1. Mensagem do nosso tertuliano n.º 2, Sousa de Castro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, com data de 21 de Janeiro de 2009:
Conforme se pode ver nesta foto, também nós CART 3494, Xime, 71/74, tivemos durante algum tempo como mascote um macaco. Como devem calcular, não conheço qual o tipo de raça que ele pertencia.
Era conhecido por macaco das TRMS
Ab
Sousa de Castro
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3793: Fauna & flora (16): Relações amistosas com o Macaco-cão na zona de Cufar (Mário Fitas)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés (Op Castor)
1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 20 de Janeiro de 2009:
Um abraço para ti Luís, extensivo ao Vinhal e ao Briote com votos de muita saúde e de muito entusiasmo no nosso "Blogue".
Para todos os demais (ex-Combatentes da Guiné),… a mesma coisa.
Rui Silva
Golpe-de-mão a Morés
A 816 faz golpe-de-mão à Base inimiga de MORÉS
20 de Fevereiro de 1966
Operação denominada “CASTOR”
A base inimiga de Morés era considerada a mais forte do Oio, senão a principal do Norte da Guiné.
Sabia-se que para além de uma grande fortificação inclusivé com abrigos em cimento, subterrâneos e à superfície, estes providos de metralhadora pesada, tinha ainda um Hospital que servia toda aquela região, mais ainda uma arrecadação com muito e diverso material, do melhor equipamento e que funcionava como uma central, pois abastecia os refúgios inimigos daquela larga zona, o Oio. Sabia-se também que a base estava situada estrategicamente envolta numa densa e inexpugnável mata, deste modo assim bem dissimulada e de aproximação difícil para as NT, onde não faltavam sentinelas em pontos estratégicos e a vigiarem todos os acessos possíveis.
Enfim missão, quase, impossível.
Das minhas memórias Páginas negras com salpicos cor-de-rosa
…Era já tardinha. Tudo decorria com a serenidade e dentro dos hábitos habituais, uns jogando à bola, outros dormitando ou conversando à porta das messes ou da cantina, a lembrar os Saloons do Oeste americano, outros ainda entretidos com o dominó, ou damas ou cartas.
Abanando a monotonia alguém faz correr que o Capitão queria que toda a Companhia se reunisse dentro de 10 minutos na cantina dos soldados. De que se trata?. Nunca tal aconteceu!, diz este ou aquele. Começamos a interrogarmo-nos. Logo se verá, concluiu-se.
A malta converge então toda para a cantina e logo se formam pequenos grupos nesta, fazendo conjecturas, cochichando sobre que diabo se iria passar. O Capitão entrou e depois de se certificar que não faltava ninguém, e não conseguindo disfarçar um certo nervosismo e apreensão, o que não passou despercebido a ninguém e o que nos fez estranhar logo, e adivinhar que algo de muito especial ia se dar.
Começou a falar e disse mais ou menos o seguinte:
- Meus amigos, vamos fazer uma operação a Morés.
Aqui houve uma leve agitação na malta com alguns murmúrios à mistura. O Capitão fez uma pequena pausa como que para observar o efeito das suas palavras, e prossegue:
- A nossa missão consiste em irmos pelo menos à arrecadação dos tipos que está afastada da casa-de-mato, um pedaço. Aqui viu-se que as últimas palavras vieram por excesso, com o intuito de sossegar um bocado os espíritos.
- Aí temos nós que ir. A ordem é essa e custe o que custar. Como vós sabeis, da última vez que lá fomos retrocedemos sem fazermos o planeado e então as ordens agora são de ir e ir mesmo. A malta vai, a coisa está muito bem estudada, e ninguém abandona ninguém. - Aqui referia-se a feridos ou mortos.
- A Companhia vai toda e vem toda. - Levantou ele a voz.
O Capitão falava assim e como se costuma dizer olhos nos olhos. Não se furtou a dizer de os perigos que a malta iria por certo enfrentar, as potencialidades do inimigo naquela Base, etc., etc.
E assim ficamos todos ao corrente da situação em toda a sua dimensão. Mais adiante, acrescenta:
- Na arrecadação, eles têm grande quantidade de material e se tivermos a sorte de capturarmos esse mesmo material, provocamos-lhes um desfalcamento enorme. Temos a informação que a arrecadação está guardada por cerca de 25 homens cuja arma de maior efeito é a bazooka. Ora, como nós somos uma Companhia completa, enfrentamos bem esses 25 homens. Se a coisa aqui resultar, vamos ainda depois ao hospital dos tipos que fica 500 metros adiante e que também fica afastado da casa-de-mato. Portanto à arrecadação temos nós que ir, pois temos um guia que nos leva lá e que, mais, sabe a posição dos sentinelas, o que nos vai permitir evitá-los. Daí para a frente tudo depende como decorrer os acontecimentos.
De seguida falou do dispositivo a adoptar:
- A nossa Companhia vai à frente seguida da 1418. Esta, a umas centenas de metros do objectivo estaciona e faz a segurança nas nossas costas. Uma outra Companhia, a 1481, que vem de Bissau, vai servir de isco, actuando na zona do lado oposto ao nosso. Assim, enquanto a 1481 procura atrair sobre si a atenção dos tipos, nós pelo lado oposto assaltamos a arrecadação, quando muito com a oposição dos tais 25 homens.
Marcou-se a hora da saída pois o início da operação tinha lugar naquela mesma noite. O Capitão disse mais qualquer coisa de reduzido interesse e a reunião acabou dispersando então o pessoal.
Os dados estavam lançados.
O ir a Morés, o ir à arrecadação custe o que custar e haja o que houver, pois esta era a ordem peremptória do Batalhão, e a maneira nervosa, que a ninguém passou despercebida como o Capitão falou, o que nele não era habitual, tudo isto logo se reflectiu no espírito da malta provocando uma onda de receio como nunca. Cá fora, entre nós Furriéis, ao comentarmos a odisseia e a forma peremptória como foi posta, chegamos à conclusão que isto era nem mais nem menos como uma represália do Batalhão por da última vez que fomos a Morés, como atrás contei (nas “Memórias”), não termos cumprido a missão a contento daquele, cujo seu Estado-Maior se fazia transportar, lá bem no alto, ao abrigo de qualquer surpresa, numa Dornier. Era então o PCA (Posto de Comando Aéreo).
Lembro que este chegou mesmo a dar ordem peremptória de avanço (eu estava junto ao rádio, este nas mãos do Alferes Costa, comandante da operação na altura) a 2 Pelotões da 816 para enfrentarem a base quando esta estava já preparadíssima para nos receber, pois tínhamos sido detectados bem cedo graças aos avanços e recuos do então guia e isto mesmo após a Companhia que nos fazia o apoio ter recusado continuar naquela operação agora suicida.
Após algum diálogo exasperado com o Comandante do efectivo da 816, na circunstância e como disse o Alferes Costa, o PCA fortemente contrariado acabou por mandar-nos recuar.
Custe o que custar, haja feridos haja mortos, temos que lá ir, estas palavras do Capitão enraizaram no espírito da malta.
- Se dá para o torto, ainda lá ficamos todos, disse alguém mais pessimista.
Tínhamos agora um guia da máxima confiança, conhecedor de todo o terreno de Morés e também das instalações inimigas, assim como das exactas posições dos sentinelas. Sabíamos que na 816 tínhamos pessoal de rara coragem e determinação, capaz de enfrentar as maiores vicissitudes desta guerra. O efectivo das nossas tropas também era grande (lembro a 816 completa mais a 1418 no apoio e segurança de cobertura, e do lado oposto a 1481 todas no mesmo objectivo) e assim teríamos boas possibilidades de êxito. Os prós e os contras equilibravam os pratos da balança. Alguém falou que na hipótese de irmos ao hospital, apanhávamos a enfermeira branca que lá trabalhava e então isto servia de incentivo para alguns, nomeadamente para o Zé Baião que, claro, tratando-se do sexo fraco a disposição era logo outra. No entanto esta história da enfermeira branca, ainda que houvesse quem o afiançasse, que sim, que de facto era verdade, nós víamos nisto, antes, um golpe de efeito psicológico.
Embora eu assistisse à dita reunião, como os demais operacionais, e vivesse tudo aquilo, não fui à operação, ao contrário da antecedente e que falo atrás. O Alferes Costa, agora na qualidade de Comandante de Pelotão, entendeu, junto de mim, que eu não fosse, pois estava com o meu joelho direito inchado e mancava em virtude de um acidente no aquartelamento.
Tinha havido o máximo segredo com a operação. Nós, os Furriéis, só soubemos quando também o souberam os soldados, e como já se sabe na dita reunião da Cantina umas horas antes do seu início. Ao que soube, os próprios Comandantes de Pelotão, foi pouco antes daquela, que tomaram também conhecimento, mas, o Capitão, já o sabia há alguns dias e então, por o Braga, que era o seu impedido, soubemos depois que ele há três dias que não comia nada, que só bebia sumos, e que denotava muito nervosismo.
De facto, o Capitão mostrava-se um pouco abatido e pálido. Logo concluímos da dureza da missão que ia ser levada a efeito pela 816 e que a rígida imposição do Batalhão marcaria o Capitão a partir da altura de que dela teve conhecimento.
A Companhia estava, de uma maneira geral, apreensiva. Que diabo, apesar de tudo nunca tínhamos ouvido falar que uma operação se tinha de fazer custasse o que custasse e houvesse as baixas que houvesse. Os menos corajosos lamentavam então a sua desdita. Uns lembravam as suas mulheres e os seus filhos, quem a tinha e os tinha, outros vaticinavam que não se safariam e outros julgavam que esta odisseia ia custar, por certo, caro à Companhia. Confesso que nunca vi a Companhia assim, e, na verdade, embora eu não fosse, comungava dos desabafos e das apreensões da malta então operacional.
À hora combinada, a coluna estava formada como sempre entre as messes dos Oficiais e dos Sargentos e pertinho do cavalo-de-frisa da entrada nascente do aquartelamento - lado Farim - O pessoal começou então a andar e a operação iniciou-se. A fila indiana serpenteou no mato e desapareceu silenciosamente na obscuridade da noite.
Na maioria daqueles rostos, lia-se, de uma forma bem vincada, a preocupação e o receio de tal aventura. Vi-os partir e instintivamente pedi a Deus que estivesse com eles. Os que ficaram, tarde se foram deitar. Embora não alinhássemos, estávamos demasiados excitados para que conseguíssemos dormir. Cedo, logo ao alvorecer, tentamos saber algo pelo rádio.
Entretanto, para reforçar a segurança do quartel, tinha vindo para Olossato um Pelotão de uma outra Companhia.
Foi então junto do Alferes desse Pelotão que tinha na altura um rádio na mão, a tentar escutar algo sobre a operação que se foi sabendo dos acontecimentos em Morés. Fomos sabendo então que a Companhia tinha chegado à arrecadação sem qualquer resistência inimiga e que já estavam em poder dela, tratando da recolha do material. Foram pedidos 6 (!) helicópteros para transportar o material, que era muito, para Olossato. Estávamos profundamente entusiasmados e ainda mais, admirados com tanta facilidade.
- Como é?! Foi chegar lá, pegar no material e andar? E deles, nem sombra? Afinal aonde parariam pelo menos aqueles 25 homens que armados de pistolas-metralhadoras e bazooka defendiam a arrecadação?
Ao que se soube estes homens foram reforçar a casa-de-mato para receberem a 1481 que se dirigia para aquela.
Parecia fácil de mais para ser verdadeiro. Mas… era verdadeiro, fantasticamente verdadeiro!!
Passadas algumas horas, para gáudio dos presentes, o primeiro helicóptero poisa na pista de Olossato e de imediato descarrega material bélico inimigo. Logo partiu para buscar mais e, num vai-e-vem constante, 2 ou 3 helicópteros fizeram a recolha da maior parte do material. Fantástico! Que grande êxito! Mas… a Companhia ainda lá está! Ainda muito pode acontecer. Nós sabíamos bem o que era o regresso depois de um ataque a uma casa-de-mato e logo à de Mores. Está cá o armamento, mas ainda não está cá a malta. Eram estas as palavras ditas ou que estavam no pensamento da reduzida malta que naquela altura estava na pista. O tempo passa-se e receia-se pela integridade da nossa malta. Era impossível não haver recontro…
Mas, ao meio da tarde, eis que começam a chegar os nossos homens, os nossos heróis. Um, a seguir outro, outro mais, vêm espaçados, extenuados, abatidos físicamente, mas com um sorriso de satisfação e sobretudo de orgulho. Alegria a rodos, abraços, lágrimas nos olhos pela felicidade do reencontro de toda a família 816.
Soubemos então, que, quando as duas Companhias, a 816 e a 1418 já estavam de novo juntas no regresso a Olossato, surgira uma enérgica emboscada. Mas aí já eram cerca de 250 homens a responder ao fogo inimigo. A potencialidade das duas Companhias, impregnadas do maior entusiasmo pelo êxito obtido, gerou tal reacção que o inimigo emboscado logo demandou. Houve ali ligeiros feridos, mas os ferimentos não passaram de um ou outro pequeno estilhaço num braço ou numa perna.
A missão tinha sido plenamente cumprida. O objectivo, o objectivo principal, imediato e obrigatório, era o assalto à arrecadação e essa então tinha sido despojada de tudo e posteriormente arrasada.
Então, pelo tardio da hora e por fadiga do pessoal, tanto física como psicológica - lembra-se que o grupo saiu do Olossato para uma missão muito temerosa -, e por então o inimigo que tinha sido apanhado desprevenido - louve-se aqui a táctica da nossa tropa - entretanto se ter reagrupado com grande número de homens, a 816 não passou ao hipotético 2.º objectivo, que seria o ir ao hospital, embora não faltasse quem quisesse lá ir.
Cerca de 3 toneladas de material bélico estava ali espalhado no pequeno campo de futebol contíguo à messe dos Oficiais.
Entre o material destacava-se uma metralhadora anti-aérea que era e pelo que se dizia o ai Jesus do Capitão.
Destacava-se ainda um morteiro de calibre 82, que teria sido o primeiro de tal calibre a ser capturado na guerra na Guiné, até então. Também 2 metralhadoras MG 42, uma metralhadora pesada Breda, pistolas-metralhadoras de vários calibres e tipos, pistolas de sinais, cargas de trotil para armadilhas e outros rebentamentos, dezenas de metros de fita com cartuchos para a metralhadora anti-aérea, uma série de canos de reserva também para esta, minas antipessoal e anticarro, macas para transporte de feridos, centenas de cartuchos de vários calibres e outras coisas mais estavam ali no nosso quartel aprisionadas de fresco ao inimigo e também muitos livros e cadernos de essência didáctico-escolar, estes a provocar alguma emoção contemporizadora.
GRANDE FEITO!! A malta rejubilava. À fisionomia céptica, de expressão fechada e apreensiva da véspera, antes da saída para a operação Morés, sobrepôs-se uma fisionomia de desmedida e incontida alegria. Aquele dia tinha sido e seria o maior dia da 816 e porventura o mais profícuo de todas as forças armadas na Guiné, até então.
A Companhia vinda de Bissau – a 1418 - teve também um papel preponderante, pois ao servir de isco - como se dizia na gíria militar - a muito se arriscou ao fazer incidir sobre si as atenções do inimigo. Como a missão deles era só de se mostrarem, evitaram óbvia e convenientemente as emboscadas em série que para eles estavam reservadas e o que se soube na altura pela aviação que acompanhou a operação. A 1419 também fez jus ao êxito, pois, aquando da emboscada no regresso, teve um comportamento deveras notável. Aquilo parecia inacreditável. Apenas uma emboscada, aí de uns 10 minutos, já bem depois do material em nosso poder, e… nada mais.
Feito memorável que, como atrás se já disse, logo teve lugar em todos os noticiários, quer da Guiné, quer, e sobretudo, na Metrópole. A televisão referiu-se de forma saliente.
A imprensa através de jornais e de revistas também referenciaram o feito de forma bem vincada. Ainda hoje guardo a folha da revista Flama (n.º 941 de 18 de Março de 1966) que se referiu ao acontecimento dispensando-lhe toda uma página.
O êxito da operação deve-se em grande parte à táctica usada. O papel da 1418 ao servir de isco foi preponderante. Mostrou-se, foi detectada pela inimigo e então este convergiu para o trajecto daquela. Soubemos que esta Companhia se continuasse a avançar, o que até não era preciso, tinha já 7 (sete) emboscadas inimigas já montadas.
A 816 fora ali então compensada de tão duro e árduo trabalho que há meses o vinha fazendo sem resultados que se pudessem chamar de francamente positivos.
Ao outro dia, logo pela manhã, esteve no Olossato todo o Estado-Maior do Batalhão. Esteve também, numa presença que muito nos honrou, o Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, que compartilhou de toda aquela alegria e satisfação.
As mulheres indígenas engalanaram-se de roupas e pinturas e vieram fazer ronco, que grande ronco (!), dançando pulando e gritando na sua forma típica e étnica entre as messes dos Oficiais e a dos Sargentos. Olossato todo ele vibrou!
O material apreendido ao inimigo foi fotografado, foi filmado, a malta também tirou fotos junto a ele para ficar com uma recordação, recordação essa que por certo se imortalizará por o tempo fora.
Voltaríamos a Morés mais tarde…
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
Um abraço para ti Luís, extensivo ao Vinhal e ao Briote com votos de muita saúde e de muito entusiasmo no nosso "Blogue".
Para todos os demais (ex-Combatentes da Guiné),… a mesma coisa.
Rui Silva
Golpe-de-mão a Morés
A 816 faz golpe-de-mão à Base inimiga de MORÉS
20 de Fevereiro de 1966
Operação denominada “CASTOR”
A base inimiga de Morés era considerada a mais forte do Oio, senão a principal do Norte da Guiné.
Sabia-se que para além de uma grande fortificação inclusivé com abrigos em cimento, subterrâneos e à superfície, estes providos de metralhadora pesada, tinha ainda um Hospital que servia toda aquela região, mais ainda uma arrecadação com muito e diverso material, do melhor equipamento e que funcionava como uma central, pois abastecia os refúgios inimigos daquela larga zona, o Oio. Sabia-se também que a base estava situada estrategicamente envolta numa densa e inexpugnável mata, deste modo assim bem dissimulada e de aproximação difícil para as NT, onde não faltavam sentinelas em pontos estratégicos e a vigiarem todos os acessos possíveis.
Enfim missão, quase, impossível.
Das minhas memórias Páginas negras com salpicos cor-de-rosa
…Era já tardinha. Tudo decorria com a serenidade e dentro dos hábitos habituais, uns jogando à bola, outros dormitando ou conversando à porta das messes ou da cantina, a lembrar os Saloons do Oeste americano, outros ainda entretidos com o dominó, ou damas ou cartas.
Abanando a monotonia alguém faz correr que o Capitão queria que toda a Companhia se reunisse dentro de 10 minutos na cantina dos soldados. De que se trata?. Nunca tal aconteceu!, diz este ou aquele. Começamos a interrogarmo-nos. Logo se verá, concluiu-se.
A malta converge então toda para a cantina e logo se formam pequenos grupos nesta, fazendo conjecturas, cochichando sobre que diabo se iria passar. O Capitão entrou e depois de se certificar que não faltava ninguém, e não conseguindo disfarçar um certo nervosismo e apreensão, o que não passou despercebido a ninguém e o que nos fez estranhar logo, e adivinhar que algo de muito especial ia se dar.
Começou a falar e disse mais ou menos o seguinte:
- Meus amigos, vamos fazer uma operação a Morés.
Aqui houve uma leve agitação na malta com alguns murmúrios à mistura. O Capitão fez uma pequena pausa como que para observar o efeito das suas palavras, e prossegue:
- A nossa missão consiste em irmos pelo menos à arrecadação dos tipos que está afastada da casa-de-mato, um pedaço. Aqui viu-se que as últimas palavras vieram por excesso, com o intuito de sossegar um bocado os espíritos.
- Aí temos nós que ir. A ordem é essa e custe o que custar. Como vós sabeis, da última vez que lá fomos retrocedemos sem fazermos o planeado e então as ordens agora são de ir e ir mesmo. A malta vai, a coisa está muito bem estudada, e ninguém abandona ninguém. - Aqui referia-se a feridos ou mortos.
- A Companhia vai toda e vem toda. - Levantou ele a voz.
O Capitão falava assim e como se costuma dizer olhos nos olhos. Não se furtou a dizer de os perigos que a malta iria por certo enfrentar, as potencialidades do inimigo naquela Base, etc., etc.
E assim ficamos todos ao corrente da situação em toda a sua dimensão. Mais adiante, acrescenta:
- Na arrecadação, eles têm grande quantidade de material e se tivermos a sorte de capturarmos esse mesmo material, provocamos-lhes um desfalcamento enorme. Temos a informação que a arrecadação está guardada por cerca de 25 homens cuja arma de maior efeito é a bazooka. Ora, como nós somos uma Companhia completa, enfrentamos bem esses 25 homens. Se a coisa aqui resultar, vamos ainda depois ao hospital dos tipos que fica 500 metros adiante e que também fica afastado da casa-de-mato. Portanto à arrecadação temos nós que ir, pois temos um guia que nos leva lá e que, mais, sabe a posição dos sentinelas, o que nos vai permitir evitá-los. Daí para a frente tudo depende como decorrer os acontecimentos.
De seguida falou do dispositivo a adoptar:
- A nossa Companhia vai à frente seguida da 1418. Esta, a umas centenas de metros do objectivo estaciona e faz a segurança nas nossas costas. Uma outra Companhia, a 1481, que vem de Bissau, vai servir de isco, actuando na zona do lado oposto ao nosso. Assim, enquanto a 1481 procura atrair sobre si a atenção dos tipos, nós pelo lado oposto assaltamos a arrecadação, quando muito com a oposição dos tais 25 homens.
Marcou-se a hora da saída pois o início da operação tinha lugar naquela mesma noite. O Capitão disse mais qualquer coisa de reduzido interesse e a reunião acabou dispersando então o pessoal.
Os dados estavam lançados.
O ir a Morés, o ir à arrecadação custe o que custar e haja o que houver, pois esta era a ordem peremptória do Batalhão, e a maneira nervosa, que a ninguém passou despercebida como o Capitão falou, o que nele não era habitual, tudo isto logo se reflectiu no espírito da malta provocando uma onda de receio como nunca. Cá fora, entre nós Furriéis, ao comentarmos a odisseia e a forma peremptória como foi posta, chegamos à conclusão que isto era nem mais nem menos como uma represália do Batalhão por da última vez que fomos a Morés, como atrás contei (nas “Memórias”), não termos cumprido a missão a contento daquele, cujo seu Estado-Maior se fazia transportar, lá bem no alto, ao abrigo de qualquer surpresa, numa Dornier. Era então o PCA (Posto de Comando Aéreo).
Lembro que este chegou mesmo a dar ordem peremptória de avanço (eu estava junto ao rádio, este nas mãos do Alferes Costa, comandante da operação na altura) a 2 Pelotões da 816 para enfrentarem a base quando esta estava já preparadíssima para nos receber, pois tínhamos sido detectados bem cedo graças aos avanços e recuos do então guia e isto mesmo após a Companhia que nos fazia o apoio ter recusado continuar naquela operação agora suicida.
Após algum diálogo exasperado com o Comandante do efectivo da 816, na circunstância e como disse o Alferes Costa, o PCA fortemente contrariado acabou por mandar-nos recuar.
Custe o que custar, haja feridos haja mortos, temos que lá ir, estas palavras do Capitão enraizaram no espírito da malta.
- Se dá para o torto, ainda lá ficamos todos, disse alguém mais pessimista.
Tínhamos agora um guia da máxima confiança, conhecedor de todo o terreno de Morés e também das instalações inimigas, assim como das exactas posições dos sentinelas. Sabíamos que na 816 tínhamos pessoal de rara coragem e determinação, capaz de enfrentar as maiores vicissitudes desta guerra. O efectivo das nossas tropas também era grande (lembro a 816 completa mais a 1418 no apoio e segurança de cobertura, e do lado oposto a 1481 todas no mesmo objectivo) e assim teríamos boas possibilidades de êxito. Os prós e os contras equilibravam os pratos da balança. Alguém falou que na hipótese de irmos ao hospital, apanhávamos a enfermeira branca que lá trabalhava e então isto servia de incentivo para alguns, nomeadamente para o Zé Baião que, claro, tratando-se do sexo fraco a disposição era logo outra. No entanto esta história da enfermeira branca, ainda que houvesse quem o afiançasse, que sim, que de facto era verdade, nós víamos nisto, antes, um golpe de efeito psicológico.
Embora eu assistisse à dita reunião, como os demais operacionais, e vivesse tudo aquilo, não fui à operação, ao contrário da antecedente e que falo atrás. O Alferes Costa, agora na qualidade de Comandante de Pelotão, entendeu, junto de mim, que eu não fosse, pois estava com o meu joelho direito inchado e mancava em virtude de um acidente no aquartelamento.
Tinha havido o máximo segredo com a operação. Nós, os Furriéis, só soubemos quando também o souberam os soldados, e como já se sabe na dita reunião da Cantina umas horas antes do seu início. Ao que soube, os próprios Comandantes de Pelotão, foi pouco antes daquela, que tomaram também conhecimento, mas, o Capitão, já o sabia há alguns dias e então, por o Braga, que era o seu impedido, soubemos depois que ele há três dias que não comia nada, que só bebia sumos, e que denotava muito nervosismo.
De facto, o Capitão mostrava-se um pouco abatido e pálido. Logo concluímos da dureza da missão que ia ser levada a efeito pela 816 e que a rígida imposição do Batalhão marcaria o Capitão a partir da altura de que dela teve conhecimento.
A Companhia estava, de uma maneira geral, apreensiva. Que diabo, apesar de tudo nunca tínhamos ouvido falar que uma operação se tinha de fazer custasse o que custasse e houvesse as baixas que houvesse. Os menos corajosos lamentavam então a sua desdita. Uns lembravam as suas mulheres e os seus filhos, quem a tinha e os tinha, outros vaticinavam que não se safariam e outros julgavam que esta odisseia ia custar, por certo, caro à Companhia. Confesso que nunca vi a Companhia assim, e, na verdade, embora eu não fosse, comungava dos desabafos e das apreensões da malta então operacional.
À hora combinada, a coluna estava formada como sempre entre as messes dos Oficiais e dos Sargentos e pertinho do cavalo-de-frisa da entrada nascente do aquartelamento - lado Farim - O pessoal começou então a andar e a operação iniciou-se. A fila indiana serpenteou no mato e desapareceu silenciosamente na obscuridade da noite.
Na maioria daqueles rostos, lia-se, de uma forma bem vincada, a preocupação e o receio de tal aventura. Vi-os partir e instintivamente pedi a Deus que estivesse com eles. Os que ficaram, tarde se foram deitar. Embora não alinhássemos, estávamos demasiados excitados para que conseguíssemos dormir. Cedo, logo ao alvorecer, tentamos saber algo pelo rádio.
Entretanto, para reforçar a segurança do quartel, tinha vindo para Olossato um Pelotão de uma outra Companhia.
Foi então junto do Alferes desse Pelotão que tinha na altura um rádio na mão, a tentar escutar algo sobre a operação que se foi sabendo dos acontecimentos em Morés. Fomos sabendo então que a Companhia tinha chegado à arrecadação sem qualquer resistência inimiga e que já estavam em poder dela, tratando da recolha do material. Foram pedidos 6 (!) helicópteros para transportar o material, que era muito, para Olossato. Estávamos profundamente entusiasmados e ainda mais, admirados com tanta facilidade.
- Como é?! Foi chegar lá, pegar no material e andar? E deles, nem sombra? Afinal aonde parariam pelo menos aqueles 25 homens que armados de pistolas-metralhadoras e bazooka defendiam a arrecadação?
Ao que se soube estes homens foram reforçar a casa-de-mato para receberem a 1481 que se dirigia para aquela.
Parecia fácil de mais para ser verdadeiro. Mas… era verdadeiro, fantasticamente verdadeiro!!
Passadas algumas horas, para gáudio dos presentes, o primeiro helicóptero poisa na pista de Olossato e de imediato descarrega material bélico inimigo. Logo partiu para buscar mais e, num vai-e-vem constante, 2 ou 3 helicópteros fizeram a recolha da maior parte do material. Fantástico! Que grande êxito! Mas… a Companhia ainda lá está! Ainda muito pode acontecer. Nós sabíamos bem o que era o regresso depois de um ataque a uma casa-de-mato e logo à de Mores. Está cá o armamento, mas ainda não está cá a malta. Eram estas as palavras ditas ou que estavam no pensamento da reduzida malta que naquela altura estava na pista. O tempo passa-se e receia-se pela integridade da nossa malta. Era impossível não haver recontro…
Mas, ao meio da tarde, eis que começam a chegar os nossos homens, os nossos heróis. Um, a seguir outro, outro mais, vêm espaçados, extenuados, abatidos físicamente, mas com um sorriso de satisfação e sobretudo de orgulho. Alegria a rodos, abraços, lágrimas nos olhos pela felicidade do reencontro de toda a família 816.
Soubemos então, que, quando as duas Companhias, a 816 e a 1418 já estavam de novo juntas no regresso a Olossato, surgira uma enérgica emboscada. Mas aí já eram cerca de 250 homens a responder ao fogo inimigo. A potencialidade das duas Companhias, impregnadas do maior entusiasmo pelo êxito obtido, gerou tal reacção que o inimigo emboscado logo demandou. Houve ali ligeiros feridos, mas os ferimentos não passaram de um ou outro pequeno estilhaço num braço ou numa perna.
A missão tinha sido plenamente cumprida. O objectivo, o objectivo principal, imediato e obrigatório, era o assalto à arrecadação e essa então tinha sido despojada de tudo e posteriormente arrasada.
Então, pelo tardio da hora e por fadiga do pessoal, tanto física como psicológica - lembra-se que o grupo saiu do Olossato para uma missão muito temerosa -, e por então o inimigo que tinha sido apanhado desprevenido - louve-se aqui a táctica da nossa tropa - entretanto se ter reagrupado com grande número de homens, a 816 não passou ao hipotético 2.º objectivo, que seria o ir ao hospital, embora não faltasse quem quisesse lá ir.
Cerca de 3 toneladas de material bélico estava ali espalhado no pequeno campo de futebol contíguo à messe dos Oficiais.
Entre o material destacava-se uma metralhadora anti-aérea que era e pelo que se dizia o ai Jesus do Capitão.
Destacava-se ainda um morteiro de calibre 82, que teria sido o primeiro de tal calibre a ser capturado na guerra na Guiné, até então. Também 2 metralhadoras MG 42, uma metralhadora pesada Breda, pistolas-metralhadoras de vários calibres e tipos, pistolas de sinais, cargas de trotil para armadilhas e outros rebentamentos, dezenas de metros de fita com cartuchos para a metralhadora anti-aérea, uma série de canos de reserva também para esta, minas antipessoal e anticarro, macas para transporte de feridos, centenas de cartuchos de vários calibres e outras coisas mais estavam ali no nosso quartel aprisionadas de fresco ao inimigo e também muitos livros e cadernos de essência didáctico-escolar, estes a provocar alguma emoção contemporizadora.
GRANDE FEITO!! A malta rejubilava. À fisionomia céptica, de expressão fechada e apreensiva da véspera, antes da saída para a operação Morés, sobrepôs-se uma fisionomia de desmedida e incontida alegria. Aquele dia tinha sido e seria o maior dia da 816 e porventura o mais profícuo de todas as forças armadas na Guiné, até então.
A Companhia vinda de Bissau – a 1418 - teve também um papel preponderante, pois ao servir de isco - como se dizia na gíria militar - a muito se arriscou ao fazer incidir sobre si as atenções do inimigo. Como a missão deles era só de se mostrarem, evitaram óbvia e convenientemente as emboscadas em série que para eles estavam reservadas e o que se soube na altura pela aviação que acompanhou a operação. A 1419 também fez jus ao êxito, pois, aquando da emboscada no regresso, teve um comportamento deveras notável. Aquilo parecia inacreditável. Apenas uma emboscada, aí de uns 10 minutos, já bem depois do material em nosso poder, e… nada mais.
Feito memorável que, como atrás se já disse, logo teve lugar em todos os noticiários, quer da Guiné, quer, e sobretudo, na Metrópole. A televisão referiu-se de forma saliente.
A imprensa através de jornais e de revistas também referenciaram o feito de forma bem vincada. Ainda hoje guardo a folha da revista Flama (n.º 941 de 18 de Março de 1966) que se referiu ao acontecimento dispensando-lhe toda uma página.
O êxito da operação deve-se em grande parte à táctica usada. O papel da 1418 ao servir de isco foi preponderante. Mostrou-se, foi detectada pela inimigo e então este convergiu para o trajecto daquela. Soubemos que esta Companhia se continuasse a avançar, o que até não era preciso, tinha já 7 (sete) emboscadas inimigas já montadas.
A 816 fora ali então compensada de tão duro e árduo trabalho que há meses o vinha fazendo sem resultados que se pudessem chamar de francamente positivos.
Ao outro dia, logo pela manhã, esteve no Olossato todo o Estado-Maior do Batalhão. Esteve também, numa presença que muito nos honrou, o Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné, que compartilhou de toda aquela alegria e satisfação.
As mulheres indígenas engalanaram-se de roupas e pinturas e vieram fazer ronco, que grande ronco (!), dançando pulando e gritando na sua forma típica e étnica entre as messes dos Oficiais e a dos Sargentos. Olossato todo ele vibrou!
O material apreendido ao inimigo foi fotografado, foi filmado, a malta também tirou fotos junto a ele para ficar com uma recordação, recordação essa que por certo se imortalizará por o tempo fora.
Voltaríamos a Morés mais tarde…
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
Guiné 63/74 - P3805: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (18): O doutor não tem um remédio para a guerra?
MÉSINHA ? CÁ TEM!
- “É a guerra aquele monstro que se alimenta das vidas e das fazendas… e até Deus… não está seguro”.
Assim dizia solenemente o médico (tenente miliciano médico) que acabava de chegar, aproximando-se do grupo de oficiais que, em pé, se juntavam à volta de uma mesa, apreciando os jogadores de poker.
- Boa noite, meus senhores guerreiros. – cumprimentou.
Não obteve resposta.
Não obteve resposta.
Chegava sempre quase à hora de jantar, nunca muito antes, para evitar permanecer muito tempo naquele espaço, que tinha um pequeno bar e uma cozinha pequena. Era, pomposamente, chamado “messe dos oficiais”.
O médico tinha lugar na mesa do major oficial de operações, com quem discutia tácticas e estratégias. O oficial de operações não o levava a sério, mas alimentava a conversa sem deixar escapar qualquer informação, não confirmando ou negando as que o médico dizia ter.
O médico tinha lugar na mesa do major oficial de operações, com quem discutia tácticas e estratégias. O oficial de operações não o levava a sério, mas alimentava a conversa sem deixar escapar qualquer informação, não confirmando ou negando as que o médico dizia ter.
- O doutor também faz planeamento das suas guerras subterrâneas? – perguntou um capitão que estava na mesma mesa.
O médico não respondeu, mas ficou incomodado. Era uma referência às instalações que ocupava: um abrigo com dois metros e meio abaixo do chão, com tecto e paredes de ferro e cimento. Para conseguir essas instalações argumentara que a enfermaria deveria ser instalada em abrigo seguro. Então tomou como suas parte das instalações, que passaram a ser o seu quarto e local de trabalho.
Durante o dia circulava pelo quartel, mas, logo que anoitecia, prevendo o risco de ataque com armas pesadas, recolhia às suas instalações, onde lia e ouvia música debitada por um gravador gigante, que desdobrava rolos de fita magnética. Saía só para o jantar, a coberto das paredes das traseiras da messe, entrando pela porta da cozinha. Terminado o jantar, regressava às suas instalações pelo mesmo caminho.
Um dos alferes milicianos lançou-lhe outra farpa:
-A guerra subterrânea do doutor acabou quando foi mobilizado para a Guiné.
Também não respondeu. Era outra referência aos rumores sobre a sua militância política nos tempos de estudante.
Também não respondeu. Era outra referência aos rumores sobre a sua militância política nos tempos de estudante.
O oficial de operações mudou de assunto:
- Então doutor, quantos homens tem internados com paludismo?
- Três. Um vai ter alta amanhã. Acho que o pessoal não toma o quinino.
- Eu também não o tomo há mais de três meses - disse um alferes – quando os mosquitos me picam, começam a voar aos ziguezagues e caem bêbados no chão.
- Então doutor, quantos homens tem internados com paludismo?
- Três. Um vai ter alta amanhã. Acho que o pessoal não toma o quinino.
- Eu também não o tomo há mais de três meses - disse um alferes – quando os mosquitos me picam, começam a voar aos ziguezagues e caem bêbados no chão.
O médico voltou-se para a mesa ao seu lado esquerdo:
- Então, meu Comandante, notícias de Lisboa?
- Ó doutor, você é que está sempre informado.
- Mas o senhor recebe notícias diárias de Bissau…
- De Bissau só dizem o que querem.
- Oi! Cuidado, meu Comandante! Ainda tem alguma visita inesperada!
- Só se for por sua causa, doutor.
O médico fingiu ter ficado agastado.
- Não se chateie, homem. Olhe, dizem que a PIDE vai acabar.
- Não acredito.
- Ó doutor, você quer que eu ensine o padre-nosso ao vigário?
- Verdade… Não sei nada.
- Não se chateie, homem. Olhe, dizem que a PIDE vai acabar.
- Não acredito.
- Ó doutor, você quer que eu ensine o padre-nosso ao vigário?
- Verdade… Não sei nada.
- Sr. Capitão – chamou o médico para uma outra mesa – aquele rapaz do pelotão do alferes Silva, que teve ontem um ataque de abelhas, não estava nada bem. Fez uma reacção anafiláctica. O rapaz quase não respirava.
- Ora! Quase todo o pessoal chegou aqui com a cara inchada. Nem conseguiam ver.
- Pois. Cara, pescoço e braços inchados, mas não foi a mesma coisa. O rapaz contou-me que foi durante uma emboscada.
- Eu sei.
Cortou o comandante:
- Da população, o que é que lhe aparece mais?
- Coisas que o furriel enfermeiro e os cabos tratam: suturas, pensos, feridas infectadas… Apareceram dois casos de infecção depois do fanado.
- Rapazes?
- Sim, rapazes. Recentemente houve dois partos. E agora está a aparecer muita garotada com infecções causadas pela matacanha. Mais que no ano passado.
- Bonita conversa para o jantar – disse um alferes.
- Da população, o que é que lhe aparece mais?
- Coisas que o furriel enfermeiro e os cabos tratam: suturas, pensos, feridas infectadas… Apareceram dois casos de infecção depois do fanado.
- Rapazes?
- Sim, rapazes. Recentemente houve dois partos. E agora está a aparecer muita garotada com infecções causadas pela matacanha. Mais que no ano passado.
- Bonita conversa para o jantar – disse um alferes.
- O que é preciso é conseguir um remédio para a guerra. O doutor não tem um remédio para isto?
O médico bebeu o último gole de café. Começou a levantar-se.
- Dão-me licença?
Fez com a mão um sinal de despedida e continuou:
- Remédio? Mésinha? Mésinha cá tem!
Ia sair pela cozinha, como sempre, mas voltou atrás. Irónico, falou para toda a sala:
- Tenham cuidado com as cadeiras. Podem cair quando menos esperam.
E recolheu aos aposentos subterrâneos.
Alberto Branquinho
ex-alf mil da CArt 1689, 1967/69.
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Notas de vb:
Últimos artigos da série em
Guiné 63/74 - P3804: Historiografia da presença portuguesa em África (16): A Exposição Histórica da Ocupação: A Guiné (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos, com data de 23 de Janeiro de 2009.
Luís,
Conforme a mensagem que te deixei no gravador, mergulho na escuridão nos próximos 3/4 meses, chegou o momento de agarrar nos meus cadernos de apontamentos e começar a escrever, dia após dia, o meu próximo livro. Além disso, ando embrulhado com um novo projecto que tem a ver com a educação do consumidor, não paro de ler nem de escrever. Nada obsta, no entanto, que eu possa corresponder a uma solicitação tua, em caso de necessidade. Deixo-te bastante material, garanto-te que aí por Abril retomo as minhas voluntárias obrigações no blogue. O material que agora te envio nasceu num catálogo que comprei na Feira da Ladra, foi uma verdadeira surpresa, li de um só fôlego, complementei com outras leituras na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. A ideologia do colonialismo que ainda respirámos na nossa passagem pela Guiné repassa as leituras que fiz, vale a pena meditar o que representou o Acto Colonial e a sua vanglória.
Sempre ao vosso dispor,
Mário
2. A Exposição Histórica da Ocupação: A Guiné
Beja Santos
No mesmo ano em que a Exposição Internacional de Paris põe em confronto as ideologias nazi e soviética na arte, em que Raoul Dufy pinta a Fada Electricidade e Le Corbusier assombra os visitantes com o pavilhão dos Tempos Novos, inaugura-se no Parque Eduardo VII uma exposição dedicada ao esforço português na ocupação dos domínios ultramarinos, uma verdadeira exaltação da epopeia dos Descobrimentos e da presença dos portugueses em todos os continentes.
Não era só o Acto Colonial que dava o mote ao grande evento propagandístico. O regime tinha que acautelar o seu património face aos novos ventos coloniais: no norte de África, há disputas dos franceses e espanhóis, o Duce lança-se na aventura em plena Etiópia, nos bastidores os diplomatas de Hitler reclamam os seus antigos talhões em África. Pelo Decreto-Lei nº 27.269, de 24 de Novembro de 1936, o Governo determina a realização da Exposição Histórica da Ocupação e refere concretamente que para ela convergirá uma eloquente demonstração de carácter iconográfico, militar e bibliográfico, havendo que mostrar os trabalhos e a acção dos portugueses tanto pela assimilação dos indígenas como para defesa do ultramar português. E marcou-se logo a data para a Primavera de 1937.
A Exposição acabou por abrir em 19 de Junho de 1937, foi indiscutivelmente uma grande demonstração do nacionalismo. Salazar não regateou meios e António Ferro entregou a encenação a alguns dos nomes mais brilhantes das artes plásticas do tempo: Francisco Franco, Barata Feyo, Mário Eloy, Sara Afonso, Hein Semke, Almada Negreiros, Emérico Nunes, Domingos Rebelo, Tomaz de Melo (Tom), entre outros.
Tudo obedece a critérios de grandiosidade, pompa, épica, fausto militar, um Portugal sempre vencedor: a magnificência estende-se pelas Salas dos Brasões, de Marrocos, dos Movimentos Literários, do Brasil, do Oriente, da Fé e da Marinharia. Há um parque de material de guerra, sucedem-se as salas militares e há mesmo uma Sala do Drama da Ocupação.
Os intelectuais são convocados para escreverem monografias sobre a Ocupação. Ao tenente-coronel João José de Melo Miguéis cabe a monografia da Guiné, e ele baliza o seu trabalho entre 1834 a 1915, ou seja à última "pacificação" de Teixeira Pinto. Sabendo-se hoje, e constando aliás do monumento que se construiu em pleno centro de Bissau e que lá está bem legendado, que a pacificação só se deu por concluída em 1936, com a rendição do régulo de Canhanbaque, é bem sugestivo que o regime não estivesse interessado em falar de uma pacificação de fresca data...
A Agência Geral das Colónias produziu 2 soberbos catálogos e foi dedicado o número de Dezembro de 1937 do seu boletim inteiramente aos conteúdos desta exposição.
As atenções focaram-se no período henriquino e nas colonizações de Angola e Moçambique. Mas há referências à Guiné portuguesa. Da Biblioteca Municipal do Porto vieram o Tratado breve dos rios da Guiné do Cabo Verde, de André Álvares de Almada, 1594, a planta da Praça de Bissau de 1796, estiveram expostas as espadas de Oliveira Muzanty e Teixeira Pinto, os dois nomes mais importantes na ocupação do século XX, havia mesmo diapositivos sobre uma rua antiga de Bolama e a Bissau antiga. A Guiné não aparece no mapa da expansão da língua, fala-se do crioulo. Há referências à Guiné na política sanitária, concretamente a doença do sono, a lepra e a tuberculose e aparecia um diapositivo sobre o Hospital de Bolama. E para mostrar que a ocupação também se fazia em nome da fé exibia-se um Alcorão apreendido na região do Oio, na campanha de 1902.
A exposição terminava na Sala Acto Colonial, publicada em 1930 e retocado em 1937 e que abriu caminho à Carta Orgânica do Império. Escrevia-se numa das portas da exposição: solidariedade, unidade, nacionalismo, eis a trindade de princípios em que assenta a ideia imperial.
O segundo volume deste catálogo vai ser oferecido ao blogue para ser leiloado e para que o seu produto seja canalizado para as despesas do seu funcionamento.
__________
Nota de CV:
Vd. último episódio da série de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3740: Historiografia da presença portuguesa (16): Filatelia, da medicina tropical à Missão do Sono (Beja Santos / Luís Graça)
Luís,
Conforme a mensagem que te deixei no gravador, mergulho na escuridão nos próximos 3/4 meses, chegou o momento de agarrar nos meus cadernos de apontamentos e começar a escrever, dia após dia, o meu próximo livro. Além disso, ando embrulhado com um novo projecto que tem a ver com a educação do consumidor, não paro de ler nem de escrever. Nada obsta, no entanto, que eu possa corresponder a uma solicitação tua, em caso de necessidade. Deixo-te bastante material, garanto-te que aí por Abril retomo as minhas voluntárias obrigações no blogue. O material que agora te envio nasceu num catálogo que comprei na Feira da Ladra, foi uma verdadeira surpresa, li de um só fôlego, complementei com outras leituras na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. A ideologia do colonialismo que ainda respirámos na nossa passagem pela Guiné repassa as leituras que fiz, vale a pena meditar o que representou o Acto Colonial e a sua vanglória.
Sempre ao vosso dispor,
Mário
2. A Exposição Histórica da Ocupação: A Guiné
Beja Santos
No mesmo ano em que a Exposição Internacional de Paris põe em confronto as ideologias nazi e soviética na arte, em que Raoul Dufy pinta a Fada Electricidade e Le Corbusier assombra os visitantes com o pavilhão dos Tempos Novos, inaugura-se no Parque Eduardo VII uma exposição dedicada ao esforço português na ocupação dos domínios ultramarinos, uma verdadeira exaltação da epopeia dos Descobrimentos e da presença dos portugueses em todos os continentes.
Não era só o Acto Colonial que dava o mote ao grande evento propagandístico. O regime tinha que acautelar o seu património face aos novos ventos coloniais: no norte de África, há disputas dos franceses e espanhóis, o Duce lança-se na aventura em plena Etiópia, nos bastidores os diplomatas de Hitler reclamam os seus antigos talhões em África. Pelo Decreto-Lei nº 27.269, de 24 de Novembro de 1936, o Governo determina a realização da Exposição Histórica da Ocupação e refere concretamente que para ela convergirá uma eloquente demonstração de carácter iconográfico, militar e bibliográfico, havendo que mostrar os trabalhos e a acção dos portugueses tanto pela assimilação dos indígenas como para defesa do ultramar português. E marcou-se logo a data para a Primavera de 1937.
A Exposição acabou por abrir em 19 de Junho de 1937, foi indiscutivelmente uma grande demonstração do nacionalismo. Salazar não regateou meios e António Ferro entregou a encenação a alguns dos nomes mais brilhantes das artes plásticas do tempo: Francisco Franco, Barata Feyo, Mário Eloy, Sara Afonso, Hein Semke, Almada Negreiros, Emérico Nunes, Domingos Rebelo, Tomaz de Melo (Tom), entre outros.
Tudo obedece a critérios de grandiosidade, pompa, épica, fausto militar, um Portugal sempre vencedor: a magnificência estende-se pelas Salas dos Brasões, de Marrocos, dos Movimentos Literários, do Brasil, do Oriente, da Fé e da Marinharia. Há um parque de material de guerra, sucedem-se as salas militares e há mesmo uma Sala do Drama da Ocupação.
Os intelectuais são convocados para escreverem monografias sobre a Ocupação. Ao tenente-coronel João José de Melo Miguéis cabe a monografia da Guiné, e ele baliza o seu trabalho entre 1834 a 1915, ou seja à última "pacificação" de Teixeira Pinto. Sabendo-se hoje, e constando aliás do monumento que se construiu em pleno centro de Bissau e que lá está bem legendado, que a pacificação só se deu por concluída em 1936, com a rendição do régulo de Canhanbaque, é bem sugestivo que o regime não estivesse interessado em falar de uma pacificação de fresca data...
A Agência Geral das Colónias produziu 2 soberbos catálogos e foi dedicado o número de Dezembro de 1937 do seu boletim inteiramente aos conteúdos desta exposição.
As atenções focaram-se no período henriquino e nas colonizações de Angola e Moçambique. Mas há referências à Guiné portuguesa. Da Biblioteca Municipal do Porto vieram o Tratado breve dos rios da Guiné do Cabo Verde, de André Álvares de Almada, 1594, a planta da Praça de Bissau de 1796, estiveram expostas as espadas de Oliveira Muzanty e Teixeira Pinto, os dois nomes mais importantes na ocupação do século XX, havia mesmo diapositivos sobre uma rua antiga de Bolama e a Bissau antiga. A Guiné não aparece no mapa da expansão da língua, fala-se do crioulo. Há referências à Guiné na política sanitária, concretamente a doença do sono, a lepra e a tuberculose e aparecia um diapositivo sobre o Hospital de Bolama. E para mostrar que a ocupação também se fazia em nome da fé exibia-se um Alcorão apreendido na região do Oio, na campanha de 1902.
A exposição terminava na Sala Acto Colonial, publicada em 1930 e retocado em 1937 e que abriu caminho à Carta Orgânica do Império. Escrevia-se numa das portas da exposição: solidariedade, unidade, nacionalismo, eis a trindade de princípios em que assenta a ideia imperial.
O segundo volume deste catálogo vai ser oferecido ao blogue para ser leiloado e para que o seu produto seja canalizado para as despesas do seu funcionamento.
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Nota de CV:
Vd. último episódio da série de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3740: Historiografia da presença portuguesa (16): Filatelia, da medicina tropical à Missão do Sono (Beja Santos / Luís Graça)
Guiné 63/74 - P3803: As nossas mulheres (7): As minhas correspondentes e a minha mulher (José Colaço)
1. Mensagem de José Colaço, ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 22 de Janeiro de 2009:
Se te parecer que a mensagem possa servir de incentivo aos nossos camaradas para dar um pouco de vida à rubrica lançada pelo V. Briote, publica.
Assim se desanuvia um pouco a importante controvérsia da Retirada de Guileje.
Tentando dar voz ao desafio que o V. Briote lançou
As nossas mulheres, namoradas, madrinhas, correspondentes
Enfim, aquelas que estão sempre prontas para nos acompanhar nos bons e maus momentos.
Sei por conhecimento próprio que eu não sou a pessoa indicada para promover tal rubrica, devido ao modo como me portei, que vou tentar resumir.
Um dos meus passatempos era a correspondência. Chegar o dia do correio e eu receber tanto ou mais correspondência que os meus camaradas era uma pequena vitória, devia ser um meio de promoção pessoal, não ser um Zé ninguém que estava esquecido naquelas longínquas terras da Guiné.
Recebia as cartas da namorada, das duas madrinhas de guerra, duma correspondente espanhola e mais o correio da família que por motivo de vida e saúde estava um pouco dispersa, pois no Hospital do Rego hoje Curry Cabral tinha deixado o meu irmão agarrado aos ferros de uma cama, devido a acidente de moto do qual ficou paraplégico.
Por que não sou a pessoa para promover a mensagem!
Primeiro, a da madrinha de guerra residente em Lisboa que nunca cheguei a conhecer por culpa minha, pois quando faltavam duas semanas para o meu regresso, deixei de lhe dar resposta. Razão nenhuma. Só o que ainda existe aqui em casa, que pode confirmar o que digo, esta foto que tem a dedicatória ao afilhado da madrinha amiga Helena, que envio para embelezar a mensagem.
A então, jovem Helena, madrinha de guerra do José Colaço
Da namorada e a outra madrinha que sabiam da existência uma da outra, com as visitas a ambas tudo se desmoronou.
Com a correspondente, também houve um interregno entre 1966 e 1969, mas como 1969estive na Alemanha e sabendo que ela lá se encontrava, resolvi recomeçar a troca de correspondência no que fui bem recebido. Encontrei-me com a Paquita algumas vezes na cidade de Mainz, onde a visitava aos fins de semana, já que eu estava em Dusseldorf. Se já éramos amigos, mais amigos ficámos.
Após o meu regresso a Portugal, ainda esteve combinado um encontro, que devido a um acidente quando a Paquita se dirigia ao nosso País. Desfez o coche e assim se desfez o encontro, possivelmente também por culpa minha por se aproximar a data do meu casamento, os contactos tiveram fim.
Eis as estórias das minhas namorada, madrinhas, correspondente, Mulheres.
A minha estada na Guiné sempre ficou ligada à minha futura vida, pois aquela que em 5/08/73 casou comigo e ainda hoje por vezes me acorda do sonho que se transforma no chamado pesadelo, deve-se em grande parte à minha estada na Guiné.
Em Bafatá, do batalhão 757, fazia parte o 1.º cabo José Alexandre Peres, um conterrâneo meu que recebia correspondência de uma prima à qual fazia grandes elogios. Tive ocasião de lhe dizer: - Porque não lhe falas em namoro - nesse tempo ainda era normal esse termo, mas para ele seria bom demais e nem pensar em tal proposta.
O meu conterrâneo regressou a Portugal cerca de ano e meio após o meu regresso.
Como residíamos os dois na zona de Lisboa, o meu conterrâneo em Santa Iria de Azóia e eu em Moscavide, os nossos contactos e passeios eram constantes. Num desses passeios, numa ida à nossa conhecida praia de Carcavelos, conheci a prima. Falámos pouco devido eu namoriscar com uma rapariga que fazia parte do grupo. Como houve mais encontros, tornamo-nos amigos, namorados, marido e mulher, felizmente, há 35 anos. Desta união há um fruto, uma filha licenciada em Informática.
Um alfa bravo
Colaço
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Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3779: As nossas mulheres (5): Ni, uma combatente em Mansoa (1973/74)
Se te parecer que a mensagem possa servir de incentivo aos nossos camaradas para dar um pouco de vida à rubrica lançada pelo V. Briote, publica.
Assim se desanuvia um pouco a importante controvérsia da Retirada de Guileje.
Tentando dar voz ao desafio que o V. Briote lançou
As nossas mulheres, namoradas, madrinhas, correspondentes
Enfim, aquelas que estão sempre prontas para nos acompanhar nos bons e maus momentos.
Sei por conhecimento próprio que eu não sou a pessoa indicada para promover tal rubrica, devido ao modo como me portei, que vou tentar resumir.
Um dos meus passatempos era a correspondência. Chegar o dia do correio e eu receber tanto ou mais correspondência que os meus camaradas era uma pequena vitória, devia ser um meio de promoção pessoal, não ser um Zé ninguém que estava esquecido naquelas longínquas terras da Guiné.
Recebia as cartas da namorada, das duas madrinhas de guerra, duma correspondente espanhola e mais o correio da família que por motivo de vida e saúde estava um pouco dispersa, pois no Hospital do Rego hoje Curry Cabral tinha deixado o meu irmão agarrado aos ferros de uma cama, devido a acidente de moto do qual ficou paraplégico.
Por que não sou a pessoa para promover a mensagem!
Primeiro, a da madrinha de guerra residente em Lisboa que nunca cheguei a conhecer por culpa minha, pois quando faltavam duas semanas para o meu regresso, deixei de lhe dar resposta. Razão nenhuma. Só o que ainda existe aqui em casa, que pode confirmar o que digo, esta foto que tem a dedicatória ao afilhado da madrinha amiga Helena, que envio para embelezar a mensagem.
A então, jovem Helena, madrinha de guerra do José Colaço
Da namorada e a outra madrinha que sabiam da existência uma da outra, com as visitas a ambas tudo se desmoronou.
Com a correspondente, também houve um interregno entre 1966 e 1969, mas como 1969estive na Alemanha e sabendo que ela lá se encontrava, resolvi recomeçar a troca de correspondência no que fui bem recebido. Encontrei-me com a Paquita algumas vezes na cidade de Mainz, onde a visitava aos fins de semana, já que eu estava em Dusseldorf. Se já éramos amigos, mais amigos ficámos.
Após o meu regresso a Portugal, ainda esteve combinado um encontro, que devido a um acidente quando a Paquita se dirigia ao nosso País. Desfez o coche e assim se desfez o encontro, possivelmente também por culpa minha por se aproximar a data do meu casamento, os contactos tiveram fim.
Eis as estórias das minhas namorada, madrinhas, correspondente, Mulheres.
A minha estada na Guiné sempre ficou ligada à minha futura vida, pois aquela que em 5/08/73 casou comigo e ainda hoje por vezes me acorda do sonho que se transforma no chamado pesadelo, deve-se em grande parte à minha estada na Guiné.
Em Bafatá, do batalhão 757, fazia parte o 1.º cabo José Alexandre Peres, um conterrâneo meu que recebia correspondência de uma prima à qual fazia grandes elogios. Tive ocasião de lhe dizer: - Porque não lhe falas em namoro - nesse tempo ainda era normal esse termo, mas para ele seria bom demais e nem pensar em tal proposta.
O meu conterrâneo regressou a Portugal cerca de ano e meio após o meu regresso.
Como residíamos os dois na zona de Lisboa, o meu conterrâneo em Santa Iria de Azóia e eu em Moscavide, os nossos contactos e passeios eram constantes. Num desses passeios, numa ida à nossa conhecida praia de Carcavelos, conheci a prima. Falámos pouco devido eu namoriscar com uma rapariga que fazia parte do grupo. Como houve mais encontros, tornamo-nos amigos, namorados, marido e mulher, felizmente, há 35 anos. Desta união há um fruto, uma filha licenciada em Informática.
Um alfa bravo
Colaço
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Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3779: As nossas mulheres (5): Ni, uma combatente em Mansoa (1973/74)
Guiné 63/74 - P3802: Convívios (93): I Encontro de militares da CART 2732, no Continente. 18 de Janeiro de 2009, Arruda dos Vinhos (Carlos Vinhal)
CART 2732 - Mansabá, 1970/72 - Divisa - Nam Acham Quem Por Armas Lhe Resista
1. No passado dia 18 de Janeiro, em Arruda dos Vinhos, Restaurante Valverde, aconteceu o I Encontro dos ex-combatentes da CART 2732 (*), do Continente. Sublinha-se que este foi o I Encontro no Continente, já que na Madeira há Encontros regulares do pessoal natural daquela Pérola do Atlântico.
Este Encontro aconteceu graças à iniciativa dos nossos camaradas Reis Pedro, Malhão Gonçalves e Pinheiro Miranda.
Na hora da concentração, o Reis Pedro franqueou-nos as portas de sua casa, literalmente, onde nos serviu uns miminhos e onde pudemos estabelecer os primeiros contactos. À sua esposa Helena, o nosso muito obrigado pela amabilidade e paciência que teve em nos aturar.
Estiveram presentes 21 ex-militares da CART, entre os quais o ex-Cap Mil Jorge Picado que foi um dos seus Comandantes.
Agradável surpresa foi termos entre nós o senhor Coronel Carlos Marques Abreu, um dos Comandantes do COP 6, onde a CART esteve integrada. Compareceu também o ex-Alf Mil Brito Ribeiro que chefiou as Transmissões em Mansabá.
Da Madeira vieram expressamente para o evento os camaradas Alfredo Gouveia e Olim Meneses, que anteciparam viagem de negócios a Lisboa para poderem estar presentes. Ainda naturais da Madeira, mas radicados no Continente, participaram no Encontro, o Inácio Silva (nosso tertuliano) e o Manuel Jesus Ferreira, meu camarada no 3.º Pelotão.
Um primeiro encontro ao fim de quase 37 anos é invulgar, e causa alguns embaraços e surpresas. Por um lado, os anos e os quilos causam algumas alterações, por outro, há camaradas que se mantêm praticamente com o aspecto que tinham na juventude. A uns branqueou ou levou o cabelo, noutros apareceu a barriga e há os felizardos para quem os anos nem passararam. Houve quem levasse os netos. Como? Se ainda ontem éramos uns jovens com 24/25 anos, vindos das matas da Guiné?
2. Ficam algumas fotos do acontecimento.
O ex-Fur Mil Gardete Correia, meu camarada do 3.º Pelotão, hoje advogado
O ex-Fur Mil Mec Auto Rodas Dias, o ex-Fur Mil TRMS Lourenço e o ex-1.º Cabo Op Cripto Mário Romana Soares trocam impressões
Ex-Cap Mil Jorge Picado em conversa com um dos seus ex-furriéis
Inácio Silva (nosso tertuliano) ladeado pela sua simpática companheira Amélia
Ex-Alf Mil Manuel Casal que muitas vezes assumiu o Comando da CART 2732
O nosso camarada Pinheiro Miranda um dos impulsionadores do I Encontro da CART 2732
Os nossos anfitriões, Reis Pedro e esposa Helena
Da esq. para a dta. - Cor Carlos Marques Abreu, ex-Alf Mil Trms Brito Ribeiro, ex-Alf Mil Nunes Bento, hoje Ten Cor Ref, ex-Fur Mil Vinhal e ex-Sold Trms Malhão, um dos organizadores do Encontro, no uso da palavra
Ex-Fur Mil Op Esp Luís Pires e sua esposa Jacinta que se deslocaram de Macedo de Cavaleiros para o efeito
Ex-Furs Mils Francisco Fonseca e Ismael Santos, acompanhados das respectivas esposas
Bolo comemorativo do Encontro, oferta do Ten Cor Ref Nunes Bento
Foto de família com os participantes no I Encontro da CART 2732, no Continente
Fotos e legendas: © Rita Casal, Inácio Silva e Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 Abril 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3684: Convívios (91): Encontro de ex-combatentes da Madeirense CART 2732, dia 18 de Janeiro de 2009, Arruda dos Vinhos (Carlos Vinhal)
1. No passado dia 18 de Janeiro, em Arruda dos Vinhos, Restaurante Valverde, aconteceu o I Encontro dos ex-combatentes da CART 2732 (*), do Continente. Sublinha-se que este foi o I Encontro no Continente, já que na Madeira há Encontros regulares do pessoal natural daquela Pérola do Atlântico.
Este Encontro aconteceu graças à iniciativa dos nossos camaradas Reis Pedro, Malhão Gonçalves e Pinheiro Miranda.
Na hora da concentração, o Reis Pedro franqueou-nos as portas de sua casa, literalmente, onde nos serviu uns miminhos e onde pudemos estabelecer os primeiros contactos. À sua esposa Helena, o nosso muito obrigado pela amabilidade e paciência que teve em nos aturar.
Estiveram presentes 21 ex-militares da CART, entre os quais o ex-Cap Mil Jorge Picado que foi um dos seus Comandantes.
Agradável surpresa foi termos entre nós o senhor Coronel Carlos Marques Abreu, um dos Comandantes do COP 6, onde a CART esteve integrada. Compareceu também o ex-Alf Mil Brito Ribeiro que chefiou as Transmissões em Mansabá.
Da Madeira vieram expressamente para o evento os camaradas Alfredo Gouveia e Olim Meneses, que anteciparam viagem de negócios a Lisboa para poderem estar presentes. Ainda naturais da Madeira, mas radicados no Continente, participaram no Encontro, o Inácio Silva (nosso tertuliano) e o Manuel Jesus Ferreira, meu camarada no 3.º Pelotão.
Um primeiro encontro ao fim de quase 37 anos é invulgar, e causa alguns embaraços e surpresas. Por um lado, os anos e os quilos causam algumas alterações, por outro, há camaradas que se mantêm praticamente com o aspecto que tinham na juventude. A uns branqueou ou levou o cabelo, noutros apareceu a barriga e há os felizardos para quem os anos nem passararam. Houve quem levasse os netos. Como? Se ainda ontem éramos uns jovens com 24/25 anos, vindos das matas da Guiné?
2. Ficam algumas fotos do acontecimento.
O ex-Fur Mil Gardete Correia, meu camarada do 3.º Pelotão, hoje advogado
O ex-Fur Mil Mec Auto Rodas Dias, o ex-Fur Mil TRMS Lourenço e o ex-1.º Cabo Op Cripto Mário Romana Soares trocam impressões
Ex-Cap Mil Jorge Picado em conversa com um dos seus ex-furriéis
Inácio Silva (nosso tertuliano) ladeado pela sua simpática companheira Amélia
Ex-Alf Mil Manuel Casal que muitas vezes assumiu o Comando da CART 2732
O nosso camarada Pinheiro Miranda um dos impulsionadores do I Encontro da CART 2732
Os nossos anfitriões, Reis Pedro e esposa Helena
Da esq. para a dta. - Cor Carlos Marques Abreu, ex-Alf Mil Trms Brito Ribeiro, ex-Alf Mil Nunes Bento, hoje Ten Cor Ref, ex-Fur Mil Vinhal e ex-Sold Trms Malhão, um dos organizadores do Encontro, no uso da palavra
Ex-Fur Mil Op Esp Luís Pires e sua esposa Jacinta que se deslocaram de Macedo de Cavaleiros para o efeito
Ex-Furs Mils Francisco Fonseca e Ismael Santos, acompanhados das respectivas esposas
Bolo comemorativo do Encontro, oferta do Ten Cor Ref Nunes Bento
Foto de família com os participantes no I Encontro da CART 2732, no Continente
Fotos e legendas: © Rita Casal, Inácio Silva e Carlos Vinhal (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 Abril 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)
Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3684: Convívios (91): Encontro de ex-combatentes da Madeirense CART 2732, dia 18 de Janeiro de 2009, Arruda dos Vinhos (Carlos Vinhal)
Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
1. Carta ao Director do Público, enviada pelo João Seabra, advogado com escritório em Lisboa, ex-Alf Mil da CCAV 8350 (Guileje, 1972/73) (*);
Senhor Director,
Tendo lido as peças de Eduardo Dâmaso “A nave dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos” e “Ninguém entregou a condecoração ao coronel”, publicadas no “Público de 26/6/2005”, achei conveniente pôr à sua disposição as tardias considerações que se seguem, às quais dará o destino que bem entender.
Fui alferes miliciano na Ccav 8350, retirada de Guileje, em 22/5/73, por sensata decisão do comandante do então COP5, sr. major (coronel) Coutinho e Lima.
Nunca estive a bordo da “fragata Orion” (não seria uma LFG – lancha de fiscalização grande?), pela simples razão de que nunca me ausentei de Gadamael na sequência dos ataques dos dias 1/6/73 (uma quinta-feira) e seguintes.
Escreve-se numa das peças em causa: “os três ou quatro soldados que sobraram da tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva, ficaram sem artilharia, sem apoio aéreo, sem oficiais, sem posto de rádio ...”.
Não foi assim.
Para além de mim próprio, permaneceram no interior do destacamento, o alferes Luís Pinto dos Santos, comandante do pelotão de artilharia do Guileje e o alferes Rocha, comandante de um pelotão de canhões sem recuo 57 mm (e já vão três oficiais), e ainda, pelo menos, um furriel, e algumas (poucas) praças desta mesma unidade e da CCaç 4743 (a companhia originariamente de guarnição a Gadamael).
Além disso, encontravam-se em patrulha próxima do aquartedamento um pelotão da CCaç 4743 (com o seu alferes) e outro da CCav 8350 (alferes Reis).
Sou portanto uma das raras pessoas, que reúne em si a dupla qualidade de “cobarde” que, sob as ordens do major (coronel) Coutinho e Lima, retirou do Guileje e de pretenso “herói” de Gadamael. Nesta última condição fui louvado por despacho do General Comandante-Chefe de 28/8/73.
E não saímos de Gadamael por razões de decência básica (havia mortos e feridos que não podiam ser abandonados) e de elementar sensatez (uma retirada, devidamente comandada, é uma manobra militar, mas não consigo imaginar nada de tão perigoso como uma debandada).
Acontece que, na situação que se gerou em 1/6/73, só por comodidade de expressão se poderá falar em “tropa comandada pelo recém-chegado capitão Ferreira da Silva”.
Para o perceber, há que retroceder às peripécias que determinaram a retirada de Guileje, e às que se lhe seguiram.
Ao contrário de Guileje, Gadamael era uma posição sustentável, com poços de água potável muito próximos do perímetro exterior do aquartelamento, dotada de um cais acostável, acessível por via fluvial através de LDM, que na praia-mar navegavam sem dificuldades no braço do rio Cacine em cuja margem se situava.
Já Guileje era um destacamento absurdo, necessitando de organização de colunas escoltadas para reabastecimento de água a 3,4 Km, dependente, para o seu aprovisionamento, de complicadas colunas rodoviárias múltiplas, de e para Gadamael, com uma pontualidade que poderia servir de exemplo à CP, e que ficava completamente isolado na época das chuvas.
O inimigo (termo convencional pelo qual designarei a entidade que nos pretendia matar, estropiar ou capturar, e a quem, se tivéssemos oportunidade, faríamos outro tanto) conseguiu conjugar duas vastas operações, práticamente simultâneas, ao norte sobre Guidage e ao sul sobre Guileje.
A primeira dessas operações, quase esgotou a chamada reserva do comando chefe, em tropas especiais.
Os meios utilizados pelo inimigo, tanto em artilharia como em infantaria, eram quantitativa e qualitativamente muito superiores aos das nossas guarnições de quadrícula.
A este propósito, tem interesse a leitura do artigo, publicado no Público, de 26/7/2004, pelo comandante Osvaldo Lopes da Silva do PAIGC, se bem que a desenvoltura com que este oficial transita da astronomia para a geografia e da geografia para a topografia, me sugira não ter sido ele o autor do plano de fogos na operação sobre Guileje.
Seja como for, dada a prioridade à defesa de Guidaje, Guileje foi isolado mediante a interdição dos seus acessos rodoviários a Gadamael e à água potável, através de emboscadas permanentes, por unidades de infantaria do inimigo, numerosas e dotadas de superior poder de fogo, minagem em profundidade dos itinerários, e sujeito a contínuo bombardeamento por todas as armas pesadas de que o inimigo dispunha.
Retirada a guarnição, e população, de Guileje, através de um itinerário ainda não reconhecido pelo inimigo, foi recebida em Gadamael, pelo então coronel (agora brigadeiro na reserva) Rafael Durão (Comandante do CAOP3, com sede em Cufar) esclarecido oficial, cuja primeira medida consistiu em promover uma formatura da CCav 8350, para ademoestar os respectivos oficiais, sargentos e praças, em bom vernáculo militar. O major Coutinho e Lima foi enviado para Bissau, onde permaneceu detido, pelo menos até ao 25/4/74.
Ainda hoje estou para perceber por que razão, confirmada a sua evacuação, o aquartelamento de Guileje não foi imediata e intensivamente bombardeado pela Força Aérea. Provavelmente havia quem acalentasse a fantasia de uma reocupação imediata. Certo é que o inimigo continuou a flagelar a posição após a nossa retirada, e só nela entrou dois a três dias depois (como diria Alves a C.ª: “ que coisa prudente é a prudência!”).
Dir-se-ia que, naquela conjuntura, se afigurava, pelo menos, bastante provável que o inimigo procurasse balancear, sobre Gadamael, os abundantes e sofisticados meios que tinha reunido para a operação de Guileje.
Nessa eventualidade – e sem prejuízo do indispensável patrulhamento em profundidade – eram necessárias providências urgentes.
Antes de mais – porque em Gadamael não havia obras ou abrigos adequados a uma guarnição entretanto duplicada – impunha-se a necessária actividade de organização do terreno, fortificando o destacamento, reforçando os espaldões de armas pesadas, abrindo trincheiras eficientes, enquadrando as subunidades, dotando-as de postos de combate defensivos bem determinados e interligados entre si e com o comando.
Em vez disso, o pessoal da CCav 8350 foi caóticamente disperso, em alojamentos de ocasião, pelos cerca de 40 000 m2 do aquartelamento, sem contacto com os seus oficiais e com o comando. Não se iniciaram quaisquer obras defensivas.
Por iniciativa de alguém que não consigo identificar, nas semanas anteriores operou-se uma radical alteração do material à disposição dos pelotões de artilharia de Guileje e Gadamael: as peças 114 mm (Guileje) e 105 mm (Gadamael), foram substituídas por obuses de 140 mm.
Ora, tanto as peças de artilharia de campanha como as próprias armas pesadas de infantaria, quando instaladas numa dada posição, necessitam de regulação do tiro, mediante a observação dos respectivos pontos de impacto, geralmente através de observação aérea, que já se sabia ser impraticável a partir do momento em que o inimigo passou a dispor de misseis solo-ar Strella-SA7.
As causas da desregulação são variadas, tendo a ver, designadamente, com choques sofridos pelas armas durante o serviço, com as condições meteorológicas, com insuficiências de cartografia, etc..
Os nossos obuses 140 mm (modelo 1943), tinham portanto a interessante função de fazer barulho e, nos casos em que abriam fogo de noite, de fornecer indicações de ajustamento do tiro do inimigo.
Nesta prometedora situação, o coronel Durão – certamente a benefício do brio e da disciplina – pôs de parte qualquer trabalho de organização defensiva, determinando um patrulhamento que se pretendia agressivo e que envolvia, em permanência, dois a quatro pelotões de entre as duas companhias.
De tal actividade resultaram dois contactos com pequenos grupos de reconhecimento do inimigo (os quais, por definição, evitam empenhar-se em combate), a quem foram capturadas três espingardas automáticas Kalashnikov.
No dia 31 de Maio de 1973 (uma quarta-feira), de manhã, o coronel Rafael Durão, retirou-se para Cufar, tendo chegado à lúcida conclusão que o inimigo, em consequência dos nossos “sucessos”, tinha retraído o seu dispositivo, sendo improvável um esforço sério da sua parte sobre Gadamael. Tratou-se evidentemente de uma bazófia só comparável com a sua idílica ignorância das intenções e do sistema de forças do inimigo.
Em sua substituição deixou o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva. Nesse mesmo dia, à tarde, iniciou o inimigo uma forte flagelação sobre Gadamael, utilizando, sobretudo, morteiros 120 mm, mas também foguetões Katyusha de 122 mm e peças de 130 mm, com uma qualidade de tiro surpreendente.
No dia 1 de Junho, o fogo da artilharia do inimigo intensificou-se qualitativa e quantitativamente e, entre as 10 e as 13 horas, uma área de 20 000 a 30 000 m2 do destacamento de Gadamael encaixou, seguramente, entre 350 e 400 impactos de morteiro 120 mm, provocando consideráveis baixas na guarnição.
Os dois capitães (comandantes, respectivamente, da Ccaç 4743 e da Ccav 8350), foram evacuados entre as 10,30 e as 11,00 horas, e não “ao princípio da tarde”.
Apercebendo-me de que se estava a gerar uma debandada, tentei impedi-la, pelas razões acima expostas, com resultados muito limitados.
O pessoal estava completamente entregue a si próprio e a falta de condições de comando era total: só conseguíamos transmitir ordens a quem nos passasse ao alcance da voz.
Dois dos três espaldões das peças de artilharia receberam granadas de morteiro 120 mm, que feriram, mataram ou dispersaram a totalidade das respectivas guarnições.
O pessoal que ia debandando dizia-me que o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva tinha dado ordens para se “sair do quartel”.
Dirigindo-me a uma das posições da artilharia, encontrei o alferes Luís Pinto dos Santos, que sobreviveu, com ferimentos ligeiros, e resolvemos ambos procurar o capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, para lhe perguntar se tinha ordenado a evacuação do aquartelamento. Respondeu-nos que tal não era a sua intenção, tendo apenas recomendado ao pessoal que se deslocasse temporariamente “para fora do arame”, isto é, para o exterior do perímetro do destacamento, uma vez que o seu interior estava a ser intensamente batido pela artilharia inimiga.
Fizemos-lhe saber que tal “deslocação temporária” tinha degenerado em debanda incontrolável.
O alferes Pinto dos Santos, com a minha ajuda, conseguiu improvisar um mínimo de serventes (entre os quais o furriel de transmissões da CCav 8350) para activar um dos três obuses 140 mm, à cadência de um tiro de quarto de hora em quarto de hora.
Tudo visto, recolheram-se os mortos, evacuaram-se os feridos por via fluvial, e garantiu-se, com fogo esporádico de obus 140 mm, de morteiro de 81 mm e de canhão sem recuo de 57 mm, uma aparência de capacidade de reacção que dissuadisse um eventual reconhecimento em força por parte do inimigo (que aliás não se mostrou muito afoito).
Enfim: o trivial.
As munições para as armas pesadas eram transportadas do paiol em uma viatura Berliet temerariamente conduzida por um cabo escriturário (Raposo) da CCaç 4743, o qual, na volta, também transportava feridos para locais de embarque.
Nesse mesmo dia 1 de Junho à tarde:
Reentraram no quartel os dois pelotões que estavam em patrulha exterior; desembarcaram, de helicóptero, dois oficiais de confiança do Comando Chefe (capitães Caetano e Manuel Soares Monge) e o coronel Rafael Durão (pessoa dotada de coragem física em proporção inversa à do respectivo discernimento).
No dia 3 de Junho (Sábado), desembarcou a companhia 122 de paraquedistas (capitão Terras Marques), e no dia seguinte a 123 (capitão Cordeiro).
Uns dias mais tarde chegou a companhia de paraquedistas nº 121 (comandatada pelo então tenente, e hoje tenente-general, Hugo Borges), o que significa que foi deslocado para Gadamael um batalhão completo de paraquedistas (BCP 12).
Entre sexta-feira, dia 2/6/73 e o domingo seguinte, a presença do major Pessoa, do BCP 12, pôs termo ao efémero comando do capitão (coronel /dr.) Ferreira da Silva) no, assim chamado, COP5.
Um verdadeiro e próprio comando das forças de Gadamael foi estabelecido no domingo (4/6/73) na pessoa do tenente-coronel Araújo e Sá (comandante do BCP 12).
Nesse mesmo dia – por razões que, para mim, permanecem obscuras – o major Pessoa (era o 2º comandante do BCP12) retirou-se de Gadamael.
Apesar de não figurarem habitualmente como “heróis de batalha de Gadamael”, as operações das diversas companhias paraquedistas, em cerca de duas semanas, desarticularam o dispositivo inimigo, sofrendo baixas moderadas (uns 25 a 40 feridos, na maior parte ligeiros, com estilhaços de RPG 7).
Nunca será demais sublinhar a qualidade destas tropas de elite. Recordando os contactos que mantive com os seus oficiais (designadamente os capitães Terras Marques e Cordeiro), anoto, como curiosidade, que se mostravam extremamente críticos (no limiar do humor negro) em relação aos fundamentos e à condução da guerra, sendo a sua considerável eficiência, fruto exclusivo de um extraordinário brio profissional.
O corpo de tropas pára- quedistas – das melhores que se poderiam encontrar, inclusivé a nível da NATO – foi destroçado, como unidade combatente, em 1975. Ao que me consta o brigadeiro Rafael Durão e o major Pessoa tiveram, nessa meritória obra, a sua função, cada um do seu lado, respectivamente, no “11 de Março” e no “25 de Novembro”.
Não sei se o tenente coronel Fabião tinha condecorações para atribuir. Recordo que o alferes Pinto dos Santos e eu próprio fomos ouvidos como testemunhas num processo de averiguações para atribuição de condecoração militar ao capitão (coronel/dr.) Ferreira da Silva, pelo major (brigadeiro) Manuel Soares Monge, no quartel general do Comando Chefe, em Bissau.
A nenhum de nós dois pareceu que fosse caso de condecorações a propósito do que se passou em Gadamael no dia 1 de Junho de 1973 (excepção feita ao cabo Raposo, atentos o seu posto e especialidade).
Recordo-me que, na altura, o então capitão Caetano me disse que tinha chegado a “fase dos baldes de plástico” (brinde comercial muito apreciado à época). Temíamos o aproveitamento de tal “fase” para transformar o capitão Ferreira da Silva numa espécie de contra-exemplo, em relação ao major Coutinho e Lima.
A serem atribuídas condecorações, deveriam elas ser, obviamente, atribuídas a oficiais, sargentos ou praças das tropas paraquedistas.
A partir da chegada do BCP 12, a CCav 8350 e a CCaç 4743 não tiveram qualquer actividade operacional de relevo.
Aliás nem poderiam ter, uma vez que não tinham treino, nem armamento, para se defrontar com a infantaria inimiga em reconhecimento avançado, do que foi feita a (desnecessária) demonstração no dia 4 de Junho, quando um pelotão da CCav 8350, reduzida a uma dúzia de elementos, caiu numa emboscada a menos de 1 km do aquartelamento, sofrendo quatro mortos (entre eles o respectivo alferes) e cinco feridos graves.
Será a este episódio que o dr. Ferreira da Silva, por equívoco, se quererá referir quando alude a “seis paraquedistas mortos no mesmo dia” (os cadáveres foram efectivamente recuperados por um pelotão de paraquedistas).
O objectivo desta pretensa patrulha era o de “descongestionar” o aquartelamento da sua, por assim dizer, densidade humana, face à eficiência do tiro da artilharia inimiga. Em suma: a CCav 8350 e a CCaç 4743 tinham passado a desempenhar a proverbial função de carne para canhão.
Note-se que a nossa tropa de quadrícula (companhias tipo caçadores), nem sequer estava dotada de uma metralhadora ligeira decente (a nossa inacreditável HK-21 encravava ao fim de cinco ou seis tiros).
As tropas especiais usavam as metralhadoras ligeiras MG 42 e, em considerável quantidade, equipamento capturado ao inimigo: metralhadoras ligeiras Degtyarev, lança granadas RPG 2 e RPG 7, espingardas automáticas Kalashnikov. Excelente material que, ainda hoje, está ao serviço, do Iraque ao Afeganistão, do Sudão à Libéria.
Tive a inspiração de selecionar, de entre os meus pertences, que carreguei de Guileje, um grande livro: Bouvard et Pécuchet, de Gustave Flaubert.
Quando saí de Gadamael, faz agora trinta e dois anos, tinha chegado a uma passagem célebre: “alors une faculté gênante se développa dans leur esprit, celle de percevoir la bêtise e de ne plus pouvoir la tolérer.” [ “então uma faculdade embaraçosa se desenvolveu em suas mentes, a de perceber a estupidez e não mais ser capaz de tolerá-la.” [tr. do editor LG ]
Dê a este enfadonho relato, Sr. Director, o destino que bem entender.
João Seabra
Antigo Alferes Miliciano da CCaV 8350 (1972/74)
P.S. - Porque, em certos aspectos factuais, confirma algo do acima relatado, junto segue extracto da minha folha de matrícula.
____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste desta série > 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
Guiné 63/74 - P3800: Recado para o senhor José (José Manuel Dinis)
1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 24 de Janeiro de 2009:
Caro José
Permita-me que o trate assim, pois apesar de muito recentemente ter aparecido um comentário subscrito por José Oliveira e Rocha, Bart 2857, Piche, não posso deduzir tratar-se da mesma pessoa. Também vou tratá-lo por senhor, na medida em que ainda não fez a apresentação à Tabanca.
Como já deve ter reparado, a Tabanca Grande é um espaço de tertulia, onde os intervenientes se apresentam, partilham e discutem ideias, conhecimentos, opiniões, na maior liberdadade, e com o devido respeito pelas divergências de cada um. Como já li do Luís Graça, a Tabanca não tem portas nem janelas. Cada um pode entrar, identificando-se, e participando, descomplexadamente, do elo que a todos nos une, a passagem na condição militar pelo território da Guiné.
Mas, ainda assim, foram estabelecidas regras aos tertulianos, constantes, depois da fiche técnica, do lado esquerdo do ecran. Nada do outro mundo, coisas de bom senso, regras de sã convivência, de que destaco, a obediência à verdade e o respeito recíproco.
O senhor, espero, vai compreender-me: dei-me conta de um comentário a um texto meu sobre a criação e emissão de um posto de rádio em Piche, onde duvidava do conteúdo. Nada que me melindrasse, e respondi sinteticamente. Depois, dei conta de novos comentários, de tom jocoso, em relação a textos subscritos por outros tertulianos. Não relevei por aí. Mas surgiu um comentário ao Nuno Robim, desprimorando-o insidiosamente, referindo que ele conheceria a Guiné da secretaria, como fundamento para um atestado. Leia se faz favor a biografia do visado, que comandou uma Companhia em Guilege e foi comando noutra ocasião, para além de oficial de artilharia. Não conheço o Nuno Robim, mas não gostei da desfaçatez. Por último, com o estilo acutilante, a identificação mais completa, o mesmo Bart, coincidências para a mesma pessoa, em apoio a uma tese de um tertuliano, enaltece-o por, com o texto, arrasar com os Fala Barato. Engana-se, se foi o autor, porque no blogue, ninguém arrasa ninguém, nem se manifesta tal intenção, apesar de poder acontecer alguma teimosia na defesa dos pontos de vista. Isto é natural, e, delicadamente, cultiva o respeito e a amizade. Que vai continuar a ter expressão nos encontros do pessoal de que Matosinhos é farol.
Meu caro, não encare esta mensagem como reprimenda. Se chegou aqui, é porque tem elos fortes com o pessoal e interessa-se pelas matérias tratadas. Não se acanhe, apresente-se e participe. Os editores, seguramente, prontificam-se a ajudar, desde a revisão de textos e tratamento de fotografias, à procura de camaradas. A Tabanca, também é um lugar de solidariedade.
Com os melhores cumprimentos
José Dinis
2. Aos que se nos dirigem a coberto do anonimato ou de nomes mais ou menos fictícios.
É apanágio dos editores, sempre que publicam algum trabalho enviado pelos tertulianos, fazê-lo, afixando a fotografia do autor e/ou no mínimo identificando-o com o nome, antigo posto militar, local e anos de cumprimento de comissão. Isto porquê? Porque quem envia os seus trabalhos para publicação no Blogue responsabiliza-se pelo que escreve. Em bom português, dá a cara. Os editores como não têm dúvidas disso, publicam sem reservas.
Quem emite comentários sem identificação, fazendo-o premeditadamente, mais não é que alguém que tem medo que as suas afirmações não sejam levadas a sério. Mas, mesmo os momentos de boa disposição no nosso Blogue são autenticados com o nome dos autores e não acreditamos que haja por aí algum anónimo com a categoria de, por exemplo, Jorge Cabral, mestre do no sense.
Com os comentários ofensivos o melhor é nem perder tempo e retirá-los imediatamente para não poluirem. Não é qualquer Zé ou Tone que ofende quem se expõe com a sua cara e o seu nome completo.
Carlos Vinhal
Caro José
Permita-me que o trate assim, pois apesar de muito recentemente ter aparecido um comentário subscrito por José Oliveira e Rocha, Bart 2857, Piche, não posso deduzir tratar-se da mesma pessoa. Também vou tratá-lo por senhor, na medida em que ainda não fez a apresentação à Tabanca.
Como já deve ter reparado, a Tabanca Grande é um espaço de tertulia, onde os intervenientes se apresentam, partilham e discutem ideias, conhecimentos, opiniões, na maior liberdadade, e com o devido respeito pelas divergências de cada um. Como já li do Luís Graça, a Tabanca não tem portas nem janelas. Cada um pode entrar, identificando-se, e participando, descomplexadamente, do elo que a todos nos une, a passagem na condição militar pelo território da Guiné.
Mas, ainda assim, foram estabelecidas regras aos tertulianos, constantes, depois da fiche técnica, do lado esquerdo do ecran. Nada do outro mundo, coisas de bom senso, regras de sã convivência, de que destaco, a obediência à verdade e o respeito recíproco.
O senhor, espero, vai compreender-me: dei-me conta de um comentário a um texto meu sobre a criação e emissão de um posto de rádio em Piche, onde duvidava do conteúdo. Nada que me melindrasse, e respondi sinteticamente. Depois, dei conta de novos comentários, de tom jocoso, em relação a textos subscritos por outros tertulianos. Não relevei por aí. Mas surgiu um comentário ao Nuno Robim, desprimorando-o insidiosamente, referindo que ele conheceria a Guiné da secretaria, como fundamento para um atestado. Leia se faz favor a biografia do visado, que comandou uma Companhia em Guilege e foi comando noutra ocasião, para além de oficial de artilharia. Não conheço o Nuno Robim, mas não gostei da desfaçatez. Por último, com o estilo acutilante, a identificação mais completa, o mesmo Bart, coincidências para a mesma pessoa, em apoio a uma tese de um tertuliano, enaltece-o por, com o texto, arrasar com os Fala Barato. Engana-se, se foi o autor, porque no blogue, ninguém arrasa ninguém, nem se manifesta tal intenção, apesar de poder acontecer alguma teimosia na defesa dos pontos de vista. Isto é natural, e, delicadamente, cultiva o respeito e a amizade. Que vai continuar a ter expressão nos encontros do pessoal de que Matosinhos é farol.
Meu caro, não encare esta mensagem como reprimenda. Se chegou aqui, é porque tem elos fortes com o pessoal e interessa-se pelas matérias tratadas. Não se acanhe, apresente-se e participe. Os editores, seguramente, prontificam-se a ajudar, desde a revisão de textos e tratamento de fotografias, à procura de camaradas. A Tabanca, também é um lugar de solidariedade.
Com os melhores cumprimentos
José Dinis
2. Aos que se nos dirigem a coberto do anonimato ou de nomes mais ou menos fictícios.
É apanágio dos editores, sempre que publicam algum trabalho enviado pelos tertulianos, fazê-lo, afixando a fotografia do autor e/ou no mínimo identificando-o com o nome, antigo posto militar, local e anos de cumprimento de comissão. Isto porquê? Porque quem envia os seus trabalhos para publicação no Blogue responsabiliza-se pelo que escreve. Em bom português, dá a cara. Os editores como não têm dúvidas disso, publicam sem reservas.
Quem emite comentários sem identificação, fazendo-o premeditadamente, mais não é que alguém que tem medo que as suas afirmações não sejam levadas a sério. Mas, mesmo os momentos de boa disposição no nosso Blogue são autenticados com o nome dos autores e não acreditamos que haja por aí algum anónimo com a categoria de, por exemplo, Jorge Cabral, mestre do no sense.
Com os comentários ofensivos o melhor é nem perder tempo e retirá-los imediatamente para não poluirem. Não é qualquer Zé ou Tone que ofende quem se expõe com a sua cara e o seu nome completo.
Carlos Vinhal
Guiné 63/74 - P3799: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (3): O hino da CCAÇ 2405 (1968/70) (Victor David)
1. O Victor David (foto do lado esquerdo) respondeu, em 24 do corrente, a um pedido meu, dirigido ao pessoal que passou por Dulombi, para nos mandarem letras do Cancioneiro de Dulombi / Galomaro ("Amigos e camaradas de Dulombi, avós, pais e netos: Para vosso conhecimento. Infelizmente não tenho o mail (actualizado) do Jorge Rijo. O dos seguros foi desactivado: julgo que ele passou à reforma. Reforço o pedido: Kadé o Cancioneiro de Dulombi ?")...
Na véspera, já tinha recebido um mail do Rui Felício. Do Jorge Rijo, não há notícias. O Paulo Raposo, por sua vez, vai aparecendo, de tempos a tempos.
2. Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70), de 23 do corrente:
Meu caro Luís Graça:
A minha ausência das lides bloguistas não significa menos atenção ao teu blog, que visito com a regularidade possível. Respondendo ao teu e-mail referente ao designado Cancioneiro do Dulombi :
(i) Como disse na altura que escrevi o post que tu referes, fui eu de facto o autor da letra da cantoria dedicada aos periquitos que nos substituiram, e que a malta da CCAÇ 2405 costuma cantar nos almoços anuais que realiza. A música foi arranjada pelo Jorge Rijo, essa sim plagiada de uma cantiga que na altura andava em voga (essa cópia da musica está assumida também no mesmo post);
(ii) Por isso fiquei um tanto confuso com a reivindicação de autoria feita pelo tal Luis Dias. Ou então não entendi bem o que ele quiz dizer com isso;
(iii) Não me faz diferença nenhuma que a autoria me seja atribuida ou não, até porque aquilo foi uma versalhada sem qualquer valor poético ou literário. Mas as coisas são o que são e não tenho a menor dúvida que fui eu que a escrevi e nem sequer me inspirei nalguma outra de que me tivesse servido como molde ou como ideia;
(iv) O que não quero é que se pense que me intitulei autor de versos que o tal Luis Dias diz que já tinham sido feitos por ele. E não quero porque não é verdade...
(v) Como também disse na mesma altura do tal post que referes, não sou já capaz de a reproduzir integralmente e quem a tem transcrita para papel é de facto o Jorge Rijo, cujo contacto de e-mail não tenho. Aliás, da última vez que falei com ele disse-me que ia arranjar um endereço electrónico mas desde então nada mais me disse.
Reencaminho este e-mail para ao Vitor David e para o Raposo. Pode ser que eles possam encontrar os tais versos.
Um abraço do teu amigo
Rui Felício
3. Comentário de L.G.:
Rui, não quero que o avô se zangue com o neto... O que o Luís Dias reclamou, muito modestamente, foi apenas a paternidade... da letra do Adeus Guiné:
É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar. (...)
Entretanto, tenho notícias frescas do Victor David. Um abraço para os baixinhos de Dulombi, Jorge Rijo, Paulo Rsposo, Rui Felício e Victor David. LG
4. Mensagem do Victor David (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70):
Caríssimo Luís Graça:
A minha veia de escritor passou toda para o Felício aquando da nossa passagem pela Guiné, pelo que não tenho colaborado no blogue activamente, mas não tenho deixado de ser um leitor atento e interessado na grande qualidade dos seus escritos e orientação. Para mim continua a ser dos mais completos, interessantes e valiosos documentos para a memória dos tempos inesqueciveis que passámos na Guiné, sobretudo porque são depoimentos de quem viveu os factos e não de quem os trata jornalisticamente, impingindo-nos a sua versão não vivida!...
Bem, mas respondendo ao pedido que foi lançado no blogue àcerca da letra do Hino da CCaç 2405, na altura da recepção à companhia que nos foi render em Dulombi e, depois de devidamente analisada a papelada em arquivo próprio, aqui vai ela (de autoria do Felício - ou do Rijo - já não sei) e música, também me não lembro de quem - mas de uma canção na moda naquela altura:
SÊ BENVINDO, PIRIQUITO,
PIRIQUITO,
JÁ CANSAVA DE ESPERAR,
DE ESPERAR.
COMO VÊS ISTO É BONITO,
COM MUITA COBRA E MOSQUITO
E GUERRILHA A CHATEAR,
A CHATEAR.
ANDA CÁ, ESTÁ SOSSEGADO,
DESCONTRAI, POUSA A CANHOTA
QUE O IN ESTÁ NOUTRO LADO,
ANDA PRAÍ EMBOSCADO,
EM ALGUM PONTO DE COTA.
ATAQUES, FLAGELAÇÕES,
MUITAS MINAS, EMBOSCADAS,
VERY LIGHTS AOS MONTÕES
E MANGA DE ROQUETADAS,
AS SABOROSAS RAÇÕES
E A CARNE AFIAMBRADA.
HÁ ABELHAS E MOSQUITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ,
MOSCA CHATA E FORMIGA,
OLÉ LÉ LÉLÉ,
SAPOS, RÃS E UNS LAGARTITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ
MAS É TUDO MALTA AMIGA!
OLÉ LÉ LÉ LÉ.
Um abraço
Victor David
BAIXINHO DO DULOMBI ( com muita honra!)
P.S. Quem souber de que canção era a música, que dê uma ajuda!
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes desta série:
20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)
21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)
Na véspera, já tinha recebido um mail do Rui Felício. Do Jorge Rijo, não há notícias. O Paulo Raposo, por sua vez, vai aparecendo, de tempos a tempos.
2. Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70), de 23 do corrente:
Meu caro Luís Graça:
A minha ausência das lides bloguistas não significa menos atenção ao teu blog, que visito com a regularidade possível. Respondendo ao teu e-mail referente ao designado Cancioneiro do Dulombi :
(i) Como disse na altura que escrevi o post que tu referes, fui eu de facto o autor da letra da cantoria dedicada aos periquitos que nos substituiram, e que a malta da CCAÇ 2405 costuma cantar nos almoços anuais que realiza. A música foi arranjada pelo Jorge Rijo, essa sim plagiada de uma cantiga que na altura andava em voga (essa cópia da musica está assumida também no mesmo post);
(ii) Por isso fiquei um tanto confuso com a reivindicação de autoria feita pelo tal Luis Dias. Ou então não entendi bem o que ele quiz dizer com isso;
(iii) Não me faz diferença nenhuma que a autoria me seja atribuida ou não, até porque aquilo foi uma versalhada sem qualquer valor poético ou literário. Mas as coisas são o que são e não tenho a menor dúvida que fui eu que a escrevi e nem sequer me inspirei nalguma outra de que me tivesse servido como molde ou como ideia;
(iv) O que não quero é que se pense que me intitulei autor de versos que o tal Luis Dias diz que já tinham sido feitos por ele. E não quero porque não é verdade...
(v) Como também disse na mesma altura do tal post que referes, não sou já capaz de a reproduzir integralmente e quem a tem transcrita para papel é de facto o Jorge Rijo, cujo contacto de e-mail não tenho. Aliás, da última vez que falei com ele disse-me que ia arranjar um endereço electrónico mas desde então nada mais me disse.
Reencaminho este e-mail para ao Vitor David e para o Raposo. Pode ser que eles possam encontrar os tais versos.
Um abraço do teu amigo
Rui Felício
3. Comentário de L.G.:
Rui, não quero que o avô se zangue com o neto... O que o Luís Dias reclamou, muito modestamente, foi apenas a paternidade... da letra do Adeus Guiné:
É o fim do castigo ,
Terminou a comissão,
É necessário gritar
Piras! Não venham,
Deixem isto acabar,
Morrer de tédio,
Sem remédio.
Isto é vida de cão,
A velhice vai embora
Enquanto a bajuda chora
E a nau está a naufragar. (...)
Entretanto, tenho notícias frescas do Victor David. Um abraço para os baixinhos de Dulombi, Jorge Rijo, Paulo Rsposo, Rui Felício e Victor David. LG
4. Mensagem do Victor David (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Dulombi, 1968/70):
Caríssimo Luís Graça:
A minha veia de escritor passou toda para o Felício aquando da nossa passagem pela Guiné, pelo que não tenho colaborado no blogue activamente, mas não tenho deixado de ser um leitor atento e interessado na grande qualidade dos seus escritos e orientação. Para mim continua a ser dos mais completos, interessantes e valiosos documentos para a memória dos tempos inesqueciveis que passámos na Guiné, sobretudo porque são depoimentos de quem viveu os factos e não de quem os trata jornalisticamente, impingindo-nos a sua versão não vivida!...
Bem, mas respondendo ao pedido que foi lançado no blogue àcerca da letra do Hino da CCaç 2405, na altura da recepção à companhia que nos foi render em Dulombi e, depois de devidamente analisada a papelada em arquivo próprio, aqui vai ela (de autoria do Felício - ou do Rijo - já não sei) e música, também me não lembro de quem - mas de uma canção na moda naquela altura:
SÊ BENVINDO, PIRIQUITO,
PIRIQUITO,
JÁ CANSAVA DE ESPERAR,
DE ESPERAR.
COMO VÊS ISTO É BONITO,
COM MUITA COBRA E MOSQUITO
E GUERRILHA A CHATEAR,
A CHATEAR.
ANDA CÁ, ESTÁ SOSSEGADO,
DESCONTRAI, POUSA A CANHOTA
QUE O IN ESTÁ NOUTRO LADO,
ANDA PRAÍ EMBOSCADO,
EM ALGUM PONTO DE COTA.
ATAQUES, FLAGELAÇÕES,
MUITAS MINAS, EMBOSCADAS,
VERY LIGHTS AOS MONTÕES
E MANGA DE ROQUETADAS,
AS SABOROSAS RAÇÕES
E A CARNE AFIAMBRADA.
HÁ ABELHAS E MOSQUITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ,
MOSCA CHATA E FORMIGA,
OLÉ LÉ LÉLÉ,
SAPOS, RÃS E UNS LAGARTITOS,
OLÉ LÉ LÉ LÉ
MAS É TUDO MALTA AMIGA!
OLÉ LÉ LÉ LÉ.
Um abraço
Victor David
BAIXINHO DO DULOMBI ( com muita honra!)
P.S. Quem souber de que canção era a música, que dê uma ajuda!
___________
Nota de L.G.:
(*) Vd. postes desta série:
20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)
21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)
Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
Continuação da publicação do Dicionário Fula/Português, organizado pelo nosso camarada Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72).
III parte da lista de vocábulos em dialecto fula (e respectiva tradução em português) (*), recolhidos em resultado de conversas com o seu amigo Cherno Al Hadj Mamangari, que vivia em Cambor, a nordeste de Piche. Como já foi dito, o título Al Hadj é dado ao crente muçulmano, depois de regressar da sua peregrinação a Meca.
2. Comentário do nosso camarada José Colaço (ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), publicado no poste P3786:
"Nafinda. Só tive uma lição de Fula/Português da qual enviei cópia do original P3598 (**). Estive a compará-la, pensava que estava pior. O meu prisioneiro professor portou-se como um homem grande. Passe a minha modéstia eu tenha requisitado todas as minhas capacidades para merecer a sua confiança. Nafinda, Nháluda ou Naquirda, conforme a hora o local em que o comentário seja lido. Um alfa bravo, Colaço" .
3. Sitografia:
Há uma tese de dissertação de mestrado sobre o idioma fula (também conhecido por peul, fulani, pulaar, fulbe, fulfulde...), que está disponível na Net, e cuja leitura se recomenda a quem quiser aprofundar os seus conhecimentos sobre este idioma que é falado na Guiné-Bissau, e noutras partes da África Ocidental, por um universo de falantes estimado entre 10 a 16 milhões de pessoas.
É um ficheiro em formato pdf, de 79 páginas. É um trabalho académico apresentado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Linguística, Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas, Instituto de Letras, Universidade de Brasília, Brasília, 2007:
Título> Fonologia segmental preliminar da língua fula da Guiné-Bissau
Autor > Ricardo Washington de Sousa Moura
URL > http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2446
Resumo > "Esta dissertação tem por meta uma descrição inicial da fonologia da língua Fula da Guiné-Bissau. Primeiramente, descreve-se seu espaço geográfico, seu povo e sua família lingüística. Em seguida, aborda-se o foco central deste trabalho, que é a análise segmental fonológica desse idioma. Faz-se uma análise de seus sons vocálicos, consonantais e identificam-se os padrões silábicos existentes. A metodologia adotada para esta pesquisa foi por meio de um trabalho de campo com uma falante nativa do idioma, a qual pronunciou as palavras solicitadas para que fossem gravadas para posterior análise. Com isso, partiu-se para uma análise bibliográfica baseada, sobretudo, em COUTO (1994, 1995), SILVA (1999) e WEISS (1988), a fim de que os fatores fonológicos da língua fossem identificados e teorizados. A língua estudada apresenta um conjunto de sete vogais orais /a,e,",i,o,¿,u/ e cinco nasais /ã,~e,i,õ,u/. As consoantes somam 19 /p,b,t,d,k,g,?,?,f,s,z,?,½,h,ä,m,n,µ,l/ e há um par de semivogais /w/ e /j/. Os padrões silábicos são cinco, CV, CVC, VV, V e VC, ordenados conforme o grau de ocorrência".
________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes anteriores desta série:
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
(**) Vd. poste de 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite
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