terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5678: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (34): O turra branco "Capitão G3" (Mário G R Pinto)

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 34ª mensagem, em 17 de Janeiro de 2010:
Camaradas,

Eu não perfilo com desertores, mas a lenda, o carisma sentimental e o infortúnio do fuzileiro de que vos vou falar, fez-me pesquisar a estória da sua vida e trazê-la ao nosso convívio, por achar de interesse geral.

O TURRA BRANCO CAPITÃO G3

António Tavares Trindade era um rapaz simples, filho da cidade de Lisboa, onde cresceu e aprendeu a viver. Ficou órfão de pai na adolescência, ainda bastante novo.

Sua mãe, ainda jovem, veio a casar em segundas núpcias com um indivíduo, que o veio a marcar negativamente para o resto da sua vida, pois pertencia à mórbida organização da PIDE.

Aos 17 anos, desagradado com o seu padrasto, começou a ver a sua vida a complicar-se, plena de hostilidade em casa e, revoltado, resolveu ingressar na Marinha como voluntário.

Nesta altura, inicio do ano 1962, a guerra em Angola estava no auge e a necessidade de tropas para o Ultramar fez com que o recém marujo incorporado fosse direitinho parar aos fuzileiros.

A dura recruta e a cultura castrense, que se vivia naquela altura em todas as unidades militares, não contribuíram em nada para melhorar o carácter do jovem fuzileiro. Apenas com 18 anos e acabada a sua formação militar, foi enviado para a Guiné e despejado num teatro de guerra, que não lhe despertava qualquer sentimento em particular.

Órfão de afectos e desiludido com a vida, que tinha sido compelido a escolher, não o satisfazia de modo algum. As ligações com a sua mãe eram dificultadas pelo seu padrasto, com quem se não dava de modo nenhum e cada vez odiava mais. A PIDE, organização a que, como já disse, o seu padrasto pertencia, era outra espinha no seu coração.

É, nessa altura, que conhece a sua femme fatale, que o ajuda a transformar a sua vida num autêntico inferno.  Nas suas andanças pela cidade de Bissau e pelos seus bares, onde eram férteis as meninas da vida nocturna, veio a conhecer uma brasa por quem se embeiçou. Segundo rezam as crónicas da época, era mesmo uma bonita mulher.

A femme fatale fazia parte da organização do PAIGC e, tendo descoberto a tristeza e o descontentamento do fuzileiro, decidiu convencê-lo a desertar para o outro lado, o que ele acabou por fazer, mais tarde, após uma discussão com um superior.

O fuzileiro Lisboa - António Tavares Trindade - o G3, como era conhecido pelos seus camaradas da altura, era um exímio artista com o LGF (Lança Granadas Foguete), que disparava com muita precisão.

Há quem afirme que o PAIGC, ao ter conhecimento desta destreza do Lisboa, o fez instrutor de RPG 2, para ensinar os seus guerrilheiros, vindo a ser baptizado por Capitão G3.
A Frente Patriótica Nacional, em Argélia, mantinha uma estreita ligação com os movimentos de libertação das colónias, nomeadamente com o PAIGC.

Na sua luta contra o Salazarismo absorvia no seu seio todos os dissidentes do regime, e é neste contexto que o PAIGC em 1964 entrega em Argel 5 desertores do nosso exército, onde o Capitão G3 ia integrado.

Em 1965, o governo de Argel entra em desavenças com a FPN e prende 16 dos seus membros onde se encontrava o G3.

Os mesmos são libertados após o golpe de estado que, nesse mesmo ano, derrubou Ben Bella. O G3 saiu então livre da Argélia, atravessando Marrocos, com destino a Espanha.

Posteriormente, tornou-se combatente anti-fascista, apoiando a candidatura do General Humberto Delgado (foto ao lado), tornando-se seu segurança pessoal até à sua morte.

Na clandestinidade viveu até 1968, altura que foi preso pela PIDE, por denúncia do seu padrasto, quando visitou sua mãe doente,  internada no hospital.

Foi torturado violentamente pelos seus carcereiros, nos calaboiços da polícia política do regime, que não lhe perdoaram a sua deserção da CF3 na Guiné, a colaboração prestada ao PAIGC, bem como as posteriores ligações á FNP e, pior ainda, a sua ligação ao PCP (Partido Comunista Português), a que aderira entretanto.

Como desertor foi julgado pelo tribunal da Marinha e cumpriu a sua pena no Forte de Elvas.

Posto em liberdade, depois da pena cumprida, teve de regressar ao Corpo Fuzileiros. Marginalizado e perseguido, por uns e por outros, arrastou-se penosamente pelos quartéis até cumprir o tempo de serviço na Marinha, que lhe faltava.

Na vida civil, empregou-se na CUF/QUIMIGAL do Barreiro, onde fixou residência depois de casar no Lavradio.

Nunca deixou de ser militante do PCP/Barreiro, pelo que era frequentemente preso pela ex-PIDE, que passou a designar-se, naquela época, por DGS (Direcção Geral de Segurança).

Depois do 25 de Abril, era membro destacado do PCP/Barreiro. Nos anos 1975 a 77 formou a célula do seu partido no Lavradio, após ter frequentado em Moscovo, por ordem do Partido, a formação em política apropriada.

Hoje, pouco mais se sabe do Capitão G3, apenas que frequenta esporadicamente a Sede da Associação dos Fuzileiros, no Barreiro.

Nota final: Todos estes dados recolhidos foram pesquisados na NET em, http://companhia2fz.blogspot.com/search?q=Ant%C3%B3nio+Tavares+Trindade e junto de camaradas de armas do G3, residentes no Lavradio.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5669: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (33): Até os babuínos eram contra nós (Mário G R Pinto)

Guiné 63/74 - P5677: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (6): Júlia Neto em Bissau, com a família do Dauda Viegas (Pepito)























Guiné-Bissau > Bissau >  18 de Janeiro de 2010 > As primeiras da Júlia Neto, com destaque para a sua emocionada e emocionante visita à família do Dauda Viegas, já falecido, e que era uma criança que o José Neto tratava com um verdadeiro amor de pai.. O Dauda foi o filho  (adoptivo) que ele nunca teve... A Júlia e o José Neto tiveram 3 filhas... Todas elas, de resto, reconhecem o amor que o pai tinha por Guileje... Recorde-se que o nosso Zé Neto pertenceu à CART 1613 (Guileje, 1967/68). Amanhã a Guiné-Bissau vai fazer-lhe uma pequena homenagem, com a inauguração da capela (reconstruída) de Guileje... A Júlia, membro recente da nossa Tabanca Grande, vai representar-nos também nesta singela homenagem ao Zé e a os militares portugueses que viveram, lutarem e morreram (alguns) em Guileje.

Fotos: © Pepito / AD - Acção para o Dsenvolvimento (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem enviada onem pelo nosso amigo Pepito, dando-nos notícia do 1º dia de estadia, em Bissau,  da nossa amiga Júlia Neto, viúva do Cap Art Ref José Neto (1929-2007), convivada pela AD - Acção para o Desenvolvimento para a cerimómia de inauguração do Núcleo Museológico Memória de Guiledje

Amigo Luís


Chegou esta madrugada a Bissau, Júlia Neto, esposa do nosso capitão José Neto.

É para nós uma grande alegria acolhê-la nesta terra que pertenceu ao coração do marido.

É uma pessoa extraordinária. Simples e muito humana. Parece que já conhecia a Guiné-Bissau há muitos anos, e é bem capaz disso, pelos relatos e escritos do Capitão Neto.

Esteve esta manhã num encontro muito emotivo com a Djenabu Fati, mulher do famoso Dauda Viegas, criança que ele adoptou em Guiledje e a quem ele sempre considerou como um filho. Morreu recentemente e deixou três filhas, a Paula de 12 anos, a Segunda de 10 e a Fátima de 8, "netinhas" da Júlia Neto.

Trouxe-lhes recordações formidáveis, desde roupa, calçado, material escolar e brinquedos.

Confesso que me emociono com facilidade, pelo que tive que "fugir" para não assistir aos momentos comoventes de ternura recíproca.

A Paula já vai tratar do Bilhete de Identidade para ir passar férias no Algarve com a família Neto (assim as autoridades portuguesas não criem os entraves habituais de visto... e que nada contribuem para a amizade natural e espontânea entre portugueses e guineenses).

Depois visitou algumas instalações da AD, como o centro de Animação Infantil, o Estídio de Gravação BISSOM e a Escola de Artes e Ofícios.

Acabou por almoçar em família, na escola de Hotelaria da AD, com o pessoal da nossa ONG.

Amanhã às 8h00 partimos para Guiledje e na 4ª Feira será o grande dia da inauguração do Museu e da Capela.

Abraço

pepito
 
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série: 18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5671: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (5): Recordando o brilhante improviso de Luís Moita, na sessão de encerramento do Simpósio Internacional de Guileje, em 7 de Março de 2008 

(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda, o Viegas



Dauda, o Viegas


Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço.


Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.


Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por Viegas, apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder Silva a Viegas…


Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.


Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O Viegas tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.


Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada. (...)

Guiné 63/74 - P5676: Agenda cultural (56): Beja Santos e Luís Graça, hoje, às 15h, em Oeiras, em colóquio-debate sobre Fim do Império - Olhares Civis




Tal como já foi anunciado (*), realiza-se o 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates Fim do Império - Olhares Civis, hoje,  dia 19 de Janeiro de 2010,  às 15 horas na Livraria-Galeria Municipal Verney / Colecção Neves e Sousa, em Oeiras:

Apresentação do  Diário da Guiné, 1968-1969, na Terra dos Soncó, do Dr. Mário Beja Santos (Circulo de Leitores; Temas & Debates, 2008, 365 pp.), com o autor e o Dr. Luís Graça, fundador e editor principal do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Entrada livre.


Livraria-Galeria Municipal Verney (Imagem à esquerda)
Rua Cândido dos Reis, nº 90/90A
2780 – 211 Oeiras
Tel. 21 440 83 91 / Fax 21 440 84 81
e-mail: verney@clix.pt

Acessibilidades:

Estações da C.P. – Santo Amaro e Oeiras

Autocarros – 106, 111, 112, 115, 122, 467, 471 e 482

Parque de estacionamento:

Traseiras da Verney, entrada pela Av. Copacabana, gratuito de sábado às 13h00 até final de domingo.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5582: Agenda cultural (52): 4.º Encontro do 2.º Ciclo de Colóquios-debates "Fim do Império-olhares civis", dia 19 de Janeiro em Oeiras

Guiné 63/74 – P5675: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (28): Baptismo de fogo - Parte 2



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos uma mensagem (a 28ª), com a 2ª parte do seu baptismo de fogo, com data de 16 de Janeiro de 2010:

«Baptismo de fogo» - Parte 2

Rescaldo da operação «Lenquetó»

6 de Julho de 1964

Com a Companhia reunida foram lidos pelo nosso Capitão dois “rádios” com louvores à Companhia pelo êxito da operação de Lenquetó, que a seguir transcrevemos:

«PARA CMDT C. CAÇ. 675
DE CMDT B. CAV. 490
64815JUL64
N.º 2 1/0
ESTE COMANDO TEM MUITA SATISFAÇÃO EM TRANSCREVER
(MENSAGEM N.° 2532/CP 333. 1 DO CHEFE DO ESTADO MAIOR
DE 51155JUL64):
QUEIRA TRANSMITIR C. CAÇ. 675 MUITO APREÇO SATISFAÇÃO
SEXA COMILITAR ÊXITO ACTUAÇÃO LENQUETÓ MERECEDOR
CONFIANÇA COMANDO DEMONSTRATIVO NOTÀVEL ESPÍRITO
MILITAR COM VOTOS CONTRIBUA MODIFICAÇÃO SITUAÇÃO SECTOR.»

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
NOTA N.° 42 P.° 103.6
BISSAU, 6 DE JULHO DE 1964
AO SR. COMANDANTE DO B. CAV. 490.
ASSUNTO: - SAUDAÇÕES
GOSTOSAMENTE ENDEREÇO A ESSE COMANDO PEDINDO PARA TRANSMITIR
A TODOS OS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA COMPANHIA 675 QUE
TOMARAM PARTE NA ACÇÃO SEU SITREP N.° 193 (LENQUETÓ); AS MINHAS
MELHORES SAUDAÇÕES E FELICITAÇÕES PELO ÊXITO OBTIDO.
O CMDT DO AGR 16
AS) J. A. PINTO SOARES
COR. DE INF.ª

À distância no tempo parece-nos de particular relevância transcrever as memórias na “primeira pessoa” do então Capitão Tomé Pinto (FREIRE Antunes, José. A Guerra de África (1961-1974), "Tomé Pinto - Capitão do Quadrado"; Vol. II; p.819;Lisboa; Círculo de Leitores):

(...) "Uma vez estive cercado e para sair do cerco foi complicado. Foi logo das primeiras vezes. Eu vinha com o tal “quadrado” mas eles eram em maior número porque tinham vindo reforços e tinham uma companhia muito boa. Tenho de elogiar os meus adversários porque eles eram, de facto, muito bons.

Eram os chamados bigrupos, muito bem treinados. Fiz um ataque numa determinada zona e quando vinha a caminho, depois de ter colocado postos de recolha e de reforço a caminho, e de empenhar todo o efectivo, comecei a ter tiros de todo o lado, já muito próximo do primeiro posto de reforço.

Pensei que estava cercado. Os homens do PAIGC fizeram bem: sentiram o meu dispositivo, viram que ali não iriam só por um dos lados e decidiram provocar ali qualquer coisa, esperando, deitados. Houve logo uns feridos, alguns com uma certa gravidade, e aí começou o drama.

Comecei aos gritos: «Alarga, alarga, alarga.» Isto para alargarem o quadrado. Eles tentaram romper o quadrado mas não conseguiram.

A certa altura, eu disse para um soldado: «Cuidado com os tiros, estás quase a dar-me um tiro.» E ele disse-me: «Meu capitão, não sou eu, é um que está ali à frente.»

Eu saí dali para ir dar outras indicações e, passado um bocado, veio ter comigo esse soldado, com uma arma ao lado, e disse-me: «Era esta a arma que estava a fazer fogo contra si.»

Eu nem lhe disse nada.

(Nota do “cronista”:Está claro que o nosso Capitão não de esqueceu de mais tarde louvar o Soldado Chita Godinho pelo seu acto de bravura).

Então, pedi o apoio da Força Aérea e vieram dois T-6.

O meu batalhão era o do tenente-coronel Fernando Cavaleiro, que aparecia sempre no meu estacionamento nos momentos mais difíceis, e que pensou: «É desta que o Tomé Pinto não se safa.»

Mas eu consegui entrar em contacto com os T-6 e disse-lhes que tinha um ferido muito grave que teria que ser evacuado em helicóptero. Eles disseram-me: «Nós estamos a ver o teu dispositivo mas à volta há muita gente.»

E iam levando uns tiros nos aviões. Eu respondi-lhes: «Tem que ser, não há outra hipótese. Eu vou identificar o nosso dispositivo.»

Consegui identificar o nosso dispositivo, levantando um e depois outro, e depois fiz um tiro à nossa volta, para que o helicóptero pudesse aterrar no meio do quadrado, que eu fui alargando.

O piloto foi excepcional, conseguiu aterrar no meio do quadrado, eu meti dois soldados feridos, um deles muito grave, e o helicóptero levantou.

Aí pensei: «A partir de agora é connosco.»

Contactei os T-6 e disse-lhes: «Eu tenho um grupo que está em tal lado. Vocês vão até ao meu estacionamento e vejam se está um grupo aqui e outro ali.» «Sim, estão identificados», disseram eles. «Então, ninguém mexa porque eu estou em ligações com eles. Agora, vais bombardear esta zona entre aquela árvore e aquela árvore, para abrir um caminho», pedi-lhes.

Eles perguntaram: «E se acertamos em vocês?»

Respondi que eles tinham mesmo de bombardear e eles usaram só tiros de metralhadora.

Então alertei o pessoal e saímos imediatamente atrás dos tiros de metralhadora.

Nessa altura, o piloto, entusiasmado, dizia-me: «Já percebi o que querias!» Consegui fazer o torneamento. Depois, saímos de lá com algumas dificuldades, fomos até ao primeiro posto de recolha, que tinha ficado a assegurar-nos a retaguarda, chegaram viaturas e fomos para o estacionamento. Foi um desgaste físico, um cansaço muito grande. Foram muitas horas... das duas da madrugada até perto da uma da tarde.

Quarenta e alguns anos depois...

O «baptismo de fogo» é um dos momentos mais marcantes da vida de um militar.

Ninguém sabe como irá reagir.

Alguns «heróis» das paradas dos quartéis agarram-se ao chão que nem lapas e outros, até ali mais discretos, conseguem dominar o medo e portam-se como Homens.

Há um momento decisivo.

Ou fazemos o que é o nosso dever ou perdemos o respeito dos outros.

E passamos a (con)viver mal com nós próprios...

Na operação Lenquetó, no norte da Guiné nos primeiros dias de Julho de 1964, fomos emboscados e tivemos vários feridos. O mais grave foi o 1º. Cabo Marques, que foi atingido no baixo-ventre.

Aguentou as dores que nem um valente.

Nos seus poucos queixumes julgo que só lhe ouvimos dizer... «Meu furriel, estou feito. Não vou voltar ser um homem normal...»!

«Está claro que vais, Marques. Aguenta só mais um bocado.»

Quando o helicóptero chegou para o evacuar estávamos cercados e debaixo de fogo.

O Alferes Tavares aproximou-se para levar ao colo o Marques.

Antecipei-me. Era eu o Enfermeiro.

Era eu que o tinha de levar até ao helicóptero.

O capitão Tomé Pinto e o Alferes Tavares deram-me protecção.

Os metros que percorri com o Marques ao colo, até ao helicóptero, foram bem compridos.

Só me recordo de ouvir as pás do helicóptero e... as batidas do meu coração.

Não mais esquecerei aqueles minutos. Foram 5 minutos muito coooompriiidoos!

Mais de 20 anos depois... conheci numa reunião de ex-combatentes... as filhas do Marques.

A maneira como me abraçaram deu para entender que sabiam “alguma coisa “do papel que eu teria tido em relação ao seu nascimento...

Foram minutos de intensa emoção.

A expressão do seu afecto foi uma «medalha»... para toda a vida. Uma recompensa... eterna.

E já estive com o Marques e uma sua neta em 2008!
(foto da esquerda)

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: © Jero (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5674: Parabéns a você (64): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil da CCAÇ 2617 e Manuel Mata, ex-1.º Cabo do Esq Rec Fox 2640 (Editores)

19 de Janeiro de 2010 é dia de aniversário para dois camaradas e tertulianos da nossa Tabanca Grande.
São eles:

1 - José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp/Rânger da CCAÇ 2617, de quem não temos fotos, e

2 - Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640.

A estes nossos camaradas vimos desta forma expressar os nossos desejos de um dia bem passado junto dos seus familiares e amigos, e que esta data seja comemorada por muitos anos, cheios de saúde e boa disposição.


Falemos destes nossos amigos.

De Crisóstomo Lucas*
, encontrei esta mensagem do dia 24 de Março de 2008:

Meu nome: José Crisóstomo Lucas, ex alferes miliciano de Operações Especiais, de uma Companhia residente em Guileje (Guiledje) entre 1969 e 1971, conhecida pelos MAGRIÇOS DE GUILEJE, de que muito me orgulho, a CCAÇ 2617.

Sou amigo pessoal do vosso cartógrafo de serviço (Humberto Reis) que conheci só em Lisboa através de outro alferes Magriço, já falecido, [o José Carlos Mendes Ferreira,] bem assim como do Hélder de Sousa, que hoje descobri também ter estado na Guiné sendo um antigo combatente, embora não tenha lá voltado.

Eu, pelo contrário, já voltei a Bissau. Fui muito bem recebido nomeadamente por diversos ministros e pelo Sr Presidente na altura (Nino Vieira, que é o mesmo de hoje). Alguns dos que estavam nessa reuniões, eram antigos combatentes (um deles, de que não me lembro do nome, na época de 69/71 era o comandante da zona Sul)... Posso dizer que, após alguns momentos de silêncio e de eventual desconfiança, a abertura e os risos de boa disposição foram totais.

Ao contrário de algumas notícias que li sobre Guileje e não só, sou dos que tenho orgulho do trabalho que executámos em Guileje, independentemente da tradicional frase do Sangue, suor e lágrimas. Faço notar que foi mais suor do que o resto.

Durante todo o tempo, além de termos resistido a muitos ataques, alguns ao arame - faz anos na Páscoa, tivémos 3 ataques ao quartel no mesmo dia - , ainda fizemos alguns roncos e peripécias de que me abstenho neste momento de contar mas que constam de um diário de guerra que, segundo li, está em vosso poder, basta ler.

Quero chamar a atenção que nem as gentes da Guiné são uns coitadinhos nem as nossas tropas foram uns malandros. Pensem que no meio estará o ponto de equilíbrio.

Enviei 2 emails sobre Guileje sobre a questão dos morteiros existentes na altura, mas não tive o prazer de os ver publicados

Uma abraço
J.C. Lucas

(*) Vd. poste com data de 25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2681: CCAÇ 2617, Os Magriços do Guileje (Guileje, Mar 1970 / Fev 1971) (José Crisóstomo Lucas / Abílio Pimentel)

.../.../.../...

Manuel Mata, que foi 1.º Cabo Apontador de Armas Pesadas no Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640*, andou por Bafatá entre 1969 e 1971, vem já da primeira série do nosso Blogue.

Encontrei registos de postes seus datados do ano de 2006, referenciados em roda-pé, logo estamos perante um velhinho.

Desses postes retirei as três fotos que editei e se publicam.



Bafatá > Manuel Mata junto à Fonte Pública

Bafatá > Manuel Mata em cima de uma AM Daimler

Bafatá > Manuel Mata junto a uma Fox


(*) Sobre o Esq Rec Fox 2640, vd. os seguintes postes, publicados na 1.ª série do nosso blogue:

2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (1)

3 de Março de 2006 > Guiné 93/74 - DCIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (2)

25 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71) (Manuel Mata) (3)

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXI: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (4): Elevação de Bafatá a Cidade

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 -DCLXXII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (5): Foguetões 122 mm no Gabu

2 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXIII: Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Manuel Mata) (6): as primeiras Chaimites para o Exército Português

Vd. último poste da série Parabéns a você de 6 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5598: Parabéns a você (63): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Mário Migueis / Editores)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5673: Blogpoesia (63): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte I (António Graça de Abreu)



Macau, na foz de um rio de pérolas.
A cidade cicia segredos,
envolta em bruma.


Macau,
exultação e júbilo.
Festas na alma.


Macau,
as portas da baía
abertas para o coração dos dias.




Macau, a sorte,
nove luas,
uma nuvem.


Macau,
falsas montanhas de jade,
bruma e vazio.





Em chinês 'da lou xie xiang', ou seja, Viela Torta do Grande Edifício.




Camilo Pessanha.
Ópio, magia
no marfim dos poemas.


Os poetas maiores,
Camões, Bocage, Pessanha,
todos encalhados em Macau,
cidade do Nome de Deus na China.




Macau, mil casinos,
dez mil silêncios,
lótus da China.


Macau,
o canto dos séculos,
as seduções do mundo.




Macau,
o fascínio do ouro,
o espelho do mundo.

Fotos e poemas: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados



O António Graça de Abreu (n. 1947, no Porto),   membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), especialista em cultura chinesa, tradutor (premiado) de clássicos da poesia chinesa, é autor de mais de um dúzia de livros, incluindo 'Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura' (Lisboa: Guerra e Paz, 2007).

É casado com a médica Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro.  Vive no concelho de Cascais  (*).

 


No passado dia 20 de Dezembro, comemoraram-se dez anos da transferência de soberania portuguesa de Macau para a República Popular da China. É uma história de 4 séculos, desconhecida ou mal conhecida por muitos dos nossos amigos e camaradas da Guiné. Macau, o primeiro entreposto comercial dos europeus na grande China, e também a sua última colónia...

"Só em 1887 é que a China reconheceu oficialmente a soberania e a ocupação perpétua portuguesa sobre Macau, através do 'Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português'. (...)

"No dia 3 de Dezembro de 1966 ocorreu em Macau um célebre motim popular levantado por chineses pró-comunistas descontentes e fortemente influenciados pela Revolução Cultural de Mao Tse-tung. Este acontecimento é vulgarmente chamado de Motim 1-2-3. Neste dia de protestos, houve 11 mortos e cerca de 200 feridos e foi necessário a mobilização de soldados para controlar a situação. O motim gerou uma grande tensão e terror em Macau, ficando só o assunto resolvido no dia 29 de Janeiro de 1967, com um pedido humilhante de desculpas feito pelo Governo de Macau para a comunidade chinesa local. Este motim fez também com que Portugal renunciasse a sua ocupação perpétua sobre Macau  e reconhecesse o poder e o controlo de facto dos chineses sobre Macau, marcando o princípio do fim do período colonial desta cidade. (...)

"Em 1987, após intensas negociações entre Portugal e a República Popular da China, os dois países concordaram que Macau iria passar de novo à soberania chinesa no dia 20 de Dezembro de 1999. Actualmente, Macau está a experimentar um grande e acelerado crescimento económico, baseado no acentuado desenvolvimento do sector do jogo e do turismo, as duas actividades económicas vitais desta região administrativa especial chinesa" (Fonte: Wikipédia > Macau).
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5465: Blogpoesia (60): Memórias da Escola Prática de Infantaria, Mafra e Macau (António Graça de Abreu)

 (...) No dia 27 de Junho de 2009, acabadinho de chegar de Macau e já então a fazer a mala para nova viagem, agora até Xangai, Pequim e arredores, fui um dos quase dois mil convidados presentes num encontro e opíparo almoço no convento de Mafra oferecido pelos antigos governadores de Macau a todos quantos haviam trabalhado e vivido na velha cidade sino-portuguesa na foz do rio das Pérolas.



Por acaso, nunca vivi em Macau, sempre em Pequim e Xangai, mas tenho trabalhado, e muito, para e por Macau. Daí o convite. Comemoravam-se os dez anos da entrega à China do último pequeníssimo - mas rendoso - bastião do Império. (...)

Guiné 63/74 - P5672: Estórias avulsas (23): Old Parr e Antiquary a 90$00 (Luís Dias)



1. O nosso Camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos em 14 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:

Camaradas,


Trago-vos mais uma história relacionada com as garrafas de uísque que adquiríamos na Guiné a tão bom preço. Old Parr e Antiquary a 90$00, ai que saudades!!! Se entenderem ser de publicar, força!!! Vão também fotos das garrafas.

Old Parr e Antiquary a 90$00

É verdade! Ainda tenho 5 garrafas de uísque das que trouxe da Guiné!!!. Ou seja, estas já estão em minha casa desde 1974 (o BCAÇ 3872 regressou da guerra no Niassa e atracou no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em 4 de Abril, mas elas chegaram antes desta data). São elas uma “President”, uma “Something Special”, uma “Dimple”, uma “Smugler” e uma “Logan (conforme fotos abaixo). Umas autênticas belezas.

Alguns dirão que isto é um sacrilégio; porque será que o Dias não tratou destas “meninas” em conformidade? Outros dirão que não é lá muito de beber e que, por tal facto, foi deixando andá-las lá por casa. Eu respondo: fui bebendo algumas, deixei outras ao meu pai, também ao meu tio Armando – este sim um grande apreciador – e fui ficando com outras e olhem ganhei-lhes amizade, porque olhava para elas e ía-as destinando a grandes momentos. Bebi uma, já não me lembro a marca, quando o meu filho nasceu há 30 anos.




Tinha uma “Monks”, em bilha de barro, que muitos amigos, quando me visitavam, diziam para eu abrir, porque o uísque ia-se evaporando. Provei-lhes o contrário quando a abri e a bebi ao fazer 50 anos. Abri uma “Chivas”, ao que creio, aos 55 e agora ainda tenho estas, embora com destino certo. Vou abrir a “Dimple” quando fizer 60 anos, se Deus permitir que eu lá chegue e as outras serão para outras “special ocasions”, nomeadamente se o meu Benfica, este ano, voltar a ser Campeão Nacional.

O uísque na Guiné era, como todos sabem, uma bebida altamente apreciada e usada, inclusive, como tratamento antibacteriano. Quando regressava das operações no mato e entrava no quartel, ainda antes de tomar o retemperador e refrescante banho, a primeira coisa que fazia era beber um uísque com água de castelo para matar a bicharada (parasitas) que, possivelmente, tivesse engolido quando bebia das águas da bolanha, dos riachos, das poças, mesmo com recurso às pastilhas, ao lenço a fazer de filtro, antes de ela entrar no cantil e depois de afastar a baba dos macacos ou de outros animais que tivessem lá estado a tirar a sede.

Durante a comissão fui adquirindo diversas garrafas do precioso néctar, em especial das marcas que eu entendia serem mais prestigiadas. Encaixotava-as, devidamente acondicionadas, e pumba lá iam direitinhas para casa dos meus pais, através do correio. E nunca desapareceram e chegaram sempre inteiras!

Na minha companhia (Dulombi), ao que julgo também nas outras, depois da cerveja, o uísque era das bebidas mais comercializadas (o vinho…bem, o vinho não era lá grande coisa, como sabemos), embora existissem boas aguardentes velhas (como a excepcional “Adega Velha”, em garrafa numerada). O gin com água tónica também era muito apreciado entre os graduados (mais na sede do batalhão em Galomaro do que na nossa companhia) e até a coca-cola tinha alguma saída (esta bebíamos juntamente com o uísque, normalmente em convívios, despejando uma garrafa de uísque corrente dentro de uma das terrinas de sopa, com uma grande pedra de gelo e coca cola a atestar. Depois seguia-se o ritual de passar a terrina de mão em mão, de boca em boca, bebendo o líquido fresquinho até acabar e, às vezes, como não chegava, iniciava-se novamente o processo).

A cerveja era muito popular e bebia-se em quase todas as alturas. Em Janeiro de 1973 a companhia teve de pedir um reforço de cerveja, porque a mesma esgotou-se e, segundo a Manutenção de Bissau, a nossa companhia tinha batido o recorde de cervejas bebidas!!! Raio de malta, esta nossa rapaziada!!!

A aquisição do uísque das melhores marcas era uma luta em que o nosso 1º Sargento Gama, quase sempre, me levava a melhor. De facto, a título de exemplo, nunca consegui adquirir a “Martins” de 20 anos, porque se esgotava sempre (!!!!!). Mas eu vinguei-me, conforme vos relato a seguir.

Em finais de Fevereiro, princípios de Março de 1973, eu estava a comandar a companhia, devido às férias do nosso Capitão. Então engendrei com os operadores criptos que, num determinado dia, depois de almoço, me apresentariam uma mensagem falsa, relacionada com a nossa transferência urgente para outra zona de acção. Os outros alferes e a maioria dos furriéis estavam também alertados para a notícia.

No dia aprazado, um dos criptos vem entregar-me uma mensagem urgente à messe de oficiais e sargentos, trazendo um ar preocupado e quando eu a li, mostrei um ar de estupefacção, que levou a que os outros graduados perguntassem o que tinha acontecido.

Depois de alguns segundos de silêncio eu disse-lhes, com uma voz dramatizada, que estávamos quilhados. Tinhamos recebido ordens de marcha para a zona do Cantanhez, para onde seguíriamos dentro de 3 dias. Foi como uma bomba! É claro que a maioria sabia do engano, mas alinhou na “tanga”.

Mas, onde é que entra aqui o nosso 1º Gama? O problema é que uns dias antes o 1º sargento havia comprado mais um grande lote de garrafas de uísque e assim ele deu imediatamente um grande salto, como que impelido por uma mola.

- Como é isso meu Alferes? Vamos todos para o Cantanhez? Isso é verdade? Perguntou-me o 1º Gama.

- Nosso primeiro, a coisa é bem séria! Vamos todos para o Cantanhez! Confirmei com a cabeça.

Depois da confirmação, o 1º Gama entrou em desespero…!!! Gritava o que é que iria fazer com a pôrra das garrafas de uísque que havia comprado, que nem ía ter tempo de as remeter para a metrópole, que tinha gasto tanto dinheiro com a sua aquisição, etc. Estava fulo e chamava nomes a tudo o que era comandante, recorrendo ao seu vernáculo de bom alentejano. É claro que a malta alvitrou logo que o melhor era começar já a bebê-las e que todos nós estávamos dispostos ao sacrifício, dávamos o corpo ao manifesto, ajudando-o em tão árdua e imperiosa tarefa… O 1º sargento estava desfeito… Eu sentia-me vingado!

Deixámo-lo com estas preocupações durante algum tempo, mas não me contive e disse-lhe a verdade. Ficou tão aliviado que me perdoou a maldade.

A cena poderia ficado por aqui, o problema é que uns dias depois, exactamente depois do almoço, surge um dos operadores cripto na messe a entregar-me uma mensagem e foi logo dizendo que o assunto era sério e que a mensagem era verdadeira.

Peguei na mensagem e lia-a, primeiro com os olhos e depois com a alma, e lá estava, preto no branco. O Comandante do Batalhão solicitava a informação de quantas viaturas iriam ser necessárias para transferir, em três dias, a companhia para Galomaro (sede do Batalhão). É claro que não era a mesma coisa que ir para o Cantanhez, eram apenas 20 km de distância, mas a malta ficou em polvorosa e muitos, ao princípio, pensavam que era mais uma brincadeira. O 1º Gama lá deve ter pensado para com os seus botões, que afinal não seria assim tão mau e não me resingou os ouvidos como seria de esperar.

A verdade, é que tive de preparar e organizar todo o pessoal para sair, em três dias, ficando unicamente no quartel do Dulombi, 13 bravos, comandados pelo Furriel Gonçalves do 2º GC (posteriormente rendido pelo Furriel Soares das Trms) e dois pelotões de milícias.


Assim, no dia 9 de Março de 1973, a CCAÇ 3491, entrava em Galomaro, comigo na frente da enorme coluna que foi possível organizar. O que começara por ser uma pequena brincadeira, tornou-se uns dias depois uma realidade e a vida operacional da companhia iria ser completamente diferente. Mantivémos as operações na zona do Dulombi, alargámo-las também para a área de Galomaro e passou a estar um GC de intervenção em permanência em Piche, depois em Nova Lamego e até em Pirada (poucos dias). Era a companhia que detinha a maior área geográfica de intervenção em todo o território.

Só regressaríamos ao Dulombi para realizar operações e em Janeiro de 1974, para preparar a recepção aos nossos “piras”.

Eu, no jipe que encabeçava a coluna da CCAÇ 3491, no dia 9 de Março de 1973, à chegada a Galomaro. Atrás o Fur. Baptista do 1º GC e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que se entregara um dia antes a uma patrulha nossa, na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSH 41, de calibre 7,62 mm - Tokarev, vulgarmente conhecida por “costureirinha” (aqui com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do tambor habitual com 71) .






E, já agora, também do vinho comemorativo dos 35 anos do regresso da nossa companhia.

Um abraço do tamanho do Rio Corubal,
Luís Dias
Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872


Fotos: © Luís Dias (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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