Caro Carlos Vinhal e Luís Graça
Como já tinha este texto pronto, envio-vos e se acharem conveniente ou não, podeis juntar à minha apresentação
Será muita informação junta?
Achei oportuno, dar uma ideia breve e resumida do papel da Força Aérea, na Guiné, nos anos 72/73, na minha óptica de Piloto Miliciano (furriel no meu caso), pois amiúde, me questionam o porquê de termos deixado de voar no período pós-Strellas.
Assim mesmo, com estas palavras. Claro que contesto veementemente pois está totalmente errada a ideia que têm e explico porquê.
PAPEL DA FORÇA AÉREA NOS ANOS DE 1972 E 1973
1- Até Março /Abril de 1973, o espaço aéreo da Guiné estava por nossa conta,não havendo grande oposição do IN, salvo em alguns pontos fronteiriços onde tínhamos alguns cuidados para não passar para o lado de lá, pois podíamos ser abonados. Houve alguns casos de atingidos por armas ligeiras sem grandes danos.
Cada tipo de aeronave e respectiva tripulação tinha as missões determinadas em função das suas vocações e especificidades.
O Nordatlas e o Dakota prioritariamente tranportava tropas e carga em volume elevado,também evacuações em que se justificava o seu uso e sempre só em meia dúzia de pistas no TO.
Os Fiat’s faziam apoios de fogo, a aquartelamentos que fossem abonados, bombardeamentos em zonas pré-determinadas, reconhecimentos visuais complementados por fotografia e só a presença no ar era dissuadora.
Os helicópteros eram fundamentais na guerrilha, principalmente em operações no terreno, com colocação de tropas, a sua recolha, evacuação de feridos, etc. e então o heli-canhão era terrivelmente eficaz no apoio às tropas no terreno, sendo temidos pelo IN e benvindos pela NT.
Também partilhavam os tranportes de pessoas, carga geral e evacuados, com os DO’s, principalmente em aquartelamentos sem pista.
Os mesmos DO’s, tinham algumas dezenas de pistas onde aterravam, todas diferentes e com as suas limitações operacionais, quase todas em terra batida, com inclinações, com curvas, árvores na entrada ou saída, animais, a terminar na fronteira (caso de Buruntuma onde aterrávamos e descolávamos sempre para o mesmo lado não interessando a força e direcção do vento) etc. e onde levávamos cargas diversas, tropas correio (sempre muito apreciado) etc. e as evacuações sempre que solicitado, tanto de tropas como civis.
Também fazíamos reconhecimentos visuais e de Posto de Comando Aéreo em apoio de operações em curso no terreno com chefia de graduados do Exercito, armados por vezes com dois ninhos de foguetes de 37mm para apoio imediato às mesmas.
Um T6 em Cufar
Os T6, armados com vários tipos de bombas, de fragmentação, demolição e outras, executavam missões de Bombardeamento em pré preparação de operações, demantelamento de estruturas controladas pelo IN ou em zonas previamente declaradas, por um período de tempo, como de intervenção.
Armados com foguetes (72 divididos em dois ninhos de 36, um em cada asa)dávamos apoio a colunas em permanência no ar ou aterrados numa pista próxima e em alerta máximo. Também acompanhávamos navios da Marinha permanecendo no ar até terminar o trajeto. Lembro-me do percurso entre o Geba largo até Xime.
É difícil descrever todas as missões que se executavam no TO, a memória também não está fresca.
2-Depois de Abril de 73 alteraram-se algumas coisas.
A História dos Strellas já foi descrita e dissecada suficientemente.
Quando foi abatido o Ten. Pessoa, sendo o primeiro, não tínhamos noção alguma de que arma seria e muito menos das suas características, o que nos ajudaria nas contramedidas. Nesse mesmo dia, fui um dos primeiros a fazer buscas pois estava em Aldeia Formosa noutra missão, a acompanhar a coluna de Buba para Aldeia.
Tendo sido alvejado com um primeiro míssel, e tendo escapado (ainda não tenho explicação) e o asa da parelha Fur. Carvalho alvejado com mais 2 a 4 mísseis em tiro directo, nunca seria atingido pois os rastos dos mísseis eram bastante visíveis, e isso é que foi importante pois pela primeira vez já se adivinhava que não era uma mera arma convencional, apesar de já ter havido um ou dois episódios anteriores sem consequências e até se atribuíram a outra armas.
A esta distância no tempo, penso, que nesse dia, por precipitação, inesperiência ou azelhice, esgotaram o stock de mísseis existente para os tempos que se seguiram, pois no mesmo dia os ares de Guileje e arredores foram sobrevoados por variadas aeronaves nas buscas do Pessoa, a altitudes de morte certa, e mais nenhuma foi alvejada.
O que foi observado nesse dia foi descrito no respectivo relatório de voo, obrigatório em todas as missões.
Até ao abate do Ten. Cor. Brito, nosso Chefe Operacional, não houve alterações significativas dos procedimentos de voo, não tínhamos informações seguras de que arma e as suas características, para proceder conforme.
Houve a hecatombe do dia 6 de Abril, na zona de Guidaje, onde foram abatidas três aeronaves, tendo morrido as tripulações e passageiros, Maj. Mantovani, Fur’s. Baltazar e Ferreira como pilotos.
Nos dias imediatos (2 dias?), com a morte de uma grande percentagem, num pequeno universo de pilotos na Guiné e aeronaves abatidas, sem sabermos com rigor qual a arma, as suas características, que contramedidas adoptar, em choque, e porque não éramos “Kamikase”, paramos para análise da situação e para definição das estratégias a executar. Estavam em questão a nossa segurança, eventuais passageiros e das aeronaves.
A partir destas datas, houve alterações significativas nos procedimentos e parâmetros de voo.
Parelha de T6
Os bombardeamentos de Fiat e T6 passaram a ser feitos a altitudes superiores às habituais o que lhe retirou alguma precisão.
Houve a recomendação para evitar a altitude de voo entre os ~50 pés (~15 a 20m) e os ~7500 pés (~2500m), pois eram os parâmetros de eficácia dos Strellas. Os hélis continuaram em altitudes baixas (a rapar) pois não precisavam de alguma altitude para aterrar. Nos DO’s, inicialmente subíamos em espiral à vertical das pistas, até atingir a altitude de segurança, e descíamos à vertical dos destinos. Rapidamente abandonamos esse procedimento, pois com cargas máximas, temperaturas elevada do ar e dos motores e com uma demora de 30 minutos a atingir a altitude, já apareciam alguns problemas técnicos, e começamos a rapar as bolanhas e os rios.
Aqui quando a experiência e conhecimentos do terreno eram verdes poderia haver problemas de navegação e na época seca a visibilidade também era escassa.
Nesta modalidade, as comunicações com a Sala de Operações da BA12 (Marte era o indicativo) tornaram-se difíceis e resolveu-se o problema pondo T6 no ar a altitudes elevadas que faziam ponte às comunicações com as aeronaves que andavam a rapar.
Do início de Abril de 1973 ao início de Julho não voei, entre 2 meses inoperacional, às custas de um acidente em 2 rodas e 1 mês de férias. Contudo prestei serviço de terra na sala de operações com o control das aeronaves no ar.
De Julho ao fim do ano, quando terminei a comissão, ainda fiz 161 vôos operacionais em T6 e DO’s o que perfez cerca de 215 horas de voo.
Daqui se conclui que o ritmo operacional se manteve, mesmo com a presença das novas armas no TO, com alterações dos parâmetros de voo e condicionalismos de alguns locais.
De realçar o desempenho de toda a equipa de Especialistas, das diversas áreas, que nos colocavam os aviões operacionais com todo o profissionalismo e competência.
Também as Enfermeiras Pára-quedistas que nos acompanhavam, com abnegação e profissionalismo, em inúmeras evacuações merecem o nosso reconhecimento e carinho.
Resumindo, a Força Aérea continuou a voar.
Tentei resumir, muito fica por dizer, outros podem dar a sua achega e corrigir-me, posso falhar nos pormenores e a memória não é eterna.
Gil Moutinho
Fur Pil Mil. T6’s e DO’s
1972/73
Guiné
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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7060: Tabanca Grande (246): Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil Av, BA12 (Guiné, 1972/73)
Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 – P7082: FAP (53): Estatística das minhas missões em DO-27 e FIAT G-91 (Miguel Pessoa)