1. Mensagem de José Teixeira
*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381,
Buba, Quebo, Mampatá e
Empada , 1968/70, com data de 18 de Novembro de 2009:
Caros Editores
Saúde e bem estar.
Há tempos enviei um artigo em resposta ao José Belo sobre os Ui! ui! de Mampatá, a solicitação do Luís, que não vi publicado. Agora já perdeu a oportunidade, pelo que não agradeço não o publiquem.
Há dias, enviei um trabalho sobre a Tabanca de Matosinhos que também não veio a lume.
Suponho que é uma questão de falta de tempo que compreendo. Se for por outra razão por favor avisem-me**.
Abusando um pouco, junto um novo artigo sobre um assunto velho, que a meu ver nunca será esgotado. Se entenderem que não é oportuno a sua publicação, por favor avisem-me.
Abraço fraterno
José Teixeira
2. Blogoterapia > A guerra que Portugal não ganhoupor Zé Teixeira
Guerra que não for inclinação natural ou expressão de um desejo, torna-se difícil. (Li esta frase no “
Cidadela”, do Saint-Exupéry, piloto francês desaparecido num raide aéreo durante a segunda guerra Mundial. Muito conhecido pelo seu livro “
O Principezinho”)
Deixei-me transportar para a guerra que fui forçado a fazer na Guiné. Guerra, que uns teimam a afirmar que estava perdida, outros, atiram-se para o chão a afirmar que não estava perdida, mas também não estava ganha nem a ganharíamos, penso eu.
Tenho lido no nosso blogue, muita coisa sobre este tema. Tenho reflectido nele, mas não tenho comentado. Esperei que as águas acalmassem um pouco. Agora ponho em comum o resultado da minha reflexão, respeitando todas as opiniões.
O povo a que pertenço, o de brandos costumes, como se orgulha que seja classificado, não tinha de facto nenhuma inclinação para a guerra que estava a fazer. Por mais apelos que se fizessem ao meu patriotismo, a Guiné, não me dizia nada, como parte de Portugal. Talvez me sentisse um pouco orgulhoso por pertencer a um país tão grande. Na verdade tinha aprendido desde os bancos da escola que Portugal ia do Minho a Timor, mas nada me ligava a África, como me ligava o meu Porto, Trás-os-Montes ou o Algarve.
Guerra que não era a expressão de um desejo de um povo, o nosso povo português, como seria por exemplo se fôssemos invadidos pelos espanhóis. A demonstrá-lo basta pensar na forma como o povo português aderiu ao 25 de Abril.
Era, sim, a expressão do desejo de um sistema político, que como a história já provou, estava a fazer, teimosamente, uma leitura errada, não sei se propositadamente, dos ventos da história contemporânea que, na sequência da Primeira Guerra Mundial e sobretudo depois da Segunda, gerou uma dinâmica de liberdade nos povos autóctones controlados pelos europeus.
Efectivamente, a sua participação directa ou indirecta nos conflitos mundiais, através dos países que os tutelavam política e economicamente, permitiu aos povos dominados, uma leitura de que seriam capazes de assumir e gerir o seu próprio destino. Para o bem e, ou para o mal.
Esses ventos de mudança, chegaram, naturalmente, às colónias portuguesas. Foi só dar gás à sua inclinação natural para a
liberdade sonhada. Alimentada por interesses de terceiros e combatida ferozmente pelo sistema político português, gerou uma guerra na qual me envolveram. Era realmente a expressão de um desejo, mas de um povo, não o português, mas o guineense.
Voltando a Saint Exupéry, ele afirma:
- Então o vosso exército será semelhante a um mar que não exerce pressão sobre um dique. Sois uma massa sem fermento. Uma terra sem semente. Uma multidão sem desejos…
Somos, todos, testemunhas do desejo forte que nos alimentava o espírito. Apenas e só, o desejo de voltar, são e salvo. Poucos de nós, creio que mesmo muito poucos, tinham assumido conscientemente o desejo de lutar pela Guiné de Portugal. E, aos que tal acontecia, rapidamente mudavam de opinião face à realidade vivida.
Para os comandantes, desde os furriéis milicianos ao capitão, tenho orgulho em afirmá-lo, era seu grande e fundamental desejo, regressar com todos os
seus homens.
Numa situação destas em que não havia
alma no projecto de guerra, para o qual fomos atirados, os generais limitavam-se a administrar a guerra em lugar de a conduzir. Quem diz, os generais, diz os oficiais do Q.P. que se refugiavam nos gabinetes do ar condicionado, salvo honrosas e valorosas excepções, a quem presto a minha homenagem. Deixem-me, em abono da verdade, afirmar que poucos oficiais do Q.P. conheci no interior da Guiné, mas esses poucos eram pessoas com grandes qualidades humanas e excelentes condutores de homens.
É um facto histórico que, logo no início da guerra, as Forças Armadas disseram ao poder instituido, pela voz dos seus mais altos dignitários, que a solução era de cariz político. Era aos políticos que cabia a responsabilidade de acabar com uma guerra para a qual o povo português não tinha inclinação natural, nem era para si a expressão de um desejo.
Aos militares cabia-lhes
aguentar a situação.
De nada vale, agora ou num futuro próximo, os historiadores tentarem explicar as causas do desastre. Sim, um desastre para nós, que saímos sem glória de uma terra, regada com o sangue de tantos compatriotas, deixando os povos entregues a si mesmos, sem a preparação adequada para gerirem a liberdade conquistada. Um desastre para os povos que, para conseguirem a sua independência, tiveram de derramar o sangue dos seus melhores filhos e, porque não estavam preparados para a liberdade que sonhavam, a têm esbanjado. Receberam-na de bandeja, sem contar, quando o poder político de Lisboa caiu.
Dirão os historiadores, para nos justificar, que o inimigo se serviu de técnicas de guerrilha, para as quais não estávamos preparados, tinha melhor equipamento, conhecia melhor o terreno, possuía elementos infiltrados nos nossos espaços de actuação, etc, etc, etc.
Penso que o inimigo, mais que tudo isso, que em parte é pura verdade, tinha, sim, uma forte vontade de ganhar a liberdade sonhada. Tinha a
alma que nos faltava.
Nós, portugueses, fomos fazer a guerra com objectivo político de fazer a paz. O que eu senti é que por onde passava, alimentava mais a guerra.
A paz não é um estado que se atinge através da guerra. Se acredito na paz conquistada pelas armas e desarmo, corro o risco de morrer, como diz o Saint Exupéry.
Creio que foi isto mesmo o que nos aconteceu na Guiné.
Como não havia a tal inclinação natural, por se tratar, quer queiramos, quer não queiramos, uma terra estranha e inóspita, que pouco ou nada nos dizia afectivamente, não existia em nós o tal forte desejo de vencer, mas sim a vontade de regressar.
Os nossos oficiais de comando directo, na sua grande maioria milicianos, sofriam desta mesma
doença. Logo, assumida a queda do poder político que nos forçava a fazer a guerra para tentar conseguir o impossível – a sua paz -, deixaámos cair as armas, de tão cansados que estávamos. Quem os pode censurar?
Não ganhámos nem perdemos a guerra. Saímos da guerra sem glória.
O inimigo, tornado agora amigo, não ganhou a guerra. Recebeu um presente envenenado. Um País com um povo dividido. Um povo profundamente confundido. Parte, que ontem era português e hoje já não o é. Parte, que ontem recebia ordens para combater os
Tugas assassinos, que nos negam o direito à independência e à liberdade e hoje recebe ordens para visitá-lo e fazer festa.
Recebe um país sem estruturas, (estavam na mão dos dominadores que se foram embora). Sem pessoas com capacidade técnica e política para gerir o País, pois até então tinha apostado na formação de guerrilheiros combatentes. Sem trabalhadores. A força braçal estava quase toda empenhada na guerra, que acabou. A sua experiência era trabalhar com a G3 ou a Khalash.
Sem técnicos para dinamizar a agricultura, base da riqueza da Guiné, praticamente abandonada, devido ao esforço de guerra, por ambas as partes. Sem técnicos para desenvolver comércio e a parca indústria, áreas fundamentais para o desenvolvimento, que estavam na mão de firmas afectas ao regime colonizador.
Afinal quem ganhou a guerra?
Não foi o povo português, mas também não foi o povo guineense.
Foram algumas patentes douradas que a alimentaram, dentro gabinetes, quando integrados dentro do sistema político português, ganhando chorudo pré. Escamoteando ou escondendo a verdade da guerra, iam-na alimentando, enviando
carne para canhão.
Foram os militares oportunistas do PAIGC, transformados em políticos de aviário, que acorreram a Bissau e agarraram os poleiros.
Os povos, esses, que tanto lutaram e sofreram, perderam. E continuam a perder. Queixámo-nos, nós os ex-combatentes, por nos sentirmos desprezados, abandonados e espezinhados pelos novos senhores do poder político. O povo da Guiné, continua na miséria. Sem esperança a curto, médio, longo prazo de conseguir libertar-se do fantasma da fome.
Dizia-me em 2008 um conceituado chefe guerrilheiro, que se retirou para a sua tabanca de origem quando acabou a guerra e se dedicou à agricultura:
- A paz e o bem-estar só se vai conseguir, quando os meus camaradas da guerrilha, os generais morrerem e cederem o lugar a pessoas competentes.
Alegra-me no entanto encontrar um povo que continua a acreditar que é possível a mudança. Alegra-me muito a forma como me recebe. Como me pede para voltar. Não escondo que chorei de emoção quando a velhinha Fatma, (tem agora 96 anos,) mulher do Régulo Chambel de Contabane, me abraçou em 2005 dizendo:
-
Branco volta ! Branco volta !.Sinais de uns tempos que vivemos em conjunto para uns e em confronto mortal para outros, os quais poderiam estar marcados pelo ódio, mas bem pelo contrário reflectem uma relação de afecto e carinho.
É essa relação de bem-estar que nos faz correr para lá, em visita aos lugares por onde passamos e às pessoas com quem convivemos. É essa relação que nos faz pensar em formas de colaboração e ajuda, de modo a tentar que aquele martirizado povo saia do
burako.
Talvez, até num estado de guerra, conseguimos ser um povo de brandos costumes. Quem sabe!
A Fatma ChambelO João Rocha e a sua lavanderaEm Mampatá com a Ádama e com a Djuba e Zé Teixeira__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 – P5001: Ser solidário (38): O Zé tem 840 € para comprar sementes (José Teixeira)(**) Foi enviada mensagem ao Zé Teixeira a propósito deste assunto.
Vd. último poste da série de 16 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5281: Blogoterapia (128): (Im)possível regress(ã)o (Torcato Mendonça, CART 2339, Mansambo, 1968/69)