira | Aura Teles | Ana Maria Bermudes | Ana Gertrudes Ramalho | Maria de Lurdes Gomes | Octávia Santos | Maria Natércia Pais | Giselda Antunes (Pessoa) | Maria Natália Santos | Francis Matias | Maria de Lurdes Costa.
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 23 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8314: Tabanca Grande (286): Maria Arminda Lopes Pereira dos Santos, ex-Ten Grad Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970
(**) Vd. poste de 29 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6487: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (14): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (2): Maria Arminda (Rosa Serra)
5 comentários:
Maria Arminda, obrigado!...Uma história de antologia... Quem disse que na guerra não há valores ?
Esta história da Maria Arminda contada agora por cá, nos tempos que correm, provavelmente haverá alguém censurando e querer lá saber do Juramento de Hipócrates.
Valdemar Queiroz
Esta história é passada em 1965, em Cufar, como eu penso... SE sim,é no tempo do Schulz, e não do "Caco Baldé"...Mais uma razão para a gente "tirar o quico" à grande senhora e enfermeira e camarada que foi e é a Maria nº 1 das Marias, a Maria Arminda. Um alfabravo com muito apreço e consideração,Luís Graça.
Caros amigos, é por estas e mais outras coisas parecidas que vocês (posso até incluir-me dentro, tendo em conta o contexto em que ela se desenrolou) para todos os efeitos, perderam aquela guerra. "Guerra é guerra", foi o que um guerrilheiro disse ao nosso amigo José Teixeira na zona Sul do país. Quem tem dúvidas que procure saber como está a decorrer a guerra featricida na Ucrânia.
Cdte,
Cherno AB
Cherno, temos de perceber melhor, compreender e, se possível, explicar estas diferentes idiossincrasias: guineenses, animistas e muçulmanos, portugueses, colonialistas e anticolonialistas...Oitocentos mil combatentes, de 1961 a 1974, passaram pelas fileiras do exército português, nos 3 teatros de operações, mas 1 em cada 4 era africano (angolano, guineense, moçambicano)...Houve, também, na metrópole, mais de 200 mil faltosos, refratários e desertores (estes, uns escassos milhares, e a maior parte por razões que não foram políticas)... A guerra em África nunca foi consensual, em termos "nacionais" , a não ser talvez no início de 1961, com os massacres terroristas e tribalistas da UPA no Norte (mais de mil vítimas mortais entre a população branca, e 6 vezes mais entre a população negra, sem falar das vítimas do contra-terror branco ques e seguiu...).
E as guerras que se arrastam acabam por ter um efeito altamente desmoralizador num e no outro lado... Eu já não estava lá, em 1974, na Guiné, mas pelos testemunhos que vou lendo e escutando, os últimos soldados do Império não queriam perder a guerra, mas também já não a queriam ganhar... (se é que alguma vez se podia ganhar aquela guerra, aquelas guerras...).
Infelizmente, perdemos todos, portugueses, angolanos, guineenses, moçambicanos, cabo-verdianos, são tomenses. goeses, macaenses, timorenses... a oportunidade de fazer uma descolonização tranquila, pacífica, indolor, inteligente, corajosa, proativa, segura, em que todos fossemos ganhadores... Infelizmente, o Estado Novo (o regime de Salazar-Caetano) não tinha legitimidade, democrática, politica, moral, histórica... para o fazer. Se é que houve, na história, alguma "descolonização exemplar"...
Afinal, o 25 de ASbril foi feito pelos comandantes operacionais (capitáes) que encostaream o poder à parede: meus senhores, tiveram 13 anos para encontrar uma solução política para uma guerra que nunca poderia ter uma solução estritamente militar (isto é, imnposta pela força das armas...Ou formulado, de outra maneira, de acordo com a declaração lida por Spínola em 25 de Abril de 1974, perante as câmaras da televisão, em nome do Movimento das Forças Armadas:
(...) “Considerando que ao fim de 13 anos de luta em terras do Ultramar, o sistema político vigente não conseguiu definir concreta e objectivamente uma política ultramarina que conduza à Paz entre os Portugueses de todas as raças e credos; " (...)
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