quinta-feira, 25 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P795: Antologia (39): O massacre dos soldados africanos da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Extracto de Leões Negros (Página pessoal do Carlos Fortunato, CCAÇ 13, 1969/71)

Guiné > Bissorã > CCAÇ 13 > O furriel miliciano Fortunato e o soldado Calaboche Tchudá, babalanta, natural da região Bissorã, apontador de LGFog, Prémio Governador da Guiné, em 1970 (0u 1971)...Foto: No regresso de uma patrulha, ao atravessar um riacho, perto de Bissorã, Colaboche agarra o furriel Fortunati e grita: "Tira uma fotografia e manda para a família a dizer que o furriel Fortunato foi apanhado por um turra".


Foto: © Carlos Fortunato (2006)


Guiné > O massacre dos soldados africanos (extractos)

A guerra era algo que os soldados africanos lamentavam constantemente, o seu desejo era que fosse feita a paz.

A aspiração dos soldados africanos da CCAÇ 13 era apenas a de terem uma vida melhor, e o empenho de alguns deles para se desenvolverem era extraordinário. Apesar de apenas falarem balanta e algumas palavras de crioulo, dedicavam-se afincadamente ao auto-estudo, pegando em livros de leitura que decoravam, numa tentativa de aprender a ler.

Com uma ajuda inicial minha e depois do Furriel Varela, conseguiram a proeza de tirar a 3ª classe, nos 2 anos que estiveram connosco.

Apresento a seguir um extracto de uma carta do soldado Calaboche, é apenas um exemplo de um homem simples que lutou leal e dignamente na procura de um futuro melhor, acreditando que ele seria ao lado de Portugal.

Calaboche nunca conseguiria ver os seus sonhos realizados, pois ele, tal como muitos outros, foi abandonado à sua sorte e fuzilado pelo PAIGC.

Contrariamente ao que por vezes tem sido dito, não foram apenas os comandos africanos que foram mortos, muitos outros foram perseguidos e mortos.

Houve quem fugisse para o Senegal, para salvar a vida, mas ai foram muitas as dificuldades por que passaram, alguns acabariam por morrer ai, ao serem apanhados a roubar.

(...) Embora todas as informações indiquem, que os fuzilamentos foram um triste episódio que já terminou à muito, num país pobre como a Guiné, existem muitas maneiras de colocar em causa a sobrevivência.

Uma das coisas que os antigos combatentes africanos se queixavam é que não conseguiam trabalho, a terra agora era de todos, mas os que eram identificados como antigos combatentes, eram excluídos da comunidade, não podendo cultivar a terra, e sem poderem trabalhar como poderiam sobreviver ...

Transcrevo a seguir dois extractos de duas cartas relatando um pouco o que se passou em Bissorã:


Julho de 1982

Quirido amigo Fortunato.

Eu ficou bastante contente com sua carta.

Eu ficou com grande alegria com piqueno informação.

O amigo se voce fala com teu irmão sobre minha problema se ele disse que precisa de qualquer ducumento voce manda-me escrever.

Por favor amigo.

Hora bem eu vou-te esplicar poucina en pouco (1) de independencia da Guiné Bissau.

O que se passou depois de independencia da Guiné, partido mata muitas pessoas na nossa grupo, mata Tenha Taga, Calabos Tchuda, Furrel Sora Nando, só na nossa grupo, também Caba Santiago, Sitofa Quebá, Bacai, José de mesa oficiais, cozinheiro Nhinde de Olossato (2).

Olha Fortunato eu não tem trabalho depois de independencia partido não deija nos(3) trabalhar junto com eles partido disse que nosso tropa portuguesa luta contra eles. Se voce vem cá na Guiné com cooperante voce capaz de arranjar trabalho por favor amigo Fortunato(...).



Notas corrigindo alguns dos erros da carta para melhor compreensão:

(1) Pretende escrever: explicar um pouco
(2) Pontuei este parágrafo para ser compreensível.
(3) Pretende escrever: deixa nós.


1988

(...) Os teus soldados chamados Jorge, Barra, Tancana (1) foi matados em furto em Senegal. (...)


(1) O 2º e 3º nomes estão mal escritos, correctamente é: Birra e Tangana.

Na primeira carta de 1982, é referido o nome de Cabá Santiago. Conheci o Cabá Santiago e posso contar um pouco da sua história, tendo por base aquilo que ele me contou, e o que eu conhecia a seu respeito.

Cabá Santiago era um individuo inteligente e com alguma cultura, tinha sido professor até aderir ao PAIGC, aí passou a ser professor e guerrilheiro. Após muitos anos de luta, sem ver um fim à vista para esta, e percebendo que o PAIGC mentia nas suas mensagens de propaganda, acreditou que o melhor caminho a seguir era o apontado por Portugal, e aproveitou as campanhas de aliciação para os guerrilheiros abandonarem a luta, para se entregar.

Como a todos os que se entregavam, as questões que lhes eram colocadas eram: qual a possibilidade de outros guerrilheiros se entregarem, onde estavam os depósitos de armas, qual a possibilidade de eliminação de guerrilheiros, Cabá com tudo colaborou.

Cabá Santiago foi contudo mais longe, regressou à sua zona contactou os guerrilheiros que estavam junto da população, mandou-os ir buscar as suas armas (cada um tinha escondido a sua no mato), e quando estes chegavam armados eliminava-os.

Escusado será dizer que Cabá Santiago, ficou com a cabeça a prémio, e por isso ele era sempre o último da coluna de milícias que comandava, pois tinha medo de ser morto pelas costas pelos seus próprios homens.

Pergunto aos leitores:
- O que acham que iria acontecer ao Cabá Santiago quando fosse entregue o poder em Bissorã ao PAIGC ?

(...)

Guiné 63/74 - P794: O comportameno exemplar dos militares da CCAÇ 13 (Carlos Fortunato)

Texto do Carlos Fortunato [ex-furriel miliciano, de transmissões, da CCAÇ 13, 1969/71, aquartelado em Bissorã, entre outros sítios]:

Amigos e Camaradas

Tenho lido algumas afirmações sobre o massacre dos comandos, que me obrigam a discordar de algumas opiniões emitidas.

Embora seja consensual que houve outros soldados africanos mortos, além dos comandos, a minha visão sobre os acontecimentos é que a seguinte: o que está em discussão para mim, é termos dado a nossa palavra aos soldados africanos, termos comprometido a nossa honra, e quando chegou o momento de realmente cumprirmos o que prometemos, viramos as costas a esses camaradas.

Não garantimos a sua sobrevivência, e mais grave ainda, quando os massacres começaram a ocorrer, não dissemos uma palavra, quando foram segregados da sociedade não dissemos uma palavra, é claro que é mais cómodo procedermos assim, e em particular dizermos que não sabemos de nada, é fácil arranjar uma boa desculpa para nada fazer.

Sobre as atrocidades que existiram enquanto durou a guerra muito havia a dizer, mas iria abrir muitas feridas, e prefiro nem sequer abordar esse tema, prefiro falar da forma exemplar que os soldados africanos da CCAÇ 13 se portaram.

Os soldados africanos da CCAÇ 13, actuavam na sua terra, quando íamos às tabancas no mato, os soldados encontravam as suas irmãs, primos etc., não roubávamos sequer uma galinha.

Os soldados da CCAÇ 13 actuaram sempre com muita coragem e foram muitas as baixas que causaram ao inimigo, mas nunca vi um soldado africano da minha companhia cometer uma atrocidade, mas sim o contrário.

Na operação que fizemos ao Morés, em que sabíamos que tínhamos que estar 10 dias no mato sem reabastecimentos de comida, vi-os partilhar o pouco que tinham com os prisioneiros, embora sabendo que nos dias seguintes iam passar fome e sede, 11 deles tiveram que ser evacuados por insolação devido à falta de água, e acabamos bebendo a agua estagnada das bolanhas, alimentando-nos das mangas que encontrava-mos, ou roendo algumas cascas de árvore, mas esta atitude sempre digna que tiveram, não evitou que depois fossem mortos pelo PAIGC.

Diz-se que não deviam ter lutado ao nosso lado. Porque não? Se confiavam mais no seu futuro com os portugueses, do que dirigidos pelos seus compatriotas, quem lhes pode negar o direito de terem uma palavra a dizer, e de terem esperança numa reconciliação. Até a resolução 1542 da ONU previa essa possibilidade.

Sempre temi que estes massacres viessem a acontecer, e disse aos soldados africanos o que deviam fazer: quando terminassem o serviço militar, era sair da tropa e procurar uma profissão o mais qualificada possível, para tal deviam já começar a estudar e tirar pelo menos a 4ª classe, e todos os dias por mais cansados que estivesse-mos, lá estávamos na nossa aula.

Não me interessa o que outros países tenham feito, Portugal é o meu país, esta é a nossa história, esta é a nossa honra.

Tenho orgulho que tenhamos feito uma revolução exemplar no 25 de Abril, praticamente sem derramar sangue, e motivos para ajustes de contas não faltavam, principalmente com a Pide, mas fico magoado com este processo que ignorou os soldados africanos.

Na minha opinião deveria ter-se pressionado o PAIGC a integrar os soldados africanos, arranjando soluções de compromisso, por exemplo excluindo as chefias, os soldados condecorados ou louvados, comprometendo-nos a dar um verba para a manutenção dessas forças, deveria ter-se dado a oportunidade de os restantes virem para Portugal e ficarem no exercito português, eu sei lá que mais … existiam tantas soluções.

Neste momento, penso que o importante é concentrarmo-nos no que ainda podemos fazer, por aqueles camaradas, pois ainda podemos fazer alguma coisa, como por exemplo dar-lhe o tratamento que damos aos antigos combatentes, e aqueles poucos euros que agora recebem como complemento de reforma, eram uma paga preciosa e mais que merecida.

Nunca se abandona um camarada. No site da CCAÇ 13 estão os nomes de alguns dos
seus soldados mortos depois da independência, se quiserem fazer uma visita, consultem a página sobre a Guiné.

Um abraço a todos

Carlos Fortunato
(Leões Negros - CCAÇ 13, 1969/71)

Guiné 63/74 - P793: O limpo e o sujo, nós e os pides (João Tunes)

Caro Luís,

Se me dás licença, apenas 3 pontos (ou prespontos):

1 - O teu texto que eu comentei não foi o mesmo que apareceu no blogue (este é muito mais extenso e documentado). Publicaste uma nova versão do teu texto e o comentário que fiz à sua versão reduzida que foi a que me enviaste. Se o texto que eu tivesse lido fosse o que posteriormente publicaste não teria feito o mesmo comentário. Seria outro ou nenhum.

2 - O comentário que publicaste do Pepito não se referia ao meu texto que publicaste mas a um outro que enviei sobre o assassinato de Amilcar Cabral que (ainda?) não publicaste. Aliás o meu texto comentado pelo Pepito vinha agarrado com o meu mail. Assim, a bota não joga com a perdigota.

3 - Não concordo absolutamente nada se entendi bem o teu raciocínio de separares as NT da nefanda PIDE. Não acho que estivéssemos assim tão longe. Toda a acção militar suportava-se no trabalho de informações e infiltração operada pela Pide. Assim, o Fragoso Allas foi companheiro de armas de Spínola e cada um de nós o foi do agente da Pide local. Objectivamente, foi assim.

E por isso achar não alinho na estória das tropas limpas e dos pides sujos. O barco foi o mesmo (se calhar, no mesmo Niassa em que fizemos viagem também lá iam alguns dos prestimosos agentes). Tendo lá estado e beneficiado do trabalho sujo da PIDE, eu fui, também, camarada de armas dos pides. Como dos comandos africanos e dos milícias.

Eu, como ocupante, tive a sorte de regressar vivo à sede do Império, os colaboradores guineenses com os ocupantes lá ficaram e lá as pagaram. De uma forma miserável e inaceitável, mas pagaram. Quanto aos pides por aí estarão a beneficiar de reformas como funcionários públicos pelas razões de impunidade que todos conhecemos. Para mim, estas são as únicas diferenças. Se para lustro das nossas velhas fardas, quisermos separar o nosso trabalho limpo do trabalho sujo, quando esta distribuição de papéis fazia parte das regras do jogo, pela minha parte eu não sacudo a lama que me cabe como quinhão.

João Tunes


Comentário de L.G.:

Peço desculpa da trapalhada que às vezes é a publicação, não por ordem de chegada mas de actualidade editorial dos mensagens que me chegam. No caso que mencionas, de facto não bata a bota com a perdigota, como dizes tu e diz o Zé Povinho. Àparte as dificuldades (no fundo, a incompetência) para pilotar este barco, já tão grande, há ainda o facto de os tertulianos usarem um ou outro dos dos meus dois endereços de e-mail, o de casa e o do local de trabalho. Enfim, isto não deveria servir de desculpa: tenho de estar mais a tempo à ordem lógica e cronológica das mensagens e dos posts.
Um abração.

Guiné 63/74 - P792: Todos camaradas, mas uns mais do que outros? A propósito do assassínio de Amílcar Cabral (João Tunes)

Texto de João Tunes, de 23 de Maio último:

Caro Luís,

Julgo que a lista dos fuzilados pelo PAIGC que lutaram, ao nosso lado, pelo Portugal do Minho a Timor, não se deve esgotar nos actos pós-independência.

Porque os crimes contra a humanidade nunca prescrevem. Houve mais fuzilados pelo PAIGC sem julgamento decente. E, na minha opinião, eles devem entrar na lista que porfiamos em recordar para memória futura e homenagem retroactiva.

Em 1973, os mandos de Portugal (comando militar e PIDE) conseguiram o feito de assassinarem Amílcar Cabral, o turra-mor. Foi uma operação urdida com sucesso (ao contrário da Operação Mar Verde). Nesta operação, a PIDE conseguiu infiltrar o PAIGC e explorando os ressentimentos de alguns combatentes guineenses contra os seus camaradas caboverdianos, levou a bom termo a sua missão: Amílcar caiu em Conacri, fuzilado sem julgamento e pelas balas de combatentes ressentidos, preparados e pagos pela PIDE ao serviço de Portugal.

E só por uma unha negra, o sucessor de Amílcar, Aristides Pereira, não foi entregue em Bissau, então nossa, provavelmente para o competente e juridicamente assistido julgamento. Amílcar Cabral foi assassinado mas daí pouco se passou. Nada mau, como saldo. Acontece que os nossos aliados, os nossos infiltrados, ao nosso serviço, ao serviço de Portugal do Minho a Timor, nossos camaradas portanto, falhado o clímax da operação (a liquidação de todos os caboverdianos, o controlo do PAIGC pela facção guineense e a sua integração na Guiné Melhor), foram apanhados pelo aparelho de segurança interna do PAIGC e fuzilados (sem julgamento). Terão sido 50 (cinquenta) esses nossos camaradas em missão de infiltração e aniquilamento que caíram sob as balas da justiça revolucionária, iníqua porquanto não precedida de julgamento segundo as regras da civilização cristã e ocidental que espalhámos pelas sete partidas.

Segundo depoimento de Mário Pinto de Andrade (que, em tempos, publique no meu blogue) terá sido Vasco Cabral (dirigente do PAIGC e homem de Estado da Guiné-Bissau, falecido há pouco tempo e que não era caboverdiano nem familiar de Amílcar) que investigou a conspiração, a desmantelou e depois assassinou todos esses nossos queridos e saudosos camaradas. No mínimo, seria injusto não lhes recordar, pelo menos, os nomes e a missão em que tombaram.

Julgo de elementar justiça que os nomes destes nossos 50 camaradas fuzilados sem julgamento (talvez o Leopoldo, o Jorge e o Pepe nos ajudem a encontrar a lista dos seus nomes), renegados do PAIGC mas combatentes por Portugal, se juntem, na mesma homenagem e recordação, à lista dos comandos, outros militares, milícias e agentes e informadores da Pide caídos em fuzilamentos selvagens na pós-independência às mãos dos mesmíssimos facínoras e gente com aversão a julgamentos juridicamente assistidos.

Ou uns são mais camaradas que outros? Por mim, nem pensar.

Abraços com saudações patrióticas do
João Tunes

Guiné 63/74 - P791: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)


A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967

Foto: © Lema Santos (2006)

Texto do Lema Santos, ex-oficial da Marinha (Guiné, 1966/68):

Caro Moura Ferreira,

Inicio esta minha segunda investida como apanhado pelo clima agradecendo-te as Boas Vindas (2), cumprimentando-te com Amizade bem como a todos os Membros e, dentro da minha capacidade e conhecimento, permitir que algum esclarecimento adicional seja acrescentado a toda a Tertúlia e à História, em nome do que é conhecido e também do que o não é, do teatro de operações que foi a Guiné.

Difícil é fazê-lo deixando de lado debates sobre massudos conceitos de estratégia naval, articulados com dispositivos locais existentes, tudo muito pouco interessante, mas sem deixar de respeitar a autenticidade dos factos relatados.

Na diferente emotividade das vivências sentidas e das diversas opiniões expressas sobre um mesmo facto ou narrativa, o oportuno esclarecimento ou opinião por quem participou directamente, marcará sempre a diferença.

Abordarei inicialmente alguns pontos sem os quais será difícil, a quem lê, enquadrar pessoalmente os acontecimentos e, bem pior, compreender correctamente os diálogos e sequências. Se entenderem que estou a pisar o risco das aulas de marinharia , açoitem-me.

Fá-lo-ei sempre com o cuidado de não ferir a veracidade de factos comprovadamente registados, ainda que aligeirados e respeitando diferentes sensibilidades.

A Orion, Lancha de Fiscalização Grande (LFG), com o número de costado P362, pertencia a uma classe de navios denominada Argos das quais estiveram operacionais na Guiné, entre Maio de 1966 e final de Abril de 1968 (data do final da minha comissão), outras quatro unidades idênticas: Cassiopeia, Hidra, Lira e Sagitário.


A LDG Ariete onde se transportava, tal como na Montante e na Alfange, 1 Batalhão.

Foto: Revista da Armada (gentilmente enviada por e-mail pelo Lema Santos)

Todas estas 5 LFG's tiveram como tónica comum, entre 1963 e 1975, o teatro de operações único da Guiné e vida operacional semelhante.

Mais tarde, outras duas, a Argos em 1970, a primeira a ser construída, e a Dragão em 1969, se lhe juntaram. Estas duas últimas já tinham estado na Guiné em 1964/1965 , ano em que, em Fevereiro, foram para Moçambique.

Ainda uma outra, a Escorpião esteve durante cerca de um ano - 1964 - também na Guiné, após o que permaneceu, até ao final da sua vida operacional, repartida entre Angola e S.Tomé.

Em 1975 todas as LFG's rumaram para Angola, salvo a Cassiopeia e a Sagitário, afundadas na Guiné ao largo da costa, pelo justificado mau estado em que se encontravam.

Nenhuma destas LFG's tinha nada a ver, quer em aspecto quer em capacidade operacional, com as que são referidas por ti nas observações que fazes e, referindo-me apenas à época da minha comissão de serviço, havia ainda:

- LFP's (Lanchas de Fiscalização Pequenas) - Bellatrix, Canopus e Deneb.
- LDG's (Lanchas de Desembarque Grandes) - Alfange e Montante.
- LDM's (Lanchas de Desembarque Médias) - diferindo apenas em aspectos de pormenor e nos números de costado.
- LDP's (Lanchas de Desembarque Pequenas) - como as LDM's mas de porte mais pequeno.

Limitando-me apenas às LFG's e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:
O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.

Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.

Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT's. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.

Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG's, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.

Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP's. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM's e as LDP's; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG' s assumiam a função.

Depois destes minúsculos esclarecimentos passo a temas específicos que e muito bem, colocaste:

Pela descrição, penso que terás ido para Cufar (podia ser Bedanda) numa LDM, na companhia de alguns batelões e que, certamente, foram escoltados até à curva da mata do Cantanhês, frente a Cadique, por uma LFG e uma LFP; era uma das missões de rotina no Sul dado que se encontrava permanentemente em cruzeiro nessa área uma LFG que era rendida ao fim de duas semanas; alternava a fiscalização do rio Cacine com o Cumbijã e era complementada por uma LFP, mantendo-se também na área uma ou duas LDM's.

Sempre que havia um comboio de abastecimentos, transporte de pessoal ou material e escoamento de produtos comerciais (Bedanda), a escolta de ida, para montante ou de regresso, para juzante, era feita pela LFG que permanecia na área. Conjuntamente com os restantes meios navais no local navegavam em comboio, a maioria das vezes com o apoio da FA:

Iniciava-se na barra do Cumbijã, na parte açoreada junto da Ilha de Melo, a montante da foz do rio Massancano (Canal de Melo), junto da marca Almirante.

Navegando para montante, deixava-se a estibordo (à direita) o braço de rio Iade que conduzia ao aquartelamento de Cabedú, nosso último reduto a Sul da mata do Cantanhês.

Curvava largo e lento para bombordo (à esquerda) deixando desse lado as povoações de Sinchã e Cametonco, agora quase rumo a Norte, à foz do Cobade, próximo de Catió.

A estibordo recortava-se a sempre temível mata do Cantanhês - relembrando a Operação Tridente (1) - com as povoações de Catesse e Darsalame primeiro e já depois de inflectir francamente para estibordo, depois da foz do rio Cobade, Cafine e depois Cadique zona onde, salvo raras excepções, os comboios eram sistematicamente flagelados.

A travessia fazia-se sempre com o apoio da FA (T6 e mais tarde os Fiat G91). Morteiro, metralhadora pesada, as nossas peças Boffors de 40 mm, as MG's 42 nossas e das lanchas, os lança-rockets da LFP, mata incendiada, o T6 que entrava pela copa das árvores para voltar a sair mais à frente, num cenário e espectáculo indescritíveis.

Depois de nova curva a bombordo junto à foz do rio Macobum, navegação para Norte na direcção de Cufar. Mais tarde, nessa zona, foi referenciado canhão sem recuo.

Uma longa meia-hora para cada lado, deixando o combóio em segurança, já para montante de Cadique.

O registo da ponte alta da LFG Orion em 1967: 18 ataques, 32 impates e 1 ferido grave

Foto: © Lema Santos (2006)

Há vários relatos registados e especificamente um da Orion que ostentava na ponte alta uma placa de honra, em bronze,Rio Cumbijã, onde foi violentamente atacada em 8 de Maio de 1966. A situação foi tão frequente que a tua observação até se torna caricata...apenas saudações dos turras! Eram alguns dos espinhos que a Marinha também tinha. Pelos menos 3 ou 4 LFG's tinham placas idênticas de datas diferentes. Reparem que, depois da foz do Macobum o comboio, normalmente, não tinha problemas até Bedanda.

Num belo dia tudo isso ficou gravado num Sony pré-instalado para o efeito, com os cabos de som a passar para o exterior pelas vigias da câmara de oficiais. Não na Orion mas na irmã gémea Lira; ainda tenho guardadas as fitas originais cedidas pelo meu camarada da LFG. Tenho andado a adiar a oportunidade de as converter em som audível num CD para podermos reviver e partilhar também esses pesados momentos (2).

Sabes em que datas, ou datas próximas, chegaste e saiste da Guiné? Seria interessante saber uma vez que, praticamente todos os TT's, eram escoltados na entrada e saída do farol de Caió por uma LFG. Posso talvez disponibilizar esses elementos. Há muitas lacunas mas nem tudo está branco.

Há muitos factos, acontecimentos e histórias por relatar e felicito-te pela forma como te identificas na necessidade de alargar o painel de diálogo.

Para se efectuarem relatos decentes, a pesquisa terá de ser obrigatoriamente cuidadosa, criteriosa e isenta sob pena de a história passar a ser filosofia política.

Continuarei ao dispor da Tertúlia com Amizade e voltarei a dar notícias. Da próxima vez, completado o capítulo das apresentações, só mesmo Guiné.

Claro que teria forçosamente de enviar algumas fotos e elas acompanham o magro relato.

Um abraço e obrigado pelo reforço do chamamento.

Manuel Lema Santos
Ex-1º TEN RN 1965/72
Guiné 1966/68 - NRP ORION
__________

Nota de L.G.

(1) vd. post de 2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXVI: Boas vindas ao marinheiro Lema Santos (Hugo Moura Ferreira)

(...) "Verifiquei com alguma satisfação que tu és do meu tempo (2) e tentei recordar-me do pessoal de Marinha que, com o sacrifício que quem ia metido numa lata a servir de alvo, para os lados do Cumbidjã, nos ia abastecer a Cufar (CCAÇ 1621), acostando, no cais de Cantone, e também a Bedanda (CCAÇ 6), quando, com o coração ao pé da boca, tinham que progredir rio acima tendo na outra margem o celebérrimo Cantanhez, que naquela altura era impenetrável.

(...) "Penso, e tu o confirmarás ou não, que realmente nunca as LDM [Lanchas de Desembarque Médias], que nos levavam abastecimentos a Bedanda, foram atacadas naquela zona. Aliás, como se acontecia com a LDP que diariamente levava a água de Catió para a nossa base no Cachil. Enquanto por lá andei não me recordo de ter ouvido alguma vez notícias de ataques a abastecimentos naquela zona.

"Em Cacine, eu sei que eram habituais as saudações dos turras, mas depois de passarem essa zona havia algum respeito e pode dizer-se condescendência do IN, para com a nossa paparoca" (...).

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P790: Notícias do nosso amigo Pepito

Mensagem do Pepito, da AD-Acção para o Desenvolvimento (Bissau):

Olá, Luís!

Fiquei muito sensibilizado pela transcrição do conto O Cativeiro dos Bichos (1) que decidiste fazer e apresentar aos nossos amigos tertulianos.

Agradeço-te muito o gesto, até porque a minha mãe que tem 91 anos também se emocionou muito (apesar da idade ela percebe mais de Internet que eu...).

Em Julho estarei aí de férias e, se tiveres tempo, vou-te dar um abraço e contar-te a evolução de Guiledje.

Fiquei satisfeitíssimo de conhecer o Marques Lopes, na realidade uma pessoa com enorme sensibilidade, grande tranquilidade e que gosta hoje da Guiné, sem ter parado no tempo.

abraços
pepito

Comentário de L.G.:
Vamos seguramente ter tempo para beber e um copo e dar dois dedos de conversa. Julho ainda é para mim tempo de trabalho. O nosso reconhecimento, como tertulianos, pelo teu acolhimento fraterno dispensado aos nossos amigos Xico Allen, A. Marques Lopes & Companhia, em Abril passado, na tua terra e na casa. Manda à tua senhora mãe um grande chicoração da malta desta tertúlia.
________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)

Guiné 63/4 - P789: Os crimes da Pide, dos comandos e dos camaradas (Pepito)

Texto do Pepito, da AD-Acção para o Desenvolvimento (Bissau):

Caro João [Tunes]:

Subscrevo o teu texto, sem retirar uma única vírgula.

Mais: o Alpoim Calvão pavoneia-se hoje aqui pela Guiné impune. Provavelmente com o beneplácito amigo de quem comungava com ele o desejo de ver Cabral ser morto. Nem coragem tem de assumir que um dos principais objectivos do Mar Verde era assassinar Cabral. Por isso mesmo bombarderam a casa dele. Não estava lá ele mas a mulher, que hoje carrega com ela sequelas físicas dessa tentativa de assassinato.

Era miúdo ainda e recordo-me de frequentemente ouvir o meu pai entrar em casa, aqui em Bissau, e dizer à minha mãe:
- A Pide matou mais um. - Normalmente um amigo ou pessoa conhecida. Tinham nessa altura o hábito de atirar as pessoas pelos poços de água adentro.

Era miúdo ainda e recordo-me do meu pai [Artur Augusto Silva] (1), que era advogado e ter defendido dezenas de pessoas acusadas de serem do PAIGC, relatar à minha mãe as atrocidades que a Pide cometia sobre os presos para os fazer confessar. Mal ele sabia que lhe iria acontecer o mesmo, poucos anos depois na prisão de Caxias.

Era já jovem, de regresso a Bissau depois da independência, e ficar siderado com os relatos que ouvia de monstruosidades cometidas por certos comandos africanos durante a luta, em que não ficavam nas tabancas testemunhas para um dia contarem.

Já mais adulto, confesso que fiquei apavorado por ver certos camaradas [do PAIGC] fazer a outros camaradas as coisas que julgava serem um exclusivo de infra-humanos e acabarem por saírem por cima, como heróis.

abraços
pepito
_________

Nota de L.G.

(1)Vd. post de 20 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Antologia (38): O cativeiro dos bichos (Artur Augusto Silva)

Guiné 63/74 - P788: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

Mensagem de João Tunes:

Caro Luís,

Claro que não foi crítica, muito menos crítica dirigida à tua estimada pessoa. Mas mexe-me com os nervos certo desnivelamento que, por razões afectivas e emocionais, se faz, faremos todos, entre crimes e crimes.

E a denúncia justa, se proporcionada, aos fuzilamentos dos Comandos Africanos muitas vezes é acompanhada de uma louvação e choro patriótico como se eles tivessem sido nobres e leais guerreiros, cumpridores da Convenção de Genebra. Ora, o que fazia um Comando Africano quando apanhava um irmão guineense do PAIGC que lutava pela pátria de um e de outro? Levava-o incólume e seguro a julgamento?

Não concordo com ajustes de contas, mas não foi mais que isso (um ou outro inocente terá pago pelo pecador, pois claro). Reprovável, inaceitável, mas não se deve condenar de ânimo leve e lágrimas exaltadas como se eles, por serem dos nossos, fossem clones do Beato Nuno Álvares Pereira, meu padroeiro dos tempos de Infantaria. E se queremos ter moral para julgar, julguemo-nos a nós, denunciemos os criminosos de guerra que foram nossos camaradas, contemos as vítimas que brutalizámos e, por acção ou por omissão de repulsa e denúncia, ajudámos a brutalizar (eu incluo-me no rol).

Façamos essa catarse antes de vestirmos toga de juízes. Porque quem fez o mal, ou com ele se calou, não deve fazer a caramunha. Fui mais claro?

Sobre o turra (agora desencantado) Luandino já meti post no meu blogue. Podes transcrevê-lo, se te aprouver. Assim como estes textos.

Grande abraço.
João Tunes

Guiné 63/74 - P787: E os patriotas guineenses, torturados e assassinados em nome de Portugal? (João Tunes)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Nhabijões > 1970 > Pessoal da CCAÇ destacada no reordenamento de Nhabijões (da direita para a esquerda: os furriéis milicianos Sousa, Reis e Henriques.

Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

© Humberto Reis (2006).


1. Comentário do João Tunes à lista dos comandos africanos fuzilados pelo PAIGC (1):

Caro Luís,

Muito bem. Totalmente de acordo. Um dia virá também a lume a lista dos patriotas guineenses torturados e assassinados pelo Exército Colonial Português (incluindo pelos Comandos Africanos) e pela PIDE, os turras, sem cumprimento de qualquer espécie da Convenção de Genebra.

Nada tenho contra dar-se primazia ao nosso choro. Mas enquanto não fizermos o simétrico, a aplicação do Evangelho será sempre parcial, será um Evangelho dos nossos e pelos nossos.

Abraços para ti e todos os estimados tertulianos.
João Tunes


2. Comentário ao comentário de João Tunes:

João:

Eu fui talvez o primeiro a falar, no blogue, dos crimes dos comandos africanos e dos tugas, na Guiné… Não direi nossos crimes, porque essa coisa da responsabilidad colectiva, enquanto povo, é uma monstruosidade jurídica: de facto, uma coisa são os alemães, outra foi o nazismo; uma coisa são os espanhóis, outra coisa foi o franquismo; uma coisão são os russos, outra coisa o czar da Rússia; uma coisa são os portugueses, e outra os Teixeira Pinto, os Alpoím Galvão, os Pides, etc.; uma coisa são os guineenses, e outra os assassinos de Amílcar e os pelotões de fuzilamento do Cumeré...

Por outro lado, nem tu nem eu nem os membros da nossa tertúlia se identificam com os pides, com administração colonial ou com certos elementos do exército colonial que, na Guiné, cometeram crimes de guerra e crimes contra a humanidade...Mesmo assim é precisos dizer onde e quando e por quem foram praticados: os crimes (Wiriamu, por exemplo, em Moçambique) têm texto e contexto...

Eu não vou esquecê-los, ignorá-los, branqueá-los, desculpá-los, muito enaltecê-los... Além disso, não sou cristão…

Vi, como muitos outros viram, em Bambadinca, o Uloma, um graduado felupe da 1ª Companhia de Comandos Africanos, a pavonear-se com a cabeça de um desgraçado de um camponês da região a norte do Enxalé (2)...

Ouvi o Seco Camará, guia e picador das NT no Xime, contar estórias macabras, em primeira mão. O José Carlos Mussá Biai deve ainda lembrar-se dele, ou talvez não: teria sete anos quanmdo ele morreu na Ponat do Inglês...

Sobre o Seco Camará escrevi eu (3): "Tenho mais dificuldade em me curvar perante a memória do Seco Camará, mandinga do Xime, embora reconheça que ele foi um valoroso e competente guia e picador das nossas tropas, durante anos. Mas também foi um homem para os trabalhos sujos da guerra: ele próprio me confessou um dia, com aquela autoridade e candura africanas de homem grande, que nos anos da política de terra queimada, da repressão brutal às populações do Xime que simpatizavam com (ou apoiavam) a guerrilha, ao tempo do Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, entre 1964 e 1967, ele próprio era encarregue pelo capitão tuga do Xime para matar, à paulada, em pleno mato, os elementos suspeitos, capturados... No regresso ao quartel, o capitão, manga de bom pessoal, pagava-lhe um sumol (sic)"...

Tê-lo-ei desculpado ou desculpabilizado ? E esse capitão, manga de bom pessoal, por onde pára ? E o capitão do capitão, o tenente-coronel, o general, não sabiam de nada ? "O coitado do Seco Camarà, peça insignificante da máquina de guerra colonial, foi ao mesmo tempo um tenebroso carrasco e uma pobre vítima, como muitos outros guinéus, e nomeadamente dos pertencentes aos grupos étnicos islamizados... Morreu ingloriamente em Novembro de 1970, nesta operação que eu aqui evoco e em que participei [Op Abencerragem Candente]. Recordo-o, ainda hoje, com o seu inseparável cachimbo e o seu ar de cão rafeiro... Nunca saberei se algum se sentiu português. Sei apenas que foi um bravo soldado, e eu não posso julgá-lo com bases nos meus valores ou princípios éticos"...

Calma aí: contra o relativismo cultural, posso e devo pronunciar-me quando há suspeitas ou indícios de crimes de guerra ou crimes contra a humanidade ou violação dos direitos humanos (como a mutilação genital feminina, por exemplo). Que fique claro: nestas matérias a minha tolerância é zero... Mas nada não me impede de tentar pôr-me na pele do outro, compreender, perceber...

Ouvi, por outro lado, algumas estórias ao Abibo Jau e outros homens grandes da CCAÇ 12 sobre os anos de terror (3)... São testemunhos, eu não estava lá... Mas seria bom ouvir e registar o que se passou nesses anos em que a população guineense foi diabolizada, em que alguns grupos étnicos (balantas, beafadas, mandingas...) passaram a ser estigmatizados como turras ou potenciais aliados do inimigo... Ouvi, não vi, o que não é a mesma coisa...

Sobre este tópico (que é doloroso, para todos nós, e que ainda nos divide...), já foram publicados diversos posts (4). De qualquer modo, temos que ter serenidade, luxidez e espeírito de tolerância para falarmos destas coisas... Que fique clara a minha posição: nunca se tome a parte pelo todo; a grande maioria dos combatentes, de um lado e de outro, no difícil contexto daquela guerra, tiveram um comportamento que, à falta de melhor adjectivo, eu diria civilizado... (LG)

PS - Aproveitei para pedir ao João Tunes um comentário, no nosso blogue, sobre a recente atribuição do Prémio Camões 2006 ao turra Luandino Vieira, o escritor angolano, de origem portuguesa, autor de Luuanda ou de A Vida Verdadeira de Domingos Xavier ... O Prémio Camões, no valor de 100 mil euros, é o maior galardão literário dedicado à literatura portuguesa.
________

Notas de L.G.:

(1)Post de 23 de Maiod e 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

(2) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

(...) "Recordo certa vez que o Uloma (um colossal corpo sem espírito à força de tanta mensagem/massagem de espírito de corpo e de comando-máquina-de-guerra!...) se deixou fotografar, como um verdadeiro predador, exibicionista, imponente, boçal e triunfante, com um dos seus sangrentos e macabros troféus de caça, no regresso de um raide a território IN, a norte do Rio Geba, no regulado do Cuor. (Julgo que esta cena se passou no final de um operação de vários dias em que a 1ª CCA actuou na região a norte do Enxalé, de 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970, às ordens do BART 2917; de qualquer modo, foi antes da invasão de Conacri).

"À falta de caça grossa, tinha atirado sobre um pobre camponês, porventura balanta ou beafada, que cultivava, desarmado, o seu arroz na bolanha… Cortada a cabeça, rente ao pescoço, de um só golpe de catana, atara-lhe um pano branco que ligava a boca ao esófago, à laia de pega"…

(3) Vd. post de 25 de Abril 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970)

(4) Vd. posts de:

30 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Guerra limpa, guerra suja (1)

"O João Tunes acaba de publicar, no seu blogue, um post com o título Guerra limpa, guerra suja, em relação ao qual pede o feedback da nossa tertúlia. Com a devida vénia, passo a transcrever aqui o seu conteúdo, aguardando que este suscite os comentários dos nossos tertulianos. O assunto é delicado mas não podemos ignorá-lo ou escamoteá-lo. Um dia teríamos que falar disto, mesmo que fosse incómodo ou doloroso... L.G" (...).

30 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVII: Guerra limpa, guerra suja (2)

"Resposta do Marques Lopes ao João Tunes:

" (...) É verdade que a PIDE tinha esse principal papel, e eu assisti, em Bafatá, ao início da tortura de um prisioneiro por essa polícia e por um capitão de informações. Revoltei-me e fui-me embora, quando vi meter o homem num bidão de água até ele gorgolejar.

"Em Geba, os alferes que estávamos tivemos que nos afastar um dia (o Maçarico viu e que conte, o Luís Graça conhece-o) quando o capitão (que até morreu lá) e o primeiro-sargento deram tal enxerto de porrada a outro prisioneiro que este se borrou todo e se mijou.

"Em Barro, sei de um alferes que, duma só vez, matou dez elementos da população civil controlada pelo PAIGC" (...).

4 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIX: Guerra limpa, guerra suja (3)

"Texto de Luís Graça:

"(...)Também tenho outros revelações tenebrosas que os meus soldados (fulas) me contavam, nas noites longas que passávamos no mato, em operações, em emboscadas, em patrulhamentos ao Mato Cão (Rio Geba Estreito, para protecção da navegação civil, os barcos da Casa Gouveia que iam e vinham de Bafatá), em tabancas de autodefesa, aqui e acolá...

"Revelações da guerra pura e dura, em 1963, 64, 65, no tempo do Schultz, que terá sido uma verdadeira política de terra queimada e de genocídio (é a minha interpretação: nunca saberemos a extensão disto; há documentos da tropa que continuam secretos; além disso, branqueávamos os relatórios...)" (...).

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos

"Excertos do Diário de um Tuga (L.G.):

"Nhabijões, 20 de Dezembro de 1969

" (...) Os balantas foram, segundo o testemunho insuspeito dos meus soldados (fulas), as maiores vítimas da repressão colonial nesta década. Seis anos depois (é difícil confiar na memória dos africanos que não usam calendário, mas isto ter-se-á passado em 1963, depois do início oficial da guerra), Samba Silate (cuja população terá sido parcialmente massacrada pela tropa ou pela polícia administrativa de Bambadinca, não posso precisar) e Poidon (regada a napalm pela força aérea) ainda despertam aqui trágicas recordações: evocam o tempo em que todo o balanta era suspeito aos olhos das autoridades militares e administrativas, presumivelmente coadjuvadas pela PIDE (Tenho dificuldade em explicar aos meus soldados, que não falavam português quando os conheci em Contuboel, o que é isso, o que é essa sinistra polícia…)" (...).

terça-feira, 23 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P786: Os heróis de Gandembel (José Neto)

Guiné-Bissau > Guileje > 2005 > Restos do corredor da morte... "Apropriação": foi o termo (apropriado) que o Pepito usou para legendar esta foto (já famosa aqui no nosso blogue) (1)... Disse o fotógrafo: "Depois de vir ontem de Guiledje, onde tirei esta fotografia, posso-te falar de apropriação pela natureza: uma carcaça de camião com mais de 30 anos, envolvida por uma árvore que entretanto por lá nasceu. Nem que se queira, não se pode tirar o esqueleto de lá"...

Foto: © Carlos Schwrz (Pepito) (2005)

Texto do Zé Neto a quem eu há dias disse: "Grande Zé! Como é bom receber notícias tuas! Se voltaste a escrever e a ‘emailar’ é bom sinal!"... Pois é, ele está de volta, o nosso primeiro de Guileje, e hoje valente capitão em guerra contra o tabaco!... Parabéns, Zé (e permite-me esta inconfidência: o teu bom exemplo deve ser conhecido e seguido por outros amigos e camaradas).. Sê bem vindo, de regresso, à nossa caserna (agora já não preciso de te pedir para deixar o cigarro lá fora!...). (LG)

Meu caro Luis:

Não. Não desapareci. Apenas hibernei para vencer o tabágico vício. E estou a conseguir. Vou a caminho do quarto mês sem cigarro.

Mas o assunto é a chegada do Idálio Reis ao blogue (2). Como se pode verificar, eu já tinha referido aqueles bravos nos meus escritos. Veja-se no Post 423 a blague do 1º Martins que calçou a cagadeira (3). Este senhor é meu companheiro de férias de Setembro em Lagos e, nas conversas do bar, faz sempre questão de evidenciar a colaboração que lhe prestei, porque, confessa, na altura não estava muito calhado nas funções do seu posto à frente duma companhia.

Mais adiante, no Post 544, registo algumas considerações sobre a CCAÇ 2317 e a sua odisseia (4)ex-alferes Reis deve ter muito que contar!!!

Para ajuda vou anexar um pequeno trabalho de elaborei a partir da preciosa obra intitulada (e já toda desencadernada e rascunhada) História da Unidade - BART 1896.

Por agora resta-me mandar um abraço muito forte à tertúlia. Outro para ti do Zé Neto.


OS HERÓIS DE GANDEMBEL

Estou certo de que seria reconfortante para um punhado de bravos do Exército Português que algum dos Comandantes do PAIGC de então contasse, com a sua dignidade de militar, o que foi para eles a campanha de Gandembel e Ponte Balana em 1968/69.

Como interveniente muito próximo da gesta dos rapazes da 2317, sirvo-me da História da Unidade (BART 1896) para trazer à tona da memória alguns pormenores duma batalha pouco conhecida. É uma pequena achega com a qual quero reafirmar a minha profunda admiração pelos camaradas que foram deliberadamente atirados para o massacre pelos senhores de Bissau.

A Operação Bola de Fogo destinou-se “à implantação de um aquartelamento para efectivo de companhia, no Corredor de Guileje”.

Desenvolveu-se entre 8 e 14 de Abril de 1968, com a seguinte “Força executante”:
- CART 1613
- CART 1689
- CCAÇ 2316 (-) (3 Gr Comb)
- CCAÇ 2317
- 3ª COMP COMANDOS (-) (2 GR.COMB.)
- 5ª COMP COMANDOS (-) (2 GR.COMB)
- PEL REC FOX 1165
- PEL SAPADORES/CCS /BART 1896
- PEL CAÇ NAT 51
- PEL CAÇ NAT 67
- PEL MILÍCIAS 138 e 139
- ELEMENTOS DO BENG 447
- APAR (Apoio Aéreo)

Instalado o Aquartelamento em GUILEJE 8 D4 -93 (Coordenadas de Gandembel)

Durante a operação o IN flagelou 7 (sete) vezes a posição, causando às NT 2 mortos, 13 feridos graves e 34 ligeiros.

Até 25 de Junho de 1968, data em que o BART 1896 foi substituído no sub-sector pelo BCAÇ 2835 (a que a CCAÇ 2317 pertencia), o aquartelamento de Gandembel foi flagelado com fogo de Mort 82 e Canhão S/R por 52 (cinquenta e duas) vezes.

Normalmente os ataques duravam entre 8 e 15 minutos. São de destacar os três de 19 de Abril de 1968 às 3h45, 4h20 e 5h00; os três de 30 de Abril, às 2h15, 21h20 e 22h15 e os quatro de 14 de Maio (não houve registo das horas).

José A S Neto
___________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 14 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXVI: A Nossa Foto de Natal 2005

(2) Vd. posts de

19 de Anbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69 )

(3) Vd. post de > 23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(4): os azares dos sargentos

(4) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLIV: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (9): a Operação Bola de Fogo

Guiné 63/74 - P785: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

Guiné > Bissau > Em Brá, a nordeste de Bissau, nasceram os primeiros comandos da Guiné, primeiro organizados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração (ou os "velhos comandos") antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds).

Foto: © Virgínio Briote (2005) Guiné > 1964 > Brá, Comandos > Equipa Os Fantasmas. O João Parreira foi substituir o Furriel Artur Pereira Pires (aqui na foto, ao meio, de bigode, mais a sua equipa, os Fantasmas, composta por António Joaquim Vieira Ferreira, Manuel Coito Narciso, José da Rocha Moreira e João Ramos Godinho) . O Furriel Cmd Pires foi umas das vítimas do rebentamento de uma mina em 28 de Novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane (1).

O Furriel Pires fazia parte do pequeno grupo de militares (nove) que , em 29 de Outubro de 1963, seguiu da Guiné para Angola afim de frequentar um curso de Comandos, e onde se incluíam entre outros o nosso camarada Mário Dias,(na altura Fur Inf), bem com o Abdulai Queta Jamanca (1º Cab Atir Inf) e Adulai Jaló (Sold At Inf). (LG)

Foto: © João Parreira (2005)


Guiné > Bissau > Fins de Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, no Café Universal.

Foto: © João Parreira (2005)


Texto do João Pareira que, juntamente com o Virgínio Briote e o Mário Dias, representa o melhor da primeira geração de comandos da Guiné, os velhos comandos de Brá, os três mosqueteiros, como eu lhes chamei (2). Agradeço-lhe o gesto e até a coragem. Não é fácil falar dos nossos mortos, e sobretudo de alguns dos nossos mortos. Por pudor, por vergonha, por culpa...

Alguns destes homens com quem o João Parreira, o Mário Dias e o Virgínio Briote privaram e que eram comandos como eles, eu também conheci, circunstancialmente: refiro-me aos da 1ª Companhia de Comandos Africanos que foram hóspedes, em Fá, do meu e nosso amigo e camarada Jorge Cabral. Já aqui os evoquei, tal como os vi e conheci em 1970 (3).

Julgo que muitos deles foram heróis, embora perdedores e amorais. Lamento, mesmo assim, que tenham, morrido sem dignidade nem glória. E nem sequer tenham sido enterrados, com a dignidade que qualquer ser humano merece: é uma das 14 obras de misericórdia que constam do Evangelho dos cristãos (São Mateus). Nenhuma revolução ou movimento social pode, de resto, justificar a execução sumária de um ser humano nem a existência de valas comuns....

É importante, por isso, que esta lista seja publicada no nosso blogue: eles fazem parte dos nossos camaradas e dos nossos mortos, mesmo que incómodos, mesmo que alguns de nós tenham criticado o seu comportamento como militares e como homens. De alguma maneira, é como exumar os cadáveres que estão nas valas comuns das nossas guerras civis... (Reparem que os espanhóis ainda não o fizeram, e já não o farão, em relação às vítimas da guerra civil de 1936-39, e nomeadamente às vítimas que morreram às mãos dos vencedores!...).

O nosso gesto, para já, é meramente simbólico. Mas acho que um dia teremos que ir rezar, no Cumeré, no poilão de Bambadinca ou algures na orla de uma bolanha, por estes nossos mortos mal amados... Nossos, de Portugal e da Guiné... Nunca haverá paz na Guiné se os mortos da guerra colonial e das suas sequelas não repousarem em paz...

Os comandos africanos que serviram o Exército Português, que pertenciam ao Exército Português, e foram executados pelo PAIGC (11 da 1ª Companhia, 19 da 2ª e 8 da 3ª, num total de 38), são ainda um assunto tabu, passados mais de 30 anos, sobre o fim da guerra... Por isso, obrigado, João, porque tu, como bom comando ousaste lutar e vencer o velho tabu... LG

PS - Há também aqui um elemento de rigor e de contribuição para a verdade histórica: amigos e camaradas, neste blogue lutamos pelo direito à verdade (a começar pela verdade dos factos, que em geral é a mais fácil de apurar). Por isso, toda a gente, independentemente do antigo posto ou da actual condição, tem direito à palavra... Sobre este assunto tabu, temos fantasiado muito, por falta de informação de arquivo, de um lado e de outro. Como diz Galileu Galileu (1564-1642), na peça do Bertold Brecht agora em cena no Teatro Aberto , em Lisboa (e que eu recomendo), "a verdade é filha do tempo, não da autoridade"...

Pelo que eu deduzo da lista do João Parreira (que não sei se está completa, nem sei qual foi a fonte que ele utilizou) não foi um batalhão inteiro de ex-comandos africanos que foram fuzilados. Para já são 38, o que são muitos. Para mim, um hoimem que seja já é muita gente. Por isso não direi, nunca poderia dizer, que foram só 38... De resto, quantos não terão fugido a tempo, para Portugal ou para os países vizinhos da Guiné-Bissau, quantos não terão estado presos anos a fio sem culpa formada nem julgamento, quantos não foram perseguidos e discriminados ?!... Não sei... Por isso, é importante que se continue a falar deste assunto, por muito doloroso ou incómodo que ele seja...


Caro Luís Graça:

Agora que este melindroso assunto está ser aflorado mais em profundidade, junto envio mais alguns dados sobre os camaradas da 1ª. Companhia de Comandos Africanos que - para além do Justo, ex-soldado (CIM) dos ex-Vampiros que foi executado em Cumeré, e do Tenente Cmd Abdulai Queta Jamanca , 1º. Cabo 25/E dos ex-Panteras, executado em Bambadinca - , também foram fuzilados:


Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):

Capitão Cmd Zacarias Sayegh (3);
Tenente Cmd Thomaz Camará - ex. 1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham Seca;
Alferes Cmd João Uloma (3);
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó;

Da 2ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Capitão Cmd Adriano Sisseco;
Tenente Cmd Cicri Marques Vieira;
Tenente Cmd Armando Carolino Barbosa;
Alferes Cmd Mamadú Saliu Bari - ex-1º cabo 59/E dos Camaleões – em Cumeré;
Alferes Cmd Marcelino Pereira;
Alferes Cmd Carlos Bubacar Jau; Alferes Cmd Bailó Jau;
Alferes Cmd Aliu Sada Candé;
1º Sarg Cmd Kool Quessangue;
1º Sarg Cmd Aruna Candé;
1º Sarg Cmd José Aliu Queta;
1º Sarg Cmd Mamadú Jaló – ex-soldado (AGR 16) dos Diabólicos - em Cumeré;
2º Sarg Cmd Quecumba Camará;
2º Sarg Cmd Augusto Filipe;
2º Sarg Cmd Carlos Daniel Fassene Samá;
Soldado Cmd Carlos Ussumane Baldé;
Soldado Cmd Alfa Candé;
Soldado Cmd Aliu Jamanca;
Soldado Cmd Per Sanhá

Da 3ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Tenente Cmd José Bacar Djassi;
Alferes Cmd Malam Baldé;
Alferes Cmd António Vasconcelos;
Soldado Cmd Silla;
Soldado Cmd Bubacar Trawalé.

Com alguns destes valorosos camaradas tive o prazer de conviver em Brá.

Um abraço.
João Parreira
____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 13 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXV: Brá, SPM 0418 (3): memórias de um comando (Virgínio Briote).

(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

(3) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

(4) Vd. post de 12 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

(5) Breve historial da 1ª Companhia de Comandos Africanos (CCA):

(i) 9 de Julho de 1969 - Início da organização da companhia, em Fá Mandinga, formada exclusivamente por naturais da Guiné e com base em anteriores grupos de comandos já existentes nos batalhões;

(ii) 6 de Fevereiro de 1970 - Início da sua instrução; instrutor: Capitão Art Barbosa Henriques, ex-comandante da 27ª CCmds;

(iii) 26 de Abril de 1970 - Cerimónia de juramento de bandeira em Bissau, na presença do COM-CHEFE;

(iv) 21 de Junho / 15 de Julho de 1970 - Treino operacional na região de Bajocunda. No final é colocada em Fá Mandinga (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca) com a missão de interevenção e reserva do COM-CHEFE;

(v) 30 de Outubro a 7 de Novembro de 1970 - Operação a norte da região do Enxalé, na zona de acção do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72);

(vi) 21/22 de Novembro de 1970 - Toma parte na Op Mar Verde, sob o comando de Alpoim Galvão (invasão da Conacri). Perde um dos seus grupos de combate (comandando pelo tenente graduado Januário que será posteriormente fuzilado com os seus homens);

(vii) Princípios de Dezembro de 1970 / Finais de Janeiro de 1971 - Três pelotões em reforço temporário das guarnições fronteiriças de Gandembel e Guileje;

(viii) Finais de Julho de 1971 - Segue de Tite para Bolama, para um curto período de descanso e recuperaçã;

(ix) Meados de Agosto de 1971 - É colocada em Brá (Bissau), nas instalações do futuro Batalhão de Comandos;

(x) Continua a sua intensa actividade operacional, durante o resto do ano de 1971 e o ano de 1972, em conjunto com a 2ª Companhia de Comandos Africanos, entretanto formada;

(xi) Penetra em santuários da guerrilha do PAIGC que eram verdadeiros mitos no nosso tempo, como por exemplo o Morés (20-24 de Dezembro de 1971; 7-12 de Fevereiro de 1972), o Choquemone [a nordeste de Bula, na região do Oio] (18-22 de Outubro de 1971), a região de Salancaur-Unal-Guileje (28 de Março a 8 de Abril de 1972) e outras;

(xii) 2 de Novembro de 1972 - É integrada no Batalhão de Comandos;

(xiii) 7 de Setembro de 1974 - A 1ª CCA é desactivada e extinta, bem como as restantes forças do Batalhão de Comandos.

Fonte:

Comandos: tropa de elite > Companhias: Guiné> 1ª Companhia de Comandos Africana

Associação de Comandos > Historial dos comandos: efemérides

Guiné 63/74 - P784: Do Porto a Bissau (21): revisitando Barro (A. Marques Lopes)

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > O que resta dos vestígios dos tugas...


Ainda com o grupo todo, passámos por Barro, a caminho de Farim.

O meu amigo Cacuto Seidi (1), o chefe da tabanca, morreu o ano passado, com muita pena minha, pois gostava de ter falado com ele novamente, mas estive com o seu filho, Bala Sani.

Coisas em pé, só a secretaria da companhia, mas em degradação, e o monumento da CART2412 ao cabo enfermeiro João Baptista da Silva.

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o filho do Cacuto Seidi, o Bala Sani.


Há restos de um outro monumento, mas sem qualquer elemento que o possa identificar, e há restos de outras instalações que também não consegui identificar, dado que o enquadramento está muito modificado.

Lembro aqui o Iero Seidi, soldado da CCAÇ 3 que foi ferido em Maio de 1973 em Guidage, ficando sem uma perna (colocaram-lhe uma prótese) e sem um braço.

Foi o filho, o Mamasaliu Seidi, que me deu uma fotografia do pai, pois ele morreu de doença, o ano passado.


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro > Abril de 2006 > Fotografia do antigo militar da CCAÇ 3, Iero Seidi.




Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Barro >Abril de 2006 > O Marques Looes com o Mamasaliu Seidi , filho do Iero Seidi.

O Mamasaliu foi o condutor do jipe do António Almeida e do Saagum (2).
Mas encontrei também outros restos humanos (3)... mas fica para a próxima.
Abraços. A. Marques Lopes

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)
________________

Notas de L. G.


(1) Vd. posts de:

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIII: Barro, trinta anos depois (1968-1998)


15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LIV: Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro


Guiné-Bissau >Cacheu > Barro (1998) > Reeencontro do tuga A. Marques Lopes com Cacuto Seidi, chefe da tabanca de Barro.

"O Cacuto Seidi era o chefe da tabanca de Barro em 1968. Muitas vezes fui até à sua porta para falar com ele. Por duas razões: a primeira é que suspeitávamos que ele estava feito com o PAIGC (...).

"Em 1998 fui a Barro. Assim que me viu abriu a boca e disse admirado:
-Alfero Lopes!-

"Ao fim de 30 anos lembrou-se logo de mim, apesar de estarmos os dois mais velhos, de tal modo que, quem me acompanhava, ficou com a boca aberta de espanto. É que foi, de facto, muito tempo de convívio e de conversa.

"Perguntei-lhe pelo Braima, um caçador da tabanca de Barro, muito conhecedor de toda aquela zona e que foi o meu guia em 1968, porque conhecia todos os trilhos e buracos quer na mata quer no tarrafe das margens do Cacheu. O Cacuto ficou atrapalhado e respondeu:
- O Braima mataram.
- Ah! - disse-lhe eu - mas tu continuas a ser o chefe da tabanca! Então, eu tinha razão... -. Acabou por se rir, é claro" (...).

(2) Vd post de 2 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)

(3) Quererá o nosso A. Marques Lopes referir-se aos filhos dos tugas que por lá ficaram, com alguns dificuldades de integração ? Vd. post de 22 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXX: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P783: Entrevista a Fernando Pereira, correspondente do Expresso, sobre o Projecto Guileje

1. Mensagem de Fernando Pereira, correspondente do semanário Expresso na Guiné-Bissau:

Caro senhor:

Sou Fernando Pereira, jornalista guineense, correspondente do semanário Expresso na Guiné. Estou a preparar um artigo sobre o projecto Guiledje, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento. Nesse âmbito, queria saber o seguinte:

(i) Que tipo de apoio o senhor e os participantes do blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?

(ii) O que os atrai nesta iniciativa ?

(iii) Já agora, quantas pessoas participam no fórum do vosso blogue ?

(iv) Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?

Se for possivel, agradecia uma resposta, o mais urgente possivel, a estas questões.

Cordialmente
FPereira

2. Respondi-lhe na volta do correio. O jornalista foi simpático, agradecendo-me de imediato "a atenção, assim como as interessantes evocações e opiniões".

P - Tipo de apoio que o senhor e os participantes do Blogue-fora-nada pensam atribuir ao projecto ?

Em cerca de 735 posts (ou textos) publicados no blogue, no espaço de um ano, uns 10% foram dedicados ou fazem referência a Guileje (ou Guiledje, segundo a grafia da Guiné-Bissau).

Guileje, o aquartelamento de Guileje, o corredor da morte de Guileje, a Mata do Cantanhez, mas também Madina do Boé, Gandembel e Gandamael, entre outros locais no sul, têm ainda hoje, passados mais de trinta anos sobre o fim da guerra colonial, uma enorme carga mítica, simbólica e afectiva para os ex-combatentes portugueses na Guiné...

A retirada de Madina do Boé saldou-se por um trágico acidente que vitimou quase meia centena de camaradas nossos; mas Guileje é considerado o único aquartelamento da Guiné que fomos compelidos a abandonar por razões militares e psicológicas: a pressão da guerrilha do PAIGC era de tal ordem que a situação se tornou insustentável...

Tanto para as tropas portugueses como para o PAIGC é um momento, se não de viragem
(militar), pelo menos carregado de simbolismo...

Eu estive destacado, na zona leste, em Bambadinca, numa companhia africana, a CCAÇ 12, de Junho de 1969 a Fevereiro de 1971. Não conheci Guileje nem Gandambel. Mas no meu tempo contavam-se muitas estórias (falsas ou verdadeiras)
sobre a degradação da situação militar no sul, e em especial em Guileje, Gadamael, Gandembel. Por exemplo, era extremamente popular a letra do Hino de Gandembel.

Cantarolávamos, para espantar os nossos medos, exorcizar os nossos fantasmas e
denunciar o absurdo daquela guerra a que estava condenada toda a juventude de
um país, as quadras do Hino de Gandembel:

Gandembel das morteiradas,
Dos abrigos de madeira
Onde nós, pobres soldados,
Imitamos a toupeira.

(...) Temos por v'zinhos Balana ,
Do outro lado o Guileje,
E ao som das canhoadas
Só a Gê-Três te protege

(...)

Numa primeira fase, apoiamos o projecto Guileje, da AD - Acção para o Desenvolvimento, dando-o a conhecer, divulgando-o na Internet, recolhendo documentação sobre a presença militar portuguesa em Guileje (incluindo testemunhos de militares que por lá passaram)...

P - O que os atrai nesta iniciativa ?

Citando o líder da AD e autor da ideia, Pepito, o projecto Guiledje representa o triunfo da vida sobre a morte, da paz sobre a guerra, da memória colectiva sobre o esquecimento e o branqueamento da história...

É importantíssimo que a Guiné-Bissau recolha e preserve os testemunhos dos guerrilheiros do PAIG que lutaram pela independência, e que pertencem a uma geração que está a desaparecer... É importante igualmente ouvir o depoimento dos ex-combatentes e das autoridades militares portuguesas...

P - Quantas pessoas participam no forum do vosso blogue ?

Temos já uma lista de cem membros com endereços por e-mail...Por outro lado, o nosso blogue tem uma média de 3 mil visitas por mês... Há um crescente número de pessoas que o visitam, dentro e fora do país...

P - Acha que a reconstituição do quartel de Guiledje e o lançamento de um
turismo ecológico poderiam atrair visitas portuguesas a essas paragens ?


Há uma crescente interesse pela Guiné-Bissau, por parte de uma geração como a minha que fez a guerra colonial e que hoje tem disponibilidade, vontade e poder de compra para ir à Guiné, juntar o útil ao agradável: fazer a sua romagem de saudade, exorcizar os seus fantasmas, visitar os lugares e as gentes que estão na sua memória, reconciliar-se com o passado, evocar os seus mortos, fazer o luto, conhecer o país de hoje, contribuir também para o seu desenvolvimento através de projectos integrados e inovadores como me parece ser este, liderado pelo Pepito e a AD...

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P782: Terra e Ar 'versus' Mar (Lema Santos)

1. Texto do Lema Santos (1) que só agora regressa ao nosso blogue, por falta de tempo, excesso de trabalho e problemas de saúde familiares... Folgamos em vê-lo de volta, a escrever sobre as cpisas que são lhe queridas...

Resposta do Lema Santos ao pedido do jornalista Paulo Reis (1):

Prezado Paulo Reis,

Congratulo-me pelo contacto.

Embora a minha postura seja de permanente e aberta colaboração, não deixo de me circunscrever ao meu conhecimento, capacidade e também à minha maneira de estar, no respeito pela pluralidade de opiniões e, neste caso, felizmente, saúdo o universo Guiné, especialmente alargado.

No caso do teu apelo, julgo não poder ser de grande utilidade dado o tema abordado. A par da minha leitura atenta apenas posso postar quase completa ignorância.

Em primeiro lugar porque se não encaixa temporalmente com o período da minha comissão efectuada na Guiné, de Maio de 1966 a Abril de 1968, na LFG Orion (1)

Em segundo lugar, se verificares o meu curriculum com mais pormenor - desculpa as imodéstias que anotares - verificarás, sem dificuldade, que pertenci à Marinha de Guerra. Todas as minhas colaborações possíveis, reflectirão sempre uma perspectiva complementar da do Exército, tal como visualizo igualmente a da Força Aérea... simplificando, Ar versus Mar.

Perspectiva sempre gerada de dentro para fora, sendo o dentro as bacias hidrográficas de toda aquela enorme bolanha e o fora todo o tarrafo, lalas, mangais, capim e mata que se conseguía ou não descortinar por detrás daquela mística vegetação.

Salvo casos pontuais de passagem nos locais onde acostávamos, com salutar convívio, troca de notícias, factos e, em alguns casos, partilha de acontecimentos com as unidades do Exército que ali estacionavam os contactos com as populações locais eram escassos e breves.

Mesmo assim eram contactos, algo nómadas, que se repetiam no tempo, mas nunca por muito tempo seguido, já que a Base Naval estava sediada em Bissau, onde regressávamos no final de cada missão, operação ou período de fiscalização.

Factos dignos de ser relatados?... com certeza! De epopeia uns, humorísticos outros e ainda alguns outros mais, dramáticos quanto baste. Também de camaradagem, solidariedade e convívio outros e, no conjunto, todos me marcaram significativamente.

Para se ter uma pequena ideia da operacionalidade das LFG's (Lanchas de Fiscalização Grandes) como a Orion - onde permaneci -, basta trazer a lume que, durante a minha comissão de serviço e apenas no decorrer desse período, participou em mais de 25 operações com Fuzileiros, Paraquedistas e Exército, além das habituais fiscalizações, escoltas, etc.

Todas estas operações tiveram nome de operação (Ordop) e relatórios circunstanciados próprios. Existiram muitas outras, de rotina, não referenciadas. No decorrer das missões desempenhadas foi atacada 18 vezes, com 22 impates e um ferido grave.

Se extrapolarmos para sete LFG's idênticas, que chegaram a lá permanecer a partir de 1970 conjuntamente com os quase 13 anos de guerra, um relato consistente, com conteúdo e veracidade histórica, teria forçosamente de assentar em pesquisa e recolha documental extensa e cuidada, articulando-a com o restante dispositivo naval do CDMG, nomeadamente outras unidades navais (LFP's, LDG's, LDM's, LDP's), destacamentos e companhias de fuzileiros, unidades e serviços em terra.

Em termos humanos, estará igualmente em causa um universo de cerca de 150 oficiais, 300 sargentos e 1500 praças (só das LFG's da classe Argos).

Impossível deixar de referenciar o necessário enquadramento global, num xadrez estratégico completo, envolvendo os outros dois ramos das FA's - Exército e Força Aérea.

Objectivos eventualmente incompatíveis muita emotividade, carolice, desapego, falta de meios, dificuldade de acesso a informação e até inexistência dela.

Considerações efectuadas numa vertente militar restrita sem quaisquer ideia de estratégia e de ordem económica, social, política, religiosa ou outra.

Cordiais saudações do camarada,
Manuel Lema Santos
1º TEN RN 1965/1972
Guiné 1966/1968
__________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 21 de Abrl de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

Guiné 63/74 - P781: Do Porto a Bissau (20): Os filhos que lá deixámos (A. Marques Lopes)


Texto de A. Marques Lopes, coronel DFA, na reforma, ex-alferes miliciano na Guiné (1967/68) (CART 1690, Geba, 1967/68; e CCAÇ 3, Barro, 1968)... Visitou recentemente a Guiné-Bissau, num viagem de grupo organizada pelo Xico Allen...


Guiné-Bissau > Barro Guiné-Bissau >
> Jorge Gomes Bigene (à esquerda)
Bigene> Bacar Turé (à direita)
Fotos: © A. Marques Lopes (2006)


Caros camaradas e amigos:

Foram casos que muito me sensibilizaram nesta visita à Guiné. É sabido que há-de haver muitos casos destes (1), mas estes tocaram-me pessoalmente e quero dar notícia disso.

Em Barro, o Bacar Sani, filho do Cacuto Seidi, disse-me que havia um filho de branco (2) chamado Jorge Gomes. Pedi para o ir chamar, mas o rapaz não vinha, vergonha ou receio, não sei. Fui eu pela tabanca dentro à procura dele e lá cheguei á sua morança.

Disse-me que o pai se chamava Fernando Gomes e que lhe tinha dado o nome, mas fora-se embora. Não sabia quem era a mãe, porque ela desaparecera, por vergonha e repúdio dos da sua etnia (não lhe perguntei qual). Também não me soube dizer a qual companhia pertencia o pai, mas penso que terá sido das últimas a estar em Barro, pois que o rapaz tem 33 anos.

Passámos, depois, em Bigene, onde parámos bastante tempo para o turbulento fotógrafo Hugo [Costa] fazer a sua reportagem fotográfica. E aí conheci o Bacar Turé, que me disse ser filho do imediato Varela, médico do Destacamento 21 dos fuzileiros que estavam em Ganturé [no Rio Cacheu, a sul de Bigene], e que o comandante [Alpoím] Galvão conhecia bem o pai dele, que se fora e não lhe dera nome, daí ser Bacar Turé.

Há mais casos semelhantes a estes, é claro, pois é verdade, como disse o António Gedeão, que, como muitos, também eu "Tremi no escuro da selva, /Alambique de suores, /Estendi na areia e na relva, /Mulheres de todas as cores" (in Poema da Malta das Naus) (2). E tive de pensar sobre o que faria eu se soubesse que tinha medrado alguma semente minha em terras da Guiné... mas cada um deve pensar por si, evidentemente.

A. Marques Lopes

__________

Notas de L.G.

(1) Um outro caso já aqui foi referido, em Guileje: vd. post de 21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas

" (...) Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa. Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas" (...).

Vd. também, do Zé Neto, o post de 18 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DLVI: Os filhos de branco (Zé Neto)


(2) O Zé Teixeira também nos relatou aqui outros casos, de filhos de brancos que por lá ficaram, melhor ou pior integrados nas comunidades locais de suas mães: vd. post de 16 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLV: O raio do puto era branco (Zé Teixeira)


(3) António Gedeão > Poema da malta das naus

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.

Chamusquei o pêo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.

Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.

Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.

Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

In Teatro do Mundo, 1958

Fonte: CITI - Centro de Investigação para Tecnologias Interactivas, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa (com a devida vénia...)

Guiné 63/74 - P780: Ascensão e queda do Batalhão de Comandos Africanos (Paulo Reis)

Texto do jornalista, freelancer, Paulo Reis

Caro Luís Graça:

Obrigado pela publicitação do meu pedido de ajuda no Blogue-fora-nada (1). Gostaria sobretudo de apelar aos leitores e participantes neste blogue que tenham informações sobre a evolução dos acontecimentos, na Guiné-Bissau, entre Abril de 1974 e a retirada das últimas tropas portuguesas.

Estou sobretudo interessado no processo de desmantelamento do Batalhão de Comandos Africanos, mas também gostaria de saber algo sobre outras unidades maioritariamente compostas por soldados locais. Todos os pormenores, por mais insignificantes que pareçam ser, são importantes para construir o 'retrato geral'

Gostaria de saber quais as unidades que se encontravam na Guiné, nessa época, e quais foram as últimas a retirar, bem como a forma como se processou essa retirada (datas, ordens do Comando-Geral, etc, etc). Também me seria útil saber nomes dos oficiais que integraram o gabinete de Carlos Fabião e a estrutura de Governo militar.

Um pedido mais específico: tenho a indicação de que Carlos Fabião tinha um ajudante de campo da Marinha, que participou, com ele, numa reunião no quartel dos Comandos Africanos, em Brá, onde esteve também um elemento ligado ao PAIGC, o cineasta guineense Flora Gomes. Gostaria de saber o nome deste ajudante de campo.

Todos os ex-combatentes da guerra da Guiné que se tenham cruzado com os comandos africanos têm, naturalmente, histórias e episódios que serão essenciais para descrever, com realismo, factualidade e precisão o que foi a guerra da Guiné. Apelo também a esses ex-combatentes para que me ajudem, com as suas informações, relatos e fotografias.

O objectivo da minha investigação é apurar responsabilidades pela decisão de desarmar e abandonar os comandos africanos (e outras unidades, como os fuzileirose as companhias de caçadores, etc.) a dois níveis: ao nível político (o que foi feito em Portugal) e ao nível militar/operacional (o que foi feito na Guiné-Bissau). Toda a ajuda que me possam dar será bem-vinda.

Embora eu pretenda concentrar a investigação nos acontecimentos verificados entre Abril de 1974 e Janeiro de 1975, também tenciono abordar a história dos Comandos, desde a sua constituição, primeiras unidades e operações, especialmente na Guiné-Bissau. Mais uma área em que muitos testemunhos vossos me serão essenciais.

Agradecendo antecipadamente a vossa ajuda,

Com os meus cumprimentos,
Paulo Reis
Jornalista (Carteira Profissional nº 734)
Telefone móvel > 918 62 79 29


Comentário de L.G.:

1. Fico sem saber se o Paulo Reis quer fazer parte da nossa tertúlia: pode fazê-lo na qualidade de amigo, e não propriamente como camarada, já que não foi combatente na Guiné.

2. O interesse em aprofundar o conhecimento da história dos comandos africanos (bem como de outras unidades de ex-combantentes guineenses) é partilhado por todos nós. Mas, em princípio, os membros desta tertúlia têm a obrigação de partilhar, entre si, entre os amigos e camaradas da Guiné, toda e qualquer informação relevante que conheçam ou disponham, divulgando-a portanto em primeira mão neste blogue...

3. Também seria desejável que o Paulo, que conhece a Guiné e anda a fazer uma investigação sobre so comandos africanos, pudesse partilhar connosco informação relevante que eventualmente tenha em seu poder... No seu caso, julgo que é mais difícil essa troca recíproca já que ele está a escrever um livro e o segredo é a alma do negócio... Escusado será preciso lembrar-lhe que, se por acaso usar algumas das nossas fontes, pode fazê-lo, sendo no entanto do mais elementar dever de deontologia profissional do jornalista citar o(s) autor(es) e o nosso blogue, dando-nos posteriormente conhecimento disso. Boa sorte para as suas pesquisas.
___________

Nota de L.G.

(1)Vd. post de 15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLII: O abandono dos comandos africanos (Paulo Reis)

(...) "Tenho um contrato com uma editora para fazer um livro sobre o abandono dos comandos africanos da Guiné-Bissau. É uma história com que me cruzei, ainda estagiário, em 1982, quando encontrei o alferes Bailo Jau, já falecido, e o soldado Demba Embaló com quem ainda mantenho contacto.

"Estive na Guiné em 1998, por duas vezes, quando da guerra do Ansume Mané. Andei por Pirada, Bafatá, Bambadinca, Mansoa, Gabú, Bissau, etc, etc. Tendo, para além disso, nascido e vivido em Angola até 1976, calcula que sinto algo mais que mera curiosidade profissional, em relação a África" (...).

Guiné 63/74 - P779: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (9): Fome em Campatá e Natal em Bafatá

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > CCAÇ 2405 > 1969 > Dulombi > Na messe, os alferes milicianos Raposo (à direita) e Rijo (à esquerda); de costas, os furriéis milicianos Cândido e Magno.

© Paulo Raposo (2006)

IX parte do testemunho do Paulo Raposo (ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).Extractos de: Raposo, P. E. L. (1997) - O meu testemunho e visão da guerra de África.[Montemor-o-Novo, Herdade da Ameira]. Documento policopiado. Dezembro de 1997. pp. 26-27 (1).


GALOMARO
Com este objectivo, a nossa companhia foi enviada para Galomaro, e aí abriu em estrela. Cada grupo de combate foi enviado para um local diferente para organizarmos as Tabancas em auto defesa.

Galomaro era uma terra pequena. Tinha um armazém abandonado de recolha de amendoim, que foi utilizado como caserna. Tinha também umas casas onde outrora eram recolhidos os leprosos, doença completamente irradiada, e tinha ainda uma casa comercial de um libanês, o Sr. Regala.

Ao meu grupo de combate calhou a Tabanca de Campata (2). Ali nos deixou a Companhia, por muito tempo e sem qualquer razão, sem comida. Durante cerca de uma semana, praticamente não tínhamos de comer. Dizia-me um soldado:
- Ó meu Alferes, a fome é negra!

Em face disto, fomos subtraindo galinhas e cabritos à população, que não os queriam vender por serem o único meio de subsistência que tinham.

Na falta do rádio e como não apareciam instruções da companhia, eu e outro rapaz metemo-nos à estrada de bicicleta, para pedirmos satisfações na sede da companhia.

Aquela situação trazia créditos para a Companhia pois vencíamos o valor da alimentação e nada recebíamos. Aqueles Sargentos!

Mais tarde, mandei construir um fomo, aonde o Baptista cozia o pão que nos sabia pela vida. Foi ali que comecei a sofrer com o isolamento. Nunca gostei de estar a nível do grupo de combate.

Um belo dia apareceu um heli: nele vinham o Brig Spínola, o Comandante do Sector [ de Bafatá]Ten Cor Hélio Felgas, o Capitão Almeida Bruno e o nosso Capitão [Jerónimo], vinham inspeccionar. A minha atrapalhação foi muita, perante tanta gente importante a visitar-nos. Depois de algumas perguntas, respostas e cortesias, seguiram viagem para a Tabanca seguinte.


O NATAL DE 1968

Foi em Campata que passámos o primeiro Natal na Guiné. O meu irmão, a pedido da minha mãe foi passar o Natal comigo. De avião em avião, chegou por fim a Bafatá, aonde solicitou autorização ao comando para eu passar aqueles dias com ele em Bafatá.

O Ten Cor Banazol, que comandava o Batalhão que ali estava sediado, fez deslocar uma auto metralhadora Panhard para me ir buscar. Alugámos um quarto e, entre o cinema, os passeios e a Messe, assim passámos o Natal.

Bafatá era uma cidade sem guerra, tinha piscina, mercado e algum ... comércio. E não estava cercada por arame farpado. O meu irmão não dormiu muito descansado naqueles dias. Durante esta curta estada em Bafatá, encontrei um rapaz de Fronteira que tinha sido meu recruta em Elvas.

Como na Tabanca de Campata não havia electricidade, nunca se podia beber nada fresco. E foi assim que comprei um frigorífico a petróleo por 5.000$00. Este frigorífico andou sempre comigo até ao fim da comissão, e mais tarde vendi-o, pelo mesmo valor, a um Furriel da nossa companhia, que era de Bissau, de etnia papel (3).

Para funcionar bem este frigorífico tinha de ter a torcida sempre muito bem aparada e não podia estar queimada. Era uma preocupação permanente. O meu amigo João Saldanha, que estava em Bissau na Intendência, sempre me valeu, mandando-me as torcidas para substituição. A manutenção do frigorífico e a gestão das bebidas frescas estava totalmente a cargo do meu impedido, o Figueiredo.

_____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 19 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXIV: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (8): A ida para o leste

(2) A meio caminho, do lado direito, na estrada Galomaro-Dulombi.

(3) Vd. post de 9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

(...) "O furriel Cabral foi-nos mandado para substituir o furriel vagomestre, uns meses antes falecido em acidente de viação na estrada de Galomaro-Bafatá numa viagem de reabastecimento de viveres à nossa Companhia…

"O Cabral era uma jóia de pessoa, simpatiquíssimo, um tanto ingénuo e crédulo, sempre bem disposto e que rapidamente granjeou a estima de todos. Natural de Bissau, de etnia papel, um verdadeiro e retinto preto da Guiné…

"Estudara em Lisboa, e, incorporado no exército, fez o curso de sargentos milicianos até que foi promovido a furriel e mobilizado, em rendição individual, para a Guiné, sua terra natal…

"Calhou-lhe em sorte (ou azar…), ser destacado para a nossa Companhia numa altura em que já tinhamos cumprido um ano e meio de comissão" (...).

Guiné 63/74 - P778: O Justo foi fuzilado (Leopoldo Amado / João Parreira)

Guiné > Brá > 1966 > O comando Justo, do Grupo de Comandos Os Vampiros, do Alf Mil Comando Briote.

© Virgínio Briote(2006)

1. A propósito do Justo, que aparecia, muito jovem ainda, numa velha foto do Grupo de Comandos Os Vampiros, de 1966 (1), perguntei ao Virgínio Briote se sabia do paradeiro dele, se não estaria também na lista dos executados a seguir à independência...

O Leopoldo Amado respondeu-me de imediato, lacónico: "O Justo foi fuzilado".

2. Esta infeliz notícia também foi conformada pelo ex-comando e membro da nossa tertúlia, o João S. Parreira:

"Caro Luís Graça, no caso do VB não saber o paradeiro do Justo Nascimento, informo-te que o Tenente Cmd. Justo Orlando R. L. Nascimento, da 1ª Companhia de Comandos Africanos, também foi executado. Um abraço, João Parreira".
__________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXII: Dos comandos de Brá ao pelotão de fuzilamento (Virgínio Briote)

(2) Vd. post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

domingo, 21 de maio de 2006

Guiné 63/74 - P777: Do Porto a Bissau (19): Do Quelélé a Guileje, a obra da AD do Pepito (A. Marques Lopes)

Texto do A. Marques Lopes:

Logo no dia 13 de Abril, os que fomos de jipe fizemos uma visita à AD do Pepito, no Bairro do Quelélé, onde tivemos o gosto de conhecer ao vivo este nosso amigo, que mostrou ser a pessoa maravilhosa e sensacional que já imaginávamos.

Já sabem da nossa participação na Rádio Comunitária Voz do Quelélé, apoiada pela AD. Mas, ali no Quelélé, onde tem a sua sede, esta ONG tem outras iniciativas que me deixaram grandemente espantado, pelo inesperado do seu alcance, pelo inusitado que me pareceram num país sem quase nada.

Com óptimas instalações, a Escola de Artes e Ofícios do Quelélé tem um belo pavilhão com várias salas onde se podem ver dezenas de jovens:

(i) numa delas aprendem informática, em secretárias individuais com computador;

(ii) noutra aprendem as técnicas da electrónica, também em secretárias individuais com aparelhagem própria;

(iii) numa outra as futuras auxiliares de educadora de infância aprendem como participar na educação das crianças guineenses;

(iv) recebem aulas sobre transformação de frutas, gestão dos recursos marinhos, radialismo, de actor de teatro e iluminação de teatro noutra sala...

Explicou-nos o Pepito que muito daquele material, secretárias, computadores e material electrónico, tinha sido oferecido, porque já não usado, por empresas e ministérios portugueses, e com a grande ajuda do Instituto Marquês Valle Flor, uma ONG portuguesa (no dia seguinte, quando fomos esperar ao avião os quatro elementos que se juntaram ao nosso grupo, encontrámos o Pepito e um representante deste Instituto que tinha chegado para ver a AD na zona do Cantanhês).

Foi o que nós vimos, mas todas as iniciativas e acção da AD estão plenamente expressas no seu Relatório de Actividades, já referenciado no blogue.

Convidou-nos o Pepito para irmos ver as instalações da AD na zona do Cantanhês, oferecendo-nos as suas instalações para pernoitar, pois, disse, seriam precisos dois ou três dias. Infelizmente, devido à dificuldade em organizar todas as visitas com um grande grupo, não nos foi possível lá ir.

Mas, quando sozinhos, eu e o Allen decidimos um dia ir a Guileje e ver a sua recuperação histórica, e aqui estão algumas fotografias [mostrando nomeadamente granadas abandonadas pelas NT e que ainda não foram neuralizadas ou detonadasa]. Depois, o dia já ia alto, não deu para ir mais longe e houve que regressar a Bissau.

Abraços

A. Marques Lopes

Fotos: © A. Marques Lopes (2006)