Capa do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e ÁguiA Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp)... O autor, António Graça de Abreu , foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74). Dele se publica a seguinte mensagem:
Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a, de facto, e que remédio - índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce, deixa de ser criança, fica logo com oito séculos.
José Cardoso Pires (1925-1998) em E agora, José? publicado em 1977.
Meus caros camaradas e amigos
O Luís Graça, por bem, infatigável no labor de nos unir neste seu, nosso blogue, mesmo quando desentender é também uma forma de nos entendermos, (somos gente plural), o Luís Graça pediu-me autorização para publicar o meu texto sobre Guileje escrito em Mansoa, uma semana após a retirada de Guileje.
Aí está o balanço do dia, tal como surge no meu Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz Editora, 2007, pag. 106.
Mansoa, 28 de Maio de 1973
O outro “Gui”, Guileje. O que se passou no aquartelamento do sul? Dizem-me que Guileje tem os melhores abrigos de toda a Guiné, em cimento armado, mas foi sendo sucessivamente flagelada, dias a fio, com o mais variado tipo de armas e, tanto quanto sei pela primeira vez na história recente desta guerra, as NT abandonaram um aquartelamento e retiraram-se para Gadamael, outro destacamento também junto à fronteira mas mais próximo de Cacine e do mar. Isto sem o conhecimento do Comandante-Chefe, general Spínola e dos estrategas de Bissau. Pelo menos é o que consta, estou a vender a notícia como a comprei, mas parece produto afiançado.[1]
Guileje fica a cinco quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacry e sempre foi um dos lugares mais atingidos pela guerra. Os aquartelamentos junto à fronteira têm estes problemas, são fáceis de flagelar. Os guerrilheiros dispõem de muitos quartéis no país ao lado, Senegal ou Guiné-Conacry, caminham uns quilómetros, entram na nossa (deles!) Guiné e despejam toda a artilharia pesada e ligeira que têm à disposição sobre os aquartelamentos onde se encontra a tropa portuguesa. Depois regressam aos quartéis do outro lado da fronteira. Missão cumprida.
Guileje é um precedente grave. Diz-se por aqui que depois de Guileje outros aquartelamentos se seguirão, irão sendo abandonados, tipo bola de neve e já se fala em começarmos todos a preparar a trouxa para marcharmos para Bissau, a caminho de casa. Não acredito. É verdade que alguma coisa se alterou, as nossas tropas quase não podem contar com a força aérea, o que é muito negativo, mas ontem já ouvi dizer que Guileje ia ser reocupada pelos pára-quedistas das minhas conhecidas companhias 122 e 123.
De Lisboa, chegam bocas, deformações, notícias fantásticas: um quartel a vinte quilómetros de Bissau tomado pelo PAIGC, centenas de mortos. Valha-nos Deus! Guileje fica talvez a uns cento e cinquenta quilómetros de Bissau e dentro do aquartelamento houve quatro ou cinco mortos. Mas é verdade que naquela região continua a morrer gente, demasiada gente. As NT retiraram de Guileje porque eram constantemente flageladas, viviam dentro dos abrigos, não podiam sequer vir cá fora para se abastecerem de água, não tinham apoio aéreo, a situação era insustentável.
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[1] “Deixando as instalações (de Guileje) e o material pesado, incluindo a artilharia, nas mãos do PAIGC, o major Coutinho e Lima fez seguir a tropa para Gadamael, transportando o que podia. Em 22 de Maio chega a Bissau para ficar sob prisão no quartel da Polícia Militar, na Amura. É substituído pelo coronel pára-quedista Rafael Durão, em fim de comissão e pelo capitão Manuel Monge. E foi sobre os seus ombros jovens mas firmes que, após o regresso de Durão a Bissau, caiu a pesada responsabilidade de aguentar a tragédia de Gadamael.” Em Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, pag. 122.
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Permitam-me agora apenas um comentário (*).
Este texto foi escrito há quase trinta e cinco anos, em Mansoa, uma semana após o abandono de Guileje, com as informações de que dispunha na altura, via meu CAOP 1, através dos meus majores, etc. O último parágrafo contém algumas incorrecções factuais.
Em Guileje não “houve quatro ou cinco mortos”, como escrevi , apenas faleceu um furriel. As tropas em Guileje naqueles dias críticos, apesar dos Strella, tiveram apoio aéreo como demonstrou recentemente no nosso blogue o tenente-general António Martins de Matos, na altura um dos pilotos dos Fiats. Por último, se na altura, com 26 anos, eu afirmei que “a situação era insustentável”, hoje, com 61 anos, conhecendo melhor a distribuição das forças no terreno e todo o enquadramento militar que rodeou a retirada de Guileje, estou convencido de que a situação era sustentável. Basta recordar Guidage e Gadamael, sofreram mais do que Guileje e não houve retirada militar.
Curioso também recordar que o hoje general Manuel Monge, meu amigo, actual Governador Civil de Beja, é singularmente elogiado por Otelo Saraiva de Carvalho na nota de rodapé que acrescentei em 2007, por ter aguentado Gadamael, com os pára-quedistas e a restante tropa. Curioso recordar que o então major Manuel Monge, com o major Casanova Ferreira, encabeçou a coluna militar que, a 16 de Março de 1974, saiu das Caldas da Rainha em direcção a Lisboa, antecipando o 25 de Abril.
O problema era de natureza política.
Um abraço,
António Graça de Abreu,
(alf mil, CAOP 1, Guiné, 1972-1974)
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Nota de L.G.:
(*) vd. postes anteriores desta série (Dossiê Guileje / Gadamael 1973):
24 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Tenho lido todos os textos publicados sobre este assunto.
Agora subsiste-me uma dúvida. Era defensável nas condições em que foi abandonado ou caso tivesse havido a tempo e horas um reforço de gente e meios?
Desculpa esta minha dificuldade na interpretação do que escreveste.
Um abraço para todos,
BSardinha
António Graça Abreu,
Há uma resposta à questão que levantaste na caixa de comentários do P3782.
Abraço
João Seabra
Caro Graça de Abreu:
Mais uma vez questiono afirmações, dadas como factos, descritas por ti no Blog.
E então onde está o Capitão Armando Marques Ramos que teve a única e exclusiva responsabilidade da saída das Caldas a 16 de Março de 1974 ??????
CMsantos
Cart 2339
Mansambo 68-69
Meu caro Santos
Questionas afirmações minhas dadas como factos. Posso sempre enganar-me. Mas aqui não me engano.
É ou não verdade que Manuel Monge e Casanova Ferreira estiveram na coluna que marchou das Caldas para Lisboa? É verdade.
Como é possível afirmares que o capitão Armando Ramos "teve a única e exclusiva responsabilidade
da saída das tropas das Caldas a 16 de Março de 1974"? Única e exclusiva responsabilidade?!...
Não havia já um movimento de capitães e um golpe militar em marcha?
Não vamos brincar com a verdade.
Um abraço,
António Graça de Abreu
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