terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4118: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (5): Finalmente chegados a Mampatá

1. Fotos e texto enviados pelo nosso camarada e amigo José Manuel Lopes, ex- Fur Mil, CART 6250, Os Unidos de Mampatá, (Mampatá, 1972/74), que ilustram e narra a sua recente viagem à Guiné com visita particularmente sentida a Mampatá (continuação).

Finalmente chegados a Mampatá

Após uma viagem de quase 6000Kms, havia que recuperar, e o local perfeito era mesmo João Landim, perto de Bissau na estrada para Bula, bangalôs de 2, 3 ou 4 quartos, com ar condicionado e casa de banho. A preços que variavam entre 20 a 25€ por hóspede, discutíveis como tudo na Guiné. Quatro quilómetros na estrada para Bula existe uma nova ponte, a ponte Amílcar Cabral, construída por uma empresa espanhola, depois de Bula a travessia do Rio Cacheu ainda se faz de jangada, mas por pouco tempo mais, pois a Empresa Soares da Costa está quase a finalizar uma ponte que vai facilitar muito o acesso a S. Domingos, Susana, Varela e à fronteira com o Senegal, por S. Domingos.

Os dois primeiros dias foram preenchidos a rever Bissau, que não conhecia muito bem, pois só lá havia estado de passagem quando da chegada da Companhia à Guiné em Junho de 1972, por mais duas vezes para vir de férias e no fim da comissão em Agosto de 1974 cerca de três semanas.

A cidade cresceu imenso, mas o seu aspecto não é muito agradável, muitas ruas quase sem alcatrão, as casas a precisar de cuidados. O antigo Palácio do Governador, edifício bonito, está muito degradado e quase sem telhado. Um aspecto positivo, o estado de conservação da Catedral, que se encontra limpa e asseada. Existem alguns edifícios novos, o Banco, um bom hotel no caminho do Aeroporto e a cidade está cheia de um comércio intenso espalhado pelas ruas do centro da cidade. Há um restaurante muito agradável, na rua da Pensão Coimbra, uma esplanada onde se pode comer desde um bom cozido à portuguesa, uma substancial feijoada ou um chabéu de frango para quem quiser um prato tradicional.

No terceiro dia o grupo estava a organizar uma ida às ostras, mas para os Unidos de Mampatá o destino era o Sul para a Região do Quebo (Aldeia Formosa), mais precisamente Mampatá, onde tinham chegado em 1972 e saído em 1974, 25 meses depois. A ansiedade era muita, rever os nossos companheiros de armas, o Amadu, o More, as lavadeiras que nos tratavam da roupa, rever o local da horta onde os Eng,s Agrícolas Zé Pedro Rosa e José Manuel Miranda Lopes cultivaram as alfaces e tomates, que tanto jeito fizeram para a nossa dieta alimentar. Rever o laranjal de Colibuia, o Fonte de Ieroiel onde nos abastecíamos de àgua, o corredor de Uane, o corredor da morte para Guiledje, a estrada construída de Aldeia Formosa, Mampata, Ieroiel, Cumbijã, Nhacuba, mas que nunca chegou a Salencaur pois o 25 de Abril entretanto chegou. E partimos logo de manhã, pois a vontade de chegar era mais que muita. A viagem era longa o Jeep Maverick, onde seguiam o Nina, ex-Furriel Mecânico, o António Carvalho, ex-Furriel Enfermeiro, o José Manuel ex-Furriel de Armas Pesadas, o Lobo do Batalhão de Aldeia Formosa, que nos precedeu um ano, era de 1971. No Mercedes ia um condutor da nossa Companhia, o José Eduardo dos Santos Alves e a corajosa esposa, no outro Jeep seguia outro casal, o Santos e a não menos decidida companheira. Este um veterano que esteve em Guiledje e Empada também no Sul, Guiledje junto à fronteira da Guiné Conakry e Empada junto a um braço do Grande Rio de Buba.

Acompanhados pelo António, que vive em Coimbra e tem a família em Buba, lá partimos na direcção de Mansoa, depois Porto Gole e em seguida Bambadinca. Cinquenta e sete quilómetros depois de Bambadinca chegamos ao Xitole, sempre a andar sem parar, apesar de passarmos em locais que eram novidade para todos nós, pois o nosso objectivo há muito estava definido. Chegamos ao Saltinho, local belíssimo e de paragem obrigatória com um rio de águas frescas, uns rápidos espectaculares e uma estância de caça nas instalações do antigo quartel. Local aprazível onde se encontravam alguns amantes da caça. Não resisti em dar um mergulho, o local convidava e eu estava mesmo a precisar. Quebo (Aldeia Formosa) apenas a 18Kms, Mampatá Forreá a 25, mas ninguém da minha Companhia conhecia o local, pois ficava fora da nossa zona operacional. A beleza do sítio e a frescura das águas do Corubal bem teriam merecido várias visitas de 72 a 74, mas nunca nos foram distribuídos panfletos com propaganda daquela estância!!! Os militares do Saltinho guardavam aquela preciosidade em exclusivo para eles. Uns invejosos!!!

Chegamos a Quebo (Aldeia Formosa), terra do Lobo, que no ano anterior já lá tinha estado. Agora percebo, porque ele regressa logo no ano seguinte. Três amigos à espera, o Puto Reguila, que 38 anos depois continua a ser o Puto Reguila, com quem o Lobo partilhava as refeições no tempo da guerra e mais dois habitantes de Quebo, com quem criou fortes laços de amizade. A recepção é dum calor humano intenso, a alegria daqueles homens em se reverem é notória. O Lobo fica na Aldeia que o recebe em grande, irá mais tarde ter connosco a Buba onde vamos ficar de motorizada de boleia com um dos filhos de uns dos amigos que fez em Quebo. Chegamos a Mampatá, a aldeia tem menos população. Naquele tempo as populações devido à guerra, haviam abandonado os campos de cultivo e aldeias de origem fixando-se nos aldeamentos controlados pelo nosso exercito, era mais fácil concentrar as populações nos locais onde houvesse tropa, assim muitas aldeias foram abandonadas. Acabada a guerra era tempo de regressar às origens e assim ficarem mais perto dos locais onde fazem as suas plantações. Hoje existe gente em Uane, Nhacuba, Cumbijã e ao longo de quase toda a estrada que liga Quebo a Buba.

A estrada de Bissau a Buba (240Kms) está em muito bom estado é há transportes regulares todos os dias. Saímos da estrada e entramos em Mampatá, o primeiro edifício continua a ser a escola primária, o alcatrão da estrada para Nhacubá quase não existe, lá está a Sala do Soldado, o depósito de viveres o chão do Fur. Vagomestre Martins. O encantador bar dos graduados já não existe, era uma sala rectangular ligada a uma Tabanca redonda com o telhado em colmo, do antro de tantas bebedeiras e jogos de Lerpa e King, nada resta. O Carvalho corre à procura da sua enfermaria e seu lar durante mais de dois anos. O Nina procura a sua primeira oficina, dá conta que o Mangueiro grande no centro da aldeia já não existe e aponta o local onde se estacionavam as viaturas à sua responsabilidade. Eu olho em volta à procura do Heliporto, junto ao qual se encontrava o paiol de munições da minha responsabilidade de 72 a 74. Mas nada encontro, nada reconheço, o mato tudo cobriu. Procuro com a ajuda de habitante local e lá descubro as ruínas do depósito de munições, mais à frente o cimento do heliporto. Vêem-me à memória coisas que me fazem estremecer. Parece que ouço o ruído do Héli a chegar para levar o Arnaldo, Furriel da CCAÇ 18 que havia sido gravemente ferido. O Arnaldo Pinto Teixeira, havia sido transferido de Teixeira Pinto para Aldeia Formosa no dia 3 de Janeiro de 1973, integrado num grupo de combate da CCaÇ 18, tinham naquela altura por missão juntamente com a minha Companhia, a Companhia de Cavalaria do Capitão Vasco da Gama, fazer a protecção na construção da nova estrada. Pensei nunca mais o ver, senti que lhe estava a mentir ao apertar-lhe a mão e dizer: - Tiveste sorte isso não é nada e vais tirar umas férias, esta merda para ti acabou. Encontrei-o mais tarde numas Festas do Socorro, já recuperado. Hoje este meu conterrâneo vive no mesmo Concelho que eu, em Santa Marta de Penaguião.

Há muito para ver, trouxe muitas fotos para recordar e mostrar às gentes daquele tempo, mas se faz tarde e temos de chegar a Buba antes do anoitecer. Prometemos voltar no dia seguinte para distribuir a prendas que trouxemos de Portugal. Os tugas voltaram gritavam alguns. Soube que More morrera.

Amadu outro dos milícias da minha Companhia vivia agora em Uane, sua terra natal e no caminho para Buba. Ao passarmos em Uane não resisti e pedi ao Nina que parasse, mostrei a foto de Amadú e logo o reconheceram, não estava, fora para a bolanha trabalhar e ainda não regressara. Um miúdo diz - é meu pai, eu vou chama-lo. Esperamos ainda um bocado, mas a bolanha devia ser longe, tínhamos de ir para Buba a fim de procurar onde ficar. Prometemos voltar no outro dia.

Buba está enorme, cresceu para fora do antigo Quartel e ao longo da estrada. Lá esta o Cais com ar de abandonado, como o barco que lá se encontra ancorado. Nas margens do Rio Grande existem 4 estalagens, 3 no braço para o lado direito e 1 do braço do lado esquerdo. Fomos parar a uma bem agradável mesmo junto ao rio, com uma casas com quartos duplos e casa de banho privada, só que o banho era de balde, à fula. Local simpático explorado por uma cidadã romena casada com um guineense. Servia refeições e podíamos cozinhar. O jantar foi nessa estalagem e as senhoras do Santos e do Leça prometeram no dia seguinte ir comprar peixe para o almoço.

Logo de manhã ao acordar fomos surpreendidos com as notícias vindas de Bissau. Havia morrido num atentado no QG o Chefe das Forças Armadas e de madrugada o Presidente da Republica fora assassinado em sua casa. Aguardavam-se problemas e ficamos preocupados com os nossos camaradas que ficaram em Bissau. Os telemóveis entraram em serviço e a calma regressou, tudo estava em paz e fiquei surpreendido com a indiferença mostrada pelas populações. Estava tudo calmo como nada tivesse acontecido. As personagens em causa não deviam ter muita credibilidade e estima.

Mas havia muito a fazer, muitas emoções para viver e Amadú estava de certeza à espera de nós.

Em Uane uma multidão nos aguardava, Amadu quase na mesma, magro alguns cabelos a branquear e rodeado das mulheres e dos filhos. Um abraço aguardado à trinta e cinco anos. Apresenta-me os filhos um a um. Pergunta pelo Carvalho, o Capitão Marcelino, o Furriel das minas e armadilhas (Vilas Boas), lembra-se de imensa gente. Faz imensas perguntas e está na altura de distribuir sapatos, camisolas, lapiseiras. Mas esta não é a nossa terra e todos estão desejosos de voltar a Mampáta mesmo ali ao lado.

Em Mampatá a escola está cheia, muita gente fica de fora e o material que levamos vai ser entregue aos professores pois não chega para as encomendas. As lapiseiras devem chegar para todos, o outro material é que não e nos causa uma certa frustração. Falamos com os professores e um deles me entrega um mapa estatístico do inicio do ano lectivo.

Existem duas escolas em Mampatá. Uma oficial que funciona na antiga escola à entrada da Aldeia com 417 alunos e outra privada com cerca de 40 alunos a funcionar numas antigas instalações do exército.

O Professor da escola oficial 8208 é Saído Candé com o BI 10541-22 Código de vencimento nas Finanças 3723 Tm 6643300 e Nº. Conta Bancária Banco da União S.A. 26501006397-90


Mapa Estatístico da Escola da Região do Tombali-Sector do Quebo Mampatá Forreá

1.ª Classe... 62 rapazes - 45 meninas - Total.. 107 alunos
2.ª Classe... 34 rapazes - 33 meninas - Total... 67 alunos
3.ª Classe... 36 rapazes - 28 meninas - Total... 64 alunos
4.ª Classe... 36 rapazes - 26 meninas - Total... 62 alunos
5.ª Classe... 40 rapazes - 35 meninas - Total... 75 alunos
6.ª Classe... 30 rapazes - 12 meninas - Total... 42 alunos
Totais...... 238 rapazes -179 meninas - Total.. 417 alunos

Há falta de tudo, menos salários em atraso dos professores. Livros, cadernos, lapiseiras, lápis, gramáticas, dicionários.

Não deve ser difícil organizar uma recolha de material e faze-lo chegar por uma transportadora. O António que vive em Coimbra poderá dar uma ajuda na maneira como fazer chegar o material até Mampatá. O primeiro dia em Mampatá foi intenso, contudo havia muito ainda para fazer, muitos locais para visitar. Os dias seguintes iriam ser pequenos para reviver 26 meses de emoções à força esquecidas, tanto tempo afogadas, reprimidas, como a querer branquear uma culpa que não tem razão de existir.

Saltinho

Saltinho

Mampatá > Homens grandes

Residencial em Buba

Buba

Quebo

Entrada de Mampata com aquele que se disse filho de branco

Encontro com Amadu

Infantario de Buba

Fotos: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados

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Nota de CV

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4081: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (4): Senegal e Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Cópia do Bilhete de Identidade Militar do malogrado António Ferreira, ex-1º Cabo de Trms da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), morto na emboscada da picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Foto: © Cátia Félix / Paulo Santiago (2009). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > REgião de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2000 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. A esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , do Batalhão 3872 (com sede em Galomaro), pertenceu o António Ferreira, um dos mortos da emboscada do Quirafo. O nosso camarada Albano Costa, de Guifões, Matosinhos, visitou o Saltinho em Novembro de 2000.

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados

Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa. A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-FurMil Enf da CART 3492 (Xitole, 1971/74) constatou, pessoalmente, no Saltinho, a impossibilidade de reconhcer os cadáveres dos nossos camaradas, da CCAÇ 3490, que morreram na emboscada do Quirafo, inckuindo o Antonio Ferreira, . O Batista, dado como morto, foi afinal o único desaparecido: foi feito prisioneiro pelo PAIGC e só libertado em Setembro de 1974.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago:

Camarada Vinhal:

Após ter estado no Sábado, juntamente com o Santos Oliveira, com a Cidália, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, e com a Cátia, pensei em escrever um post mais ou menos longo. Hoje, recebido o mail que reencaminho, acho que terei muito poucas palavras a dizer. O mail da Cátia tem lá tudo.

Em todo o caso, tenho algo que deverá ser dito agora. Começo pela Cátia, que nos encantou, a mim e ao Santos Oliveira. Esta jovem, também bonita, dá uma lição de Solidariedade que fascina. Ela não tem ligações familiares com a Guerra Colonial, não é uma estudante de História ( frequenta Ciências Farmacêuticas ) que tivesse vindo ao nosso blogue para se documentar para os seus estudos, não, ela vem ao blogue porque está Solidária connosco, ex-combatentes na Guiné, vive as nossas angústias e também as nossas alegrias. Ela tem uma relação fraternal com a Cidália e foi ela que desencadeou toda esta acção em que nos envolvemos.

A Cidália, uma pessoa sofrida, mas serena, ouviu-nos, deixou-nos falar TUDO sobre o Quirafo, viu as fotos da GMC, no fim da conversa disse-nos:
- Este ano o dia 17/04 vai ser diferente, agora tenho CERTEZAS.

E no dia 17 lá estarei com outros camaradas, e o António Ferreira, lá onde estiver, gostará de nos ver.

Paulo Santiago

P.S. – Em anexo a foto do Ferreira, poderás publicar outras se quiseres (Saltinho, GMC, por ex)


2. Mensagem da Cátia Félix:


Caro Paulo Santiago e Santos Oliveira

Como prometido junto envio em anexo a foto do Ferreira (à esquerda).

Mais uma vez o nosso muito obrigado por toda a dedicação e principalmente amizade que tiveram em toda esta história.

Foi muito importante terem esclarecido a dúvida de 37 anos da Cidália, ela está muito grata por isso (*).

Possivelmente no dia 17 de Abril vai realizar-se uma missa em honra do António Ferreira, e onde teríamos todo o gosto de vos ter presente. Era para ser no Mosteiro de Águas Santas mas este encontra-se em obras, por isso será numa outra igreja a combinar. Caso queiram estar presentes depois dou mais pormenores.

O luto começou a ser feito passado todos estes anos e a muito se deve a vocês. Vejo que a Cidália está determinada em fazê-lo e, como não poderia deixar de ser, com atitudes muito nobres que tanto a caracterizam.

Espero receber notícias vossas em breve, pois estarão sempre no meu coração "jovem".

Cumprimentos

Cátia Félix
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4116: Ser solidário (31): Vamos continuar com a campanha de sementes para a Guiné-Bissau (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Região do Tombali > Cabedu > Março de 2008 > Eu bebi água fresca da torneira... E que bem me soube!

Guiné-Bissau > Região do Tombali > Cabedu, 11-03-2009 > Uma das associadas regando a alface

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Sector de Bedanda > Cabedu > Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > O Zé Carioca, um dos Gringos de Guileje, também esteve aqui, emocionado e solidário, na inauguração da rede de distribuição de água potável à população. 

Fotos: © José Teixeira, Carlos Silva e Zé Carioca (2009). Direitos reservados.


 1. Mensagem de José Teixeira com data de 29 de Março de 2009: 

Assunto: Sementes para a Guiné Camaradas amigos 

Li o texto que o Carlos Silva (*) escreveu na sequência da sua visita a Cabedú e apreciei com muita emoção as fotos da "quintinha" que as "mindgers" da terra deram vida, graças à água que conseguiram através do furo artesiano e do motor alimentado por energia solar que suga a água do seio da terra. Escrevi um comentário no mesmo que gostava que fosse transcrito no blogue para que a "obra" não ficasse por umas sementinhas que enviamos e tanta fome já mataram. 

É um desafio a todos os tertulianos e todos os leitores e apreciadores do blogue. 

CAMPANHA DE SEMENTES PARA A GUINÉ 

Agora há que dar continuidade ao projecto. Nós sabemos que é possivel, através de furos artesianos, captar água potável no solo da Guiné. 
Nós sabemos que através da energia solar é possível pôr motores a puxá-la para o exterior e montar fontenários. 
Nós temos provas de que as mulheres e os homens da Guiné são capazes de criar, através do suor das suas mãos, meios de subsistência pela exploração da terra. 
Quantas vidas não temos possibilidade de salvar, pela qualidade da água e pela produção agricola? 

É altura de darmos as mãos e fazermos uma campanha de angariação de fundos para a A.D. - Associção para o Desenvolvimento da Guiné - poder dar seguimento ao seu sonho, alimentado e gerido pelo querido Pepito, como se conseguiu provar com este pequeno empreendimento que o Zé Carioca lançou. Obrigado Zé. 

Somos muitos os tertulianos e muitos mais os que nos lêem e vibram com o que transmitimos. 

Uma pequena verba que a nós pouca ou nenhuma falta nos faz, poderá ser um grande tesouro para quem nada tem. Ouso pedir para se fazer uma campanha de recolha de dinheiro - mínimo 20.00€ por pessoa. Campanha que gostava que fosse gerida pelo Zé Carioca, como iniciador deste projecto, que eu vi chorar e chorei com ele, ao ouvir o grito das mulheres de Cabedú. Basta que cada um deposite numa conta bancária a verba que entende oferecer. Depois, é comprar as sementes de acordo com as orientações do Pepito, bem como os equipamentos. 

O blogue poderá ir dando contas do envolvimento. 

Aqui fica a sugestão. 

Vou tomar a iniciativa na Tabanca de Matosinhos e fico a aguardar a disponibilidade dos Camaradas. 

José Teixeira 
Esquilo Sorridente
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Guiné 63/74 - P4115: Os Bu...rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

1. As imagens, sem legenda, que se seguem são de Alfredo Reis(*), ex-Alf Mil da CART 1690. Mostram um pouco do quotidiano em Banjara, famosa estância de férias, localizada algures na estrada Bissau/Bafatá. Podem consultar qualquer prospeto turístico. O texto é de António Moreira(*), também ex-Alf Mil da CART 1690. Este trabalho foi enviado há já algum tempo pelo nosso camarada A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1968/69, actualmente Cor DFA Reformado. Achamos por bem recuperá-lo nesta altura. CV Localização de Banjara no Google Fotos: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados. 2. A vida em Banjara (I) Este texto é do meu camarada António Moreira, ex-alferes miliciano da CART1690. Entre parênteses rectos alguns comentários meus. O Moreira esteve dois meses seguidos em Banjara depois de eu ter sido ferido. O que sucedia é que era eu que, na altura, fazia os abastecimentos aos destacamentos da companhia. Nessses dois meses ninguém lá foi. Comeram o que conseguiam caçar, até cobras e macacos... O nosso camarada Fernando Chapouto sabe também como era Banjara. «Banjara fica situada a cerca de 40 Km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá. [Cabe aqui um parêntesis para dizer que aquela serração em Banjara pertenceu ao português Fausto Teixeira: "Antifascista desde a sua juventude, via-se no comportamento de Fausto Teixeira toda a história de um velho democrata que amou profundamente a liberdade, lutou por ela e acbou por ser vencido pelas forças da repressão e do mal. No entusiasmo e dedicação que pôs no cumprimento desta arriscada missão, sentia-se todo o seu orgulho em poder participar na luta que então travávamos, também pela liberdade, contra os mesmos inimigos". Isto diz Luís Cabral no seu livro Crónica da Libertação, aí referindo também que a missão do Fausto Teixeira foi ajudá-lo na sua fuga para o Senegal, em 1960, levando-o no seu "Peugeot 203 pintado de cor azul forte" desde as Oficinas Navais do porto de Bissau até perto da sua serração, de onde Luís Cabral seguiu a pé até a uma aldeia senegalesa, passando por Fajonquito.] Banjara gozava da fama, e do proveito, de ser o segundo pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa [tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte]. O destacamento era constituído por uma caserna, quatro abrigos subterrâneos e um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas, por onde os sardões e as cobras vagueavam livremente, sem nenhum obstáculo que lhes barrasse a passagem, a não ser a presença humana. Tinha ainda outros abrigos à superfície. A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, duas fiadas de arame farpado paralelas e em círculo. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do IN. As casas de banho, como é de calcular, eram a céu aberto. A guarnição deste destacamento, comandado por um Alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente (houve alturas em que tinha só um pelotão), bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas. O seu comando era rotativo e por lá passámos os mais longos meses da nossa juventude, então com 23 anos, e responsabilidades tremendas em cima dos galões de Alferes. A paisagem envolvente era de uma beleza indescritível, com dezenas de cajueiros, mangueiras, árvores gigantes, capim e as célebres lianas. O barulho ensurdecedor dos milhares de pássaros e a vozearia nocturna da mais variada bicharada, desde macacos a hienas, tornavam aquele ambiente um mistério todos os dias renovado. O dia, em Banjara, iniciava-se naqueles anos (1967/1968), por volta das 18 horas. A essa hora o Comandante mandava distribuir a 3ª refeição, e as sentinelas avançadas ocupavam os seus postos. Toda a gente vestia então o seu camuflado, calçava as botas e recarregava as armas. Não é que de dia estivessem todos a dormir, mas durante a noite entrava-se em alerta máximo. Durante a noite era rigorosamente proibido acender luzes, fazer fogo e fumar à vista desarmada para não denunciar a presença e a localização de ninguém. Tomada a 3ª refeição e colocadas as sentinelas, que eram sempre dobradas, iniciava-se toda uma série de rondas de posto a posto, podendo os soldados que estavam de folga, e só nos abrigos subterrâneos, jogar cartas, conviver e confraternizar, pôr a correspondência em dia, etc. De vez em quando dormia-se uma hora ou duas mas sempre em sobressalto, e sem a mínima tranquilidade. Posso dizer que durante o tempo que passei neste destacamento não dormi uma única noite descansado. Durante a noite, de vez em quando, uma sentinela nossa dava um tiro, à aproximação do arame farpado de um macaco ou qualquer outro bicho (podia não ser...). Logo todos corriam para as armas pesadas e, normalmente, o IN respondia com dois tiros ao longe. Então a nossa sentinela, aquela ou outra, respondia passado algum tempo com três tiros. A seguir a resposta de novo do IN, então com 4 tiros. Era um jogo macabro, que nos mantinha constantementevivos e despertos. O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores. Terminada a 1ª refeição iniciavam-se os trabalhos de rotina, para o que o efectivo estava dividido em 4 grupos, cada um deles composto por 15 ou 20 homens, comandados por um sargento.Um grupo estava de serviço à água e à lenha para as refeições. Os banhos eram tomados na bolanha a um quilómetro do arame farpado, e sempre com 10 ou 12 homens armados em vigia. Outro dos grupos era o piquete que realizava, normalmente, uma patrulha de reconhecimento nas imediações do aquartelamento. O terceiro grupo estava de prevenção rigorosa e o quarto estava de folga. Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. [Em Outubro de 1969, quando a CART1690 saíu de Geba, a CCAÇ2406, que estava em Mansabá, colocou um pelotão em Banjara. No entanto, saíu de lá em Janeiro de 1970, sendo o destacamento desactivado] 3. Nota dos Editores: Nem sequer tínhamos bunkers, a sério, de luxo, de cinco estrelas. Construídos pela Engenharia Militar à prova de canhão sem recuo, morteiro 120, foguetões 122, etc. Fala-se da ‘bunkerização’ da guerra da Guiné… Mas isso é um eufemismo, se não mesmo um insulto. Bunkers ? Buracos, valas, bidões cheios de areia, placas de zinco… Guileje era um pequeno luxo (que nos perdoem os camaradas que lá penaram, sofreram e morreram) comparado com Banjara e outros Bu…rakos onde vivemos, dormimos, lutámos, gritámos, respirámos, sangrámos, suámos, chorámos… Camaradas e amigos: Estas foram as ‘estâncias turísticas’ onde passámos as melhores ‘férias’ do mundo, pagas com o dinheiro dos contribuintes portugueses… A sério, queremos aqui falar dos piores Bu…rakos da Guiné do nosso tempo. Das estações do nosso calvário. Da geografia da fome, da dor, da guerra, da alienação. Para que a memória, volátil, chegue até à geração dos nossos filhos e netos. Não queremos estátuas nas nossas vilas e cidades, de estética kitsch, queremos apenas não sermos ofendidos e humilhados pelos nossos contemporâneos e pelos nossos descendentes, do Governo à comunicação social. A pior ofensa e humilhação, para um ex-combatente que deu o melhor à sua Pátria, é a indiferença, o cinismo, o esquecimento, a desvalorização do seu sacrifício. Ironia à parte, queremos mostrar e documentar aqui alguns dos sítios por onde passámos e que as nossas mãezinhas nunca sonharam. Rapazes, toca a trabalhar. Os editores, LG/CV/VB __________ Nota de CV: (*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2424: Álbum das Glórias (37): Os alferes da CART 1690 ou uma estória de amizade e camaradagem a toda a prova (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

1. Hoje é dia de rancho melhorado na nossa Tabanca Grande... Ao jantar, temos um deliciosa sobremesa, mais uma das sempre apreciadas histórias cabralianas, da autoria de Jorge Cabral (aqui na foto, à esquerda) que foi, como Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63 em Fá Mandinga e Missirá (Zona Leste, Sector L1, Bambadinca), em 1969/71.

É actualmente especialista em direito criminal, jurista e professor universitário. Tem muitos alunos (e alunas) da Guiné-Bissau. Deixa sempre saudades por onde quer que passe.
Estórias cabralianas (*) > INSPECÇÃO MILITAR

por Jorge Cabral

Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].

Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau.

Na mesa, um Coronel, um Major e um Tenente – Médico, constituíam a Junta Inspectora. Um a um, fomos chamados diante do Médico a fim de declarar se sofríamos de alguma maleita.

Após rápido e sumário exame, mesmo para aqueles que se disseram doentes, continuámos todos nús e encostados à parede, esperando o veredicto... que chegou num discurso patriótico do Coronel. Falou de Aljubarrota, das picadas africanas, de heróis e da necessidade de homens valentes com “eles no sítio” e, por fim, concluiu:
– Todos aptos para o Serviço Militar.

Claro, pensei na altura, ainda nu e olhando os demais, todos tinham dois no sítio. Juro que não vi nenhum com eles no pescoço, ou debaixo do braço...

Jorge Cabral

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Nota de L.G.:

(*) Vd. últimos postes desta série:

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:
-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)


26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...).

4 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3399: Estórias cabralianas (40): O meu sonho de empresário (falhado): a construção de uma tabanca-bordel (Jorge Cabral)

(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

Guiné 63/74 - P4113: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (4): Humilhados e ofendidos (A. Marques Lopes)

Guiné > Zona Leste > Banjara > Destacamento da CART 1690 (1967/68) > Cenas da vida quotidiana no Bu...rako de Banjara... Um elemento do 'bando' junto a uma metralhadora pesada (Breda ou Browning ?) (1ª foto, em cima); mais elementos do 'bando' com uma peça de caça: um papa-formigas... Aqui caçava-se e comia-se tudo que tinha pernas (excepto mesas e cadeiras, que também não as havia) e tudo o que tinha asas (excepto aviões, e que passavam ao largo). As fotos tanto podem ser do A. Marques Lopes como o António Moreira, ambos Alf Mil deste 'bando', que tinha a sua cabeça em Geba. O Marques Lopes, o Moreira, o Reis e o Maçarico, os quatro alferes da companhia, criaram uma amizade a toda a prova e encontram-se regularmente. 

 Fotos: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.


 
1. Mensagem, com data de 29 de Março de 2009, de um nosso amigo e camarada que, com a criação da Tabanca de Matosinhos, tem andado mais caseiro, lá por cima (espero poder abraçá-lo na próxima 4ª feira, dia 8...)... Trata-se de um tabanqueira da primeira hora, o A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma. Foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969 (Aqui, na foto, à esquerda). Conheceu alguns dos melhores Bu...rakos da Guiné, por exemplo Cantacunda, destacamento de Geba, que ficava também a cerca de 40 kms da sede da companhia, a CART 1690, perto da base que o PAIGC tinha em Samba Culo, na margem sul do rio Camjambari. Também conheceu a boa vida de Banjara e de outros Bu...rakos. Viveu sempre em 'bando', como era norma na época.


Ronda a ofensa (*) 

 O senhor General Almeida Bruno, referindo-se aos combatentes na Guiné, disse que: “…a maioria esmagadora eram bandos que estavam atrás do arame farpado à espera que o inimigo atacasse para se defenderem… havia muito pouca iniciativa”. 

Põe como excepção os pára-quedistas e os fuzileiros (admiro-me que não fale nos comandos…). Parece-me que se trata de uma manifestação de sobranceria estilosa e de menosprezo da actividade, dos problemas e sacrifícios dos que estavam obrigados aos dispositivos táctico-estratégicos determinados não por eles, mas por quem dirigia a guerra, quer para gestão de quadrículas quer para ocupação de pontos considerados importantes para manobras operacionais ou para enquadramento de populações. Esta declaração entristece-me vindo de quem vem, sabendo eu o que sei, apesar de estar longe de ser alguma sumidade na arte da guerra, o que não é o caso do senhor General. É só pelo que vi e vivi, e também tenho lido. 

 Segundo os dados que colhi das publicações da CECA, 1.276 é o total de elementos que constituem o “bando”, então, dos mortos em combate na Guiné, não estando neste número, é claro, nem os fuzileiros nem os pára-quedistas (aos quais manifesto o meu respeito e admiração), que também lá tiveram mortos. Uma “limpeza” que a guerrilha fez atrás dos nossos arames farpados?… Eu “vi” que não foi assim. A primeira Companhia em que estive (CART 1690) teve 10 mortos em combate, na zona do Oio: 3 soldados e 1 alferes em ataques à base do PAIGC em Sinchã Jobel; 1 soldado e 1 capitão em deslocação entre destacamentos da companhia; 2 soldados, 1 furriel e 1 alferes em ataques do PAIGC a destacamentos nossos. Foram também evacuados para o HMP de Lisboa, por ferimentos em combate, 2 alferes (1 num deslocamento entre destacamentos, 1 numa operação) e 3 soldados (em operações). 

 Quanto à outra por onde passei, de guineenses do recrutamento local (não era tropa especial): enquanto foi 1.ª CCAÇ, teve 7 mortos em combate, quando andou por Bissorã, Talicó, Bedanda, mata de Cudana, Sambuiá…; depois de se transformar em CCAÇ 3, teve 15 mortos em combate, sendo 3 em ataques do PAIGC a Barro, 3 em ataques do PAIGC a Guidage (onde teve elementos destacados) e os restantes em operações ou emboscadas (Sano, Sambuiá, Canja...). 

  Quanto à “muito pouca iniciativa”: À CART 1690, quando chegou à Guiné, foi-lhe dada a responsabilidade de uma quadrícula de 1600 km2, na mata do Oio. Nessa quadrícula tinha, inicialmente, quatro destacamentos: Geba (onde era a sede da companhia), Camamudo, Cantacunda e Banjara (estes dois a cerca de 40 km de Geba). Depois constituiu mais um destacamento em Sare Banda. A companhia foi, pois, desmembrada desta maneira… por “iniciativa” dos altos comandos da guerra. Mesmo assim: - forças suas participaram em 61 operações com nome de código, 12 destas com PCV; - forças suas realizaram 1561 patrulhamentos, 36 emboscadas e 442 outras acções. Quanto à CCAÇ 3 não tenho dados numéricos, mas, da minha experiência pessoal, garanto, senhor General, que os pelotões desta companhia realizaram inúmeras emboscadas e patrulhamentos na fronteira com o Senegal, nas zonas de Sano e Canja, e participaram em várias operações em Sambuiá. 

 O que diz o senhor General é a “sua” verdade, com muita coisa em falta, que, pelos vistos, desconheceu (embora me custe a crer…). Vou dar outros dados que constituíram a verdade dos “bandos” que estavam atrás do arame farpado: - da CART 1690 houve 15 elementos que foram evacuados para o HMP de Lisboa por motivo de doença - e dois exemplos de uma das razões disso: o destacamento de Banjara esteve, em certa altura, com dois meses sem abastecimentos, tendo os seus ocupantes que se desenrascar comendo macacos e cobras; quanto à água, porque só havia fora do arame farpado, estabeleceu-se tacitamente uma escala: num dia iam os do PAIGC da zona e noutro dia iam os nossos buscá-la; em Barro, quando as barcaças demoravam muito tempo a trazer-nos os abastecimentos pelo Cacheu, tínhamos de ir “caçar” as vacas que o PAIGC tentava levar do Senegal para o Oio – era uma forma de poder comer de jeito. 

 As condições que tínhamos no arame farpado não eram as mesmas, naturalmente, do que as que tinha quem estava em Bissau. Até das coisas mais comezinhas tínhamos, muitas vezes, que nos privar. Eu, por exemplo, que sempre fui um fanático por óculos escuros rayban, nunca os pude usar. É que, quando no arame farpado, eram topados ao longe e, quando em emboscadas, patrulhamentos ou operações, seria logo referenciado. É claro que não me interessava ser um alvo privilegiado. Parece-me que, num programa [da RTP] com a projecção de A Guerra não foram nada cuidadas as declarações do senhor General, mesmo que delas esteja (mal) convencido. Os que estão a leste do que foi a guerra pensaram mal de nós, os ex-combatentes, alguns terão mesmo pensado que andámos lá a passar férias. Os que querem conhecer o que ela foi, ficaram mal informados, induzidos em erro. Para nós raiou a ofensa. A. Marques Lopes 

__________ 

 Nota de CV:

segunda-feira, 30 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4112: Blogpoesia (37): Para fechar o dia dos poetas da guerra colonial, celebrado hoje, aqui e em Coimbra... (Alberto Branquinho)


Caros Editores

Oportunamente aproveitando oportunisticamente a oportunidade aqui vai um meu, que (juro!) NÃO COPIEI do Jorge Cabral (*), até porque já está publicado há uns bons anos ( "Sobrevivências" - Espólio de Guerra).

Um abraço ... e desculpem qualquer coisinha...
Alberto Branquinho



NATUREZA MORTA


Em subida vertical
o cavalo-de-aço levou
um homem soltando ais
pernas duas cabeças
dois troncos braços
e não sei que mais
dentro de panos de tenda.

Quando o cavalo voou
deixando dor à passagem
toda a gente viu
que num repente ficou
toda de sangue a paisagem.

____________________________

E, porque não me é permitido falar (SEMPRE) do meu UMBIGO (**), vou abrir(-me) aqui uma excepção:


REGRESSO

Entre o limite de ser eu
ou ter sido outro
me disputei na guerra
nas insónias nevoentas
das noites que passavam lentas lentas
nos pequenos grandes nadas
nos dias que não passavam
ou não passavam depressa
nos tiros e granadas
que me rebentavam dentro da cabeça
me fico a pensar
se fui eu ou outro
que morreu
e não voltou.

Alberto Branquinho

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4109: Blogpoesia (36): E Viva a Vida, Vida a Poesia! (Jorge Cabral)

(**) Vd. o último poste da série > 5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3845: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (19): O aniversário do Cabo Tomé

Guiné 63/74 - P4111: Em busca de... (68): Furs Mils Andrade e Cabrita Martins que estiveram em Fajonquito entre 1971 e 1973 (Maria Filomena Correia)

1. Mensagem de Maria Filomena Silva Correia, uma nossa amiga guineense que se dirigiu a Luís Graça no dia 30 de Março de 2009:

Boa tarde
Querido amigo
Eu sou Maria Filomena Silva Correia (Tchentcha), filha de falecida Cristina Silva Correia em Fajonquito, tenho irmãs de nome Maria Luísa (Vitorina), Cesina e um irmão mais novo chamado Carlitos.

Hoje, quando vi seu site na internet achei por bem que o senhor me poderia ajudar a encontrar um meu amigo de quando eu era criança, Senhor cujo nome nunca conheci, porque ele era chamado furriel Andrade. Ele era do mesmo batalhão que o furriel Cabrita Martins se não me engano.

O senhor não pode imaginar quanta vezes procurei por esse senhor em Portugal.

2. Hoje mesmo foi enviada uma mensagem à tertúlia no sentido de encontrar alguém que eventualmente tenha um pista para dar a esta nossa amiga.

Se entre os nossos leitores houver alguém que possa ajudar a encontrar o camarada Andrade ou o camarada Cabrita Martins, por favor façam-nos chegar essa informação ou contactem a Maria Filomena para o endereço filocorreia@yahoo.com.br

O nosso obrigado desde já.
CV
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4063: Em busca de... (67): Celestino Júlio Coelho Monteiro, ex-combatente na Guiné nos anos de 1969/70 (João Bénard Garcia)

Guiné 63/74 - P4110: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (6): 'No melhor pano cai a nódoa' (Amílcar Mendes / Pereira da Costa)

1. Mensagem do Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Comando, 38ª CCmds (Brá, 1972/74 (na foto, à esquerda, na mata do Morés, em 1972):

Assunto - Direito à indignação, com pedido de publicação:

Amigo Mário Pinto, entendo a sua indignação (*). Vi a entrevista e tambem acho que houve algum excesso. Conheço o Sr general Almeida Bruno ,comandou o meu Batalhão na Guiné,não venho defendê-lo e nem ele precisa, mas pode querer que como tropa especial numca eu ou os camaradas com quem trabalhei no TO ,tivemos a mais leve desconsideração pela tropa a quem chamavam de "tropa normal".

Pelo contrário, sempre os respeitei e admirava o sacrifício de sobreviver dia a dia nas condições mais miseráveis, enterrados em destacamentos no cú de Judas, em que o unico passatempo era contar os rebentamentos e contabilizar os estragos.Com armamente rudimentar faziam milagres frente ao inimigo, e se não faziam melhor era porque a instrução que recebiam era muito rudimentar.

Apenas lhe dou um exemplo: o destacamento que vivia na ponte de CAIUN, na estrada de Piche - Bruntuma é exemplo do que a "tropa normal" passava,e acredite, amigo Mário Pinto, que dentro da "tropa especial" havia muito manjerico que nem na "tropa normal" se safava.

Quanto ao comentário do Sr. General, as vezes "no melhor pano cai a nódoa"

Um grande abraço do Amílcar Mendes ex 1ª cabo Comando


2. Mensagem do António José Pereira da Costa (ex-Cap Art CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74, hoje Cor Ref, director da Biblioteca do Exército, Coimbra):


Olá, Camarada

Será lugar comum dizer que o Gen Bruno foi infeliz no que disse. Porém não me parece legítimo que se possam generalizar as suas afirmações. Fico com a ideia de que ele se estava a referir ao momento da chegada do Gen Spínola (MAI 68) e não podia (e não estava a) referir-se à tropa, em geral. Claro que havia sítios e sítios, assim como havia unidades e unidades...

Eu estava na Guiné nessa altura e possa testemunhar as profundas alterações que se deram. Havia mesmo unidades com actividades baixas e que só esperavam que o tempo passasse e que a sorte os protegesse. Outras havia que se batiam bem e com resultados um dos quais era manter o IN em respeito. Claro que o factor sorte também é importante. Destas variáveis resultava um situação complexa e que seria abusivo generalizar. O Cmdt do meu batalhão foi um dos que "regressou" antecipadamente e era verdade que houve casos de Cmdt que não localizavam as respectivas companhias no mapa.

Creio que o Mário Pinto não deverá tomar "à letra" o que foi dito. De outro modo, a maioria de nós estaria indignada e muito.

Talvez eu possa parecer demasiado conciliador, mas do que conheço do Gen Bruno, ele não é pessoa que apouque o esforço genuíno dos outros que somos todos.
Um Ab.
___________

Nota de .G.:

(*) Vd. postes anteriores:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4094: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (5): Não esperava ouvir tal coisa (Manuel Amaro)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4092: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (4): Bolas, não nos deixam em paz! (Paulo Salgado)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4091: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (3): Fui desrespeitado de maneira ignóbil (António Matos)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4090: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (2): Recuso-me a ser um bandalho e um rato cheio de medo (David Guimarães)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Guiné 63/74 - P4109: Blogpoesia (36): E Viva a Vida, Vida a Poesia! (Jorge Cabral)


E VIVA A POESIA!
Com um Abraço
Jorge Cabral





UMA MINA EM SANCORLÁ

Segundos? Um Minuto?
O Tempo desta Morte
Meio corpo evaporado
Só resiste o olhar
Quem a terá pisado?
Fui eu que tive sorte
Ou ele que teve azar?

Depois a Raiva, o Medo
Sim, Beber
(Chorar só em segredo)

E para sempre o Luto!

Missirá, 14/Fev./1971

...................................

ANIVERSÁRIO

Vinte seis ou Mil, conto pelos dedos
Os anos que vivi, eu não sonhei
Este tempo de Angústia e de medos
Que soletro e nunca sei.
Que Guerra é esta? Onde não estou!
Que rio aquele? Não cheira a Tejo!
Que combate? Combato, mas não sou.
E quando olho o espelho, não me vejo!
Aqui em Missirá, escravo e senhor
Invento-me. E guarda-prisioneiro
Bebo, fingindo em Alegria, a Dor.

Hoje faço anos... e continuo inteiro.
Missirá, 06/Nov./1970
...................................

O HELICÓPETRO

Pelo ar lento que aquece
Um pássaro de ferro e aço
Leva um morto que apodrece
Na boca mais um abraço
A gente fica a pensar
Mas mais um morto que interessa
Já vêm mais pelo mar
Vêm muitos e depressa
A gente pensa mas fica
Com o dedo no gatilho
Na garganta um nó que pica
Na preta o ventre com um filho

Missirá, Dez./1970

Jorge Cabral

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd.último poste da série > 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

Guiné 63/74 - P4108: Convívios (104): BCAÇ 1861, dia 25 de Abril em Vizela e, BCav 490 e DFUZ8, dia 30 de Maio em Viseu (J. César / V. Oliveira)

Encontros de ex-combatentes da Guiné


1.
Mensagem do nosso camarada Júlio César, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2659/BCAÇ 2905 (Cacheu, 1970/71), com data de 23 de Março de 2009:

BCAÇ 1861

Buba- Guiné 65/67


Vizela, 25 de Abril de 2009

Concentração às 11,00 horas no Forum Vizela

Almoço/Convívio Park Clube

Contacto:

Boaventura Alves Videira
Tmovel: 964 534 332

________________________


2. Mensagem do Valentim de Oliveira, com o pedido para avisar que está próximo o

Almoço/Convívio dos

BCav 490 e

8º Destacamento de Fuzileiros


Caro Amigo,

Novo Ano, nova reunião de Camaradas, desta vez a 30 de Maio no prestigiado Restaurante na "Quinta dos Compadres" em VISEU, Cidade de VIRIATO.

Como sempre continuamos a diligenciar para encontrar novos e velhos camaradas para o nosso convívio, assim como qualquer outro camarada de outras unidades do T.O. da Guiné, familiares e amigos dos nossos amigos bem-vindos.

Preços:

- Adultos: € 30

- Crianças dos 3 aos 10 anos: € 15

A confirmação da vossa presença é obrigatória e deverá ser feita até ao dia 17 de Maio para:

Valentim Oliveira

Telefone: 232912219

Telemóvel: 914650566

E-mail: valentimoliveira@sapo.pt

ou

Luís dos Santos Coimbra

Telefone: 232951889

Telemóvel: 969187415

Nome:_______________________________________________________

Morada:_____________________Telefone:_________________________

Nº de Adultos:_______________Nº de Crianças:_____________________

Os internautas podem fazer a visita ao site: http://www.blogger.com/www.quintadoscompadres.com

Para não te perderes:


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Vd. último poste da série de 20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4057: Convívios (102): Pessoal da CCAV 2748, dia 30 de Maio de 2009 em Benavente (Francisco Palma)

Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

1. Mensagem, com conhecimento ao blogue, enviada pelo nosso camarada José Brás (alentejano, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance Vindimas no Capim, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura), à Cristina Nery, filha e neta de camaradas nossos, investigadora Universidade de Coimbra, que se tem interessado pela poesia da guerra colonial (*).

Aproveitamos para saudar os poetas da guerra colonial, os seus exegetas, os seus estudiosos, os seus críticos , os seus editores e os seus leitores, que hoje se reunem em Coimbra, na velha Universidade de Coimbra, e onde já devem estar os nossos camaradas José Manuel Lopes (Unidos de Mampatá), da Régua, e o Vasco da Gama (Tigres do Cumbijã), da Figueira da Foz (**)... A guerra acabou ! Que vivam os poetas ! LG

Dr.ª Cristina Nery

Há muito tempo longe do ambiente da memória da guerra, ultimamente buscando as gentes que cruzaram os mesmos lugares, juntos ou separados no tempo e no modo, gostaria de estar amanhã em Coimbra mas "o rei manda marchar mas não manda chover".

Envio-lhe aqui alguns textos a que não me atrevo a chamar "poesia", porém sofridos na terra da Guiné.

Cumprimentos
José Brás



2. Blogpoesia (35) > Missa virada

tinhas no olhar
sinais seguros de esperança
quando
numa quente segunda-feira
de verão
em 64
eles vieram à vila
tomar-te o peso
o pulso
a medida do peito
o sonho
o sonho não

à tarde
quando partiram
a tua ficha dizia apenas
João
20 anos
apto para todo o serviço

tinhas na boca
uma leve aragem de troça
e nos olhos
sinais seguros de esperança
quando
numa suave manhã
de maio
em 65
passada a porta d’armas
os muros do regimento
pretenderam
separar-te
do aroma dos pinhais

e o aroma dos pinhais
ardia em ti
nas noites
de Maio de Junho e de Julho
quando
após o cross
a ordem unida
a instrução da mauser
e da guerra subversiva
o sonho retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a ordem das coisas

nas Caldas da Rainha
os pinhais
tinham o mesmo aroma
dos pinhais do mundo inteiro
e o cansaço
a esperança
e a raiva
subiriam contigo ao Niassa
numa gelada manhã
de Novembro
em 66
no Cais da Rocha

os compêndios
de instrução militar
diziam
que na Guiné
não havia pinhais
queriam convencer-te
que na Guiné
o sonho morrera
e tu sabias da gente
sonhando a liberdade
de armas na mão
na escola da guerrilha
nas clareiras abertas
p’lo napalm

a mata da Guiné
seria o caminho
da tua liberdade
ouviras dizer
que nenhum homem
é livre
enquanto oprime outro homem
e concluíras
que
na mata da Guiné
como nos pinhais da tua terra
o sonho e a luta
libertavam
o homem

tinhas
nos olhos
sinais seguros
de esperança
e o sonho
retomava o seu lugar
subvertendo o cansaço
a raiva
e a frieza da G3
quando
deixaste o quartel
na direcção de Guileje
a caminho do corredor
onde a liberdade se ganhava
e se perdia
em cada passo em frente
em cada morte

tinhas no olhar
sinais seguros
de esperança
e na tua frente
a mata
densa
da Guiné
confundia-se
com os pinhais da tua terra
quando
a mina
te rasgou o peito
no corredor
perto do destacamento
da Chamarra

José Brás, s/d

[Fixação / revisão de texto: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série Blogpoesia > 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4100: Blogpoesia (34): Regressei um dia / lavando a alma na espuma das lágrimas... (António Graça de Abreu)

(**) Vd. postes de:

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4099: Poetas da guerra colonial, amanhã em Coimbra, com um abraço ao Vasco da Gama (José Brás)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4097: Dar uma aula, em Coimbra, aos poetas que escrevem sobre (mas não fizeram) a guerra (Vasco da Gama)

29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (8): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > O 1º Cabo Joaquim Vicente Silva, em 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior. (Neste caso, parte de um foguetão 122 mm).

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > Bateria anti-aérea montada pelas NT, em Pirada, já depois do 25 de Abril.

Fotos: © Joaquim Vicente Silva (2009). Direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu:


Assunto - Joaquim Vicente da Silva: Ataque a Pirada em 25 de Abril


Meus caros Luís e Carlos Vinhal

Envio-vos este texto escrito pelo meu amigo do talho de S. Miguel de Alcainça. O texto é dele, eu não tenho nada a ver com isto, excepto ter limado algumas frases. O Joaquim não sabe usar computador.

Este texto é uma boa resposta ao general Almeida Bruno quando fala do 'Bando' que não participava em operações, nem saía dos aquartelamentos. O homem, general, tem de se penitenciar porque disse uma inverdade muito grande que mexe com todos nós, que obrigados (não foi o caso dele!) passámos pela Guiné.

Um abraço,

António Graça de Abreu



2. O dia 25 de Abril de 1974, em Pirada, a ferro e fogo (*)por Joaquim Vicente da Silva


O dia 25 de Abril de 1974, em Pirada, a ferro e fogo Apresenta-se o 1º cabo atirador 045385/73, Joaquim Vicente da Silva (na foto, à esquerda), da 3ª companhia do BCav 8323, comandado pelo coronel Jorge Matias, estacionada em Pirada, Guiné, 1973/1974.

Vivo em S. Miguel de Alcainça, a terra onde nasci, perto de Mafra e da Malveira, e sou o dono do talho de Alcainça. No blogue, o António Graça de Abreu, que tem casa aqui na terra, já falou em mim e entusiasmou-me a escrever para o blogue do Luís Graça e dos camaradas da Guiné.

Junto três fotografias minhas, a primeira em Pirada a 26 de Abril de 1974, com os restos das lembranças do ataque do dia anterior, outra de como sou hoje e a última de uma bateria anti-aérea que foi montada por nós, em Pirada, já depois do 25 de Abril.

Vou contar a história do violento ataque que sofremos em Pirada,  exactamente no dia 25 de Abril de 1974.

No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.

Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:

-Saiam para a vala que isto é o início de um ataque!...

Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo.

Nós, soldados brancos, não morremos nenhum, porque estávamos bem agachados nas valas ou trincheiras. Vieram juntar-se a nós vários oficiais, incluindo o alferes médico que nos disse para nos espalharmos mais pelas valas porque aquilo estava a ficar feio.

Este bombardeamento durou cerca de duas horas. Nós respondemos com os morteiros 81, os nossos obuses 10.5 e o nosso obus 14 que estava junto ao aeroporto de Pirada.  Bajocunda também nos deu apoio de fogo com o obus 14 deles. Foi um inferno. Só se ouviam bombas a voar, outras a assobiar e a rebentar por cima ou perto de nós.

Assim que terminou o ataque, mandaram-nos equipar para sair. Fomos patrulhar em volta de Pirada e encontrámos, para o lado do Senegal,  o mato todo a arder, mas felizmente não vimos ninguém do PAIGC. Caiu um míssil na casa de um comerciante branco, de nome António Palhas, que escapou ileso, mas morreram seis africanos que estavam noutro compartimento da casa.

Nesse dia,  nós, cabos e soldados,  não sabíamos nada do que estava a acontecer cá na Metrópole. Só à noite, através da BBC é que tivemos conhecimento do golpe de Estado. Foi uma grande alegria para todos nós porque pensámos logo que a guerra acabava naquele dia. Festejámos com muitas cervejas.

No dia seguinte na telefonia, começámos a ouvir a Grândola, Vila Morena e outras músicas do Zeca Afonso. A guerra ia acabar, que alegria!

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro
Carvalho)


Postes anteriores:

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (4) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2963: No 25 de Abril eu estava em... (2): Gadamael e a vontade de lutar do PAIGC também era pouca (Anónimo, Alf Mil Op Esp)

14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74

Guiné 63/74 - P4105: Carta aberta a... (3): Sr. gen Almeida Bruno (3): Agradecimento ao gen Almeida Bruno e a outros almeidas brunos (Pedro Neves)

1. Mensagem de José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCaç 4745/73 - Águias de Binta, Binta, 1973/74, com data de 29 de Março de 2009:

Caro Luís Graça

Cumprimentos a todos os camaradas, principalmente aos que passaram os meses de comissão na Guiné, em resorts pagos pelos nossos governantes de então e que em vez de termos vedações com arbustos e jardins floridos, piscinas e bares, suites e outros confortos a que tínhamos direito, fomos colocados dentro de vedações com arame farpado, barracas e barracões para dormirmos, em vez de camas normais, tinhamos colchões de ar, água da bolanha e água de furos, na maior parte salobra, comida liofilizada, ração de combate e tudo o que só nós sabemos, porque fomos nós que aguentámos meses e meses, todos os luxos com que nos contemplaram. Assim, com todas essas mordomias, quem é que queria sair do arame farpado, ninguem!!!

Mas tenho que agradecer ao sr. gen Almeida Bruno e aos muitos Almeidas Brunos, que por lá andavam, a preciosa ajuda que me deram, por ficar a saber passados tantos anos, que apesar de andarmos a fazer patrulhamentos, emboscadas, protecção aos trabalhos de abertura de estradas, sofrermos flagelações no mato e nos destacamentos, emboscadas e outros brindes, é que eramos BANDOS, porque ficávamos à espera que o IN viesse ao arame farpado, acordar o pessoal e isso chateava a malta.

Pura ignorância, Sr. Gen., porque para falar e dizer o que disse, o Sr. teria que, no mínimo, ter passado meses no mato e não em Bissau, no Q.G. e à noite no bar dos oficiais, a congeminar a estratégia no papel, junto dos seus acólitos, para que os BANDOS, vos guardassem as costas.

Os BANDOS não fomos nós, foram vocês, porque, quando foram visitar o destacamento em Binta, no norte da Guiné (este é apenas um exemplo e eu estava lá), a minha CCaç 4745 e outra que estava reduzida a metade e que pertencia ao Batalhão de Farim, andámos a dormir no mato (fora do arame), para que pudessem aterrar, mandar "bitates" e levantar rumo ao ar condicionado, de Bissau, nos ALOUETTS da comitiva, isto para que vossas senhorias, pudessem estar (dentro do arame), em segurança!!!

Tenho mais exemplos, mas mais uma vez agradeço ao Sr. Gen, ter divulgado o termo que eu andava à procura, pois não sabia se tinha sido combatente, guerrilheiro, herói, cobarde, assassino ou outros apelidos, que procurei durante estes anos todos, mas afinal fui chamado, juntamente com os outros camaradas, na sua maioria, de BANDOS.

Sr. Gen, tenha mais respeito por aqueles que tudo deram pela Pátria, alguns a própria vida e muitos sem saberem a razão do porquê de ali estarem e mesmo assim, defenderam com todas as suas energias, as costas de muitos, como o Sr. Gen, ou não foi assim?

Finalmente e nunca desprestigiando, as forças especiais tais como, Pára-quedistas, Fuzileiros e Comandos, até porque eu pertenci aos Rangers (Operações Especiais), devo dizer que essas forças "eram chatas como tudo", porque por duas vezes tivemos que fazer a cobertura das operações deles, na mata do CHANGALANA, (quando estávamos a fazer a protecção aos trabalhos da abertura da estrada JUGUDUL - BABADINCA) e por isso tivemos que "sair do conforto do arame farpado". Assim, tenho que concluir, que o Sr. Gen Almeida Bruno, andou na Guiné, apenas a ler possíveis relatórios, em vez de passar uns tempinhos connosco, noutros "arames farpados", que não os de Bissau!!!

Tenho muito mais a dizer, sobre alguma elite de iluminados dos oficiais generais, mas como a maior parte deles devem ter algumas luzes partidas e as que estão inteiras devem estar fundidas, dou desconto a essa gente, que não soube e não sabe dar o devido valor, a quem aguentou meses e meses de angústias, medos, desconforto, sem serem profissionais da guerra, (vocês sim, são profissionais) para que hoje possam estar vivos e dizer as baboseiras que lhes dá na gana. Por isso vemos hoje em dia, cada vez mais essa gente como "ASPORN" (Acessores de Porra Nenhuma)!!!

Luís Graça, possivelmente estamos a dar-lhe (ao Sr. Gen.) demasiada importância, ou talvez não?

Atentamente
José Pedro Neves
Ex Fur Miliciano de Op Esp
CCaç 4745 - Águias de Binta
GUINÉ
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Nota de CV:

Vd. último poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4104: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (2): Tinha pelo Gen João Almeida Bruno a maior consideração e respeito (J. Mexia Alves)

domingo, 29 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4104: Carta aberta a... (2): Sr. gen Almeida Bruno (2): Tinha pelo Gen João Almeida Bruno a maior consideração e respeito (J. Mexia Alves)

1. Mensagem de J. Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3942 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 29 de Março de 2009:

Caros camarigos Luís, Carlos, Virgínio e todos os Atabancados

Tinha pelo Gen João Almeida Bruno, Major no meu tempo, a maior consideração e respeito.

O Maj Almeida Bruno foi a pessoa a quem pedi para sair da zona operacional do Batalhão de Bambadinca, por achar que tinha uma nítida incompatibilidade com o comando do Batalhão, e assim fui colocado na CCaç 15 dos Balantas de Mansoa.

O Maj Almeida Bruno era ou é ainda, também, amigo de um dos meus irmãos mais velhos que foi piloto da Força Aérea nos anos cinquenta.

Tudo isto para dizer que algo me ligava ao Gen Almeida Bruno, para além do respeito e consideração que me merecia.
Pois tudo isso desapareceu com esta frase do referido senhor.

Não foi uma frase infeliz!
Só o podia ser, se este militar não tivesse conhecimento do que se passava na Guiné, mas ele sabia bem e tinha acesso a toda a actividade operacional das companhias de quadrícula da Guiné.
Se havia algumas unidades, poucas, muito poucas, que se fechavam no arame, a maior parte delas cumpriam com grande risco a sua missão, indo muitas vezes para além dela.
Basta perceber que se Bissau nunca teve quaisquer problemas, era porque as unidades militares estacionadas na Guiné cumpriam o que lhes era exigido e elas se exigiam.
Aliás, a maior parte das pouquíssimas companhias que se fechavam no arame acabavam normalmente por pagar caro essa atitude.

A frase do Gen Almeida Bruno ofende-me mais que o recente artigo da Visão que fez levantar a nossa indignação.
Um jornalista, se pode ter conhecimento das coisas, pode não as ter vivido e portanto não poder aferir daquilo que notícia.

O Almeida Bruno tinha conhecimento e sabia das condições em que a maior parte das unidades militares viviam e cumpriam a sua missão, pelo que tinha de elogiá-las e ser-lhes profundamente agradecido.

Talvez Almeida Bruno devesse ter passado 9 meses no Mato Cão, enterrado num buraco no chão, sem luz e sem água, tendo por companhia a enormidade da mata envolvente e como meio de transporte um sintex a remos.
Talvez então percebesse! Mas a verdade é que ele sabia isto tudo e mesmo assim não se coibiu de proferir a aleivosia que proferiu.

Espero que o Almeida Bruno se retrate do que disse, e peça desculpa aos militares que deram as suas vidas na guerra da Guiné.
Assim talvez volte a ser na minha memória o homem que respeitei e pelo qual tinha consideração.

Julgo que deveriam ser enviadas ao Almeida Bruno todas estas mensagens de indignação dos ex-combatentes desta Tabanca Grande.
Mas também, não é pelo que um senhor militar diz, que a nossa honra e dignidade é afectada.
Quando as coisas ditas são tão longe da realidade e tão acintosas, o seu veneno acaba por cair em cima de quem as proferiu.

Abraço camarigo a todos do
Joaquim Mexia Alves
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta ao sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

Guiné 63/74 - P4103: Carta aberta a... (1): Sr. Gen Almeida Bruno (1): Sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais bandos (José Teixeira)

1. O nosso camarada Zé Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, que nos honra de vez em quando com as suas fabulosas estórias cheias de humanidade, enviou-nos hoje esta mensagem em tom que não é de todo o seu habitual.

Camaradas:
Como o Sr. General podia estar calado e assim não corria o risco de dizer baboseiras que nos ofendem, eu correndo o mesmo risco, mas em sentido contrário, também não me calo, porque quem cala consente.

Um abraço para toda a tabanca.
José Teixeira
Esquilo Sorridente


CARTA AO sr. GENERAL ALMEIDA BRUNO

Senhor General:

Eu sinto-me muito honrado em ter pertencido a um dos tais “bandos” que vaguearam pela Guiné e se “escondiam” atrás do arame farpado muito calmamente à espera que o inimigo nos viesse visitar. Outros, com muito mais categoria e responsabilidade o faziam no ar condicionado e longe do perigo, escondidos em Bissau.

As suas afirmações foram a resposta à questão que me perseguia desde o dia em que pisei o “tchão” da Guiné. Agora entendo o porquê de durante dois longos anos que por lá andei em bando (felizmente não era de malfeitores – provam-no a forma como tenho sido recebido pelas populações que tenho visitado ultimamente ). Porque é que os oficiais do Q.P. eram aves muito raras no teatro profunda da guerra?

Lá nos locais por onde andávamos, e lutávamos em nome de uma Pátria, e chorávamos de desespero ao vermos os camaradas caírem, e partirem para a eternidade ou feridos gritarem pela mãe e se agarrarem a pagela da Mãe do Céu última esperança de salvação, ou, de medo por sentir que o próximo podia ser qualquer um de nós.

Lá nesse inferno conheci poucos. O Capitão Rei (dos Lenços Azuis) e os Majores Carlos Azeredo e Carlos Fabião de quem guardo, e, creio mesmo muitos camaradas dos tais bandos estarão de acordo comigo, as melhores recordações e o Capitão da 15 .ª de Comandos que fazia jus em partir com os seus homens para o mato, tropa especialista que me habituei a admirar, pela coragem e abnegação, mas que pelos vistos também fazia parte dos tais bandos.

Constou-me que havia um capitão do Q.P. em Gandembel, mas estranhamente nas vezes que lá fui (o bando às vezes fazia umas pequenas saídas para se divertir) estava sempre para Bissau.

Havia ainda um outro, o senhor mesmo, com a patente de capitão, que apareceu algumas vezes, vindo do céu, a acompanhar o Comandante Geral. Estou a ver a sua imagem de óculos escuros tipo James Bond, luvas brancas, botas a brilhar e de camuflado ainda virgem. Isto é, ainda cheirava a novo, nunca tinha passado pelas águas fétidas e sujas da bolanha e dos tarrafos. Não estava manchada pelo suor que nos derretia nas longas caminhadas à caça do inimigo, em operações que os senhores do Q.P controlavam e comandavam, mas, de avião. Nem surrado dos dias e noites passados em emboscadas, colado à terra vermelha e quente, onde expectantes observávamos o terreno na mira de alguém desprevenido que ousasse por ali passar... Havia ainda as colunas, que o Senhor não fazia e a massacrante e arriscada segurança na construção de estradas e depois... o descanso no serviço à segurança da Unidade.

Pode crer que fazíamos isto tudo para nos divertirmos. A prova está nos cerca de 10.000 mortos e muitos mais, feridos fisicamente nestas diversões e os que ainda hoje sofrem as mazelas físicas e psíquicas daquelas andanças.

Era este o trabalho que estes bandos de que o senhor falou com tanto desdém faziam na Guiné, mas para quem estava em Bissau, nas bolanhas de alcatrão e casernas de ar condicionado, não era nenhum trabalho especial. Pelo menos servíamos para isolar Bissau do perigo da presença armada do Inimigo por perto, podendo os senhores da guerra, dormir descansados. Dê-nos pelo menos esse mérito, senhor general.

Deixe-me dizer-lhe ainda, que agora entendo porque razão a classe militar e a classe politica, dá o mais profundo desprezo aos combatentes que tanto deram pela Pátria, abandonando-os à sua sorte.

Quantos de nós ainda sofre na pele as mazelas do que viveram na guerra.

Quantos de nós não consegue dormir uma noite em paz, perseguido pelos fantasmas que ganhou (as medalhas) na guerra.

Quantos de nós tem uma vida destabilizada, pessoal e familiar, pelas doenças do foro psicológico que persistem e os inibe, por exemplo, de trabalhar de se relacionarem como pessoas com pessoas.

Quantos de nós procuram no álcool e nas drogas um lenitivo que faça esquecer.

E os que ficaram no terreno em campas perdidas no mato. Esquecidos de todos, menos dos camaradas e da família que não consegue fazer o luto e mantém a dúvida.

Agora entendo senhor general, nas suas palavras a razão de tantas perguntas que, nós os combatentes, fazemos a nós mesmos e para as quais não tínhamos resposta – Afinal éramos uns bandos armados a mamar o sangue da Pátria.

Que tristeza ouvir da sua boca, da boca de um distinto general de óculos escuros, tanta baboseira.

Até o General Spínola, que me habituei a respeitar como um comandante dos que há poucos, por este mundo fora e tanta consideração expressava por nós a tropa macaca, deve ter dado umas voltas no caixão e se pudesse lhe arrancaria os galões, como fez a alguns que considerava indignos de os usar.

José Teixeira
1.º Cabo enfermeiro
Guiné 1968/1970
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