sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6234: Parabéns a você (109): David Guimarães, o melhor rapaz da Tabanca do Xitole (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Vistas aéreas da tabanca e aquartelmento do Xitole, em 1970, no tempo seco... Aqui viveu, combateu, sonhou, sofreu, suou, amou, tocou viola e sobreviveu, nestes vastos domínios, o nosso camarada David Guimarães que está há seis anos connosco, na Tabanca Grande... No seu bilhete de identidade, diz-se que é um SEXA. Faz anos hoje, 62 se bem li. O ano passado (e anos anteriores) passou, discreto e incólume, por entre as fiadas de minas & armadilhas da margem direita do Rio Corubal, mas este ano foi apanhado pelo Pel Ref Info do Carlos Vinhal... Em suma, passa a estar cadastrado. E a pagar imposto de palhota. O Parabéns a Você foi bisbilhotar a sua (dele) ficha. Sabe-se, por exemplo, que é casado com uma santa, de seu nome,  Lígia. Vive em Espinho, ou dorme lá de vez em quando. Trabalhava no Porto, na Segurança Social, mas deixou-se dessas lides, reformou-se, que o trabalho é bom p'ró mouro... Consegue cometer a proeza de ser filho de um herói da I Grande Guerra!... Gosta de saltar de tabanca e tabanca. E anda sempre acompanhado da sua viola, pronto para o que der e vier. É um dos últimos heróis, românticos mas trôpegos, do Séc.XX.  na Tabanca Grande, seguramente, um senador, um grande senhor...  Faz parte de várias máfias, do Triângulo Verde & Rubro Bambadinca-Xime-Xitole até à Tabanca de Matosinhos...É fã do fado de Coimbra. E, claro, é também um Grande Dragão. O pior que lhe pdoe acontecer na vida é um dia não poder ir ao Encontro Nacional da Tabanca Grande. Fará tudo, mas tudo, para alterar a data, incluindo remover céus e montanhas, entre Espinho e Monte Real... Este artista é PORTUGUÊS!... e merece uma salva de palmas!!! Parabéns, David, em meu nome, e dos restantes editores e demais camaradas e amigos... Este anmo tens direito a rancho melhorado! Para o ano logo se vê... LG

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > O Guimarães, um perito em minas & armadilhas, com uma beldade local, a Helena, por sinal bem produzida...

Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados


Em matéria de saias (ou melhor, de panos presos à cintura), o nosso David também tinha opinião abalizada e falava de cátedra. Escreveu ele um dia, ajudando também a quebrar um certo tabu (ou simples pudor dos machos) *):

 Também é importante todos dizermos que, nesse capítulo, não fomos nem santos nem pecadores. Eramos humanos, soldados que passávamos uma vida metido entre matos, entre perigos e guerras esforçados... E pela noite dentro, a escapadela da ordem, na tabanca. Ai que maravilha!... Foram muitos e belos romances... E aqueles que podiam ir a Bafatá, eram uns sortudos... Eu só no fim da comissão é que soube o que era Bafatá!...


Lembro-me de um romance de um camarada que comprou a liberdade de uma mulher. Os nativos pensaram que ele se tinha casado com ela... Bem, porreiro para ele! Não é segredo, foi verdade, e a testemunha foi o chefe de posto, isso mesmo, aquele que a mulher - linda ali, no Xitole!!! - morria de amores por um camarada nosso, já falecido...


E o Cardoso (outro furriel que estava lá desde 1966) ... Esse pedia-me para eu fazer guarda mais pela noite... Vinha-me acordar, para eu seguir para a tabanca: vinha sempre de casa da Mariana, com as calças na mão, descomposto... E ria, ria... Lá ia eu, sempre furioso:
- Seu porco! - e ia ter com a Mariana e ela, coitada, queixava-se:
- Guimarás (pronúncia dela), Cardoso manga de tolo, mas Mariana gostar dele (...)

Cabo Verde > Pano tradicional > Mulher às voltas do tachos e panelas...

Foto: © Luís Graça (2006). Direitos reservado

Mas há outras facetas menos conhecidas do David, que é um homem emotivo, com a sensibilidade à flor da e pele e o coração ao pé da boca... Enfim, faceta menos conhecida sobretudo por parte dos mais periquitos do nosso blogue... Por exemplo, ele que é um rapaz de bom gosto e bom senso, ninguém o está  imaginar a fazer uma incursão noctívaga ao Pilão, sem apoio aéreo, só munido de um faca de ponta e mola. Deixemo-lo contar a peripécia. (Ah!, é também um grande conversador e contador de histórias):


Em 6 de Abril de 1971 - ai foi há dias ! - , regressava eu das férias que tinha vindo gozar à metrópole… Chamava-se licença disciplinar - alguém me saberá explicará porquê, o Marques Lopes pelo menos saberá, teve tempo de aprender, poça !.... - mas era assim que se chamava...

E Lisboa ficava para trás, víamos as luzes, lindas. Voltávamos ao escuro... O Branquinho e eu... Sim, sim, esse mesmo que estava em Fá Mandinga e era mais Alentejano que eu - pois ele era de lá e eu não... No ar, a ver Lisboa ainda, diz-me o Branquinho:
- Guimarães, dói-me a cabeça...
- Chama a hospedeira, toca nessa campainha! - Que linda bajuda veio até à nossa beira...
- Faz favor...
- Olhe, fazia o favor, dói-me a cabeça...
- Momento - disse a hospedeira, linda (ou ... nós achávamo-la linda).

Daqui a pouco aí vem ela com um copo de água e uma pastilha que entrega delicadamente ao Branquinho, dizendo-lhe:
- Se não passar com isso chame que eu dou-lhe outra coisa... - E lá foi...
Ele vira-se para mim e pergunta:
- Que será? - Eu respondi, a rir, claro:
-Dorme...

Daqui a pouco, ilha do Sal e logo depois Bissalanca... e lá estávamos nós outra vez na Guiné... Caminho para a pensão Chantra - ou Chantre, já não me lembro… Bom, não interessa, era uma residencial onde se dormia. Que não era má e sobretudo não era cara, aliás nada era caro naquela terra ... para quem tinha dinheiro. E isso havia. Uma coisa: os graduados tinham, os outros nem tanto, parecia injusto, mas enfim...

Café Portugal ... que lindo, comprámos uma navalha cada um, três estalos (é que as havia de cinco). Aquela era de três. Mais um ronco... Aproveitei e comprei um relógio Seiko: que maravilha, trabalhava bem, o outro que eu tinha já havia apanhado água do rio Poulom… Mas, curioso, quem mo vendeu ficou com ele.... Esta do relógio nem conto, é mesmo de combatente e ignorante nestas merdas: não tinha rubi nenhum, mas funcionava, que se dane ! E dizia 17 ... Made in Japan. Fui a saber e parece que era made in Canarias....

À noite uma volta... Sim lá para o escuro, para lados de Pilão... Porra, a certa altura uma mulher a gritar por não sei quem... Poça, vamos lá, era o único lugar com luz... De trás da árvore surge uma voz:
- Oh furriel, furriel!?

Furriel ?... Mas nós estávamos à civil !... Bem, lá atendemos às solicitações da mulher, nem sei o que ela queria, e afastámo-nos rapidamente para os lados da luz, os canivetes de 3 estalos abertos no bolso… Correu tudo bem, lá chegámos à residencial... Bem, aconteceu nada, mas como é que nós éramos furriéis, vestidos à civil ? Fiquei a matutar nessa:
- Mistério…

E aí vou eu, passados dois dias. Lá aparece transporte para Bambadinca.... Barco civil, partida às três horas da manhã quando do macaréu… Tive tempo de levar o capitão do barco para o Bento e lhe dar vinho q.b. para ver se ele não ia... Bem, mas foi, levou o barco o ajudante dele... Mais duas garrafas de Casal Garcia para eles, pró caminho....

Passadas 13 horas estava em Bambadinca.... Lembrei-me do Camões, em perigos e guerras esforçados, pois que passei em cada sítio mais estreito do Geba!... Ainda bem que estava num barco a que chamávamos o barco dos turras, senão tinha apanhado um balázio na cabeça... A guerra existia aí, ao lado, Ponta do Inglês, Ponta Varela, do outro lado o Enxalé, mais à frente o Mato Cão… Mais isto e mais aquilo onde tanta porrada havia e eu, ali, num barco pequeno, cheio de géneros, o capitão caído de bêbado e foi o imediato que conseguiu atracar ao cais de Bambadinca...

Segui um cabo da intendência que era o responsável por aquele material.... Não, para o Branquinha tinham arranjado outro transporte, não me lembro agora. Coisas do destino: queriam que eu fosse naquele cruzeiro...

Finalmente, passadas 13 horas, estava eu dentro do Quartel em Bambadinca a fazer a barba para me ir apresentar ao segundo comandante… Merda, parecia a prova de matemática da maioria dos alunos de agora… Estava cansado e derrotado... Vou ter com o Alferes de Serviço, um rapaz do batalhão que me levou ao AC [Anjos de Carvalho]:
- Meu Major, eu venho de tal parte e vou para tal parte… -
Ena, que sermão!
- Vá aprender a apresentar-se!

Lá saí eu do gabinete, envergonhado, porra que o homem era maluco.... O Alferes dizia:
- Guimarães, ele faz sempre isto....
A seguir fui ao Saúl... aquele bom 1º Sargento que bebia muita aguardente e perguntei:
- Meu primeiro, como é que me eu vou me safar deste caralho ?
- Guimarães - dizia ele no seu inconfundível sotaque açoreano - tens que dizer como na recruta: Apresenta-se o Furriel tal, nº tal , que vem de tal parte e se destina-se a tal parte, por motivos de ....
- Vamos lá - disse eu para o lferes -, vamos lá ver se cola agora…
- V. Excia dá-me licença, meu major ?
- Sim, senhor! - responde ele, perfilado. – Apresenta-se a V. Excia o Furriel miliciano nº 17345368 Guimarães, pertencente à CART 2716 que se encontra em trânsito para a Companhia por motivos de ter cessado a sua licença disciplinar...
O Major, agora mais calmo, diz:
- Poça, vocês sabem apresentar-se porque não o fazem de imediato ?!
- Saiba V. Excia que venho de barco civil de Bissau há 13 horas e ainda não me encontro refeito da viagem…Para além disso ando medicado com Valium e a falta de descanso, de um cigarro e de um bom sono teria sido a causa da minha má apresentação.
O homem senta-se e diz:
- Guimarães, calma que nós já nos conhecemos da Pesada 2 [Vila Nova de Gaia] … Tome um cigarro e depois vá descansar… Agora sente-se aí...

Ai, quando saí de lá e contei ao Oficial de Dia, ele ficou espantado:
- O quê, ele fez-te isso?
E lá fui eu para a Tabanca do Brito.... Sim, foi lá que eu fiquei dois ou três dias até ter transporte para o Xitole....

E, pelo fim de tarde, o Machado e o Vacas de Carvalho, este á Viola, cantavam a cantiga com que comecei o texto... Era assim: o Vacas de Carvalho tocava e cantava e o Machado cantava com ele:

Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...
etc., etc.

Foi a primeira vez que ouvi esta tão linda cantiga e lembrei-me de mim, pelo meio dia, em frente ao temível Major, aquele Major a quem o Luís chamou uns nomes bem apropriados… Mas era assim... E mais me lembrava daqueles que, no mato, lutavam por aquilo que era deles, e lembrava-me de mim e de nós que ali andávamos... A fazer o quê, afinal ?

E eu que, quando estava com cerveja a mais, só tocava o silêncio por preferência - aquilo que os outros gostavam e pediam… Agora, mesmo sem uma cerveja, tocava esta também, no Xitole:

Lá porque usas sacola
e só por isso te dão esmola...

Porque era linda e fazia mais sentido ....

Um abraço.... David Guimarães


PS - Na altura tinha eu no aquartelamento um livro - Repórter no Vietname.... Porra, se o gajo tivesse ido à Guiné morreria mesmo, não de uma bala na cabeça mas só de susto....




Porto > Tertúlia do Porto > 24 de Maio de 2006 > O David Guimarães e o António Marques Lopes, da nossa... Tertúlia do Porto... O nome acabou por não ir avante, ou melhor, a Tabanca de Matosinhos acabou por vingar, agregando camaradas nossos do Grande Porto... E mais uma vez, o David estava lá, para a posteridade, para a história, para a fotografia.

Nessa noite fazia-se as honras ao famoso Chabéu de Frango, do Braima, um guineense que tinha (espero que ainda tenha) um restaurante no Centro Comercial de Santa Catarina, no coração do Porto...

E na legenda da foto, escrevi: "Pois é, amigos e camaradas, a nossa caserna, porque é virtual, não tem limites físicos, tal como o universo está em permanente expansão...Por isso, é bom saber notícias dos amigos e camaradas que se juntam para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso (como dizem os alentejanos), seja no Porto ou em Bissau... Eles foram dos primeiros a arranjar lugar na nossa caserna virtual, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, o Sousa de Castro hoje era marechal)... Entretanto, vamos continuando a marcar encontro, todos os dias, no Luís Graça & Camaradas da Guiné... Até um dia a gente decidir encontrar-se, mesmo de verdade, olhos nos olhos, para beber um copo, matar saudades, tabaquear o caso, incluindo o Zé Neto que é o veterano dos veteranos mas que, neste momento, anda a travar uma luta danada contra o cigarro: por favor, não lhe falem em tabaquear... coisa nenhuma!"...

Infelizmente, o Zé Neto (1929-2007) já não está cá para nos honrar com a sua companhia, o seu humor sarcástico, a sua experiência: era o patriarca do blogue, a morte privou-nos, cedo, da sua sua presença afectuosa e amiga... Resta-nos a sua lembrança, a sua saudade, os seus escritos...

Foto: © David Guimarães (2006). Direitos reservados


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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXLVIII: Nem santos nem pecadores (David Guimarães)



Guiné 63/74 – P6233: Actividade da CART 3494 do BART 3873 (6): Parte 6 (Sousa de Castro)

1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos a sexta parte da actividade desenvolvida pela sua Companhia, em 20 de Abril de 2010, dando continuidade ao relato publicado nos postes P5965, P5986, P6019, P6088 e P6132:
ACTIVIDADE DA CART 3494 DO BART 3873 NO TEATRO DE O. P. GUINÉ (7)
DEZEMBRO1971/ABRIL 1974
Este texto foi elaborado a partir do livro:
BART 3873 “HISTÓRIA DA UNIDADE”
CART 3492 – CART 3493 – CART 3494
NA GUERRA CONSTRUINDO A PAZ
(autor desconhecido)

13º FASCÍCULO

ABRIL 1973

Nota do editor:

Muito embora a CART 3494 tenha mudado para Mansambo, devido à baixa moralização da Companhia, continuarei a divulgar os acontecimentos no Sub-Sector do XIME para perceberem o quanto aquela zona era importante para o P.A.I.G.C. (Partido Africano Independência Guiné e Cabo Verde)
S.C.

59. SITUAÇÃO GERAL

- A utilização dos mísseis anti-aéreos pelo P.A.I.G.C. colheu de surpresa as Forças Armadas. Daí derivou uma redução da actividade aérea militar e civil e um consequente crescimento no poder agressivo da guerrilha e transtorno das comunicações aéreas.

Embora as aeronaves destruídas o tenham sido fora do Sector L-1, o certo é que o acidente teve ali as suas sequelas, como aliás em toda a Província.

60. TERRENO

- Nada de mencionável se verificou no período.

61. INIMIGO

a)Sub-Sector de Mansambo - CART 3494

- A 07 pelas 07,00 horas MANSAMBO é flagelado por MORT. 82 sem consequências.

A última flagelação deu-se em Agosto de 1972, portanto há 08 meses.

- No dia 10 ás 06,00 horas forças da CART 3494 detectaram e levantaram em (XIME 7A1-91) 03 minas A/P (anti-pessoal) e 01 A/C (anti-carro), reforçadas com granadas de morteiro e ligadas por cordão detonante.

b) Sub-Sector do XIME - CCAÇ 12

- A 06 às 18,30 horas o aquartelamento do XIME foi flagelado por canhão S/R e Mort. 82, durante 15 minutos s/consequências.

- A 13 às 17,45 horas nova flagelação por 02 Mort. 82, RPG’s e armas pesadas, S/consequências.

OBUS 10,5 cm

c) Conclusões

- Chama-se atenção para o Sub-Sector de MANSAMBO, onde a actividade IN que há muito não se fazia sentir, ressurgiu através implantação de engenhos explosivos e o ataque à distância ao aquartelamento.

É crível que tendo as informações do P.A.I.G.C. sabido um dos motivos porque a CART 3494 fora para ali transferida ~ baixa moralização da Companhia, tenha tentado com sua insistência, pôr em desespero as NT lá estacionadas.

Ainda assim o ponto mais alvejado no Sector L1 não deixou de ser o XIME.

62. POPULAÇÃO

- O Pel. Mil. 370 de SANSANCUTA pediu que se fixasse na antiga tabanca abandonada, denominada SINCHA BAMBÉ.

A ocupação da primitiva localidade foi rodeada por um cerimonial confraternizador e significativo, na medida em que uma povoação morta desperta para a vida da GUINÉ.

Estiveram presentes o CMDT. Do BART 3873, COR ARTª ANTÓNIO TIAGO MARTINS cujo topónimo da terra natal STA. CRUZ DA TRAPA foi atribuído à renascida povoação por sugestão dos milícias, o Régulo de BADORA, MAMAFU BONCO, os chefes das tabancas vizinhas e população.

Uma lápide ali colocada ficou assinalando o acontecimento.

63. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Acção «GOLIAS 15» na protecção à coluna reabastecimento BAMBADINCA / MANSAMBO / XITOLE / SALTINHO / BAMBADINCA, por 03 Gr Comb da CART 3492, 02 da CART 3494, 01 cedido pelo BCAÇ 3872 e outro da mesma unidade em reforço à CCS/BART 3873.

Sem contactos.

- Em 10, das 05,00 às 16,00 horas a acção «GUARIDA 28» pela CCAÇ 12/XIME a 03 Gr Comb na região da PTA VARELA. Foi escutada pela nossa rádio «ONKYO» uma transmissão em Espanhol.

- No mesmo dia foi a acção «GABÂO 9» por forças da CART 3492 a 03 Gr Comb. e CART 3494 a 02 Gr Comb.. Estas ultimas detectaram e levantaram 03 minas A/P e 01 A/C em (XIME 7A1-95).

b) Conclusões

- A presença de cubanos na PTA VARELA, como pessoal especialista, veio novamente confirmar-se pela transmissão captada.

- A implantação de 04 minas no Sub-Sector de MANSAMBO está na linha do tipo de acções que o IN põe em prática neste compartimento.

Remete-se a este respeito para a alínea c) do número 61.

c) Alterações ao Dispositivo

- No Sub-Sector de MANSAMBO/CART3494 o PEL do ENXALÉ regressou à sede da Companhia.

- No Su-Sector do XIME/CCAÇ 12 ocupou no ENXALÉ o lugar deixado pela saída do Pel. da CART 3494.

14º FASCÍCULO

MAIO 1973

64. SITUAÇÃO GERAL

_- Nada de sensível teve lugar neste período, quer do nosso lado, quer do lado do adversário.

65. TERRENO

- Começou a estação das «chuvas», fenómeno donde decorrerá a modificação do terreno pelo crescimento rápido da vegetação.

66. INIMIGO

a) Sub-sector de MANSAMBO – CART 3494

- Revelou-se inactivo, ao invés do que se passou em Abril.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 15 às 18,05 horas o XIME foi atacado à distância, durante 07 minutos, por canhão S/R e Mort. 82 mm. Resultados negativos.

- 13 dias após, outra flagelação, desta vez também com R.P.G. Os 10 minutos de duração da referida acção não conseguiram provocar danos às NT.

c) Conclusões

- O aquartelamento do XIME, com tropa branca ou africana, foi o mais atingido, como já vem sendo tradicional.

- A imperícia dos combatentes do P.A.I.G.C. torna-se flagrante pela inoperância das suas acções contra as NF.

67. POPULAÇÃO

- Há notícia de que o inimigo recrutou coercivamente mancebos nas tabancas (sob seu controle) do POIDON, PTA VARELA, PTA LUÍS DIAS e PTA DO INGLÊS.

Por coincidência, um dos recrutados na PTA VARELA era informador das NT e, furtando-se à vigilância dos coactores, apresentou-se no ENXALÉ. Exemplifica-se, assim, os processos utilizados pelo Partido no angariamento dos combatentes, sabendo-se claramente que deste caso particular se pode subir à generalidade.

68. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

Neste mês, a CART 3494 para além da actividade rotineira (Patrulhamentos, Colunas e outros), não participou em Acções e Operações que mereçam destaque.

15º FASCÍCULO

JUNHO 1973

69. SITUAÇÃO GERAL

- A população sob nosso controle voltou a ser pressionada, depois de decorrida uma larga margem de tempo sobre a última acção do género.

- A navegação do R. GEBA também foi, de novo, agitada.

- De resto, o Sector L-1 manteve-se pacífico, como aliás todo LESTE dum modo geral.

70. TERRENO

- Ainda que as chuvas caíssem escassamente, o terreno cobriu-se de densa vegetação, o que dificulta a progressão das NT em patrulhamentos.

71. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO – CART 3494

- O inimigo não se manifestou. Assim aconteceu no período transacto.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 01 às 01,30 horas um grupo inimigo não estimado atacou o barco civil «BUBAQUE» durante 20 minutos, utilizando RPG e armas automáticas, nas proximidades de SÃO BELCHIOR. A tripulação sofreu 02 feridos graves e 01 ligeiro. O patrão AMANTE ROSA, antes do início dos tiros, ouviu vozes mandar parar, mas prosseguiu a sua rota.

- Em 10 às 18,10 horas um grupo não estimado flagelou 03 barcos civis na PONTA VARELA, durante 05 minutos, com RPG e armamento ligeiro, sem consequências. A Artilharia do XIME reagiu, disparando 08 granadas de OBUS (10,5) 4 04 de morteiro 81.

72. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Acção «GARBO 1» de 13 às 17,00 horas a 14 até às 17,00 horas em MANSAMBO/JOMBOCARI/Região de MINA/MANSAMBO pela CART 3494, CCAÇ 12 e CART 3492 que monta emboscada em XITOLE/GALO CORUBAL. A doença súbita de um soldado, a carecer de evacuação e a recusa do guia prosseguir, não permitiram o avanço até ao objectivo.

Cerca das 04,30 horas ouviram-se 02 tiros na direcção S.E.

b) Conclusões

- Pelas acções levadas a cabo concluiu-se que o P.A.I.G.C. organiza postos avançados de vigilância que lhe permitem detectar as NT muito antes dos seus redutos. Concluiu-se também que os guerrilheiros não se fixam em um único acampamento, transferindo-se de acampamento para acampamento.

16º FASCÍCULO

JULHO 1973

73. SITUAÇÃO GERAL

- A flagelação ao barco «MANUEL BARBOSA» na sequência de uma nítida intenção de embaraçar, ou até impedir, a navegação no RIO GEBA (Veja-se a flagelação ao «BUBAQUE» em Junho).

- O relativo abrandamento da pressão exercida sobre as NT

- A colocação da CCAÇ 21 (Companhia de Caçadores Africana) em BAMBADINCA, como unidade de intervenção do CAOP 2.

Foram os três factos acima referidos que definiram o período em causa.

74. TERRENO

- O aspecto não se alterou em relação ao mês passado.

75. INIMIGO

a) Sub-Sector de MANSAMBO – CART 3494

- O inimigo, uma vez mais, não se revelou.

b) Sub-Sector do XIME – CCAÇ 12

- Em 29 às 09,30 horas, um grupo IN não calculado flagelou o XIME durante 10 minutos com RPG, Mort. 82 e Armas automáticas. As NT responderam utilizando L.G. de Foguete, Mort. 81 e OBUS 10,5. As bases dos RPG’s foram localizadas em (XIME 3F6-56). Sem consequências.

- Em 28 às 17,45 horas, um grupo IN não estimado também, flagelou durante 15 minutos o XIME. A nossa reacção desencadeou-se através do Mort. 81 e OBUS 10,5. Desta vez o inimigo, além de Mort. 82, actuou com 02 canhões S/R. Duas granadas caíram próximo do espaldão do nosso OBUS. Sem consequências.

- em 13 às 11,50 horas o barco civil «MANUEL BARBOSA» foi atacado nas proximidades de SÃO BELCHIOR, por 10 minutos. Foi atingido por alguns disparos de RPG e Armas automáticas. A tripulação que nunca perdeu o controle, conduziu a embarcação até BAMBADINCA, onde o ferido (ligeiro) recebeu assistência. O GMIL 309, o PEL CAÇ NAT 54 e o Mort. 81 de MATO CÃO desencadearam o contra-ataque, não conseguindo interceptar os atacantes.

c) Conclusões

- A circulação do tráfego no R. GEBA vem sendo, ultimamente, alvo de forte pressionamento pelo P.A.I.G.C., no sentido de a impedir ou, pelo menos, dificultar.

76. NOSSAS TROPAS

a) Acções e Operações Mais Importantes

- Operação «GUARDEAR 5» de segurança próxima e afastada a BAMBADINCA por ocasião da cerimónia final do 3º Turno de Instrução de Milícias no CIMIL local. Intervieram o PEL REC DAIMLER 3085; 02 Gr Comb. Da CART v3494; PEL REC 3873: PEL’s CAÇ NAT 52, 54 e 63; PE’s MIL 201, 202, 203, 358, 370, 242, 243, CCAÇ 12 e CCAÇ 21. Sem contactos.

b) Alteração ao dispositivo

- A CCAÇ 21= Unidade Africana, ficou aquartelada em BAMBADINCA como força de intervenção do CAOP 2.

77. ACÇÃO PSICOLÓGICA E FORMAÇÃO SOCIAL

- Assumiram o compromisso de honra mais 03 pelotões de Milícia, todos eles pertencentes à etnia FULA. Presidiu à cerimónia SUA EX. GOVERNADOR E COMANDANTE-CHEFE que dissertou sobre os deveres dos milícias. A população da região acorreu em grande número.

- A chegada da CCAÇ 21, com os respectivos graduados africanos, produzirá sobre a população civil uma boa impressão e um estímulo, para mais uma parcela da Província em que predominam os Fulas, pois Fulas são também os militares desta Companhia.

(continua)

Um abraço Amigo,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873

Fotos: © Sousa de Castro (2009). Direitos reservados.
___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 – P6232: Estórias avulsas (32): A minha experiência claustrofóbica (António Matos, Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790)


1. O nosso camarada António Matos, ex-Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, enviou-nos a seguinte mensagem:

Camaradas,

Aqui fica uma pequena contribuição para o blogue:

Uma experiência claustrofóbica

Um “post” da autoria do Vasco da Gama onde descreve com primoroso realismo a tragédia dos 3 cadetes que morrem na lagoa de Mafra foi, em última análise, o leit motiv para me despertar para um outro acontecimento passado comigo que ainda hoje me provoca pesadelos ao recordá-lo.
A manhã corria sorrateira, ao ritmo da instrução militar na aldeia dos macacos...
Os meus antecedentes de ginasta na altura, permitiam-me desfrutar do prazer daqueles exercícios que executava com grande à vontade se bem que haviam dois que chocavam violentamente com a minha estrutura psicológica e que se relacionavam com as alturas (galho, slide e muro) e com a claustrofobia (túnel).
Aquilo era superior às minhas forças e sempre me neguei peremptoriamente a esboçar qualquer tentativa para os abordar.
Com um esforço absolutamente irreal, consegui um dia aventurar-me, perante a insistência do alferes, a caminhar sobre o tal muro.
Estrategicamente coloquei-me com apenas mais um camarada atrás de mim a fazer aquela travessia...
Para quem não conhecer o referido muro posso adiantar que a parte superior era arredondada (o que não permitia assentar direito os pés) e ia adquirindo altura em relação ao chão até chegar a uns bons 3, 4 metros.
Não foram precisos muitos passos para estacar e petrificar com a incapacidade absoluta de dar mais um passo que fosse.
Aliás, a visão do precipício era demolidora e a sensação do desequilíbrio e a queda iminente apavoravam-me.
Ao contar isto hoje provo que sobrevivi mas o trauma manteve-se para o resto da vida ainda que lute acerrimamente para vencer situações do género.
Não foi esta, porém, a estória que aqui quis vir contar.
Nesse mesmo dia, esperava-me pôr à prova uma nova experiência - o túnel.
Quem o fez recordará que dentro dele, só deitados cabíamos e o equipamento (bornal, arma e restante cangalhada) impossibilitava qualquer tentativa de fazer algo diferente de rastejar.
Eu sabia por relatos anteriores que aquele túnel tinha a configuração de um "Y" e que uma das pontas não tinha saída.
10 metros percorridos e a escuridão era total.
A minha 1ª reacção foi negar-me a entrar naquele verdadeiro sarcófago mas condescendi a fazer a experiência na certeza que mal os pés entrassem, eu sairia em alta velocidade e em pré estado de histeria claustrofóbica.
Deixei que todo o pelotão entrasse e eu fui o último.
Psicologicamente fiquei bem pois nada me barraria a saída em caso de necessidade.
Porém, 3 metros percorridos e eis que chega mais um cadete atrasado que tapa a minha hipótese de fuga.
Num esforço titânico, tentei acalmar-me e progredi mais uns 2 ou 3 metros.
Já sem ver nem a entrada nem a saída, toda a gente parou e chega uma mensagem do topo da fila a ser passada de boca em boca que dizia: esta merda não tem saída!, é preciso recuar!
(devo confessar que enquanto escrevo estas linhas o meu ritmo cardíaco já acelerou!!!)
Nessa altura pensei que morreria atacado de alguma apoplexia por via do pavor que se me instalou.
De imediato idealizei o que seria se eu fosse o tipo da frente e esbarrasse numa parede com 30 gajos atrás de mim e ater que esperar que todos eles reagissem no recuo...
Mas tinha que reagir e a maneira mais expedita que arranjei foi gritar para o tipo que estava atrás de mim: "meu caralho, ou sais imediatamente ou dou-te um tiro!"
Acto contínuo, não percebo como, a fila começou a andar novamente e uns segundos depois comecei a ver a luz ao fundo do túnel donde saí que nem uma toupeira espavorida, calculo que lívido, mas vivo!
Foto: © Abílio Rodrigues (2009). Direitos reservados

Talvez tenha sido um bom tirocínio para a posterior vida de "mineiro" que desenvolvi na minha comissão e onde foram treinados até à exaustão… os nervos .
Sei lá...

Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas Arm da CCAÇ 2790
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Nota de M.R.:Vd. último poste desta série em:
10 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6139: Estórias avulsas (83): Emboscada em Lamel (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6231: O 6º aniversário do nosso blogue (26): Parabéns Luís Graça por este Espaço de Memória Futura (Luís Faria)

1. Texto de Luís Faria* (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) chagado até nós, alusivo ao nosso aniversário:

6.º Aniversário do Blogue
23-ABR-2010


Talvez saudoso(?) de uma mocidade que tantos e tantos Camaradas de Armas “formatou” como homens para toda uma vida de Esperança, mas desiludido e apreensivo por continuar a constatar que ao longo de todos estes anos, para muitos se foi dissipando essa Esperança.

A meu ver ficaram e continuam perdidos e abandonados à insensibilidade de uma Sociedade em que fomos esquecidos, maltratados, vilipendiados pela Política, pelos Governos e pela maioria dos nossos Políticos!

Continuamos e continuaremos a sê-lo, enquanto a vida se nos vai esgotando, a menos que consigamos uma chamada de consciência colectiva!

A própria Instituição Militar pouco fez/faz por nós (Milicianos, em especial), por aqueles que a serviram abnegadamente, com tamanha escassez de meios e condições tantas vezes infra-humanas, em Teatros tão exigentes e fatídicos como os do ex-Ultramar Português, esquecendo-os, abandonando-os, não procurando assegurar ou que assegurem, a tantos e tantos, um mínimo de dignidade Humana mais que merecida e devida, deixando-os à deriva com todas as mazelas físicas e psíquicas, que os têm levado à degradação espiritual e física - com consequências tantas vezes funestas - “medalhas” ganhas no cumprimento do dever, em defesa do que à altura, não esqueçamos, também era a nossa Pátria Una e Indivisível, PORTUGAL.

Tudo isto… com a complacência doentia e egoísta da maioria dos Cidadãos (onde os ex - Combatentes se incluem) que, salvo honrosas excepções, individualmente ou em Associação, cumprem com o seu dever de Cidadãos, tentando minorar ao menos um pouco todo esse sofrimento que continua e continuará a grassar pelo nosso País, cada vez mais alienado de uma realidade Histórica passada, que parecem continuar a CONSIDERAR VERGONHOSA, devendo como tal ser esquecida… apagada até, votando ao esquecimento os seus intervenientes “anónimos”, quer os já infelizmente falecidos quer os ainda vivos, esperando talvez que estes últimos acabem por desaparecer e que a cal branca “coma” definitivamente a ”NÓDOA INCÓMODA“!?

Pela parte que me toca, TENHO ORGULHO, MUITO ORGULHO em pertencer a esse Grande Grupo de Portuguesas e Portugueses que ajudaram a escrever uma Página da nossa História, como outros o fizeram outrora.

Incluo Mães, Pais, Esposas, Filhos - que sofreram e choraram (ainda hoje o fazem!), que viveram de outro modo mas à mesma intensamente, esse pedaço da nossa História.

A meu ver, por norma somos na grande maioria demasiado individualistas, acomodatícios, egoístas até, olhando para o lado e assobiando se pressentimos que algo que devamos assumir nos vai tirar do nosso “não é nada comigo… que se cosa!!”

E nós, Ex-Combatentes ainda vivos da guerra do Ultramar, temos o País que não merecemos mas que “aceitamos”, já que também pouco ou nada fizemos ou fazemos para alterar esta e outras realidades.

É neste contexto e talvez a esta luz, que há meia dúzia de anos atrás surge a “CHAMA” de uma vela acesa pelo Luís Graça que, com a complementaridade do Vinhal, Briote e M. Ribeiro, foi evoluindo até se transformar no que é já hoje, um FAROL sinalizador de um espaço de excepção, de Ex-Combatentes que na sua diversidade humana e sociocultural o alimentam com os seus escritos.

Espaço de convivência na pluralidade de opiniões, de transversalidade de vivências havidas, de reabilitação de afectos e emoções, de expurgo de “fantasmas e demónios“.

Espaço de afectos, de amizades, de encontros e reencontros.
Espaço de conhecimento, de saber, de ideias e por vezes de controvérsia.
Espaço (quer-se), de verdade, de autenticidade, de humildade, de tolerância.
Espaço de vida, de “terapia”, de esperança ainda.
Espaço de consulta.

Espaço de “Memória Futura”

Espaço que começa a “prender” a atenção desta nossa Sociedade “amorfa e instalada”, abanando-a podendo vir a ser o início da tal chamada de consciência colectiva, quem sabe ?!

Espaço NOSSO, dos Ex-COMBATENTES!

Parabéns “Luís Graça & Camaradas da Guiné”

Parabéns Mulheres e Homens que mantêm este espaço vivo.

Luís Faria
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6156: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (28): Teixeira Pinto - O Bolo

Vd. último poste de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6230: O 6º aniversário do nosso blogue (25): Sonho inverosímil (Mário G. R. Pinto)

Guiné 63/74 - P6230: O 6º aniversário do nosso blogue (25): Sonho inverosímil (Mário G. R. Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), também escreveu sobre os 6 aninhos do blogue:

SONHO INVEROSÍMIL

Esta noite sonhei com a minha juventude, já longínqua, especialmente nos dois longos anos esforçados nas matas da Guiné.
No sonho revivi todo aquele tempo e nas terríveis e aguerridas sequelas, manchadas pelo sangue desperdiçado em ambos os lados numa contenda, e no seu fim, para mim previsível.
Vi-me transportado num sonho par junto das gentes daquela terra, que me habituei a conhecer e a conviver por força das circunstâncias.
Vi os sorrisos das crianças, deambulando á nossa volta, saltitando sorridentes, alegres e solicitando-me algo para o conforto das suas meninices.
Vi as bajudas do meu tempo, em Mampatá, de peitinhos firmes, provocando pura e ingenuamente os mais profundos e íntimos desejos lascivos dos nossos jovens militares.
Sonhei com os homens e mulheres grandes da tabanca, que já cá não estão para nos contarem histórias e “partirem” conversa como era um dos seus costumes e daqueles que eu mais apreciava.
Revivi na minha memória toda aquela tabanca, mata, trilhos, carreiros, estradas, bolanhas, rios, povoações e, enfim, tudo que por lá calcorreei.
De repente o sonho mudou de cenário e surgiram-me imagens de uma terra florescente, onde os putos que outrora conheci viviam hoje, já homens feitos, uma vida diferente, plena de prosperidade, saudável e com elevados graus de instrução.
Uma comunidade aberta ao pluralismo, onde os grupos étnicos se entendiam em franca, profícua e amena convivência.
Sonhei com uma Guiné-Bissau, explorando bem e cuidadamente os seus fracos recursos territoriais. Com os seus naturais trabalhando activamente as terras e bolanhas, semeando os produtos necessários à sua sobrevivência.
Vi os Guineenses pescando naquele mar rico, arrancando das suas águas o proveito do seu labor.
Vi as paradisíacas praias dos Bijagós tornarem-se em centros turísticos convidativos, atractivos e maravilhosos.
Estava extasiado neste meu sonho, com um sorriso enorme de felicidade, flutuando neste irreal e inverosímil sonho.
Acordei e olhei para um, e outro lado, e logo constatei que não me encontrava na Guiné. Nem a realidade, infelizmente, era aquela que eu tinha acabado sonhado. Antes pelo contrário está muito longe de se aproximar sequer do meu lindo sonho.
Um povo que, acabada a luta contra os portugueses, acreditou num seu futuro bem melhor e com um destino final mais feliz e realizador que o seu grave estado actual.


Ainda a matutar no sonho abri o meu computador, como o faço habitualmente, e, foi neste espaço cibernético, que em boa hora encontrei o blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que nos tem permitido descarregar as nossas memórias e conviver com Camaradas, que nos vão contando as suas histórias e experiências, sempre com o sonho que é possível, que é o de um dia verem uma "GUINÉ MELHOR".

Parabéns aos Editores, Camaradas e Amigo desta grande obra do Luís Graça e que este 6º Aniversário se converta num hino de Fraternidade e Amizade, proliferando pelas várias tabancas de Norte a Sul do nosso país.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519

____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6229: O 6º aniversário do nosso blogue (24): No aniversário do Blogue, homenagem à Guiné (Conceição Salgado)

Guiné 63/74 - P6229: O 6º aniversário do nosso blogue (24): No aniversário do Blogue, homenagem à Guiné (Conceição Salgado)

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), de hoje:

Luís, Carlos,
Parece que toda a família Salgado despertou – é este bichinho da Guiné, que ficou, que marcou…

A Conceição quis dar o seu contributo a partir de Luanda…

Mantenhas pa tudus.
Paulo Salgado


A nossa tertuliana Conceição Salgado em Uaque


No Aniversário do Blog

Homenagem à Guiné



Guiné,
Como adolescente trouxeste-me:
Sofrimento
Temor
Ansiedade
Também me ensinaste
Reflexão sobre o sentido:
Da vida
Da guerra
Da paz
Da amizade

Aprendizagem e ressentimento
Nunca te queria conhecer!

Anos 90
Já adulta
Finalmente conheci-te
Fiquei cativa
Pelo teu bafo quente
Teu cheiro a bolanha
Tuas ilhas
Teu mar
Tuas florestas
Teus rios
Tuas picadas

Tuas cidades esventradas
Teu povo sofrido
Fizeram-me compreender
Melhor o Mundo

Ao conhecer-te
Descobri-me
Outra pessoa

Por tudo que me deste
Estarás sempre em mim
Obrigada.


Conceição Salgado
23 de Abril de 2010
__________

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6228: O 6º aniversário do nosso blogue (23): Obrigada a todos, em meu nome e da Cidália, por nos terem permitido entrar nas vossas vidas (Cátia Félix)

Guiné 63/74 - P6228: O 6º aniversário do nosso blogue (23): Obrigada a todos, em meu nome e da Cidália, por nos terem permitido entrar nas vossas vidas (Cátia Félix)




Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial > Campa do nosso camarada António Ferreira, 1º Cabo Trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo. A Cátia é amiga da Cidália, esposa do António e mãe da filha que que ele nunca chegou a conhecer a fazer. Na foto, em primeiro plano, a Cátia, e atrás a Cidália e alguns camaradas nossos   (o Álvaro, o Zé Teizxeira, o Pimentel, o António Baptista - o "morto-vivo do Quirafo"-, o Paulo Santiago e outros).

Foto : © Maria Luís / Paulo Santiago (2009). Direitos reservados

1. Duas mensagnes da Cátia Félix, que faz parte da nossa Tabanca Grande desde Abril de 2009

(i) Comentário ao poste P6215 (*)

Hoje chorei...chorei...ao ver este post, mas hoje sei que foi de felicidade!...

Felicidade por saber que existem pessoas fantásticas como todos vocês. Pessoas que ainda prezam e se interessam por causas, por uma história.

Já agradeci várias vezes em meu nome e em nome da Cidália a todos vocês, por tudo o que nos proporcionaram, mas nunca me vou cansar de o fazer vezes sem conta.

Sei que há um ano o Miguéis não pôde estar conosco mas sei que viveu profundamente o momento como todos nós.

Queria agradecer-lhe muito por esta bonita e sentida homenagem. Arrepiei-me ao ler e ver este post...Aqueles olhos estampados no acrílico parecem vivos, parecem que falam...Está verdadeiramente maravilhoso.

Obrigada,  Miguéis,
Obrigada a todos,
Obrigada por terem permitido que entrasse nas vossas vidas...

Cátia Félix

(ii) Resposta da Cátia um  mail do L.G.:

Luís: Acabei agora de chegar a casa depois de mais um dia árduo na faculdade e não poderia ter melhor fim de tarde ao me deparar com tudo isto. Até onde vai tamanha generosidade por parte de todos vocês...

Por mais "distante" que seja o meu convívio com todos vós, acredite que estarão sempre no meu coração e que passarei a todos os que estão e estarão comigo no dia a dia o verdadeiro sentido da amizade, do companheirismo, da luta em conjunto...tudo...tudo o que aprendi com vocês.

Obrigado por um dia se terem lembrado de criar este refúgio na Net, que de electrónico não tem nada e de amor e amizade ao próximo tem muito.

Parabéns por mais este ano com o desejo e certeza que perdurará por muitos mais.

Um beijinho

Cátia Félix

______________

Notas de L.G.:

(*)  Vd. 22 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

(**) Vd. último poste da série >  23 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6227: O 6º aniversário do nosso blogue (21): Pequena homenagem ao nosso Blogue (Jaime Machado)

Guiné 63/74 - P6227: O 6º aniversário do nosso blogue (21): Pequena homenagem ao nosso Blogue (Jaime Machado)

1. Mensagem do nosso camarada, Jaime Machado*, ex-Alf Mil Cav, Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, de hoje:

Caro Luis, Caro Carlos
Chegado, como sabem, há muito poucos dias da "nossa" Guiné não tive ainda tempo de escrever nada para homenagear o Blogue que me "obrigou" a voltar à Guiné.

Fi-lo, naturalmente com todo o gosto e emoção!

À guiza de pequena homenagem envio para vós com pedido excepcional de publicação urgente duas fotos que anexo.

Ambas da mesma mulher: uma tirada em Bambadinca em 1968 outra tirada em Bissau em 19 de Abril de 2010.

Repito nas duas fotos está a mesma mulher: com 18 e com 58 anos!

Bem hajam por terem criado este Blogue.

O meu mais sincero agradecimento.
Jaime



__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6032: Os nossos seres, saberes e lazeres (18): Conversa com o meu neto (Jaime Machado)

Vd. último poste da série de23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6226: O 6º aniversário do nosso blogue (20): Parabéns de um emigrado (José Belo)

Guiné 63/74 - P6226: O 6º aniversário do nosso blogue (20): Parabéns de um emigrado (José Belo)

1. Mensagem do José Belo (também conhecido, na Lapónia e agora na Flórida, como Joseph Beo)



Data: 23 de Abril de 2010 15:33

Assunto: Parabéns de um emigrado (*)


Caros Amigos, Camaradas, Editores:

Para milhares de portugueses pelo mundo espalhados,com triângulos de quatro cantos como histórias de vida,o nosso querido Portugal,em maldição de emigrante, vai-se tornando mais presente com o passar das décadas. Nos seus limites, nas suas pequenas/grandes quezílias, nas suas frustrações, nos egos desproporcionados em relação aos mundos que o rodeiam......mas também nas suas qualidades únicas de verdadeiro calor humano, nas suas solidariedades ,voluntarismos,  coragem nas adversidades,e capacidade de resistir a tudo...ou quase. 

Tudo, a seu modo, está espelhado na nossa Tabanca Grande. Com o passar dos anos tornou-se um porto seguro de encontros para os felizardos (mesmo os que desconhecem sê-lo!) que vivem "em casa" junto dos familiares,camaradas e amigos.........junto das PEDRAS da infância. 

Para nós, os que de tão longe olhamos o nosso querido Portugal com ,como tão bem alguém escreveu,"Os telescópios da alma", o blogue  torna-se, subtilmente, uma referência a raízes bem profundas. 

Parabéns pelo Aniversário! 

Key-West
José Belo

__________________

Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6225: O 6º aniversário do nosso blogue (20): Parabéns editores, participantes e denunciantes do medo, do horror... (Felismina Costa)

1. Mensagem de Felismina Costa*, a partir de hoje mais uma amiga e tertuliana do nosso Blogue, com um poema que nos dedica e que vai sensibilizar todos os nossos camaradas, tenho a certeza.


6º ANIVERSÁRIO DO BLOGUE

Parabéns Srs Editores!
Parabéns a todos os participantes
A todos os denunciantes
Do medo, do horror, do degredo...
Em terra linda, que vos encantou.
Parabéns, porque sois capazes de denunciar!
De gritar a vossa revolta.
A vossa digna revolta.
Parabéns, porque sois vós, a vóz com razão
Que não teme a repressão,
Que não bajula, que não pactua,
Que não se acobarda.
Parabéns, porque... sobrevivesteis!
Porque fizesteis questão de contar, de relatar,
De registar os horrores, que presensiasteis,
quando ainda meninos, vos mandaram matar...
Terrível realidade, que em vossos peitos se instalou
e que em muitos, deixou marcas físicas, psíquicas,
continuamente revividas...
Mas ditas!
Mas... que eles não apagam.
Haja ao menos o blogue, o vosso amado blogue, onde despejam alegrias e tristezas.
Onde contam, como ninguém, as vossas certezas e incertezas.
Comungo convosco desta festa, desta festa, onde celebram, a vossa...
Sobrevivência!


Parabéns
Felismina Costa
__________

Notas de CV:

(*) Felismina Costa, recorreu ao nosso Blogue em Fevereiro passado, para tentar encontrar o seu afilhado de guerra dos tempos de 1963/64, Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário do BENG 447.

No tempo em que ainda era menina, mas sensibilizada para a nobre missão de apoiar moralmente, quem longe do seio meio familiar, não tinha junto de si: mãe, irmã, esposa, namorada ou amiga que lhe dedicasse um pouco de afecto, adoptou como afilhado um camarada, que como nós, combatia na Guiné.

Dele nunca mais teve notícias, até que se lembrou de o procurar, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5894: Em busca de... (119): Afilhado de guerra, Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64 (Felismina Costa).

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6224: O 6º aniversário do nosso blogue (19): Um povo e uma terra que estão no meu coração (Paula Salgado, Londres)

Guiné 63/74 - P6224: O 6º aniversário do nosso blogue (19): Um povo e uma terra que estão no meu coração (Paula Salgado, Londres)



Londres > A nossa Doutora Paula Salgado, membro da nossa Tabanca Grande, desde Outubro de 2005... Filha do Paulo e da Conceição, logo nossa filha também, porque os filhos dos nossos camaradas... nossos filhos são!


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (a viver em Angola):


Data: 23 de Abril de 2010 14:41
Assunto: Paula Salgado

Luís e Carlos

A Paula está em Londres. Pediu-me que vos mandasse a mensagem e a foto, que nos remeteu. Eu fiquei muito emocionado por ela "estar" connosco.

É que ela estava com o computador ocupado nas estrutura das proteínas…

Um abraço tertuliano, Paulo Salgado

Segue o endereço dela: aula.salgado@btopenworld.com






Guiné > Região Oio > Olossato > CCAV 2712 (1970/72) > Um patrulhamento 'à maneira', segundo o Paulo Salgado, ex-Alf Mil Cav.

Foto: © Paulo Salgado (2005). Direitos reservados

2. Mensagem da Paula Salgada, membro da nossa Tabanca Grande, juntamente com os seus pais, Paulo e Conceição Salgado:

Amigos do Blogue (*),

O meu pai (
Paulo Salgado) esteve na guerra. O meu pai sempre nos falava, a seu jeito – a mim e ao meu irmão – das suas experiências. Recordo-me dos almoços-convívio em que nós, miúdos, brincávamos ao sol, enquanto os nossos pais (re) viviam as emoções e as recordações. Conforme crescíamos, fomos ouvindo as outras histórias – as do medo, da incerteza, do perigo.

O meu pai regressou à Guiné-Bissau como cooperante, em 1990 (**). "Arrastou" a minha mãe e a mim também. Tinha dezasseis anos. Lembro-me da primeira vez que saímos de Bissau, num inadequado Fiat Punto, e regressávamos já de noite, pelas picadas. Lembro-me de pensar como teria sido para o meu pai, para todos vós, com poucos mais anos do que eu tinha, "cair de pára-quedas" no meio daquele mato. Pela primeira vez, comecei a entender o que ficava por dizer nas histórias que ouvi em criança.


Para uma adolescente, viver num país como a Guiné-Bissau dos anos 90 foi uma experiência emocionante, rica. Convivi com os meus colegas guineenses no Colégio, tive aulas com professores de Matemática, Física e Biologia que tinham vindo do Leste, e com o Padre Macedo – um herói com mais de 50 anos de Guiné que me ensinou muito sobre o que é a língua Portuguesa e como a influência dos povos além-Europa que a falam só a enriquece e enaltece.





Guiné-Bissau > Rio Farim > 2006 > Cambança do rio... Observação do barqueiro: "A bos portuguisis? Pai di nôs".[ Vocês, portugueses ? Então, pais de nós!]


Foto: © Paulo & Conceição Salgado (2006).



E fui ao Olossato, e fui a Farim e fui ao Saltinho, a Bambadinca, Bafatá, corremos a Guiné toda… e fui…ao Morés, o célebre Morés! Ali, a conversa entre um professor do internato, um ex-combatente do PAIGC e o meu pai, partilhando as suas histórias, de lados opostos das barricadas, foi tão mágica que eu e a minha mãe ficámos em silêncio, apreciando o simples facto de presenciarmos um momento tão único, tão fraterno.


A Guiné tinha-me conquistado. O regresso, em 2001, um prémio que pedi aos meus Pais pelo doutoramento, foi doloroso, como são dolorosas as notícias do sofrimento pelo qual aquele povo, que é da nossa família também, passou e passa.

Pode ser que eu traga aqui, a esta tertúlia tão interessante e onde vós, de alguma forma, fazeis a catarse, outras historias desta vivência.

Para todos vós, valentes (ainda que com medos que ainda guardais no vosso subconsciente) eu envio daqui, de Londres, um abraço de admiração e parabéns pelo aniversário do vosso blogue.

Paula Salgado
Doutora em Bioquímica / Investigadora

Londres, 23/04/2010



[ Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]
________________



Notas de L.G.:



(*) Vd. último poste da série > 23 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6223: O 6º aniversário do nosso blogue (18): Ensinamento de vida (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. poste, da I Série > 13 de Outubro de 2005 >
Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)



(...) Texto do Paulo Salgado que vive em Bissau (...) e que submete à aprovação da tertúlia a admissão da Paula Salgado, sua filha, mais guineia que muito guinéu...

Eu cá, por mim, terei muita honra em apadrinhar a nova tertuliana, a nossa doutoranda Paula, mas aqui quem mais ordena é o colectivo dos tertulianos: no nosso tempo as mulheres não entravam nas casernas, mas isso foi no século passado... Bom, não quero influenciar o resultado da consulta tertuliana. Limito-me a dar a minha opinião. E já agora, cá para mim não entrava só uma camariga, entravam duas, a filha e a mãe, neste caso a Maria da Conceição, a mulher do Paulo... Mais: respeito o silêncio (ou o pudor) do Paulo que tem uma cópia da história da companhia dele mas que não quer escarrapachá-la aqui no blogue, assim, sem mais nem menos, as folhas todas abertas... Respeito e concordo, desde que o bombolom do Paulo vá trazendo notícias e estórias da Guiné-Bissau de ontem e de hoje. Hoje publica-se, a seguir, "mais uma parte do Capítulo I". Até à próxima Paulo e Maria, gente de cepa rija, que não desanima facilmente com o macaréu da desgraça... LG

(...) Camaradas e Amigos (aqui incluo a minha filha Paula Salgado – a camariga que vive em Oxford e que adora ouvir as histórias e as estórias do velhote - camariga que só o será com a licença de vossas mercês, pois ela fez aqui o 11.º ano e papia kriolo diritu i tene amigus manga deli).

Ele é a sina de conduzir os periquitos (designação que se dava às companhias que chegavam da metróple à Guiné – e os velhinhos até cantavam: Periquito vai pró mato, a velhice vai pra Bissau; bem se compreende o desaforo: os novos que gramassem!). E vai-se a Quinhamel, a Uaque, ao Saltinho, conhece-se o rio no cais do Pidjiguiti, são os colegas que chegam do Porto para colaborar no Projecto.

Ele é o corre-corre no campus hospitalar à procura não sei de que solução para tantos problemas, tantos que as gentes já passam indiferentes ao sofrimento, tenha ele a feição e a forma e a dimensão que tiverem: a cólera, a malária, a elevada taxa de mortalidade infantil e maternal… E coisas mais simples como o gerador que avariou e … não há luz nem água para enfermarias, nem PC que registe, nem a fresquidão de ventoínhas e de ares condicionados onde os há, e lá se vão, estragados, os parcos reagentes do laboratório de análises clínicas (35 horas sem luz é muita hora!), e as intervenções marcadas que ficaram no papel (até foi necessário transportar de longe água para desinfecção e dar ao doentes da cólera). Isto só visto, camarigos!

No Olossato, os frigoríficos a petróleo ou a electricidade do geradorzinho aguentavam lindamente… Alguns camaradas até tinham ventoínhas que colocavam no cimo da cabeceira, seguras na parede, para refresco de suores quentes - adivinham-se quais - ou frios, estes devidos a saída iminente para o mato, ali para Manacá, ou Amina Dala, ou Iracunda, esta tabanca bem perto do Morès, ver foto de saída bem cedinho e dizei lá se não era à maneira correcta!!!...

Ah!, aquelas ventoinhas pequeninas que nos batiam no corpo sedento de amor, e que, rodopiando, serviam para afastar os insistentes mosquitos que teimosamente zumbiam aos nossos ouvidos – porra, a mim não me deixavam nem sequer fechar os olhos. Aquele geradorzinho até dava para alumiar os campos até 100 metros, e encandeavam as tropas quando regressavam de sortidas nocturnas.

Acho que estas coisas todos vivemos…! Até se conta a estória de um capitão, de que não digo o nome, que se lembrou de apagar os holofotes em momento de ataque e, pasme-se, quando o IN estava a tentar entrar no aquartelamento, foi uma razia nos guerrilheiros ao acenderem-se as luzes. Se tal foi verdade, como ouvi, foi uma emboscada nocturna a preceito...

Mas a sério: quem não se lembra de uma patrulhamento, bem feito? – segue foto (...)

Nota bem: Eu devo confessar-vos uma coisa – tenho a história da companhia [CCAV 2712, comandada pelo capitão Mário Tomé, entre 1970 e 1972]. Parece-me pouco correcto que a traga a terreiro. Mas tentarei traduzi-la, sem romancear, mas recontando-a à minha maneira.

Que me desculpem os historiadores, que me perdoem os puros… mas há coisas que eu não acho oportuno contar, por escrito.

A todos os Camaradas e Amigos muitas mantenhas e com a promessa de que podeis contar comigo porque eu tenho, também, a segurança à retaguarda – ou não é, Humberto?

Bissau, 13 de Outubro de 2005


Vd. os restantes postes da série:






5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXX: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (1)


(...) "Vou tentar relatar (narrar, contar, ficcionar quanto baste) as minhas vivências nesta terceira (ou quarta?) comissão / presença demorada... (Agora estamos numa Missão que é um termo muito divulgado por quem passa aqui curtas ou mais longas estadias em nome de alguém a fazer qualquer coisa – confesso-vos que tenho visto muita coisa mal feitinha)"(...).




13 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXL: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (2)


19 de utubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (3)


(...) "Hoje, sábado, fomos até ao Saltinho, com os cooperantes da Saúde que chegaram ontem no avião (já agora: a Dra. Adelaide, ginecologista; o Dr. Justiça, hematologista e que também fez a guerra em Angola) e ainda o João Faria, engenheiro hospitalar (que já cá está há oito dias… Manga di tempu! , que esteve em Angola, e que se está a aguentar com brio e companheirismo nas lides do Hospital Civil... Todos eles emprestaram à viagem de 350 km um sabor especial)" (...).


5 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXI: Crónicas de Bissau ou o 'bombolom' do Paulo Salgado (4)


29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (5): para onde ?


3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (6): HN Simão Mendes


5 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXVIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' de Paulo Salgado) (7): Suleiman Seidi


30 de Dezembro 2005 > Guiné 63/74 - CDIII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (8): novos tertulianos


18 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLVII: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (9): História e estórias


30 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXXV: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (10): ontem e hoje em Uaque


1 de Fevereiro 2006 > Guiné 63/74 -CDXC: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado)(11): Beethoven e batuque no Olossato


2 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCI: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato


13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1069: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (13): Para quando África ?


(...) "Quem está aqui em trabalho intenso, meses a fio, deixa coisas para contar num amanhã, escrevinha outras para uma memória que há-de ser escrita, agora e sempre falando da Guiné sob outros ângulos e com outras visões e tu perguntarás e os camaradas perguntarão:- Por que razão não bombolaste?


(...) Lá no Hospital há traumatizados há meses à espera de intervenção. Era isto que eu ia contar? Mas hoje apeteceu-me. 10 de Setembro de 2006. (Ouvi passar uma ambulância uivando - o que irá fazer ao Hospital com o doente?)" (...).