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sábado, 11 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27308: Os nossos seres, saberes e lazeres (704): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (225): O espetacular passeio na Ribeira Sacra – 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2025:

Queridos amigos,
Saímos de S. Pedro do Sul, o destino seguinte não era propriamente Ourense, mas a Catedral era de visita obrigatória, é um dos templos românicos mais deslumbrantes da Galiza. Escolheu-se uma povoação de Nogueira de Ramuin, começava-se o dia com um cruzeiro no Canhão do Rio Sil, viagem assombrosa pelos contrastes das duas margens, pela imponência do granito entre a vegetação agreste, e aquela singularidade dos mosteiros dos eremitas que depois os dominicanos e os cistercienses remodelaram. Irá visitar-se o Mosteiro de S. Estevão, fica para o próximo texto.

Abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (225):
O espetacular passeio na Ribeira Sacra – 4


Mário Beja Santos

Não há em toda a Espanha uma região como esta, quanto à arte românica, dispõe de centenas de templos religiosos, na sua maioria muito humildes, mas profundamente tocantes, são convocatórias vivas à fé do Homem. Na organização do nosso programa no sul da Galiza houve calorosa discussão, havia quem queria sair pelo Minho e visitar a Catedral de Tuy, houve propostas para ir a Lugo, uma neta de catorze anos decidiu por todos, já que há piscinas de água quente em Ourense, é para aí que vamos. E assim foi. Atravessa-se a fronteira e durante os primeiros quilómetros as diferenças são mínimas. Depois desaparecem os eucaliptos, elevam-se as serras, está alterada a paisagem, o casario.

E lá se viajou até Ourense, com o estômago a bater horas, a urbanização da cidade não deixou ninguém em frenesim, falei na Catedral, uma gema preciosíssima; depois de Santiago de Compostela, rezam as crónicas, não há nada arquitetónica e artisticamente tão sumptuoso. Olhá-la de fora, gera muita perplexidade, as alterações do século XI em diante são mais do que muitas: por exemplo, onde agora vemos aquele zimbório houve até ao século XV um teto abobadado. Como as recriminações para comer eram mais que muitas, a visita foi de médico, melhor dito, quando se chegou ao Pórtico do Paraíso todos ficaram de boca aberta. Sucede que este Pórtico foi feito um século depois do Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, são linhas góticas opulentíssimas, ainda há restos de policromia, ali se debatem figuras do Antigo e do Novo Testamento. Entrada mais feliz na região do sul da Galiza não podia haver. Finda as delícias da mesa, rumou-se para os arredores, para um local onde há matas que nos recordam Sintra, de nome Luintra. A razão é muito simples quanto a esta escolha, queremos todos percorrer no dia de amanhã os tesouros naturais e edificados da Ribeira Sacra.

Ao romper da aurora, lá vamos a caminho do canhão do Rio Sil, à procura do ancoradouro de Santo Estevão. A Ribeira Sacra é região interior da Galiza composta de uma parte do sul da província de Lugo e de uma parte do norte da província de Ourense, território estruturado pelos rios Minho e Sil. O Sil é fronteira natural entre as duas províncias, Ourense na margem direita Lugo na margem esquerda. Do lado de Ourense, o rio é mais arborizado, tem mais sombra, é mais húmido, do lado de Lugo recebe mais horas de sol, tem as encostas ideias para a cultura da vinha. Vamos então começar o cruzeiro.

Fachada principal da Catedral de Ourense, 1160
Pórtico do Paraíso, Catedral de Ourense
Não, não se trata de uma paisagem lunar, é o amanhecer que deixa as formas indistintas, todo este granito escalvado e a vegetação agreste envolvente ainda não têm o recorte pronunciado. Aqui temos um microclima mediterrânico, ao contrário da maior parte da Galiza que tem um clima oceânico, pluvioso. Daí vermos nas escarpas carvalhos e castanheiros e toda a arborização típica do clima mediterrânico, nem faltam as oliveiras.
O que se vai revelando empolgante na viagem é o contraste das duas margens, as vinhas em terraços e nas encostas da margem esquerda e a vegetação agreste na margem direita. Há para aqui a barragem de Santo Estevão, muito perto do ancoradouro, erigida em 1957. Pergunto a um dos mestres da embarcação o porquê deste fenómeno da vinha. Ele aponta o dedo para os maciços graníticos e explica-se que as vinhas estão plantadas ao lado da pedra, é o granito que regula a temperatura, absorve o calor do sol durante o dia e transmite às vinhas durante a noite. E com o mesmo dedo aponta para os terraços ou socalcos, é ali que se planta melhor, e não deixa de comentar que há aqui garrafas de vinho que se vendem entre os 80 e 100€.
Temos aqui uma imagem dos meandros do rio, de um altifalante anuncia-se que olhemos para os pontos mais altos, há lindíssimos miradouros, e fala nos balcões de Madrid, tem a ver com as épocas da emigração a que foram sujeitos os galegos, até para Portugal, tanto podiam ser aguadeiros como amola tesouras, reparadores de chapéus de chuva, anunciavam-se por uma gaita e uma melodia inimitável.
Tivesse eu uma boa máquina fotográfica e o leitor ficaria verdadeiramente impressionado com a altura e a imponência destas escarpas.
Quem diria que nesta Ribeira Sacra há uma atração religiosa ímpar. Situa-se aqui a mais importante concentração da arte românica rural da Europa, tendo em conta a dimensão do território. A Ribeira Sacra possui uma centena de igrejas românicas e vinte mosteiros. Seguramente que todos são credores de visita, iremos, finda esta viagem no canhão do Sil, até ao Mosteiro de Santo Estevão. O Mosteiro de Santa Cristina de Ribas de Sil é um mosteiro românico do século X que pertenceu à ordem dominicana. Pode-se visitar o claustro e a igreja, que conserva retábulos e frescos e a rosácea da fachada principal é muito bela. Intrigado, fui procurar saber o porquê desta quantidade de mosteiros.

No início da Idade Média, as pessoas chegavam aqui atraídas pela espiritualidade dos lugares, tudo natureza e sem grandes centros populacionais. Essas pessoas eram os eremitas, uma corrente do cristianismo composta de pessoas que abandonavam tudo para viver na solidão. Quando acabara este passeio, quinze minutos depois estaremos no Mosteiro de Santo Estevão. Outro mosteiro importante é o de São Pedro de Rocas, que é o mosteiro mais antigo da Galiza, data do século VI, a sua visita é recomendada pela sua singularidade, a igreja possui três capelas aprofundadas na rocha, há uma necrópole medieval com túmulos antropomórficos e possui uma atalaia com uma altura de vinte metros. O castanheiro dava um alimento essencial na Idade Média, só no século XVI é que chegaram à Europa as batatas o milho e outros legumes. Vivemos uma manhã de sonho. À saída da viagem deram-me um folheto com os miradouros e descobri que o Concelho em que estamos a viver se chama Nogueira de Ramuín.

Vista do ancoradouro de Santo Estevão de um ponto alto
E pronto, chegámos a este mosteiro situado na encosta norte do Rio Sil, entre bosques de carvalhos e castanheiros, é dado como o mais importante mosteiro da Ribeira Sacra. Santo Estevão de Ribas de Sil, é anterior ao século X, é do tempo do Rei Ordonho II o restauro de uma comunidade de eremitas que habitavam a zona do Canhão de Sil, no século X restaurou-se o que fora o primitivo edifício datado do século VI. Não há na atualidade vestígios arquitetónicos das primeiras construções e o que de mais antigo se conserva é a igreja românica datada da segunda metade do século XII. É esta a visita que vamos fazer.
Estátua de homenagem em Luintra aos amola-tesouras que partiam desta região de Ourense para outros pontos de Espanha e Portugal

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 4 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27285: Os nossos seres, saberes e lazeres (703): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (224): O espetacular balneário romano de São Pedro do Sul - 3 (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Isto sim, isto é que é viajar. Grande Galiza! A minha alma pasma-se, até o espanto diante do monumento aos amola-tesouras e navalhas.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Autor do comentário ? Não há comentários anónimos, são as nossas regras, de gente "civilizada"...