Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)
Caro Carlos,
Com o pedido de colocação logo que possível, claro está, na secção de Bu...rakos, segue o texto anexo onde tentarei colocar a fotografia .
Agradecia que me informasses se recebeste com a dita (continuo desajeitado a este nível).
Um Bu...rako para tapar o buraco do desenvolvimento
Manuel Maia no seu bu...rako de Cafal Balanta
Depois dum breefing de apresentação formal à nata de arquitectos portugueses, onde nomes como Siza Vieira, Alcino Soutinho, Tomáz Taveira e tantos outros tomaram assento, a palavra (e até aquela pinga de Borba que guardava religiosamente para um destes eventos – definitivamente, gosto desta palavra, tem estatuto, tem... boa leitura como a pinga tinha boa bebida...) enchendo de adjectivação elogiosa o fautor destas linhas, um arquitecto naif de gosto requintado (as palavras são deles...), foi com inusitado prazer que ouvi da boca do nosso Primeiro, ele também um conceituado homem do risco com obra feita, nessa bela cidade da Guarda, onde ressaltam as cortes dum traço enérgico, seguro, insinuante, só ao alcance de grandes mestres, um rasgado elogio sobre o design, o aproveitamento dos materiais, o seu enquadramento no resto da paisagem, e ainda a decoração dum estilo informal para quem não dispunha de tempo face aos seus afazeres profissionais...
Severiano, o Ministro da Defesa, guinéu como sabemos, exultou face ao quadro exposto, e claro a tradicional maquete de esferovite (de qualidade superior à que o Frank Gary fez para o Santana Lopes, relativa ao Parque Mayer e onde abichou um milhãozito...) o pormenor soberbo (Ministro dixit) das clarabóias que lhe emprestam uma luminosidade fabulosa evidenciada do lado direito da foto.
Evidentemente que pedimos desculpa pelo ar um pouco desarrumado da Câmara mas isso deveu-se à inoportuna doença da engomadeira...
Os presentes (tudo gente fina, atrever-me-ia mesmo a chamar-lhes a nata deste belo recanto tão cantado por poetas avoengos) denotando uma educação rafinée, ignorou a nossa preocupada explicação não fazendo nota de... devo dizer-vos que nada recebi nem tão pouco pensei fazê-lo, mas... ó Maia, tem paciência pá, tens de pereceber que deste modo até parece mal, tens de te cobrar pelo teu serviço... (aquelas tretas do costume...) mas como sou homem de ideias fixas e não queria ter depois à perna o Fernando brincalhão, meu ex-colega de liceu, e hoje Ministro das Finanças, que não enjeitaria a oportunidade para se vingar da alcunha que lhe pusemos na altura, mantive-me firme como uma rocha e fiz mais este sacrificiozito pelo país...
Entretanto, o próprio Presidente da República, que como sabemos, por inerência de funções é em ultima instância o Chefe Supremo das Forças Armadas (há quem goste de pronunciar ármádas, mas ele há gostos p´ra tudo...), ao que me disseram esteve largo tempo à conversa com o Severiano para pensarem na introdução de casernas pequenas deste tipo, para albergarem uma meia dúzia de soldados ao invés daqueles inestéticos armazéns pejados de camas do tipo hospitalar encavalitadas - salvo seja - umas nas outras...
Ora assim sendo, cá voltaremos a ter mais um desígnio nacional cumprido, ou seja, o da criação de postos de trabalho.
Vai ser uma lufa-lufa para as bandas da empresa onde aquele rapaz, Jorge Coelho, é manda-chuva, com intermináveis filas de desempregados a preencherem ficha para tomarem parte nesses trabalhos de feitura de novos quartéis, que tanta falta fazem agora para estas guerras de alecrim e manjerona... (que até já à porta desta nossa Tabanca bateram...)
A ser verdade, será provável uma remodelação geral nas ditas Forças Armadas, que a acrescentar ao regime de self-service, implementando restaurants em vez de cantinas, com serviço à la carte servido em porcelana Vista Alegre, apoiando dessa forma a indústria nacional, ao invés do prato único em disco de alumínio, como era apanágio no nosso tempo, e acabando também, definitivamente, a chamada marmita, (que ainda se usou na campanha de África) por obsoleta e inestética...
Como vêem, uma pequena coisa pode despoletar uma bolha (não a do jogo em que estão a pensar que essa é assim mais ou menos proibida, embora vá funcionando com alguma regularidade), mas sim uma bolha de desenvolvimento que aportará postos de trabalho, criação de riqueza (enfim, já sabeis a restante terminologia...)
Quem diria, à la longue que aquele meu (e dos colegas de apartamento, que não quero os louros só para mim...) projecto poderia redundar, a modos que, factor primordial de desenvolvimento do país.
Se porventura algum dos camaradas tabanqueiros puder informar das démarches nécèssaires para registar patentes, agradecemos.
Agora, posto isto, digam-me francamente:
- Haverá algum bu...rako mais bu...rako que este?
Venha de lá o prémio...
Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca
Manuel Maia
Guiné > Região de Tombali > Cantanhez > Cafal Balanta > Destacamento da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (1972/74)
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4456: Blogpoesia (48): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (V Parte): III Dinastia (Filipina)
Vd. último poste da série de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4369: Os bu...rakos em que vivemos (11): Banjara City, capital do Oio (Fernando Chapouto, CCaç 1426, 1965/66)
Guiné 63/74 - P4480: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (3): Partida para a Guiné
Assunto: Memórias e histórias minhas (**)
Olá Carlos,
Junto encontrarás mais um pouco da história. Como sempre, para bem do blog, faz com ela o que muito bem entenderes.
Daqui do outro lado do oceano, um abraço amigo
José Câmara
Partida para a Guiné
Ali, em frente dos meus olhos, estava o n/m Angra do Heroísmo. Muitas vezes o vira ao largo da cidade da Horta. Em desafio ao povo faialense nunca amarrara à doca. Entrar nele só mesmo aqueles que fizeram viagem. E era isso que eu ía fazer: uma viagem que não tinha requisitado. Tal como todos os outros militares que iriam encher os seus camarotes e porões.
O Angra do Heroísmo, no Cais de Alcantra, em Lisboa, espera que os seus porões se encham de militares com destino à Guiné
Foto: © Juvenal Afonso (2009). Direitos reservados.
Da vistoria ao navio fiquei com uma sensação amarga que, ainda hoje, perdura: a visão dos porões preparados para cargas de toda a espécie, e que agora serviriam para o transporte de carga humana. Tinham sido limpos, mas continuavam mal cheirosos e a ventilação era paupérrima. Aqueles porões iriam servir de camarata a tropas que dariam o melhor de si mesmas nas matas e bolanhas da Guiné.
Nos Açores, vezes sem conta, tinha visto as vacas serem embarcadas e arrumadas nos porões dos barcos que, ao tempo, demandavam as terras açorianas. Agora, em plena Lisboa, apercebia-me que os nossos soldados iriam ter idêntico tratamento, e serem, assim, reduzidos à condição animalesca.
A bestialidade e baixeza de instintos das chefias militares e dos responsáveis pela governação no Portugal de então, estavam ali, na visão daqueles porões. Muito baixo tinham descido no conceito e respeito pela pessoa, pelo militar, pelo cidadão e pelo mártir da Pátria. A prova estava ali. Para ser vista e sentida pelos cerca de seiscentos militares que faziam parte daquela viagem. Uma situação que foi vivida e sentida por muitos outros, antes e depois de nós.
Pelas 8:00 horas da manhã, do dia 21 de Janeiro de 1971, começaram a chegar as primeiras tropas. Sem desfiles e sem discursos de ocasião o embarque foi acontecendo. Pouca gente a observar este embarque. Sem grandes despediadas. Compreensível. A maioria do contingente militar era formado por açorianos e madeirenses. Aqui e ali um outro lenço abanava. Pelos militares continentais que faziam parte dessas Companhias e pelos militares de um Pelotão de Artilharia. Um grupo de cães e respectivos tratadores também faziam parte do contingente.
Cerca das 13:00 o navio começou a afastar-se da doca. Aos poucos foi descendo o Tejo, rumo ao Atlântico, cujas águas encapeladas provocadas pelo tempo invernoso que então se fazia sentir, deixava antever uma viagem pouco agradável. Como se isso fosse possível naquelas circunstáncias. Para trás ficava a linda Lisboa. Por todos um aceno de esperança. Para alguns o seu último adeus!
O silêncio entre os militares era tão cortante como o frio que então se fazia sentir, aqui e ali quebrado pelas rajadas do vento forte que fazia, e pelo navio a cortar as águas do estuário do Tejo. Cada um embrenhado nos seus pensamentos.
O dia tinha sido longo e a noite já ía avançada. As emoções tinham sido muitas. Restava-me mais uma: o dia da minha partida para a Guiné coincidia com o dia de aniversário natalício de minha mãe. No meu pensamento e no meu coração dei-lhe os parabéns.
Naquele momento a escuridão da noite era a luz do vazio que me ia na alma.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4424: (Ex)citações (30): O meu pai só aprendeu as letras que o trabalho lhe ensinou (José da Câmara)
(**) Vd. último poste da série de 27 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4421: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (2): O IAO em Santa Margarida
Guiné 63/74 - P4479: História da CCAÇ 2679 (19): O adeus a Piche (José Manuel M. Dinis)
O adeus a Piche
No regresso a Piche encontrámos o Alferes Lopes, rendição individual com destino ao Foxtrot, em substituição do Guerra. A primeira impressão revelou um individúo humilde, nervoso, fraca figura. O conhecimento seguinte foi o de um jovem com formação seminarista e recém-casado. Nas conversas denunciava nervosismo e receios, que a falta de voz mais acentuava. O pessoal vinha com larachas sobre o novo alferes, comentando o aspecto e o comportamento, estabelecendo as diferenças, inevitavelmente, com o Eduardo Guerra, mas logo lhes chamei a atenção, que fossem respeitadores e não se armassem em espertos, feitos veteranos, pois também já os vira acagaçados. A relativa veterania, uma ou outra mina detectada, as flagelações sofridas e o relativo àvontade que tínhamos atingido, não eram uma mais-valia de destaque.
Quando saímos para o mato, perguntei ao Alferes onde queria colocar-se. Perguntou a minha opinião e dei-lha, que se mantivesse perto de mim. Achei que se ele quisesse trocar alguma impressão, seria melhor andarmos perto um do outro. Chovia, e a capa desmesurada acentuava-lhe a pequena estatura.
No mato quase não falara, mas no aquartelamento manifestava a grande apreensão e o azar por ter ido dar à Guiné. Procurava desabafar. Bem, desse azar queixam-se milhares, devo ter respondido para não alimentar queixumes.
Entretanto, em Piche a vida prosseguia com eventos. Foi inaugurada a piscina, ou melhor, no dia aprazado para a inauguração, não foi possível por falta de água, mas o problema foi resolvido e o evento terá acontecido pouco depois. Refiro-me assim, pois não tive ocasião de ir a banhos, na medida em que estava quase a partir para férias e mantive actividade operacional intensa. Mas participei na futebolada de inauguração prévia do campo de futebol de salão.
Terá sido iniciativa do Drácula? Ou do Major, Segundo Comandante, esse praticante de desportos? Ambas as obras foram executadas pelo pessoal do BArt e desejo que tenham proporcionado bons momentos de descontração e camaradagem.
Nesta foto, distinguem-se em baixo: de tronco nú, o Zé Rocha, no 5.º lugar o Nogueira, e a antecedê-lo, parece-me o Águas. Em pé, do lado direito, Dinis e Costa.
Férias
E aconteceu. Com cinco meses de comissão, antes que fosse tarde, parti para Bissau. Instalei-me no Grande Hotel. Dirigi-me à delegação da companhia aérea para levantar o bilhete. E deambulei durante dois dias, à civil.
O hotel, o melhor de Bissau, tinha um preço aproximado do praticado pelo Tivoli, em Lisboa, pouco mais de duzentos escudos, o que achei fantástico. E eram tão diferentes, se eram! Lá, no calor abafado dos trópicos, não havia ar condicionado. Suspensas do tecto, as ventoínhas redemoinhavam na tentativa de refrescar corpos e almas. Com algum insucesso. No quarto, modestíssimo e de parca dimensão, havia outra ventoínha de pé alto, com diferentes velocidades, luxo dos luxos, que fustigava o corpo para amenizar a canícula e impedia a entrada de mosquitos. Qualquer papel voava. Parecia o Guincho em dia de vento.
A arquitectura reflectia um estilo colonial de meados do século, uma disposição periférica em quadrado, por onde se distrubuíam, a recepção os quartos e a sala de refeições. À frente, ladeando a entrada sob a cobertura, havia duas varandas que lhe marcavam a imagem da fachada principal. No espaço interior do quadrado em pátio, situavam-se as casas de banho, a cozinha, a lavandaria e dependências. Não havia casas de banho privativas. Em redor do edíficio, de rés-do-chão, um jardim relvado, com arbustos e árvores tropicais, constituía uma bonita moldura. Boa nota era para o serviço de bar nas varandas-esplanadas, onde as coronelas poisavam durante as tardes..
A primeira saída em Bissau surpreendeu-me pela minha reacção à observação de mulheres brancas, em geral jovens, as mulheres dos militares. Logo às primeiras, dei comigo a parar diante de um casal de braço dado, a olhar para a senhora como um patarata.
Fui a uma loja comprar uma camisa, e também me surpreendi à vista das Lacoste, um avanço da civilização burguesa a dois passos do fim do mundo. E regalei-me a comer peixe e marisco nas esplanadas da cidade, ornadas de acácias, acentuadas com as cores verde e vermelho. Nas montras de estabelecimentos como o Pintosinho e Tau Fiksad, olhei os produtos da civilização que respondiam às solicitações dos endinheirados militares. Militares que andavam por todo o lado, e que faziam alardes nas esplanadas, de que a 5.ª Rep era o símbolo máximo. Na cidade molengava-se. Os pretos, de mão dada, com todos os vagares do mundo, já não me chocavam como da primeira vez que os vi, que me pareciam mariconsos. As pretas cirandavam com vistosas vestes, todas garridas de colorido, ora carregavam filhos e compras para casa, ora corriam para diferentes destinos, ou bamboleavam-se em grupos de duas ou três, num linguajar cheio de interjeições e risos. No geral, parava-se, falava-se, e o tempo ia passando devagarinho.
Ao fim da tarde, antes do jantar no hotel, serviço de travessa a possibilitar todos os excessos, sentava-me na esplanada, junto das coronelas, umas notoriamente fúteis, outras mais resguardadas de comprtamento, bonitas ou feias, mas diferentes do que era usual ver-se nas mulheres do puto. Enquanto me deliciava com um cinta preta em aguada Perrier fresquinha, apreciava-as.
À noite fui a um bar de alguma nomeada, quase ou exclusivamente frequentado pela tropa, A Meta, atraído por uma pista de mini-carros de comando elétrico. Num espaço folgado, acumulavam-se matulões que conversavam e emborcavam bebidas frescas, como que a compensar a actividade sudorífera. Abafava-se. Sentei-me numa mesa onde estava um gajo conhecido. Pedi um Monks com gêlo, (dez paus). Depressa descobri um divertido espectáculo: o serviço era garantido por uma corpolenta preta, rapariga bem disposta e afável, e à medida que se deslocava por entre as mesas, era ver mãos de um lado e outro a poisarem-lhe na imensa bunda. Bamboleando-se, imperturbável, ia servindo aqui e ali, acorrendo aos chamamentos familiares dos estranhos faunos que lhe percorriam as coxas. Estranhos?
Viajei com um Sargento e um Furriel do esquadrão de Bafatá. O Sargento, que tirava do bolso um volumoso molho de notas, pagava sucessivos whiskies para termos a esbelta hospedeira junto de nós.
À minha espera as pessoas queridas. Depois da alegria de reencontrar a namorada, a família e os amigos, ou o que restava do grupo de amigos, já que na generalidade estávamos dispersos pelos caminhos da tropa, nos primeiros dias, acordava e, antes de qualquer compromisso, dava um passeio pela localidade, observava alterações urbanas, novas lojas em substituição de algumas a que me habituara desde menino, reparava em novos modelos de automóveis, num relativo bem estar geral que se evidenciava em pouco tempo, nas alterações da moda feminina, um sem número de diferenças. Nem se pressentia que a nação estivesse em guerra.
Um dos meus desejos foi comer uma sardinhada no António da Mata, uma tasca de justa nomeada.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 24 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4409: História da CCAÇ 2679 (18): Deslocação a Bajocunda (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 – P4478: Iniciativas da ADFA em Lisboa (3): Almoço/Convívio do pessoal da BA 12 (Pilotos, Mecânicos e Enf Pára-quedistas (Luís Nabais)
domingo, 7 de junho de 2009
Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevistos (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)
Guiné 63/74 - P4476: Agenda cultural (15): Lançamento em Macau, em 27 de Maio último, da antologia de poemas de Han Shan, trad. de A. Graça de Abreu
Foto: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados.
Sítio do diário, em língua portuguesa, Hoje Macau, edição de 5 de Junho último. Carlos Morais José é o director do jornal cuja propriedade é da empresa Fábrica de Notícias Lda. Sede e redação: Macau (China).
Na edição de 27 de Maio último, o nosso camarada e amigo António Graça de Abreu deu uma importante entrevista, a propósito do seu último livro, lançado nesse dia, uma antologia de poemas de Han Shan (Séc. VIII), traduzidos para português. É um acontecimento que saudamos, que honra a cultura portuguesa, que reforça o papel da língua portuguesa no mundo e que contribui para o aprofundamento das relações entre Portugal, a China e a comunidade dos países de língua portuguesa... Naturalmente, é também um motivo de alegria e de orgulho termos um dos nossos camaradas com uma estrelinha a brilhar no céu do antigo Império do Meio...
Reproduzimos aqui, com a devida vénia, essa entrevista, conduzida por Paulo Barbosa (LG)
Sinólogo António Graça de Abreu apresenta hoje antologia de Han Shan > “A poesia é intraduzível”
por Paulo Barbosa
Hoje Macau, 27 de Maio de 2009
"Poemas de Han Shan” é o nome da antologia que hoje, pelas 18h30, é lançada na galeria da Livraria Portuguesa [ em Macau]. A colectânea foi traduzida para português por António Graça de Abreu, que nesta entrevista fala na importância do clássico poeta budista e nas dificuldades do trabalho de tradução do texto chinês.
Licenciado em Filologia Germânica e mestre em História, António da Graça Abreu foi docente de língua e cultura portuguesa em Pequim e Xangai (*). Para além de tradutor, é autor de diversos livros de poesia e de um livro de memórias sobre a sua participação na Guerra Colonial, entre 1972 e 1974.
HM – Quem foi Han Shan?
AGA – Ninguém sabe quem foi, não se sabe se existiu realmente, em que ano nasceu ou morreu. Mas há uma antologia de poesia da dinastia Tang que tem trinta mil poemas de dois mil poetas e que foi publicada em 1705. Aí aparecem 311 poemas deste homem [dos quais a antologia editada pela COD publica cerca de metade].
No entanto, a sua fama ultrapassa fronteiras. Era um poeta muito querido dos beatnicks, graças às traduções para inglês de Gary Snider, o protagonista do livro “Vagabundos do Dharma”, de Kerouac.
Sim, ele é um clássico da literatura chinesa, embora tenha passado um bocado despercebido na China, onde estou convencido que vai ser recuperado. Mas é muito conhecido no Japão, por ser um poeta do budismo chan (zen, em japonês), que ali foi introduzido no século XII.
Nas décadas de 1950 e 1960, a beat generation descobriu-o. Aliás, o Jack Kerouac, que é um nome importante na literatura norte-americana moderna, dedicou o livro “Vagabundos do Dharma” a Han Shan. Este homem é tão importante que, no Japão, o Matsuo Basho [1644-1694], um dos grandes poetas do país, utilizava epígrafes dos seus poemas nos haiku [forma de poesia tradicional japonesa] que escrevia.
Quais são os temas recorrentes na poesia de Han Shan?
É um homem muito curioso, porque se retira para a montanha como eremita, mas depois, de vez em quando, escreve uns poemas com saudades do mundo cá de baixo: sente falta das meninas bonitas, da boa comida... Os temas são os normais na poesia deste período. Por exemplo, a brevidade da vida.
Ontem, apenas com 16 anos
eram jovens, fortes e apaixonados.
Hoje têm mais de setenta, extingue-se o vigor, vão perecer.
São flores num dia de Primavera, abrem de manhã, murcham ao entardecer.
A ligação com a Natureza é outro tema muito vulgar da poesia chinesa. O homem retira-se da confusão e da selvajaria e vai meditar para a montanha, o que significa, para os budistas, deixar de pensar, esvaziar a mente e procurar ficar com a cabeça livre de qualquer tipo de pensamento pesado.
Há também uma crítica ao mau governo permanente do império, assim como aos avarentos e aos ricos, ou à gente que enriquece rapidamente, mas a quem “só as moscas apresentam condolências” quando morre.
Embora seja budista, não acredita na imortalidade. O poeta critica os monges, por terem um comportamento pouco conforme com a doutrina – as pessoas entravam para os mosteiros para sobreviver, não era por terem muito amor ao Buda.
Já havia traduções em português de Han Shan antes desta antologia?
Estas traduções já deviam ter sido feitas há muito tempo. Mas penso que fui a primeira pessoa a traduzi-lo em Portugal, em 1996, quando fiz uma pequena folha para os cadernos do Pen Club. A Ana Hatherly fez depois uma tradução de 25 poemas, a partir do francês, publicada pela Cavalo de Ferro.
A sua tradução é feita directamente a partir do chinês?
Sim, mas também utilizo o francês e o inglês. Isto porque quase ninguém consegue saber os caracteres todos. Uso dicionários de chinês-inglês e chinês-francês e consigo descobrir praticamente tudo. A minha mulher, que é chinesa, também me ajuda.
Ouvi-o dizer que as todas as traduções são impossíveis. Traduzir um texto deste género é reescrevê-lo? Não será preciso ser poeta, como o Graça Abreu também é?
O poema, quando aparece em português, já não é o poema em chinês. É por isso que a poesia é intraduzível. Quando chego à fase final do poema, já estou a fazer uma outra coisa, sobretudo se for um poema mais rebuscado. Vou dar um exemplo de um poema fácil de traduzir. Em tradução literal: “Eu habitar montanha/ausência pessoa conhecer/branco nuvem meio/sempre silêncio silêncio.”
Na minha tradução, ficou assim: “Habito a montanha/ninguém me conhece/no meio das nuvens brancas/O silêncio, sempre o silêncio.”
Isto tem que soar bem em português, essa é sempre a minha preocupação. Se o poema não tiver qualidade na língua de chegada, estamos a assassinar o poema. Quanto ao significado, é o mais próximo possível do que está em chinês, mas, em certos casos, é impossível. Por vezes, os caracteres podem ter vinte ou trinta significados; depois, o texto foi escrito em 700, há caracteres que passaram de um modo e outros que tinham um significado e hoje têm outro.
Portanto, nunca teremos uma tradução definitiva?
Há um poeta de Hong Kong que diz que cada poema é como um quadro: cada pessoa o interpreta como bem entender. O que tem que estar lá é o olhar. Se o quadro é sobre um rio, não podemos estar a ver a montanha.
Que outras traduções pretende fazer de poetas chineses?
O meu plano é traduzir todos os maiores poetas da China. Já traduzi quatro, nomeadamente Han Shan, Li Bai, Wang Wei e Bay Juyi. O problema é ter os apoios necessários para fazer este trabalho. Os livros vendem-se pouco e as pessoas estão cada vez menos motivadas para ler poesia. Mas julgo que estes livros, embora agora possam ter poucos leitores, vão ficando. A poesia de Camões, de Dante ou de Shakespeare nunca se desactualiza. O “D. Quixote” será lido daqui a duzentos anos. Embora em Portugal não se tenha essa ideia, alguns destes poetas que traduzo têm a dimensão de um Camões ou de um Dante.
Estes textos são do século oitavo. Em que condições chegaram até nós?
Na China antiga, as pessoas entretinham-se a copiar poemas, escrevendo com tinta da China sobre papel de arroz. Estavam habituados a copiar – ainda hoje é assim que se aprende chinês, copiando caracteres. Escreviam, por vezes, várias cópias e os poemas foram-se transmitindo de geração em geração através de novas cópias. Isto até à invenção chinesa da imprensa em caracteres móveis, que é anterior a Gutenberg.
Mas em todo esse processo há uma adulteração...
Há e há muitos poemas que se perderam. As antologias poéticas que foram sendo feitas ajudaram a preservar o legado.
Para além de tradutor, é também poeta com obra publicada. Está a trabalhar em algum novo livro de originais?
No ano passado, publiquei o livro “Cálice de neblinas e silêncios”, que tem uma forte influência chinesa e tenho outro já escrito, chamado “A cor das cerejeiras”. São uma espécie de haiku, onde surgem as inspirações japonesa e chinesa, assim como poemas de viagens, alguns deles retratando os cinco mil quilómetros que fiz de automóvel ao longo dos Estados Unidos. Agora, que estou reformado e tenho tempo livre, quero privilegiar a minha poesia e sobretudo a poesia chinesa, que é muito mais importante do que a minha.
[Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Nota de L.G.:
(*) Vd. postes de:
21 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3921: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (8): Um poema chinês do Séc. VIII com dedicatória à malta de Matosinhos (A. Graça de Abreu)
Guiné 63/74 - P4475: Convívios (144): V Encontro da CCAÇ 1426 (1965/67), na Amieira (Fernando Chapouto)
Guiné 63/74 - P4474: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (5): Os meus livros
Caros Editor e Co-Editores
Junto envio um texto que podem publicar, se entenderem e quando entenderem.
Não é propriamente uma história retratando algum caso concreto, trata-se de relembrar alguma vivência em tempo de guerra, partindo das reflexões que alguns episódios recentes me fizeram ter.
Aceitem um forte abraço, deste vosso amigo e camarada da Guiné.
Se quiserem podem repetir esse abraço mais duas vezes.
Hélder S.
OS LIVROS….
Nas duas últimas histórias que enviei, referi os elementos que fizeram actuar a memória para alcançar o conteúdo dos mesmos. Para este escrito a situação não será diferente. De facto, são muitas vezes os estímulos, os impulsos recebidos, que fazem o clic indispensável para que a história apareça.
Desta vez temos três entradas.
Por um lado (primeira entrada) uma reportagem que vi hoje (dia 15 de Maio) na RTP1 a propósito do livro do Gen. A. Spínola e em que a determinada altura o apresentador/narrador Rui Morrison, salvo erro, relaciona o aparecimento desse livro, “Portugal e o Futuro”, como sendo um factor determinante nos acontecimentos que vieram a desembocar nas acções do “25 de Abril de 74”, relacionando esse facto com outros em que o aparecimento de livros com grande divulgação geraram alterações significativas nas sociedades em que surgiram (e não só, digo eu), referindo os casos de Thomas Payne na América, cujo livro deu origem à Revolução Americana, o do francês Thiers (também salvo erro) cujo livro deu um contributo decisivo para a Revolução Francesa, o do Vladimir Ilitch Ulianov (Lenin) com o livro “O Estado e a Revolução” saído em Fevereiro de 1917 e que deu origem à Revolução Bolchevique na Rússia.
Outro factor de lembrança (segunda entrada) foi ter participado no passado sábado 9 de Maio, em Vila Franca de Xira, na apresentação pública dum “Manifesto da Memória”, produzido por uma Comissão de redacção constituída por elementos que participaram na Secção Cultural da União Desportiva Vilafranquense. O objectivo desse “Manifesto” é o deixar memória registada das acções e actividades que foram levadas a efeitos por aquela entidade e que se entende dever deixar para que alguém, que possa e queira, aproveite a experiência desse trabalho e, eventualmente, possa encontrar aí caminho ou inspiração para enfrentar os problemas de hoje. A entrada é motivada por nessa “Memória” se entender e afirmar que pertencemos à geração do Livro. Que grande parte da nossa acção e formação girou à volta da Biblioteca, dos seus livros, do estudo e debate dos seus conteúdos, o que é bem verdade.
A última entrada é provocada por uma foto do então Furriel Henriques colocada no P4306, o qual aparece com aquele seu ar de rato de biblioteca, com os óculos típicos e os papéis debaixo do braço, em inequívoca atitude ilustradora de quem se interessava pelas questões intelectuais, tendo inclusive merecido uma referência nesse sentido, colocada num comentário, pelo Miguel Pessoa, especulando se aquele visual não seria perigoso no sentido do IN eventualmente identificar por ele alguém mais graduado, e obtendo uma resposta do Henriques/Luís Graça revelando que aquilo era apenas por ronco, já que via bem ao perto e ao longe, tendo apenas alguma maior sensibilidade à luz. Ao menos não eram Ray-Ban, senão ainda o poderíamos confundir com o A.B.... vade retro!
Da conjugação destas entradas acabei por me lembrar que na Guiné não deixei de pertencer à tal geração do livro, persistindo em mantê-lo por companhia e como elemento essencial de vida. A prová-lo está essa foto que envio, tirada no quarto, em Bissau, na moradia anexa ao Centro de Escuta onde prestava serviço. Estou a ler um jornal que me chegava por correio, visto ter assinatura, e que se chamava “Comércio do Funchal”. Na mesa de apoio, ao lado da cama, é visível um livro intitulado “As Minhas Universidades”, dum conhecido autor russo. Por debaixo desse, está um livro encapado que não me consigo recordar o que seria. Ao lado está um livro sobre economia, que cheguei a estudar com mais dois camaradas de serviço, sendo que para isso aproveitava os turnos de serviço nocturno, das 01.00 às 07.00, para passar a folhas A4 dactilografadas e com papel químico, para serem lidas e comentadas posteriormente. Por debaixo dos envelopes das cartas de avião está um outro livro encapado, mas esse sei que seria um livro intitulado “A Mãe”, do mesmo autor de “As Minhas Universidades”. Tinham capas para furtar a curiosidade dos bisbilhoteiros e/ou bufos e tentar preservar o mais possível a integridade física (a minha).
Na outra foto que também anexo, tirada numa das esplanadas do Pelicano, em que estou com os Furriéis Mil. Fernando Roque e Nélson Batalha, no dia do meu aniversário em Outubro de 71, também é visível que em cima da mesa se encontra uma capa com um livro dentro. Trata-se de uma preciosidade chamada “O elefante”, dum autor polaco de nome Mrozeck, sendo um livro de contos dos quais alguns foram lidos para mais do que os elementos que ocupavam a mesa em que me encontrava na esplanada do Bento, provocando enormes e saudáveis gargalhadas, já que os contos escolhidos a isso se prestavam.
Por tudo isto que agora recordo, bem assim como as viagens feitas com o atrás mencionado Fur Roque, de moto (Honda?), até Nhacra, para assistir a algumas sessões culturais (digamos assim) que por vezes lá ocorriam, convivendo com outros elementos dos quais retenho a lembrança dum antigo colega de escola e outras vivências, o Fur Mil Bento Luís, e que se passavam na CCAV então comandada pelo Cap Mário Tomé, reforço a ideia de que o livro foi não só uma incontornável companhia para ultrapassar as situações vividas como também a fonte onde fui beber a informação, o conhecimento, a cultura, a formação e tudo o mais que ajudou a moldar-me.
Disse acima que foi, mas é para mim bastante claro que ainda é, pelo menos quando se cultiva a atitude de reflectir o que se lê e se procura discutir o que se lê, no sentido de elevar o conhecimento e não nos limitarmos à reacção, quantas vezes impulsiva, quantas vezes boçal, quando confrontados por qualquer questão ou simplesmente para dar uma opinião.
Caros camaradas, desculpem estas reflexões sobre “memórias de tempos de guerra” mas podem crer que a guerra se travou em muitas frentes… e de muitas maneiras! Até para criar condições para acabar com ela!
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
Bissau > Hélder Sousa, no quarto. Na mesinha de cabeceira, os inseparáveis livros
Na foto, Hélder Sousa com os camaradas Fernando Roque e Nelson Batalha
2. Pequeno apontamento de CV:
"A Mãe" e "As Minhas Universidades" são livros de autoria de Máximo Gorki, pseudónimo de Alexei Maximovich Peckov que nasceu em 1868 na cidade de Nijni-Novgorod, chamada mais tarde de Gorki em sua homenagem, e que faleceu em Moscovo em 1936. Tem uma vastíssima obra literária.
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4316: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (4): A bazuca em rajada
Guiné 63/74 - P4473: PAIGC - Quem foi quem (9): Luís Cabral, entrevistado por Nelson Herbert (c. 1999)
Ficheiro originalmente em áudio, gentilmente cedido pelo nosso amigo Nelson Herbert, contendo excertos de uma entrevista com Luís Cabral, 1º Presidente da nova República da Guiné-Bissau, de 1973 a 1978. A entrevista, telefónica, conduzida por Nelson Herbert, hoje editor sénior da Voz da América (serviço e português para África), remonta a 10 anos atrás.
Neste excerto, de cerca de 10 minutos, Luís Cabral aborda questões (ainda hoje dolorosas, para todos nós) como o fuzilamento de antigos comandos africanos: faz referência ao papel de dois dirigentes históricos, já desaparecidos, responsáveis máximos pela segurança do Estado, Constantino Teixeira e António Buscardini; faz referência explicitamente a dois antigos oficiais comandos, o Capitão Cmd graduado Adriano Sisseco ( e não Sissoco...) e o Tenente Cmd graduado Cicri Marques Vieira, da 2ª Companhia do Batalhão de Comandos Africanos.
Menciona também o apelo do antigo Presidente da República Portuguesa, General Ramalho Eanes (que, como se sabe, mantinha relações de amizade com o agora falecido Luís Cabral).
Foto, à esquerda, do Adriano Sisseco, de 1966, que era 1º cabo comando no tempo do nosso camarada, amigo e co-editor Vírgínio Briote, tendo feito operações em conjunto. O Sisseco, tal como o Justo, pertencia ao Grupo de Comandos Os Vampiros. Foi depois em 1970 para a 1ª Companhia de Comandos Africanos, onde era Alf Comd graduado. Foi seu instrutor o Cap Barbosa Henriques, supervisor o major Leal de Almeida, o capitão da companhia o João Bacar Jaló. (Foto: Cortesia do Virgínio Briote, blogue Tantas Vidas).
Vídeo (9' 54''): © Nelson Herbert / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados
1. Mensagem de Nelson Herbert, membro da nossa Tabanca Grande [Nascido em 1962, na Guiné-Bissau, de mãe guineense e pai caboverdiana, viveu a guerra colonial como criança e depois como adolescente, em Bissau; veio para Portugal, onde se licenciou em comunicação social (pela FCSH/UNL); emigrou para os Estados Unidos no início dos anos 90; hoje é editor sénior do serviço em português para a África, da Radio Voice of America / Voz da América, com sede em Washington; tem a nacionalidade norte-americana) (*)...
Meu caro Virgínio:
Quiçá melhor sorte tivera eu, nas várias "tentativas" de chegar à fala ao recém falecido primeiro presidente da Guine Bissau independente, Luís Cabral (**). Digo isto, porque entre as várias conversas, algumas "off", outras tantas "on record", que fui mantendo ao longo dos últimos anos com aquele nacionalista guineense,pelo menos uma teve por finalidade o seu registo em áudio.
Trata-se pois de uma entrevista de um pouco mais de duas horas e meia, gravada há cerca de dez anos e que pela sua importância documental e histórica, ainda conservo 'religiosamente' no meu acervo pessoal!
Na entrevista em questão, Luís Cabral aborda de forma desinibida alguns dos vários momentos, episódios e factos que marcaram a sua presidência da Guiné-Bissau e, obviamente, o caso dos fuzilamentos dos antigos elementos [do Batalhão] dos Comandos Africanos.
Deste acontecimento em particular, aquele dirigente histórico do PAIGC e do Estado guineense, faz referência a um aspecto que a história, por certo, encarregar-se-á um dia de clarificar. Refiro-me pois a uma alegada tentativa de instrumentalização de antigos elementos dos comandos africanos e militares nativos guineenses do Exército Português, para fins desestabilizadores do então embrionário Estado guineense (***).
Aconteceu, pois, no conflito que se seguiu à independência de Angola,com o Batalhão 32 ou Búfalo, criado pelos sul-africanos para conter uma então rotulada "ameaça comunista" na região. Experiência similar viveram os moçambicanos, nos primórdios da sua independência.
Por conseguinte, no caso da Guiné, terá esse risco existido ? Quem sabe, o livro em gestação, de Amadu Djaló (****), traga mais luz ao debate! Até lá, pela estima que me merece e com a certeza no interesse que a temática lhe desperta, segue em anexo um extracto (audio) da entrevista referente à matéria em epígrafe !
Mantenhas Nelson Herbert
2. Comentário do Virgínio Briote (que ainda não tinha ouvido o ficheiro áudio):
Caro Nelson,
O seu trabalho, apesar de eu não ter o registo áudio, que julguei vir em anexo, merece, por todas as razões, ser posto à disposição do grande público.
A morte de Luís Cabral é mais um livro que se consome na fogueira do tempo, são páginas e páginas de vidas escritas com o sofrimento de muita gente, é injusto ficarem em cinzas. Aliás, insinuei isto mesmo ao Presidente Luís Cabral, mas a resposta que lhe dei (nos "comandos, Senhor Presidente") quando me perguntou em que parte da Guiné tinha prestado serviço, a partir daí vi o interesse dele a esboroar-se...
Nelson, pense em editar um artigo sobre o Luís Cabral. É importante para a História da Guiné-Bissau. Hoje vi num semanário Sol, uma página dedicada ao Luís Cabral, escrita por um tal Pedro d'Anunciação, com o título "Luís Cabral, Perdido pela voracidade do poder".
Um abraço, Nelson.
vbriote
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)
(**) Vd. postes de:
1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4447: PAIGC - Quem foi quem (7): Luís Cabral (1931/2009) (Virgínio Briote)
1 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4449: In Memoriam (23): Luís Cabral ou o respeito por um homem que lutou por um ideal (Virgínio Briote)
4 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)
(***) Sobre os comandos africanos e outros antigos combatentes guineenses que lutaram do lado dos portugueses, contra o PAIGC, e foram depois fuzilados no período em que Luís Cabral era o chefe de Estado da República da Guiné-Bissau,vd. os seguintes postes (incluindo os da I Série do nosso blogue):
13 de Maio de 2009 >Guiné 63/74 - P4332: Os Nossos Camaradas Guineenses (8): Braima Baldé, ex-Alf Cmd Graduado, BCA (1938-1975) (Amadu Djaló / Virgínio Briote)
13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2839: Ainda os Comandos fuzilados a seguir à independência (I): O Justo Nascimento e os outros (Carlos B. Silva / Virgínio Briote)
14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)
31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)
30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)
28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos
19 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P886: Terceiro e último grupo de ex-combatentes fuzilados (João Parreira)
31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXII: Mais ex-combatentes fuzilados a seguir à independência (João Parreira)
27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)
17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)
16 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXIV: Fala-se em 11 mil fuzilados (Leopoldo Amado, historiador)
6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)
(****) Vd. postes de:
12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)
Sonre o Amadu Dajló e o livro que está a escrever, com a colaboração do Virgínio Briote, nosso co-editor, vd. os seguintes postes:
22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4067: Os nossos camaradas guineenses (3): Amadu Djaló, Fula de Bafatá, comando da 1ª CCA, preso, exilado... (Virgínio Briote)
25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)
27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)
29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4102: Os nossos camaradas guineenses (6): Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)
21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4229: Os nossos camaradas guineenses (7): Amadu Djaló, as memórias do Comando Africano continuam (Virgínio Briote)