sábado, 24 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Mensagem de Manuel Reis
ex-Alf Mil da CCAV 8350 (1972/74)
(Esteve em Guileje e Gadamael em 1973;
vive hoje em Aveiro)

1. Comentário à análise do Tenente Aviador António Martins de Matos e alguns esclarecimentos. (*)


Caro Luís,

Não posso deixar de manifestar, por ti e pela tua equipa, o meu grande apreço e consideração. Camaradas que nunca tiveram oportunidade de libertar os seus fantasmas da Guerra têm, graças a ti, um espaço onde o podem fazer. Bem - hajas.

Não era minha intenção abordar os, já um pouco estafados, temas de Guileje e Gadamael -Porto. Participei em dois documentários televisivos sobre o tema e pouco mais gostaria de acrescentar. No entanto, após a leitura do texto de António de Matos (ex-Ten Pilav), sinto-me na obrigação moral de o fazer por, na minha perspectiva, algumas considerações que faz, não coincidirem com a realidade e muitos dos seus juízos de valor carecerem de sustentação factual.

A memória daqueles que tombaram em Guileje e Gadamael assim mo exige.

Agradar-me-ia escrever sobre o percurso da CCAV 8350 “Para além de Guileje e Gadamael -Porto”, sobre as dificuldades que tivemos de ultrapassar, no são convívio com as populações e no processo de descolonização em Cumbijã. Fica para a próxima.

Quando fui para a Guerra Colonial sabia para o que ia. O espírito de grupo formado durante a instrução e os condicionalismos familiares impediram que tomasse outra decisão. Aceitei as regras do jogo e cumpri a minha missão sem trair ninguém. Coloquei sempre como objectivo principal proteger os que de mim dependiam. A minha relação com todos assentava numa respeitosa e sã camaradagem.

2. Guilege e Gadamael-Porto “ vistos de terra”

Vivi o inferno sufocante de Guileje e a odisseia tenebrosa de Gadamael. Foram realidades distintas, mas tiveram um ponto comum: ambas foram abandonadas ao seu destino, embora Gadamael - Porto viesse a ser fortemente apoiada mais tarde, mas os estragos foram irreparáveis.

O Plano de evacuação de Gadamael chegou a ser colocado em acção sob a coordenação de Leal de Almeida (major), enviado para o local com esse objectivo e que só não se concretizou devido ao apoio massivo das forças especiais, das quais destaco o Batalhão de Pára-quedistas.

Guilege “visto de terra”, em 22 de Maio de 73, está descrito pormenorizadamente no livro de Coutinho e Lima, pp. 74-76. Perante a recusa de ajuda de Bissau, Coutinho e Lima tinha de decidir, o tempo era seu inimigo. Ou retirava ou permanecia. Qualquer decisão tinha os seus riscos. É verdade que retirar nas condições descritas poderia transformar-se no maior desastre da Guiné, como diz António de Matos, mas permanecer lá poderia transformar Guilege num aterrador cemitério.

Coutinho e Lima sabia que esperar pelo substituto nada resolveria, à medida que o tempo passava a situação agravava-se.

Pude testemunhar em Gadamael-Porto a ineficácia do novo Comandante face à situação criada (abordarei o assunto mais à frente). Coutinho e Lima, ao decidir-se pela retirada, define-se como um militar competente e corajoso.

Competente, porque soube avaliar correctamente a situação e conseguiu tirar o melhor proveito desta, aproveitando o factor surpresa. Corajoso, porque a sua vida militar terminaria ali e as consequências para a sua família seriam dolorosas. Ele sabia-o, mas optou por retirar e, deste modo, salvar as pessoas que estavam sob o seu comando (militares e civis).

É natural que para vós, ex-combatentes da Guiné, este momento da decisão nada vos diga, mas quem presenciou, sente, ainda hoje, alguma comoção.

2.1. Permito-me esclarecer o seguinte a António de Matos:
- Não é verdade que desde 6 de Maio de 73 não se efectuasse qualquer saída do aquartelamento. Coutinho e Lima refere no seu livro, pp. 32,33, saídas nos dias 1, 4, 7, 11, 14 e 16 de Maio e cita as suas fontes de informação: documento elaborado pela 4ª Repartição do CTIG.

- Guileje, no dia 21, esteve cercado. A parte norte, na direcção do Mejo (donde não se tinham registado quaisquer ataques) estava ocupada por grupos do PAIGC, pertencentes ao 3º Corpo do Exército. A população chegou a ser atacada, quando se dirigiu à bolanha para recolher água.

-Não houve qualquer debandada. A retirada foi ordenada, conforme ilustram as fotografias do livro de Coutinho e Lima, p.77. Houve, de facto, algum barulho feito pela população, que procurava transportar o máximo dos seus haveres.

Pode-se levantar aqui a questão: Porque não atacou o PAIGC? Isto, ainda hoje, após conversas havidas em Dezembro de 1995 com o Comandante Nino (Comandante da Região Militar Sul) e com o Comandante da Logística, constitui um mistério para mim.

Nino (Comandante da Operação) deixa transparecer algum desconforto com a questão e diz que nada fazia prever a nossa saída, pelo facto de durante toda a noite termos feito imenso fogo com os obuses. Já o Comandante da Logística, mostrando o mesmo desconforto, responsabiliza o Major, Comandante do Sector. Este viria posteriormente a ser fuzilado.

Estamos perante duas hipóteses: Ou os guerrilheiros do PAIGC, que permaneciam na zona, se afastam do local para outro mais afastado do aquartelamento, onde pudessem descansar mais tranquilamente e são surpreendido pela nossa saída, ou a possível existência de familiares na população inibe-os de atacar.

Parece-me, no entanto, pouco credível esta segunda hipótese. O que fica bem claro era a intenção de nos atacar, expresso no descontentamento manifestado pelos mais altos responsáveis do PAIGC. O fuzilamento do Major, Comandante do Sector, reforça esta ideia.

- Era completamente impossível desarticular a Artilharia do inimigo com a nossa Artilharia, conforme explica Coutinho e Lima no seu livro p. 78.
Devo acrescentar que não era só a Artilharia que fazia mossa, a utilização frequente dos morteiros 82 e RPGs era bastante limitadora da nossa movimentação dentro do próprio aquartelamento (o mesmo se veio mais tarde a verificar em Gadamael).

Em algumas flagelações o PAIGC utilizou todo o tipo de armamento tornando difícil verificar donde “chovia” e o quê. Aconteceu até, sermos flagelados no momento em que os FIAT – 91 nos sobrevoavam.

Desconheço o alcance da artilharia do PAIGC mas permito-me duvidar da sua inexistência no território da Guiné, nas proximidades da Guileje. O que ninguém me consegue convencer é que o fogo de RPG fosse efectuado do lado lá da fronteira e viesse atingir Guilege. A menor distância, em linha recta, é de 7 km (carta militar de Guilege, blogue de Luís Graça).

- Além de “mau gosto” foi lamentável e no mínimo infeliz a resposta que António de Matos dá ao Alfaiate (Furriel Transmissões) quando este, em situação de desespero, lhe pede auxílio. Disse-o com raiva, refere António de Matos.

Guilege “ visto do ar” era de facto outra coisa! Guilege “ visto do ar” era uma ficção. Não existiu simplesmente!

Recordo uma conversa entre dois pilotos numa das suas missões (dia 20 ou 21): “Olha que isto é mesmo a sério”. Nesse momento o aquartelamento estava em chamas.

- Durante os 6 meses que estive em Guileje até 18 de Maio de 73, fomos flagelados algumas vezes, o que aliás sucedera com as companhias anteriores, mas era muito raro que qualquer granada caísse dentro do aquartelamento.

No entanto, a partir de 18 de Maio de 73, algo mudou nos processos de actuação do PAIGC. Ataques ao aquartelamento eram feitos a qualquer hora do dia e não só ao cair da tarde, como anteriormente. O tiro era preciso e ajustado. Existiam orientadores da direcção de fogo colocados na copa das árvores e devidamente protegidos pela infantaria, que para o efeito tinha aberto valas na mata (só mais tarde em Gadamael tivemos conhecimento disto). Artilheiros estrangeiros, na sua maioria cubanos, ocupavam-se de toda a coordenação de fogo.

A guerra do bate-e-foge, porque vem aí a aviação, era assunto enterrado. A guerra de guerrilha terminara e estávamos no limiar da guerra clássica. A presença de carros de combate na fronteira, prontos para entrar em acção, era já dos assuntos mais falados.

- O Ten Pilav António de Matos demonstra um certo desconhecimento do que se passou em Guilege, no período de 18 de Maio a 22 de Maio de 73. Não me parece, por isso, que tenha o perfil ideal para julgar qualquer militar da CCav 8350 e muito menos quem, no terreno, teve de decidir: Major Coutinho e Lima.

Poderia ter ocorrido aqui uma tragédia de dimensões difíceis de imaginar: Não era só o pessoal de Guilege que estava em causa. Qualquer reforço terrestre vindo do exterior teria imensas dificuldades em chegar a Guileje. Se tentassem vir pela estrada de Gadamael (que era o mais natural e lógico), logo nas imediações de Gadamael encontravam uma forte oposição do PAIGC.

Para impedir qualquer apoio a Guilege estavam montadas 20 armadilhas, comandadas electricamente, o que, aliás, aconteceu nas imediações de Guilege. A outra hipótese seria a utilização do trilho que nos serviu na retirada, mas a probabilidade de o poderem fazer era praticamente nula, nessa altura. Só rompendo o cerco como fizeram em Guidage conseguiriam entrar em Guilege, com custos em vidas humanas difíceis de quantificar.

3. Gadamael-Porto

A CCav 8350 chega a Gadamael por volta das 12 horas. Aí já se encontra o novo Comandante do COP5. Coutinho e Lima é detido e passados 3 dias é conduzido para Bissau. Os militares da CCav 8350 passam a ser tratados de uma maneira discriminatória e até desumana.

Os grupos da CCav 8350 passam a sair diariamente para efectuar patrulhamentos à volta do aquartelamento e são vítimas de emboscadas, sem grandes consequências, enquanto as forças do PAIGC fazem protecção avançada à instalação das suas bases de fogo. Isto era evidente, exigia-se outro tipo de intervenção, para que o desastre não acontecesse. Guilege estava fresco na memória de todos.

As condições físicas e anímicas da CCav 8350 eram deploráveis. Obrigados pelo novo Comandante do COP5, todos os dias, a esforços violentos, arrastam-se pelo mato, caem de exaustão, vomitam e muitos encontram-se em estado de desidratação avançada, provocada por constantes diarreias. A tudo isto permanecem insensíveis as chefias militares.

No dia 31 de Maio, de manhã, o novo Comandante dirige-se a Cufar. Para ele, a situação de Gadamael estava controlada. Antes, porém, ordena-me que, nessa tarde, faça um patrulhamento nas imediações de Sangonhá.

O festival de morteiro 82 (deles) e 81 (nosso) começa por volta das 14.30 e as granadas transitam, nos dois sentidos, por cima das nossas cabeças. Pretendo voltar ao aquartelamento no final da tarde, o que me é recusado. Permaneço emboscado com dois grupos de combate durante toda a noite. Perante a dimensão da flagelação, tenho a percepção que algo de muito grave terá sucedido.

Regresso ao aquartelamento, por volta das 12 horas do dia 1 de Junho, sem autorização, porque não conseguia estabelecer contacto com o quartel. Sou informado pelo Seabra (Alf. Mil CCav 8350) da dimensão da tragédia humana e no aquartelamento não permanecem mais de 30 homens, dispersos pelas valas e pelos abrigos.

Entretanto, o novo Comandante, alertado para a situação, regressa no próprio dia 1 de Junho de Cufar e recebe-me junto à pista. É a primeira vez que me trata como um ser humano e indica-me os procedimentos a tomar.

A situação é incontrolável. O pânico instalara-se no aquartelamento e as NT fugiram desordenadamente. Uns refugiaram-se na mata circundante ao aquartelamento e só regressaram ao início da noite. Outros, a maioria, atravessaram o rio na direcção de Cacine e foram evacuados com a ajuda dos fuzileiros, tendo um deles morrido na travessia do rio.

Nesse dia as tropas do PAIGC dispõem da oportunidade soberana de tomar de assalto o aquartelamento sem grandes riscos. (Confessar-me-ia, em Agosto de 74, no aquartelamento de Cumbijã, um dos quadros políticos do PAIGC terem cometido aí o seu maior erro estratégico).

No dia 2 de Junho, uma flagelação atinge o abrigo das transmissões, onde se encontravam os dois Comandantes de Companhia, que são feridos e, posteriormente evacuados pelos fuzileiros.

Ainda no dia 2 de Junho, o General Spínola vai ao aquartelamento inteirar-se da situação, mas não chega a descer do helicóptero, perante os gritos desesperados de alerta dum soldado deitado à minha frente (numa das valas da enfermaria) e a corrida desenfreada do Comandante do COP 5. Salvam-se por uma fracção de segundo.

Há um espaço temporal em que não existe um único Oficial do Quadro a assumir esta situação. Só no final da tarde, o Adjunto do Comandante chega a Gadamael e assume o Comando.

O novo Comandante do COP5 não voltou a ser visto em Gadamael, pelo menos durante a permanência da CCAV 8350, meados de JULHO de 73.

No dia 4 de Junho, 11 militares mal armados, saem para o mato pressionados pelo novo Comandante da CCav 8350 e são emboscados a 500 metros do arame farpado. Resultado: 4 mortos e um ferido grave.

Ainda no dia 4 de Junho chega a 1ª Companhia de Pára-quedistas para reforço das nossas tropas. São colocados numa vala na extremidade da pista. Sou também enviado para lá com o meu grupo de combate, sem eu saber porquê e para quê.

Os Pára-quedistas sentem-se impotentes perante tal situação. Mal saem da vala para efectuar qualquer patrulhamento são de imediato flagelados e impedidos de sair. Apesar disso a sua presença é benéfica para as nossas tropas, que pela 1ª vez desde 18 de Maio, sentem alguma protecção.

Esta situação de impedimento de saída do aquartelamento acaba por ser ultrapassada, uns dias mais tarde, com a chegada das restantes companhias que integravam o Batalhão. A eles se deve a não ocupação de Gadamael pelo PAIGC.

Muito mais haveria para contar. Talvez um dia.

4-Conclusão:

Bem podíamos esperar, enterrados em Guileje, pela perspicácia deste novo Comandante e pelas ajudas que nem sequer prometeram a Coutinho e Lima.

5-Considerações finais:

Foi minha intenção, apenas e só, repor a verdade dos factos. A dignidade e o profissionalismo dos intervenientes neste conflito não foram colocados em causa. São intocáveis.

Deixo o meu sincero apreço pelos camaradas da Força Aérea que, enquanto não tiveram limitações de voo, foram inexcedíveis. Sempre soubemos reconhecê-lo.

Eram recebidos, em plena pista, pelo Comandante do COP5 e/ou Companhia, que se faziam acompanhar por uma menina, vestida a rigor, transportando numa bandeja uma garrafa de whisky, uma garrafa de água e um copo.

Um abraço amigo para todos aqueles que, de uma maneira ou doutra, combateram na Guiné.


Manuel Reis

__________


Notas de vb:
1. Sublinhados do editor.


2. Artigos relacionados em


(*) Vd. postes de:
23 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

23 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)






Vd. ainda o poste de 16 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3632: Álbum das Glórias (49): O meu ex-Cap Mil Abel Quintas, da CCAV 8350, os Piratas de Guileje (J. Casimiro Carvalho)

15 comentários:

Anónimo disse...

De um Ilhavense para um vizinho Aveirense (se não de naturalidade pelo menos por cá viver actualmente).
Não tendo o prazer de te conhecer, quero felicitar-te por "saíres a terreiro" e dares a cara em defesa daquilo por que passaste e que calculo te deve custar a recordar.
Estavas lá, viste, participaste e sofreste.
A tua reconstituição dos acontecimentos é longa. Só me resta curvar-me por todos quantos se bateram em tais circunstâncias.
Aceita um abraço do camarada
Jorge Picado

Anónimo disse...

O novo comandante do COP 5 era o coronel Rafael Ferreira Durão, não era?
Foi meu comandante no CAOP 1. Estava já com a comissão terminada. Duro, duríssimo,era um dos braços direitos do Spínola, no que à execução da guerra dizia respeito.

Este texto dá mais dados importantes por parte de quem viveu aquele inferno.
Mas há muita coisa que continuo a não entender.
Sobrevaloriza-se sempre a força militar do PAIGC.
Segundo o Manuel Reis, o Nino disse "que nada fazia prever a nossa saída de Guileje". E o Nino não era mau em previsões.
Não concordo com a afirmação do Manuel Reis de que a "guerra de guerrilha terminara e estávamos no limiar de uma guerra clássica. A presença de carros de combate na fronteira,etc."
Uma guerra clássica, num território
com as características da Guiné? Uma guerra clássica que apesar de se estar, em Maio de 1973, no "limiar" nunca ninguém viu?
Não terá sido o facto de não termos tropas em Guileje que possibilitou, quase um ano depois, a entrada de alguns veículos blindados do PAIGC, por estrada, quase até Bedanda?
Eu estive em Cufar, no CAOP 1, até 20 de Abril de 1974.
Porque é que no contexto global da guerra quase nunca se fala nas debilidades e fraquezas dos guerrilheiros do PAIGC?
Gadamael e Guidage, com o seu cortejo de horrores e sofrimento (era mesmo guerra!)foram derrotas para o PAIGC que não conseguiu conquistar os dois aquartelamentos.
Ou será que foram vitórias?
De resto, quanto aquartelamentos conquistou o PAIGC ao longo de onze anos de guerra?
E temos de exaltar a nossa Força Aérea, que pós Strella, e Guileje, até 25 de Abril 1974, continuou a voar (e de que maneira!) todos os dias, apoiando-nos com os Nordatlas, DOs, T 6, helicópteros, Fiats e até os velhos Dakotas. E só tiveram mais um avião abatido, em Copá, a 31 de Janeiro de 1974, tendo-se salvo o piloto.

Numa questão fundamental estarei sempre de acordo com o Manuel Reis,
aquela guerra era injusta e devemo-nos curvar e recolher perante a memória de todos os soldados portugueses e dos guerrilheiros que caíram na luta, vítimas da insensatez, da loucura dos homens.
Esses são os meus heróis.
Com todo o respeito,
um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

É com estas mensagens de quem viveu e sofreu os horrores da guerra que os verdadeiros historiadores um dia vão escrever a verdadeira História da guerra da Guiné.
E não na base do comentário dos que não estavam lá, "heróis" dos ses.
Obrigado Manuel Reis por teres aparecido, pelo que disseste, viveste e sofreste e estares disponível para colaborar em tudo o que for necessário.
Um grande Alfa Bravo Colaço

Anónimo disse...

" ...saídas nos dias 1, 4, 7, 11, 14 e 16 de Maio".
Importa dizer que estas saídas são colunas de reabastecimento (Guilege,Gadamael,Guilege).
Quando se diz "não houve saídas" quer-se dizer patrulhas de reconhecimento e combate. E foi por nada disto ter feito que a guarnição de Guilege criou condições para que o PAIGC montasse o seu dispositivo e colocasse em pânico a guarniçao (pânico esse que se repetiu em Gadamel uma semana depois...).Coutinho e Lima não teve outra solução porque, em tempo útil, em vez de operar agressivamente pediu dispensa da guerra para fazer obras!E em Guilege! Se mantivessem o esquema anterior de minar, armadilhar, reconhecer e emboscar a todo o tempo o PAIGC faria o que vinha fazendo desde o início de 70: flagelações e ponto final. De 1970 a 1972 nunca fez uma única emboscada às colunas de reabastecimento...

Anónimo disse...

Estou de acordo com o último comentário pois o mesmo é dito pelo Cor. Coutinho e Lima no livro que acaba de publicar. Diz ele que "a partir de 30 de Abr 73 foi solicitada e autorizada ... a redução da actividade operacional da CCav 8350 no sentido de o esforço principal ser orientado para as obras do aqurtelamento, que estavam atrasadíssimas; ... só em Abril de 1973 foi autorizada a realização de algumas obras, ou seja, passados mais de 3 meses.
A redução da actividade, ao mínimo, permitiu ao Inimigo fazer os reconhecimentos à vontade e instalar o seu dispositivo sem grandes perturbações o que não teria
acontecido se a actividade operacional decorresse no ritmo normal".
Mas afinal onde está a competência do comandante? Na realização de obras em troca do cumprimento da missão? Na retirada porque não havia a garantia de evacuações? Mas quantos milhares de homens não combateram ,sem ceder, sabendo que não havia, repito, não havia evacuação aérea nem sequer em viatura? Sabem o que foi combater nos anos 60 no Leste de Angola a sul de Gago Coutinho sem aquartelamento capaz, sem reabastecimento capaz, com transmissões deficientíssimas, palmilhando dezenas e dezenas de quilómetros durante dias e dias e sendo evacuado às costas dos camaradas? Não leram já o que foi a saga de Gandembel e dos bravos que lá aguentaram o inimaginável? O que lá vai lá vai mas párem de tentar justificar o injustificável! Guilege caiu porque a guarnição não cumpriu a sua missão. Como diz o comandante, deitaram-se a dormir e quando acordaram tinham o PAIGC a querer tomar o pequeno almoço. Fiquemos por aqui a menos insistam em continuar a propalar o heroísmo da retirada de Guilege!

Anónimo disse...

De vez em quando passo por aqui. Masoquismos. Sinto gosto, deve ser da velhice, em relembrar os tempos da Guiné. Curioso, quando por lá andei não me lembro de ter visto tantos operacionais como vejo agora aqui no blogue, especialmente desde que se está a escrever sobre Guilege. Eu devia andar nos sítios errados, se calhar...
Continuem.

Anónimo disse...

Camaradas,
Os comentários anteriores sugeriram-me reflexões de resposta,que passo a referir:
1 - "porque é que no contexto global da guerra quase nunca se fala nas debilidades e fraquezas do PAIGC"?
Porque em guerrilha, os guerrilheiros deslocam-se com liberdade para escolher onde, quando e como atacar;porque não se conhecia, objectivamente, as debilidades e fraquezas, ou, sabendo, não tivémos muitas ocasiões para as explorar; porque a nossa "inteligência" não se revelou capaz.
2 - Sobre o anónimo que refere que de 70 a 72 o IN não fez qualquer emboscada, admito que possa ser verdade, lembro, porém, que as condições mudam, e que em 70 e 71, fiz turismo em Bajocunda, Copá, Canquelifá e Buruntuma, mas a partir de 73 a coisa mudou de figura.
3 - Quanto à afirmação anónima, que Guilege caíu porque a guarnição não cumpriu a sua nissão, é preciso saber se a guarnição era a adequada e dispunha de meios, o que, pelo menos em parte, já se provou que não era e não tinha. A retirada, e não queda, foi há 35 anos, em condições de abandono, e sem conhecimento efectivo dos movimentos do IN, que atacava prolixamente à espera da bandeira branca. Se, ao menos, tivesse havido solidariedade que alimentasse a esperança!!
Abraços aos tertulianos e convite aos anónimos para integrarem a Tabanca.
José Dinis

Luís Graça disse...

Amigos e camaradas:

Estou encantando com a vossa vontade de participar no nosso blogue, emitindo comentários...

Mas, por favor, não se esqueçam de dizer quem são... É um questão de hombridade, de honestidade intelectual, de boa camaradagem... São também as nossas regras. É preciso recordá-las ?

"(...) Não precisas de ter uma conta Google/Blogger . Podes fazer um comentário como anónimo, mas é conveniente (e desejável) que deixes sempre um contacto teu (nome, localidade e, se fores um antigo combatente, a tua unidade; se possível, o teu endereço de e-mail, no caso de ainda não pertenceres ou não quereres pertencer à nossa Tabanca Grande).

"Os amigos e os camaradas da Guiné não se escondem atrás do baba-baga ou do poilão (isto é, do anonimato), são pessoas habituadas a dar a cara.

"Um Alfa Bavo (ABraço). Os editores"

Anónimo disse...

Tenho lido e apreciado os testemunhos e as opiniões que os
Camaradas entenderam prestar sobre
a retirada de Guileje.Pela sua importancia,a nível interno e externo, o evento merece um estudo sério,cuidado e objectivo,designadamente nas suas
consequencias e repercussões.Basta
dizer que então em Lisboa,me garantiram o abandono de todo o sul
da Guiné,circulando um mapa,no qual
o P.A.I.G.C.aparecia a dominar quatro quintos do Território..

Penso porém que certos comentários
deviam ser evitados.A Guerra foi feita pelo Exército,pela Marinha e
pela Força Aérea e acredito que todos os Ramos são credores de igual respeito e consideração.
Também não me parece correcto,dividir entre operacionais
e não operacionais para o efeito de
ter e dar opiniões.Fui operacional,
o que não me concede qualquer conhecimento especial sobre a questão.No meu tempo entre 69 e 71
o nome de Guileje já metia medo.
Lembro-me até do 2ºComandante do Batalhãode Bambadinca me ameaçar-
"Dou-lhe uma porrada e marcha para Guileje"

Jorge Cabral

Anónimo disse...

Caros camarigos

Tinha decidido não escrever mais nada sobre o assunto, mas o comentário do Jorge Cabral, (falando de operacionais e não operacionais e com o qual concordo totalmente) levou-me a escrever ainda estas linhas que têm a ver com o comentário do Colaço.
Em primeiro lugar a história não se faz apenas com “os que estavam lá”, porque então não haveria história.
A história falando “simplisticamente” faz-se com os que estavam lá, com os que analisaram aquilo que lhes disseram os que estavam lá, e com toda uma memória escrita e oral dos intervenientes e aqueles que se lhes seguiram.
Nem sempre, e não digo que seja o caso, os melhores “julgadores” de uma decisão ser certa ou errada, são aqueles que viveram os momentos que levaram à decisão.
Por isso mesmo, na maior parte das atitudes e acções que se tomam na vida, (e também na vida militar), e que envolvem outros, se fazem reuniões posteriores para se analisar da justeza das decisões tomadas para que de futuro se possa proceder em conformidade.
Tomei decisões na Guiné, que depois de conversadas e analisadas, me fizeram chegar à conclusão que poderia e se calhar deveria ter agido de outra forma.
Basta ler livros sobre a Grande Guerra, por exemplo, para se perceber que depois de analisadas certas batalhas se chega à conclusão que houve erros que podiam ter sido evitados.
As análises, (perdoe-se-me a importância da palavra, pobre de mim), que se fazem, não são para diminuir alguém, mas para se poder chegar à conclusão do que aconteceu e do que poderia ter acontecido.
A verdade é que as análises que se fizeram à Retirada do Guilege vieram a trazer da parte dos camaradas que lá estiveram, textos que ajudam melhor à compreensão do que por lá se passou.
Quanto à palavra “heróis” utilizada no comentário era escusada e não tem qualquer sentido.
Tão herói é quem esteve no Guilege, como aquele que esteve sentado numa repartição em Bissau cuidando de tratar da manutenção mínima das companhias de quadrícula.
Quanto à Retirada do Guilege vamos vendo como se vai construindo a história, com os relatos dos que lá estiveram e a reflexão que vão fazendo aqueles que não tendo estado lá, também estiveram na Guiné.
Aliás penso que essa é uma das mais importantes finalidades desta Tabanca Grande.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

Luís Graça disse...

Camaradas:

Nunca ninguém dirá a última (e definitiva) palavra sobre o que quer que seja do domínio da experiência humana. E, claro, muito menos sobre a guerra de que fomos sujeitos e objectos, actores e testemunhas... e também vítimas.

Um dos princípios fundamentais do nosso blogue é que todos temos direito à palavra. Dividir os camaradas da Guiné em operacionais e não-operacionias, ou separá-los por armas, é matar este blogue e o que ele representa. Por que atrás dessa divisão, vem outra: tu não estavas lá, no sítio tal, à hora tal, não podes falar; tu vista a guerra de cima, tu estavas no ar condicionado, tu estavas em Bissau, ou Bafatá ou em Cufar...

NÓS NUNCA NOS SUBSTITUIREMOS AOS HISTORIÓGRAFOPS E AOS HISTORIADORES...Queremos apenas deixar aqui os nossos depoimentos, os nossos testemunhos, os nossos documentos, as nossas opiniões, as nossas dúvidas, as nossas divergências de pontos de vista, as nossas interrogações, as nossas maneiras de ser, estar, sentir, viver e ver a Guiné (do nosso tempo), os nossos fantasmas, as nossas incredulidades, os nossos sentimentos, as nossas emoções...

Quando alguém quiser deixar de intervir, para não ferir as susceptibilidade do vizinho do lado, então este blogue está mal... Quando alguém quiser calar o outro, por que está a ser "politicamente incorrecto", então o blogue deixa de fazer sentido... Quando alguém quiser impor a última (e definitiva) palavra ou visão sobre a guerra da Guiné, então este blogue não tem futuro e eu serei o primeiro a dizer: o último que feche a porta...

Obrigado, amigos e camaradas da Guiné, por ajudarem este blogue a ser o que sempre pretendeu ser: um espaço de múltiplos encontros entre pessoas que têm por maior denominador comum a Guiné e a comissão militar que lá fizeram entre os anos 60 e 1974...

Um Alfa Bravo. Luís

Anónimo disse...

Concordo integralmente.É porém óbvio que uma coisa é o "politicamente incorrecto",
outra bem diferente é a depreciação
do Camarada.
Toda a opinião é Legítima!
Mas discordar não é sinónimo de
inferiorizar.

Abraço Grande

Jorge Cabral

Luís Graça disse...

Jorge:

Felizmente que não sei o que é o "politicamente (in)correcto"... Sempre detestei adesivos, muito menos na testa... Estamos de acordo que a única coisa intolerável, no nosso blogue, é a negação do outro, a depreciação do outro (seja o meu camarada, seja o meu adversário de antigamente)...

Quanto ao resto, usem e abusem do tempo de antena, enquanto o Google (e o Blogger) não fechar as portas... Ou, paradiando uma conhecida letra de fado (ah! o nosso Fado!), "teclem até que a ponta dos dedos vos doam"... Atenção: cuidado com as tendinites...

LG

Anónimo disse...

Afinal parece que estamos todos a dizer a mesma coisa, do que eu não tinha dúvidas.

É preciso acabar com esta coisa do, "não estavas lá, não podes dizer nada", bem como considerar as discordâncias de cada um, (desde que educadas, dentro do limite do respeito), como um ataque ou insulto pessoal.

E atenção, volto a repetir, a palavra herói é muito "traiçoeira".

Ainda agora nos EUA chamaram herói ao piloto do avião que amarou no Hudson e eu francamente não percebo porquê.
Que deve ser louvado pelo seu profissionalismo, pela sua competência, tudo bem, agora herói!!!
Então o que é que ele devia fazer?
Atirava o avião para o chão, desistia e punha-se a chorar, saltava de páraquedas, que o não tem?

Já agora Jorge, para quando um almoçinho em Leiria, por exemplo...

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

apenas um reparo ao depoimento do Manuel Reis.Como antigo membro da ccp 122,afirmo que nunca os bombardeamentos do PAIGC nos impediram de sair em patrulhamento e quase me atrevo a dizer que nos sentiamos mais seguros na mata do que metidos nas valas. Manuel Peredo.