1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2011:
Queridos amigos,
As memórias do JERO lêem-se com sofreguidão, são sugestivas, ternas e guardam todo o revestimento daquela solidariedade que conhecemos.
A literatura memorial é um dos mais sérios contributos que se pode proporcionar à historiografia. Esta confronta-se por vezes com relatórios miríficos e múltiplas opiniões sem contraditório. A história de uma Companhia como JERO escreveu, em que se cruzam os testemunhos e onde forçosamente se calam episódios menos felizes, pode ser encarada como um documento fidedigno para a organização desse interminável puzzle que é a captação do maior número possível de vozes que cobrem de sentido a evolução da guerra, aquela que vivemos.
Um abraço do
Mário
O inesquecível capitão de Binta, Alípio Tomé Pinto
Beja Santos
O livro chama-se “Golpes de Mão’s, memórias de guerra”, o seu autor é José Eduardo Reis de Oliveira* e a edição é de autor. Por acaso, tudo está repertoriado, o Tenente-General Tomé Pinto é conhecido pelo “capitão do quadrado”, epíteto que ganhou na Guiné, José Eduardo Reis de Oliveira tem sido uma presença constante do blogue (é o escritor JERO) e este seu livro de memórias tem justificadamente merecido uma troca de comunicação saudosa na nossa sala de conversa.
A leitura foi-me facilitada pelo Belmiro Tavares, também nosso confrade, fomos, na companhia do Mário Fitas, ao programa do Manuel Luís Goucha falar sobre alcunhas, no parlatório que precedeu a entrevista falou-se de Binta e da CCAÇ 675, mordido de curiosidade, atirei-me ao relato de JERO. Foi plenamente compensado. Vale a pena, se me permitem a vaidade, desfiar um punhado de reflexões sobre a dimensão desta literatura memorial.
Primeiro, o imperativo de nela se respirar sinceridade. Quando um dia houver condições para se colocarem todas estas peças da literatura memorial num pano gigantesco que permita um olhar historiográfico, o investigador que se afoite a entender a evolução da guerra, tem aqui alguma chave e muita fechadura. Atenda-se a esta CCAÇ 675 desembarca em Junho de 1964 em Bissau, vão todos a bordo do navio “Alexandre Silva” até Binta. Trata-se de uma Companhia independente a quem é dada uma quadrícula de 400Km2 entre o rio Cacheu e até à fronteira com o rio Senegal. Fica na dependência do BCAV 490, sediado em Farim, comandado por Fernando Cavaleiro. Tomé Pinto é um oficial heterodoxo: não gosta das picadas, acredita nas virtualidades da deslocação em quadrado, mais do que dar ordens, acompanha todos os efectivos em todas as deslocações. E ficamos a saber que à volta de Binta, em meados de 1964, os guerrilheiros se deslocam com um relativo à-vontade, além de não serem poucos percebe-se que não muito longe dali passa um dos corredores que leva até ao santuário mítico do Morés, e também não longe dali está a mata de Sambuiá, que já mete respeito. A primeira operação é a Lenquetó, onde não há memória de terem ido tropas portuguesas. Importa esclarecer que esta região de Lenquetó dista 12 quilómetros de Binta. A Operação é um sucesso: vários guerrilheiros abatidos, a tabanca reduzida a cinzas, capturou-se população (cerca de 40 pessoas), dá-se resposta segura à reacção dos guerrilheiros, evacuaram-se alguns feridos, a Companhia saiu moralizada. À volta de Binta as vias de comunicação estão paralisadas, o inimigo espalhou abatis em grandes quantidades e em trechos vitais, há que limpar as estradas, garantir a confiança das populações, estas andam foragidas, ou aderiram ao PAIGC ou correram espavoridas para o Senegal. É interessante perceber como as populações controladas pelo PAIGC circulam tão perto de Binta. JERO escreve: “O Pelotão encarregado de levantar as abatis fazia o seu trabalho, enquanto outro Pelotão montava segurança. Foram precisas sete horas para percorrer os 12 quilómetros que nos separavam de Cufeu. Quando atravessámos as pontes da bolanha foi vista à distância um pequeno grupo inimigo. Foi de pronto perseguido. Pôs-se em fuga respondendo ao nosso fogo apenas com tiros de pistolas isolados. À frente do Ujeque, e de novo a grande distância, foi visto um outro grupo, que deu um tiro de pistola e fugiu. Já ao anoitecer, depois de 11 horas de esforços inauditos, chegámos a Guidage, levantando 30 abatis”.
Segundo, este “capitão do quadrado” tem a exacta noção que primeiro impõe-se militarmente e depois se capta a população. Depois de Lenquetó, segue-se um golpe de mão a Cansenha, o percurso é áspero, entre selva e bolanha, pontes danificadas, cerca-se a posição, os guerrilheiros dão resistência, o guia Pathé é abatido, o “capitão do quadrado” anima os seus homens. No regresso, esta força altamente mobilizada ainda embosca um grupo rebelde e apreende armamento. Importa reter que estamos perante uma força mobilizada por um oficial ímpar e que o inimigo revela a surpresa da inquietação, afinal os tugas não se confinam aos quartéis. Não muito tempo depois, num patrulhamento a Santancoto, o “capitão do quadrado” é ferido em combate e evacuado. JERO escreve no seu diário que o capitão continuava a dar ordens, a todos serenava, havia muitas lágrimas nos olhos. Vem um substituto, o alferes Foitinho e continua a viver-se um período operacional muito rijo, em finais de Agosto, já com a presença do comandante de Companhia, a 675 vai até ao Oio. A população mudara de atitude, já funciona a escola, resolveram-se os problemas básicos do abastecimento da população, os refugiados do Senegal aceitaram regressar para novos aldeamentos. Binta tem hortas, cria-se saneamento básico, o alferes médico não tem mãos a medir.
Terceiro, o relato de JERO deixa transparecer a força dos sentimentos humanos, na sua plenitude: a 675 arranca quase em estado de fúria numa Binta rodeada de escombros e tabancas abandonadas, até apetece perguntar o que fez a tropa anteriormente (ou não fez); o seu Comandante é a marca de água, combate, moraliza e pacifica; inevitavelmente, nem tudo são rosas, aquele inimigo ainda não possui superioridade em armamento mas aos poucos vai lançando minas, assim a 675 terá o seu dia trágico; um golpe de mão a Sambuiá foi importante mas também trágico já que nesse dia um Pelotão de Morteiros que vinha colaborar na Operação perdeu 8 homens num acidente no rio Cacheu; a força está coesa mas começa a disseminar-se, tem que enviar um Pelotão para Guidage, depois vem a saturação, o “capitão do quadrado” parte para tirar o curso do Estado-maior, as chatices não param, o pessoal não pára de rabujar, as relações com o novo Batalhão não foram as melhores. Mas o balanço, na hora da partida, é positivo, o relacionamento com a população tornou-se muito bom. O restante material abarca encontros e convívios, depoimentos, material fotográfico muito sugestivo.
JERO escreveu um diário e estou ansioso por lê-lo, são raros os diários que acompanham uma comissão, do princípio ao fim. E quanto a este “Golpes de Mão’s”, a obra excede a história de uma Companhia, a sua leitura ilumina francamente aquele norte da Guiné que se dizia estar pacificado, por esta altura. Põe em questão o equilíbrio entre fazer a guerra e garantir às populações bem-estar, conforto, esperança, naquele pandemónio de tudo ser imprevisto e a brutalidade de nunca ter limites. Insisto que esta literatura memorial vai pesar na investigação histórica. O que neste caso se escreve é, acima de tudo, a homenagem de militares a um devotado capitão. Literatura onde se omitem episódios melindrosos mas onde a combatividade e a ligação às populações merece a atenção pela singularidade dos resultados.
E uma última reflexão, estas memórias de JERO são de 2009 e abonam que até estar vivo o último combatente ainda há muito a dizer sobre a guerra da Guiné.
____________
Notas de CV:
(*)José Eduardo Oliveira (JERO) foi Fur Mil Enfermeiro na CCAÇ 675 que esteve em Binta nos anos de 1964 a 1966
Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8812: Notas de leitura (276): Ultrajes na Guerra Colonial, de Leonel Olhero (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8821: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (14): Soldados não viajam em 1.ª classe
1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 22 de Setembro de 2011, com mais uma das suas histórias e memórias:
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (14)
Soldados não viajam em 1.ª
Em Maio de 1966, eu estava de férias de fim de comissão na santa terrinha quando recebi um aviso para me deslocar à Câmara Municipal de Sever do Vouga. Ali entregaram-me uma “guia de transporte” para me deslocar a Tomar no dia 10 de Junho para ser condecorado. A dita guia era extensiva também a dois acompanhantes.
Alguns funcionários da C.M. conheciam-me; e tive de responder a um chorrilho de perguntas insistentes (muitas delas desconexadas) àcerca do “porque sim” e “porque não” de vir a ser condecorado.
Um até me perguntou se eu não tinha morrido na Guiné! Eu já sabia que aquele boato correra na vila e no Colégio de Oliveira de Azemeis lançado, involuntáriamente, por uma moça bem mais nova do que eu e que estudava ainda no colégio que eu frequentara. Ela ouviu citar o meu nome durante um noticiário da Emissora Nacional ou R.T.P.; tratando-se da Guiné, só podia ser por morte (pensou ela); afinal a notícia referia-se ao meu Prémio Governador da Guiné!
Segundo acto
No dia 1 de Junho daquele ano apresentei-me, como previsto, no Colégio Militar, onde havia sido colocado como voluntário. Perguntei na secretaria se podiam trocar a minha guia de marcha por outra válida de Lisboa a Tomar ou se teria de me deslocar a expensas minhas visto que não iria viajar até à minha terra para “aproveitar” aquele título de transporte.
Substituiram-na, mantendo ainda a validade para três pessoas.
Parti de Lisboa no dia 9 à tarde. Entendi que seria um desperdício anormal ter passagem para três pessoas e utilizá-la só para uma, havendo na estação da CP tantos soldados a comprar bilhetes; iam passar o fim de semana à terra.
Perguntei a um soldado qual era o seu destino; ia para Coimbra:
- Se quiseres vais comigo até ao Entroncamento e só pagas o bilhete a partir dali. Aceitou.
Outro ia mesmo para Tomar. Entrámos os três numa carruagem de 1.ª classe ocupando três lugares no mesmo compartimento.
Tudo ia correndo sobre carris; eis que aparece o revisor a pedir os bilhetes; olhou para o título de transporte exibido, olhou para cada um de nós... pensou (não reparei se deitou fumo pelos ouvidos) e falou com ar autoritário:
- Soldados não viajam em 1.ª!
- Estes soldados têm passagem de 1.ª; não vejo motivo para que abandonem esta carruagem.
- Soldados não podem viajar em 1.ª!
- Estes soldados podem viajar em 1.ª e vão continuar nesta carruagem porque têm a passagem correspondente!
- Nenhum soldado pode viajar em 1.ª!
Eu não via maneira de dar a volta ao texto de modo a fazer aquele “pica” tão cumpridor mudar de ideias.
Lancei o meu último trunfo, absolutamente demolidor:
- O senhor sabe que estes rapazes são soldados porque eles estão fardados! Não é verdade? Se o senhor insistir nesse absurdo, eu ordeno-lhes que se dispam e, ficando em cuecas, já não sabe que eles são soldados e deixará de nos atormentar sem motivo; pretende que eu faça isso?!
O homem não respondeu e continuou no seu “fura fura”.
O comboio parou no Entroncamento e eu fui logo chamado à presença do chefe de estação; pretendia saber por que “obriguei” soldados a viajar em 1.ª se a Lei não o permite e por que desobedeci às ordens legítimas do revisor.
Eu respondi:
- O Senhor só sabe do assunto pela rama! Vamos lá ver se nos entendemos! Se um soldado tiver passagem de 1.ª não pode viajar em 1.ª?
- Se a comprar, pode! Mas um soldado não compra esse tipo de passagem!
Mostrei-lhe o título de viagem. O chefe comentou, prazenteiro:
- Ah! Assim podem! O revisor é burro!
- Diga-lhe isso! Nós (já éramos só dois) vamos ocupar os nossos lugares no comboio que está prestes a partir para Tomar; não podemos ficar em terra!
- Vá com calma, senhor alferes! O comboio não parte sem minha autorização! Não tenha pressa e desculpe o incómodo!
Não sei se o chefe deu conhecimento do sucedido ao revisor do comboio para Tomar. O certo, porém, é que não houve mais complicações. O bom do soldado lá foi comigo, gratuitamente, (naqueles tempos o dinheiro era muito caro!) passar dois dias na sua santa terrinha! Eu recebi a minha Cruz... de Guerra que viria a ser “pesada” na minha farda do oficial miliciano.
Setembro de 2011
Belmiro Tavares
Ten Mil Inf
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8619: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (13): O chefe ganhava pouco
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (14)
Soldados não viajam em 1.ª
Em Maio de 1966, eu estava de férias de fim de comissão na santa terrinha quando recebi um aviso para me deslocar à Câmara Municipal de Sever do Vouga. Ali entregaram-me uma “guia de transporte” para me deslocar a Tomar no dia 10 de Junho para ser condecorado. A dita guia era extensiva também a dois acompanhantes.
Alguns funcionários da C.M. conheciam-me; e tive de responder a um chorrilho de perguntas insistentes (muitas delas desconexadas) àcerca do “porque sim” e “porque não” de vir a ser condecorado.
Um até me perguntou se eu não tinha morrido na Guiné! Eu já sabia que aquele boato correra na vila e no Colégio de Oliveira de Azemeis lançado, involuntáriamente, por uma moça bem mais nova do que eu e que estudava ainda no colégio que eu frequentara. Ela ouviu citar o meu nome durante um noticiário da Emissora Nacional ou R.T.P.; tratando-se da Guiné, só podia ser por morte (pensou ela); afinal a notícia referia-se ao meu Prémio Governador da Guiné!
Segundo acto
No dia 1 de Junho daquele ano apresentei-me, como previsto, no Colégio Militar, onde havia sido colocado como voluntário. Perguntei na secretaria se podiam trocar a minha guia de marcha por outra válida de Lisboa a Tomar ou se teria de me deslocar a expensas minhas visto que não iria viajar até à minha terra para “aproveitar” aquele título de transporte.
Substituiram-na, mantendo ainda a validade para três pessoas.
Parti de Lisboa no dia 9 à tarde. Entendi que seria um desperdício anormal ter passagem para três pessoas e utilizá-la só para uma, havendo na estação da CP tantos soldados a comprar bilhetes; iam passar o fim de semana à terra.
Perguntei a um soldado qual era o seu destino; ia para Coimbra:
- Se quiseres vais comigo até ao Entroncamento e só pagas o bilhete a partir dali. Aceitou.
Outro ia mesmo para Tomar. Entrámos os três numa carruagem de 1.ª classe ocupando três lugares no mesmo compartimento.
Tudo ia correndo sobre carris; eis que aparece o revisor a pedir os bilhetes; olhou para o título de transporte exibido, olhou para cada um de nós... pensou (não reparei se deitou fumo pelos ouvidos) e falou com ar autoritário:
- Soldados não viajam em 1.ª!
- Estes soldados têm passagem de 1.ª; não vejo motivo para que abandonem esta carruagem.
- Soldados não podem viajar em 1.ª!
- Estes soldados podem viajar em 1.ª e vão continuar nesta carruagem porque têm a passagem correspondente!
- Nenhum soldado pode viajar em 1.ª!
Eu não via maneira de dar a volta ao texto de modo a fazer aquele “pica” tão cumpridor mudar de ideias.
Lancei o meu último trunfo, absolutamente demolidor:
- O senhor sabe que estes rapazes são soldados porque eles estão fardados! Não é verdade? Se o senhor insistir nesse absurdo, eu ordeno-lhes que se dispam e, ficando em cuecas, já não sabe que eles são soldados e deixará de nos atormentar sem motivo; pretende que eu faça isso?!
O homem não respondeu e continuou no seu “fura fura”.
O comboio parou no Entroncamento e eu fui logo chamado à presença do chefe de estação; pretendia saber por que “obriguei” soldados a viajar em 1.ª se a Lei não o permite e por que desobedeci às ordens legítimas do revisor.
Eu respondi:
- O Senhor só sabe do assunto pela rama! Vamos lá ver se nos entendemos! Se um soldado tiver passagem de 1.ª não pode viajar em 1.ª?
- Se a comprar, pode! Mas um soldado não compra esse tipo de passagem!
Mostrei-lhe o título de viagem. O chefe comentou, prazenteiro:
- Ah! Assim podem! O revisor é burro!
- Diga-lhe isso! Nós (já éramos só dois) vamos ocupar os nossos lugares no comboio que está prestes a partir para Tomar; não podemos ficar em terra!
- Vá com calma, senhor alferes! O comboio não parte sem minha autorização! Não tenha pressa e desculpe o incómodo!
Não sei se o chefe deu conhecimento do sucedido ao revisor do comboio para Tomar. O certo, porém, é que não houve mais complicações. O bom do soldado lá foi comigo, gratuitamente, (naqueles tempos o dinheiro era muito caro!) passar dois dias na sua santa terrinha! Eu recebi a minha Cruz... de Guerra que viria a ser “pesada” na minha farda do oficial miliciano.
Setembro de 2011
Belmiro Tavares
Ten Mil Inf
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8619: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (13): O chefe ganhava pouco
Guiné 63/74 - P8820: Agenda Cultural (158): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (6): Prosseguindo com o ciclo de conferências, haverá nova sessão no próximo dia 30 de Setembro de 2011, pelas 17h30 no Anfiteatro B da Universidade dos Açores
Mensagem de hoje, 24 de Setembro de 2011, do nosso camarada Carlos Cordeiro (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), Professor na Universidade dos Açores, dando-nos notícia de mais uma conferência integrada no ciclo conferências-debates Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961-1974, história e memória(s):
Meus caros Luís e Carlos,
Prosseguindo com o ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar (1961-1974)” teremos uma nova sessão no próximo dia 30 do corrente. A organização é da responsabilidade do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.
Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro
Ciclo de conferências-debate
Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974
História e memória(s)
No âmbito do ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961-1974: história e memória(s)”, Carlos Cordeiro – professor da Universidade dos Açores e antigo furriel miliciano de Infantaria, com comissão em Angola de 1969 a 1971 – proferirá, no próximo dia 30 do corrente (6.ª feira), a comunicação “Açorianos na Guerra do Ultramar: uma abordagem parcelar”. O evento terá lugar no anfiteatro “B” do Pólo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, com início pelas 17H30 e estará aberto à participação de todas as pessoas interessadas.
Esta iniciativa teve início em Maio, sendo esta a quarta conferência do ciclo. Trata-se de uma organização do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.
Notas biográficas de Carlos Cordeiro:
Natural de Ponta Delgada, Carlos Cordeiro frequentou a Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, tendo terminado os estudos secundários em 1963. Trabalhou em empresas e diversos serviços públicos, até ingressar nos CTT como funcionário administrativo. Prestou serviço militar de 1968 a 1971. Depois do seu regresso da comissão militar em Angola retornou aos estudos como trabalhador-estudante, tendo concluído, em 1981, na Universidade dos Açores, a licenciatura em História e Ciências Sociais. Foi professor do Ensino Secundário na Escola Antero de Quental, na da Lagoa e na sua velha Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada (já então rebaptizada de Domingos Rebelo). A partir de 1986 passou a leccionar na Universidade dos Açores, concluindo o Doutoramento em 1998 e prestando provas de Agregação em 2005.
A sua investigação desenvolve-se no âmbito da História Contemporânea, com especial incidência na História dos Açores. Na Universidade foi director do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais e actualmente coordena o mestrado em Relações Internacionais. É autor de vários livros e artigos em revistas da especialidade.
____________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 28 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8613: Agenda Cultural (147): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (5): Apontamento e fotos do dia 22 de Julho de 2011
Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8814: Agenda Cultural (157): Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas na UNICEPE, Porto
Meus caros Luís e Carlos,
Prosseguindo com o ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar (1961-1974)” teremos uma nova sessão no próximo dia 30 do corrente. A organização é da responsabilidade do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.
Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro
Ciclo de conferências-debate
Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974
História e memória(s)
No âmbito do ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar – 1961-1974: história e memória(s)”, Carlos Cordeiro – professor da Universidade dos Açores e antigo furriel miliciano de Infantaria, com comissão em Angola de 1969 a 1971 – proferirá, no próximo dia 30 do corrente (6.ª feira), a comunicação “Açorianos na Guerra do Ultramar: uma abordagem parcelar”. O evento terá lugar no anfiteatro “B” do Pólo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, com início pelas 17H30 e estará aberto à participação de todas as pessoas interessadas.
Esta iniciativa teve início em Maio, sendo esta a quarta conferência do ciclo. Trata-se de uma organização do Centro de Estudos Gaspar Frutuoso do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores.
Notas biográficas de Carlos Cordeiro:
Natural de Ponta Delgada, Carlos Cordeiro frequentou a Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, tendo terminado os estudos secundários em 1963. Trabalhou em empresas e diversos serviços públicos, até ingressar nos CTT como funcionário administrativo. Prestou serviço militar de 1968 a 1971. Depois do seu regresso da comissão militar em Angola retornou aos estudos como trabalhador-estudante, tendo concluído, em 1981, na Universidade dos Açores, a licenciatura em História e Ciências Sociais. Foi professor do Ensino Secundário na Escola Antero de Quental, na da Lagoa e na sua velha Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada (já então rebaptizada de Domingos Rebelo). A partir de 1986 passou a leccionar na Universidade dos Açores, concluindo o Doutoramento em 1998 e prestando provas de Agregação em 2005.
A sua investigação desenvolve-se no âmbito da História Contemporânea, com especial incidência na História dos Açores. Na Universidade foi director do Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais e actualmente coordena o mestrado em Relações Internacionais. É autor de vários livros e artigos em revistas da especialidade.
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Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 28 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8613: Agenda Cultural (147): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro) (5): Apontamento e fotos do dia 22 de Julho de 2011
Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8814: Agenda Cultural (157): Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas na UNICEPE, Porto
domingo, 25 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8819: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (44): Destacamento de Mato Dingal, umas instalações seguras
1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 21 de Setembro de 2011 com mais uma viagem à volta das suas memórias:
Olá Vinhal, um abraço
“Viagem à volta das minhas memórias” transporta-me destas vez a tempos vividos com certa tranquilidade e facilidade, em que e talvez por esse facto, a grande parte das lembranças que retenho são “flashes” intermitentes e sem sequência, não me permitindo com o mínimo de rigor situá-los em tempo e espaço ou enquadrá-los numa acção.
Talvez a 24 deste mês aquando da nossa reunião anual, surja alguma luz.
Um abraço a todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (44)
Destacamentos: Mato Dingal
Enquanto a passagem dos dias ia avançando morosamente, aproximando-me da partida para um mesito de descanso no “Puto”, recebo ordem para substituir em Mato Dingal o Alf Mil Gaspar que, creio foi de férias. Este era o primeiro destacamento que se encontrava na estrada asfaltada Bula – João Landim e onde estava estacionado o 4.º GCOMB.
Pequeno, aberto e simpático, confinava praticamente com o asfalto e se bem me recordo, atravessando-o entrava-se na tabanca habitada por uma população que rondaria as mil e duzentas almas, ao que lembro ordeira, fiel e prazenteira, talvez a que nos inspirava menos desconfiança.
Se em Augusto Barros a vida não era má, por estas bandas era bem melhor. Eram tempos descansados, sem sobressaltos de especial e a proximidade e facilidade de chegar a Bula parecia-me fazer o tempo acelerar um pouco. Idas a Augusto Barros seriam as indispensáveis para abastecimento de géneros e poucas mais.
Não houve qualquer dificuldade em assumir de novo e temporariamente o comando do pessoal daquele destacamento. Rapaziada e eu conhecíamo-nos bem e entrosávamo-nos melhor! Daí tudo sair facilitado e não haver incidentes ou questiúnculas e a disciplina e segurança necessárias eram, digamos assim, adaptadas automaticamente.
Bons dias por lá passei e em boas companhias.
Exercer e promover a “psícola” era mais para os Furriéis Fontinha e Chaves (Obelix). Ao que recordo a tabanca era deles?! Nesse aspecto e pela minha parte como responsável pelo destacamento, resguardava-me um tanto, não me fragilizando para o caso de ter de exercer a autoridade que detinha, num qualquer diferendo que houvesse com a População. Que lembre só tive um, por causa de um leitão. Deu-me até umas dores de cabeça com o Comando, Coronel “dez para o meio-dia” que quase ficou com a cabeça no “meio-dia certo”, de tanto barafustar comigo.
Por aquelas bandas tive a oportunidade der usufruir de experiencias novas, talvez até inovadoras, de que recordo três:
A “Vagomestria”
Já não sei se inerente ao cargo se por moto próprio, assumir a função de Vagomestre foi uma delas, interessante e motivadora, que ainda hoje nos encontros é por vezes evocada com bocas “foleiras” e risos do tipo: - “Oh Faria… até ao dia vinte tirava-se a barriga de misérias, mas depois… era só “bianda” com “bianda”…! (claro que o vernáculo vem a seguir). “Perdoai-lhes deus (menor) pois não sabem o que dizem”!!!
Na verdade foi mais ou menos assim naqueles um ou dois meses (já não posso precisar) que por lá passei. Comia-se bastante bem em variedade, quantidade e qualidade, esta devida ao Cozinheiro que era espectacular. Só nos últimos dias do mês, com o “patacão “ dos frescos tão esgotado que nem dava para o meu maço de tabaco, contratualizado comigo mesmo, é que se comia “à quartel” !? (modo de dizer, sem ofensas nem juízos de valor).
Pois…, logo de início avisei o pessoal que se ia comer à maneira e que aquela trabalheira toda teria que dar para um maço de tabaco (Português Suave sem filtro) diário.
Já não estou certo se o “desvio”aconteceu ou não …talvez sim (?!) mas o que é facto e ao que sei, comia-se quase como num hotel, chegando a vir por vezes pessoal de outro destacamento ( João Landim) e até de Bula, saborear o repasto, à borla é claro.
Tenho ideia de fazerem parte da ementa o bacalhau com todos (inclusive meia lata de vagens para cada um) , leitão assado no forno; frango assado ou frito (meio para cada), bife com ovo, peixe frito e cozido… de sobremesas recordo as meias latas de fruta em calda para cada boca… acompanhamento de saladas …
Todos esses “pesos” que recebíamos para gerir em “frescos”, eram gastos em abastecimentos na tabanca, em Bula e Bissau. Julgo que seria normal, esperado e até incentivado, que boa parte deles fosse também utilizado em abastecimentos na Companhia. Claro que isso seria mais prático, mais cómodo e daria menos dor de cabeça ou trabalho. Mas connosco, não acontecia!
Quem não achava muita piada era o nosso Primeiro, já que era eu e só eu que escolhia o que queria dos produtos disponíveis da Companhia e não abdicava nem de um “peso” da dotação para o que se chamava “frescos”. Olhado de “ladegos” quando lá ia, era um “exemplo a não seguir”.
A minha “Obra prima”
Descobrir a “propensão“ para as “Artes plásticas” (?!), foi outra experiencia de excepção que me entusiasmou e que resolvi exercer em benefício estético visual das instalações (?!), do equilíbrio emocional (?!) e em prol da “coltura” um tanto ausente (?!)!
Correndo o risco de acabar por ser vaiado ou mesmo escorraçado por “elites” cépticas, tinha que meter cabeça e mãos ao trabalho.
Desde logo foi imperioso um pouco de tranquilidade e paz de espírito, que permitiu à sensibilidade criativa (?!) “atonar ”. Depois não foi fácil escolher e conseguir os materiais necessários à execução que se adaptassem e permitissem a livre expressão da Alma, convertida ao momento pelas mãos e perspectiva visual!?!
Tempo depois e muita concentração, uma obra que recordo acaba por ver a luz do dia. Prima para mim, nela usei toda a sensibilidade a par de muito e delicado manuseamento, compensado é certo pelo deleite que se usufruía consoante se ia mirando e sentindo. Era para mim, realmente prima !?! Prima de primeira, é bom não haver confusões. Nada de “Quanto mais prima, mais se lhe arrima!”
Como à altura não a queimaram nem houve críticos quezilentos ou desfavoráveis, quiçá por receio de represálias, por lá ficou em todo o seu esplendor à entrada da messe, ofertada e ao serviço da “coltura”, digo eu!? Resta-me a imagem que vou postar, para eventual deleite de quem a vier a mirar e sentir! É de nota o posicionamento do confortável “sofá”, de molde a melhor permitir que o apreciador se deixasse levar pelo sonho.
Bem, mas nem só nas artes (Culinária e Plástica) se viveram novas experiencias, também no Desporto aconteceu, de modo efémero, é certo.
O jogo de “cacimbados”
À falta de “matrecos” e bilhar, só a bola constava no cardápio do desporto. Assim, uma “mente brilhante” gastou-se – depois deve ter-se agastado (não lembro) – na invenção de um jogo que permitisse campeonatos rápidos e musculados e ao mesmo tempo direccionado ao apaziguamento subtil da acção de quaisquer vapores etílicos acumulados anteriormente. Assim nasceu um jogo, viril e nada entediante, uma espécie caseira de “Air hóquei” (se bem lhe chamo), em que os instrumentos do jogo eram a mesa da messe, uma lata de coca – cola, os punhos dos adversários.
Com em todos os jogos, o objectivo era… ganhar. Creio que o tempo de jogo era definido (e pouco) e quem perdia (talvez uma cervejola) era o “atleta que sofresse mais golos ou desistisse antes de acabado o tempo. Assim podia acontecer que quem marcasse mais golos… perdesse. A coisa estava bem engendrada e como se poderá perceber, até final do tempo a vitória era uma incógnita, já que a resistência física e psicológica era crucial ao desempenho.
Assim, nos topos da mesa da messe (distanciados talvez uns dois metros passantes) abancavam os dois adversários e para os espectadores, caso houvesse, não havia lugares sentados! Tirada a sorte para ver quem abria a jogatana, uma lata de “Coca-Cola” cheia era-lhe colocada à frente e com uma murraça o jogador tentava que a “bola” saísse pelo topo da mesa contrário, onde também a murro (só eram permitidos murros) o adversário tentava defender, mandando-a de volta para o outro, agora a defender e assim sucessivamente até surgir o golo. Posta a “bola” de novo em campo, o flagelo continuava.
Como se compreenderá, os nós dos dedos é que sofriam ao aguentar o impacto da massa aumentada pela velocidade que a “bola“ atingia …enfim! Como pelos vistos não havia suficientes cacimbados masoquistas, este potencial belíssimo campeonato foi na verdade efémero.
Luís Faria
(Texto e Fotos: Luís Faria)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8546: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (43): Augusto Barros - Apontamentos
Olá Vinhal, um abraço
“Viagem à volta das minhas memórias” transporta-me destas vez a tempos vividos com certa tranquilidade e facilidade, em que e talvez por esse facto, a grande parte das lembranças que retenho são “flashes” intermitentes e sem sequência, não me permitindo com o mínimo de rigor situá-los em tempo e espaço ou enquadrá-los numa acção.
Talvez a 24 deste mês aquando da nossa reunião anual, surja alguma luz.
Um abraço a todos
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (44)
Destacamentos: Mato Dingal
Enquanto a passagem dos dias ia avançando morosamente, aproximando-me da partida para um mesito de descanso no “Puto”, recebo ordem para substituir em Mato Dingal o Alf Mil Gaspar que, creio foi de férias. Este era o primeiro destacamento que se encontrava na estrada asfaltada Bula – João Landim e onde estava estacionado o 4.º GCOMB.
Pequeno, aberto e simpático, confinava praticamente com o asfalto e se bem me recordo, atravessando-o entrava-se na tabanca habitada por uma população que rondaria as mil e duzentas almas, ao que lembro ordeira, fiel e prazenteira, talvez a que nos inspirava menos desconfiança.
Mato Dingal – neste buraco julgo que iria ser instalada a base do monumento
Aviso de “instalações seguras”
Se em Augusto Barros a vida não era má, por estas bandas era bem melhor. Eram tempos descansados, sem sobressaltos de especial e a proximidade e facilidade de chegar a Bula parecia-me fazer o tempo acelerar um pouco. Idas a Augusto Barros seriam as indispensáveis para abastecimento de géneros e poucas mais.
Não houve qualquer dificuldade em assumir de novo e temporariamente o comando do pessoal daquele destacamento. Rapaziada e eu conhecíamo-nos bem e entrosávamo-nos melhor! Daí tudo sair facilitado e não haver incidentes ou questiúnculas e a disciplina e segurança necessárias eram, digamos assim, adaptadas automaticamente.
Bons dias por lá passei e em boas companhias.
Exercer e promover a “psícola” era mais para os Furriéis Fontinha e Chaves (Obelix). Ao que recordo a tabanca era deles?! Nesse aspecto e pela minha parte como responsável pelo destacamento, resguardava-me um tanto, não me fragilizando para o caso de ter de exercer a autoridade que detinha, num qualquer diferendo que houvesse com a População. Que lembre só tive um, por causa de um leitão. Deu-me até umas dores de cabeça com o Comando, Coronel “dez para o meio-dia” que quase ficou com a cabeça no “meio-dia certo”, de tanto barafustar comigo.
Por aquelas bandas tive a oportunidade der usufruir de experiencias novas, talvez até inovadoras, de que recordo três:
A “Vagomestria”
Já não sei se inerente ao cargo se por moto próprio, assumir a função de Vagomestre foi uma delas, interessante e motivadora, que ainda hoje nos encontros é por vezes evocada com bocas “foleiras” e risos do tipo: - “Oh Faria… até ao dia vinte tirava-se a barriga de misérias, mas depois… era só “bianda” com “bianda”…! (claro que o vernáculo vem a seguir). “Perdoai-lhes deus (menor) pois não sabem o que dizem”!!!
Na verdade foi mais ou menos assim naqueles um ou dois meses (já não posso precisar) que por lá passei. Comia-se bastante bem em variedade, quantidade e qualidade, esta devida ao Cozinheiro que era espectacular. Só nos últimos dias do mês, com o “patacão “ dos frescos tão esgotado que nem dava para o meu maço de tabaco, contratualizado comigo mesmo, é que se comia “à quartel” !? (modo de dizer, sem ofensas nem juízos de valor).
Pois…, logo de início avisei o pessoal que se ia comer à maneira e que aquela trabalheira toda teria que dar para um maço de tabaco (Português Suave sem filtro) diário.
Já não estou certo se o “desvio”aconteceu ou não …talvez sim (?!) mas o que é facto e ao que sei, comia-se quase como num hotel, chegando a vir por vezes pessoal de outro destacamento ( João Landim) e até de Bula, saborear o repasto, à borla é claro.
Tenho ideia de fazerem parte da ementa o bacalhau com todos (inclusive meia lata de vagens para cada um) , leitão assado no forno; frango assado ou frito (meio para cada), bife com ovo, peixe frito e cozido… de sobremesas recordo as meias latas de fruta em calda para cada boca… acompanhamento de saladas …
Todos esses “pesos” que recebíamos para gerir em “frescos”, eram gastos em abastecimentos na tabanca, em Bula e Bissau. Julgo que seria normal, esperado e até incentivado, que boa parte deles fosse também utilizado em abastecimentos na Companhia. Claro que isso seria mais prático, mais cómodo e daria menos dor de cabeça ou trabalho. Mas connosco, não acontecia!
Quem não achava muita piada era o nosso Primeiro, já que era eu e só eu que escolhia o que queria dos produtos disponíveis da Companhia e não abdicava nem de um “peso” da dotação para o que se chamava “frescos”. Olhado de “ladegos” quando lá ia, era um “exemplo a não seguir”.
A minha “Obra prima”
Descobrir a “propensão“ para as “Artes plásticas” (?!), foi outra experiencia de excepção que me entusiasmou e que resolvi exercer em benefício estético visual das instalações (?!), do equilíbrio emocional (?!) e em prol da “coltura” um tanto ausente (?!)!
Correndo o risco de acabar por ser vaiado ou mesmo escorraçado por “elites” cépticas, tinha que meter cabeça e mãos ao trabalho.
Desde logo foi imperioso um pouco de tranquilidade e paz de espírito, que permitiu à sensibilidade criativa (?!) “atonar ”. Depois não foi fácil escolher e conseguir os materiais necessários à execução que se adaptassem e permitissem a livre expressão da Alma, convertida ao momento pelas mãos e perspectiva visual!?!
Tempo depois e muita concentração, uma obra que recordo acaba por ver a luz do dia. Prima para mim, nela usei toda a sensibilidade a par de muito e delicado manuseamento, compensado é certo pelo deleite que se usufruía consoante se ia mirando e sentindo. Era para mim, realmente prima !?! Prima de primeira, é bom não haver confusões. Nada de “Quanto mais prima, mais se lhe arrima!”
Como à altura não a queimaram nem houve críticos quezilentos ou desfavoráveis, quiçá por receio de represálias, por lá ficou em todo o seu esplendor à entrada da messe, ofertada e ao serviço da “coltura”, digo eu!? Resta-me a imagem que vou postar, para eventual deleite de quem a vier a mirar e sentir! É de nota o posicionamento do confortável “sofá”, de molde a melhor permitir que o apreciador se deixasse levar pelo sonho.
Obra Prima - “Procópio a cachimbar na canícula” (será o nome?)
Bem, mas nem só nas artes (Culinária e Plástica) se viveram novas experiencias, também no Desporto aconteceu, de modo efémero, é certo.
O jogo de “cacimbados”
À falta de “matrecos” e bilhar, só a bola constava no cardápio do desporto. Assim, uma “mente brilhante” gastou-se – depois deve ter-se agastado (não lembro) – na invenção de um jogo que permitisse campeonatos rápidos e musculados e ao mesmo tempo direccionado ao apaziguamento subtil da acção de quaisquer vapores etílicos acumulados anteriormente. Assim nasceu um jogo, viril e nada entediante, uma espécie caseira de “Air hóquei” (se bem lhe chamo), em que os instrumentos do jogo eram a mesa da messe, uma lata de coca – cola, os punhos dos adversários.
Com em todos os jogos, o objectivo era… ganhar. Creio que o tempo de jogo era definido (e pouco) e quem perdia (talvez uma cervejola) era o “atleta que sofresse mais golos ou desistisse antes de acabado o tempo. Assim podia acontecer que quem marcasse mais golos… perdesse. A coisa estava bem engendrada e como se poderá perceber, até final do tempo a vitória era uma incógnita, já que a resistência física e psicológica era crucial ao desempenho.
Assim, nos topos da mesa da messe (distanciados talvez uns dois metros passantes) abancavam os dois adversários e para os espectadores, caso houvesse, não havia lugares sentados! Tirada a sorte para ver quem abria a jogatana, uma lata de “Coca-Cola” cheia era-lhe colocada à frente e com uma murraça o jogador tentava que a “bola” saísse pelo topo da mesa contrário, onde também a murro (só eram permitidos murros) o adversário tentava defender, mandando-a de volta para o outro, agora a defender e assim sucessivamente até surgir o golo. Posta a “bola” de novo em campo, o flagelo continuava.
Como se compreenderá, os nós dos dedos é que sofriam ao aguentar o impacto da massa aumentada pela velocidade que a “bola“ atingia …enfim! Como pelos vistos não havia suficientes cacimbados masoquistas, este potencial belíssimo campeonato foi na verdade efémero.
Luís Faria
(Texto e Fotos: Luís Faria)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8546: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (43): Augusto Barros - Apontamentos
Guiné 63/74 - P8818: Filhos do vento (3 ): Vi muito poucos mestiços... (J. Pardete Ferreira)
1. Mensagem do nosso camarigo J. Pardete Ferreira, com data de 21 do corrente, sobnre o tema "Filhos do Vento":
Meu caro Luís,
A minha experiência está longe de ser cientificamente provada e pode ser polémica.
A minha experiência está longe de ser cientificamente provada e pode ser polémica.
Efectivamente, tirando o Setúbalm motorista do Chefe do Serviço de Saúde Militar com as suas tês filhas mestiças, vi muito pouco "pessoal mestiço" na Guiné, o que foi uma surpresa para mim e me fez moer o juízo durante uns tempos.
Não vou dizer que não havia, o que seria um disparate atendendo ao exemplo que dei.
Que fazer? Perguntar... e qual não foi o meu espanto quando fui informado que nasciturno não "negro" era eliminado pela parteira, pois os mestiços, principalmente os "quase brancos, eram considerados "persona non grata". E seria uma vergonha para a mãe e sua família apresentá-los em público!
Que fazer? Perguntar... e qual não foi o meu espanto quando fui informado que nasciturno não "negro" era eliminado pela parteira, pois os mestiços, principalmente os "quase brancos, eram considerados "persona non grata". E seria uma vergonha para a mãe e sua família apresentá-los em público!
Efectivamente, repito, quer nos hospitais em que trabalhei, incluindo o de Teixeira Pinto, calculei que, pelo menos de acordo com as Leis de Mendel, teoricamente deveria haver muito mais.
Em suma: ficamos na mesma porque, além desta explicação um pouco primária, reconheço, que me foi dada, nada tenho de probatório (que me desculpem os homens de leis se saiu alguma bacorada).
Não interessa ter certezas, o que é necessário é procurá-las! E procurá-las em conjunto... Passado este tempo todo é natural aceitar as nossas dúvidas, esquecimentos e quejandos e, humildemente, pedia ajuda sem ideias pré-concebidas.
Alfa Bravo para todos ou Papa Óscar Rómeo Rómeo Alfa para mim, se não me fiz enterder.
José Pardete Ferreira
José Pardete Ferreira
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Nota do editor:
Último poste da série > 24 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8816: Filhos do Vento (2): Duas mães que eu conheci: Binta de Chamarra e Binta Bobo de Mampatá (José Teixeira)
sábado, 24 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8817: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (33): Um dia de Verão na Serra de Sintra (Felismina Costa)
1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 21 de Setembro de 2011:
Boa noite Editor e Amigo Carlos Vinhal
É apenas o registo de alguns momentos deste meu dia. Um dia emocionante, porque a emoção é uma companheira permanente na minha vida.
Aliás, a vida... emociona-me permanentemente!
Quando olho à minha volta, tudo me transcende. Tudo me merece admiração e respeito.
Se achar que não vale a pena ser editado, ignore simplesmente.
Um abraço fraterno e os meus agradecimentos pela sua paciência.
Felismina Costa
Recanto da Serra de Sintra, em dia Invernoso, que fotografei em 2009
Foto: © Felismina Costa (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. Termina o Verão de 2011
O dia esteve fabuloso, de uma luminosidade fantástica!
Porque estou de férias, aproveitei a manhã, e, numa calma gostosa e descontraída, saí para viver o meu dia e olhar, com olhos de ver, cada pedra e relevo do meu Bairro.
Ao fundo da Rua cidade de Bruxelas, neste bairro onde habito há tantos anos, desfruto de uma vista maravilhosa sobre a serra de Sintra!
Ao longe, a uns dez quilómetros de distância, ela insinua-se alongada e assimétrica:
À sua direita, oferece-nos a visão fantástica do Palácio Nacional da Pena, que representa, segundo a wikipédia, (uma das melhores expressões do romantismo arquitectónico do século dezanove, no mundo.) Tão gostoso de ver, mesmo a esta distância, promovendo a visão imaginária de quem o habitou inicialmente.
Na sua assimetria, a serra, vista daqui, evidência relevos maternais, grandes seios, onde o sol se esconde ao fim do dia, e que eu, encantada, venho observar com frequência, feliz por poder fazê-lo.
Mas, hoje de manhã, desci a rua, fiz o pequeno circuito de manutenção (Abel dos Santos) e desci mais uma vez até à Ribeira. Havia uma paz, um sossego provinciano, difícil de imaginar por estas paragens!
Aspirei fundo a manhã gostosa!
Sorri para as árvores, para a relva molhada pela rega matinal, para as aves felizes nas margens da ribeira!
Olhei o céu…deslumbrada! Nem uma pequena nuvem se atreveu a manchar aquele azul velho, que todo o dia esteve em exposição permanente!
Sentei-me na esplanada. Pedi um sumo de fruta, peguei num livro que o Agostinho Gaspar teve a gentileza de me enviar, intitulado: (A Mulher nas Malhas da Guerra Colonial) de Ana Bela Vinagre… e li. Digo-vos, as primeiras páginas, parecia ter sido eu a escrevê-las. Tão fiel está a descrição do que vivi e senti, quanto à guerra, e a toda a realidade contextual.
Arrepiei-me. Tive medo da emoção, por ter encontrado descrito com exactidão o que vivenciei. O tempo em que cresci. Foi… como se tivesse voltado… aquele tempo, vivendo todas aquelas realidades, saudosa apenas da família que tive, da infância e juventude que tive, do que perdi… Foi como uma viagem ao passado, a preto e branco. Senti frio, no dia quente.
Reagi. Fechei o livro, para ganhar ânimo, para continuar a lê-lo. Amanhã vou continuar a leitura.
Fechei na página 72.
Encetei o regresso casa. A meio do percurso, encontrei uma grande amiga e um enorme sorriso no rosto de cada uma e os braços abertos, expressando a alegria do encontro, foi um lenitivo fabuloso. Marcamos encontro amanhã no Shopping às 9h30 para tomar juntas o pequeno almoço e falarmos um pouco do que nos preocupa e nos alegra.
Ao final do dia, voltei novamente à Rua Cidade de Bruxelas. Não perdia por nada o espectáculo. Sentei-me numa pedra do rústico e pequeno jardim ali existente e esperei, que aquela bola única, descendo sobre a serra, se escondesse brilhando entre os seios da Terra-Mãe.
Senti uma paz única!
Sorri sozinha, emocionada, agradecida.
A serra ficou na penumbra. Tranquila, como uma mãe que aconchega os filhos ao fim do dia e os vê dormir sob a sua protecção…
Que grande dia, que fechou mais um verão das nossas vidas!
Nem uma folha bulia e a temperatura entre os vinte cinco, vinte e sete graus, convidavam a passear, a olhar a noite, que vinha a caminho, grande, misteriosa e sabedora.
Felismina Costa
Agualva, 21 de Setembro de 2011
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 14 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8669: Efemérides (54): 104.º aniversário de Miguel Torga (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8595: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (32): Hoje almocei com o Joaquim Gaspar (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P8816: Filhos do Vento (2): Duas mães que eu conheci: Binta de Chamarra e Binta Bobo de Mampatá (José Teixeira)
1. Em mensagem do dia 21 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), fala-nos de alguns filhos do Vento que conheceu.
Filhos do Vento
A Binta Bobo era uma criança de 8/9 anos quando eu andei por Mampatá em 1968. Era uma das muitas crianças com eu passava parte do meu tempo brincando. Uma forma agradável de passar o tempo, uma forma de ser e estar que ainda hoje gosto de praticar.
Em 2005 estando eu no Saltinho, perguntei por outra Binta, minha conhecida, esta oriunda da Chamarra, mulher casada, que engravidou de um camarada meu, foi repudiada pelo marido e foi expulsa da comunidade local, tendo ir viver para Aldeia Formosa, segundo soube mais tarde pelo Mudé Embaló, já falecido.
Tentei saber o que se tinha passado com ela e sobre o filho, junto de amigos de outrora comuns. Tanto quanto me disseram, continuava em Aldeia Formosa, mas... evitaram conversar sobre ela e o seu filho. Todo o militar que estava na Chamarra sabe quem é o pai, menos este, segundo parece e faz crer.
A minha amiguinha Binta Bobo de Mampatá, também teve um filho de branco em 1974. Ela foi repudiada e afastada da comunidade, A Binta morreu uns anos depois e a família dela, a família Baldé de Mampatá, tomou conta da criança. O miúdo cresceu, tornou-se um homem. Veio ter comigo, queria que lhe desse a morada do pai em Portugal, pessoa que eu não conhecia, pois quando estive em Mampatá a sua mãe ainda era uma criança. Também lá em Mampatá toda a gente diz saber quem é o pai. Se é quem dizem já lá voltou, mas...
Uns dias depois, estava já no Aeroporto de Bissalanca à espera do embarque para Lisboa, quando conheci mais um “filho do Vento”. Este teve a sorte de conseguir singrar na vida. Só gostava de conhecer o pai...
Sabia que morou nos arredores do Porto. Uma irmão do pai soube da existência do miúdo, correspondeu-se com a mãe e apoiou-a durante uns anos. Depois desapareceu. Parece que notícias diretas do pai nunca teve. O que sabia foi-lhe contado pela mãe, em resultado da ligação desta com a tia, mas o grande sonho deste jovem era só e apenas conhecer o pai.
Ainda procurei localizar o pai na Junta de Freguesia indicada pelo jovem, mas não constava no rol de residentes.
José Teixeira
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8581: Ser solidário (112): Torneio Uma Gota de Água Para a Guiné-Bissau (José Teixeira)
Vd. primeiro poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8813: Filhos do Vento (1): Nem branquear os casos nem culpabilizar ninguém (José Saúde)
A Binta Bobo é a garota mais pequena
Foto (editada por Carlos Vinhal) e legenda: © José Teixeira (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservadosFilhos do Vento
A Binta Bobo era uma criança de 8/9 anos quando eu andei por Mampatá em 1968. Era uma das muitas crianças com eu passava parte do meu tempo brincando. Uma forma agradável de passar o tempo, uma forma de ser e estar que ainda hoje gosto de praticar.
Em 2005 estando eu no Saltinho, perguntei por outra Binta, minha conhecida, esta oriunda da Chamarra, mulher casada, que engravidou de um camarada meu, foi repudiada pelo marido e foi expulsa da comunidade local, tendo ir viver para Aldeia Formosa, segundo soube mais tarde pelo Mudé Embaló, já falecido.
Tentei saber o que se tinha passado com ela e sobre o filho, junto de amigos de outrora comuns. Tanto quanto me disseram, continuava em Aldeia Formosa, mas... evitaram conversar sobre ela e o seu filho. Todo o militar que estava na Chamarra sabe quem é o pai, menos este, segundo parece e faz crer.
A minha amiguinha Binta Bobo de Mampatá, também teve um filho de branco em 1974. Ela foi repudiada e afastada da comunidade, A Binta morreu uns anos depois e a família dela, a família Baldé de Mampatá, tomou conta da criança. O miúdo cresceu, tornou-se um homem. Veio ter comigo, queria que lhe desse a morada do pai em Portugal, pessoa que eu não conhecia, pois quando estive em Mampatá a sua mãe ainda era uma criança. Também lá em Mampatá toda a gente diz saber quem é o pai. Se é quem dizem já lá voltou, mas...
Uns dias depois, estava já no Aeroporto de Bissalanca à espera do embarque para Lisboa, quando conheci mais um “filho do Vento”. Este teve a sorte de conseguir singrar na vida. Só gostava de conhecer o pai...
Sabia que morou nos arredores do Porto. Uma irmão do pai soube da existência do miúdo, correspondeu-se com a mãe e apoiou-a durante uns anos. Depois desapareceu. Parece que notícias diretas do pai nunca teve. O que sabia foi-lhe contado pela mãe, em resultado da ligação desta com a tia, mas o grande sonho deste jovem era só e apenas conhecer o pai.
Ainda procurei localizar o pai na Junta de Freguesia indicada pelo jovem, mas não constava no rol de residentes.
José Teixeira
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8581: Ser solidário (112): Torneio Uma Gota de Água Para a Guiné-Bissau (José Teixeira)
Vd. primeiro poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8813: Filhos do Vento (1): Nem branquear os casos nem culpabilizar ninguém (José Saúde)
Guiné 63/74 - P8815: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Encontros e reencontros com o PAIGC, de 1 de Maio a 31 de Julho de 1974 (Parte III) (Jorge Canhão)
Ilustrações retiradas da História do
BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74).
[ Selecção / edição / introdução e legendagem / Ortografia de acordo com o Novo Acordo: L.G.]
1. Terceira (e última) parte do excerto da História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74), relativo aos últimos três meses da sua comissão de serviço no TO da Guiné: Maio, Junho e Julho de 1974.
Neste último mês, foi transferida, para o BCAÇ 4612/74, a responsabilidade pelo setor de Mansoa. Por outro lado, ficamos a saber que, em 19 de Julho de 1974, o PAIGC abriu uma delegação em Mansoa. Há uma série de "reuniões de esclarecimento" com a população e as milícias locais que, aparentemente, decorrem num "ambiente de grande cordialidade".
O batalhão, que regressa Portugal em finais de Agosto de 1974, deixa "obra feita" em Mansoa (estrada Jugudul-Bambadinca, e uma série de reordenamentos). A estrada de Jugudul-Bambadinca, numa extensão de 24,2 Km, foi feita, no entanto, com "sangue, suor e lágrimas" (*). (LG)
Nota do editor:
Último poste da série > 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8796: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Encontros e reencontros com o PAIGC, de 1 de Maio a 31 de Julho de 1974 (Parte II) (Jorge Canhão)
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Guiné 63/74 - P8814: Agenda Cultural (157): Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas na UNICEPE, Porto
1. A pedido do presidente da direcção da Unicepe, que é seu amigo, o nosso camarada Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72) , em mensagem de hoje, 23 de Setembro de 2011, deu-nos conta da apresentação do livro De Campo em Campo, de autoria de Norberto Tavares de Carvalho, no próximo sábado 24 de Setembro, na cidade do Porto.
Passamos a dar notícia, baseados em elementos fornecidos pela editora. E saudamos o aparecimento do nosso camarigo Vitor Junqueira de quem há muito não tínhamos notícia.
Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas, na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, Praça de Carlos Alberto, 128-A.
DE CAMPO EM CAMPO, de Norberto Tavares de Carvalho
Trata-se de uma empolgante narrativa da guerra colonial, por alguém que a viveu de corpo e alma, do primeiro ao último momento. Futebolista nato, Bobo Keita cruzou-se no estrangeiro com o Presidente Kwame Nkrumah, do Gana, do qual ouviu a mensagem que o preparou para os lances que iria efectuar no campo político. Respondendo ao apelo de Amílcar Cabral, foi com elegância e convicção que fez a sua preparação militar num país do ex-bloco comunista.
Calculista, cedo entendeu que os amuletos não passavam de meras fantasias e passou a interessar-se pelos conhecimentos e técnicas mais ligados à lógica. "Não ouves o zumbido da bala que te ceifa a vida porque a sua velocidade é superior à do som."
Foi assim que o ex-futebolista se formou como militar no emaranhado de trepadeiras e lianas que formam o traiçoeiro solo da Guiné-Bissau. Lutou no Norte e no Leste, comeu ratos e macacos, bateu-se como um leão, foi ferido mas nunca perdeu o ânimo. Sobretudo depois da morte de Cabral.
Último Comandante a entrevistar-se com o Amílcar Cabral poucas horas antes da sua morte, Bobo Keita participou na captura do assassino e na libertação de Aristides Pereira. Por outro lado, o domínio aéreo, outrora da exclusividade do exército português, foi posto em causa, logo a seguir, com o míssil Strela e o Grad, na primavera de 1973.
A morte do líder viria a intensificar os campos de batalha até que, no dia 25 de Abril de 1974, deu-se o golpe de estado em Portugal, antecedente lógico que permitiu o desanuviamento tanto esperado.
Membro da delegação do PAIGC que participou nas negociações de Londres e de Argel, Bobo Keita afirma que o ambiente entre as duas delegações não foram sempre tão cordiais como se pretendeu. Para ilustrar um desses momentos de tensão, foi quando perante um impasse a delegação do PAIGC anunciou que ia regressar e retomar a guerra. O Dr Mário Soares teria elevado a voz, frisando bem alto: "Guerra, guerra, vocês só pensam na guerra...!".
Com a assinatura dos Acordos de Argel, os homens de Cabral regressaram efectivamente mas para preparar a fase de transição da retirada do exército português. Foi assim que, no dia 13 de Outubro de 1974, Bobo Keita escoltava, com o devido brio e respeito, o último Governador Colonial da Guiné, o Brigadeiro Carlos Fabião que ia apanhar o avião que o conduziria a Portugal. A cena marcou o fim da guerra colonial na Guiné e também o fim desta empolgante narrativa. (Fonte: Adapt. de Unicepe)
O Autor (segundo ele próprio)
Nasci na Guiné-Bissau onde fiz os meus estudos primários, secundários e universitários. Em Novembro de 1972, estudantes travaram-se de razões com o General António de Spínola. Pus-me logo à cabeça do movimento. Do palácio do Governador fui conduzido à prisão da PIDE/DGS. Solto, criei a minha célula juvenil paralelamente às minhas actividades no seio de militantes do PAIGC que operavam em Bissau. Preso em Maio de 1973, fui condenado a 3 anos de trabalhos forçados. O "25 de Abril" restituiu-me a liberdade. Pude então dar corpo às minhas tendências poéticas e literárias. Participei na primeira Antologia dos poetas da Guiné-Bissau. Chefe do Departamento da Cultura da Juventude Africana Amílcar Cabral (1977-1980), Chefe dos Serviços da Migração (1978-1980), fui preso na sequência do golpe de estado do 14 de Novembro de 1980 na Guiné-Bissau. Após 36 meses de isolamento e 6 meses de trabalhos forçados, fui libertado. Com o pretexto de retomar os meus estudos universitários interrompidos, em 1983 abandonei o meu país e emigrei-me para a Suiça. Diplomado no Instituto dos Altos Estudos Especializados de Genebra, professor e Master Europeu em Mediação, trabalho como funcionário e faço parte da lista dos Mediadores Civis do Estado de Genebra. Sou fundamentalmente Combatente da Liberdade da Pátria.
(Fonte: Unicepe)
************
UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL
Praça de Carlos Alberto, 128-A
4050-159 PORTO
Telefone (351) 222 056 660
Unicepe@net.novis.pt
http://www.unicepe.com
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8805: Agenda Cultural (156): Exibição do filme Quem vai à Guerra, de Marta Pessoa, dia 30 de Setembro de 2011 no Centro Cultural da Malaposta, Olival Basto
Passamos a dar notícia, baseados em elementos fornecidos pela editora. E saudamos o aparecimento do nosso camarigo Vitor Junqueira de quem há muito não tínhamos notícia.
Apresentação do livro De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho, dia 24 de Setembro de 2011, pelas 16 horas, na UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL, Praça de Carlos Alberto, 128-A.
DE CAMPO EM CAMPO, de Norberto Tavares de Carvalho
Trata-se de uma empolgante narrativa da guerra colonial, por alguém que a viveu de corpo e alma, do primeiro ao último momento. Futebolista nato, Bobo Keita cruzou-se no estrangeiro com o Presidente Kwame Nkrumah, do Gana, do qual ouviu a mensagem que o preparou para os lances que iria efectuar no campo político. Respondendo ao apelo de Amílcar Cabral, foi com elegância e convicção que fez a sua preparação militar num país do ex-bloco comunista.
Calculista, cedo entendeu que os amuletos não passavam de meras fantasias e passou a interessar-se pelos conhecimentos e técnicas mais ligados à lógica. "Não ouves o zumbido da bala que te ceifa a vida porque a sua velocidade é superior à do som."
Foi assim que o ex-futebolista se formou como militar no emaranhado de trepadeiras e lianas que formam o traiçoeiro solo da Guiné-Bissau. Lutou no Norte e no Leste, comeu ratos e macacos, bateu-se como um leão, foi ferido mas nunca perdeu o ânimo. Sobretudo depois da morte de Cabral.
Último Comandante a entrevistar-se com o Amílcar Cabral poucas horas antes da sua morte, Bobo Keita participou na captura do assassino e na libertação de Aristides Pereira. Por outro lado, o domínio aéreo, outrora da exclusividade do exército português, foi posto em causa, logo a seguir, com o míssil Strela e o Grad, na primavera de 1973.
A morte do líder viria a intensificar os campos de batalha até que, no dia 25 de Abril de 1974, deu-se o golpe de estado em Portugal, antecedente lógico que permitiu o desanuviamento tanto esperado.
Membro da delegação do PAIGC que participou nas negociações de Londres e de Argel, Bobo Keita afirma que o ambiente entre as duas delegações não foram sempre tão cordiais como se pretendeu. Para ilustrar um desses momentos de tensão, foi quando perante um impasse a delegação do PAIGC anunciou que ia regressar e retomar a guerra. O Dr Mário Soares teria elevado a voz, frisando bem alto: "Guerra, guerra, vocês só pensam na guerra...!".
Com a assinatura dos Acordos de Argel, os homens de Cabral regressaram efectivamente mas para preparar a fase de transição da retirada do exército português. Foi assim que, no dia 13 de Outubro de 1974, Bobo Keita escoltava, com o devido brio e respeito, o último Governador Colonial da Guiné, o Brigadeiro Carlos Fabião que ia apanhar o avião que o conduziria a Portugal. A cena marcou o fim da guerra colonial na Guiné e também o fim desta empolgante narrativa. (Fonte: Adapt. de Unicepe)
O Autor (segundo ele próprio)
Nasci na Guiné-Bissau onde fiz os meus estudos primários, secundários e universitários. Em Novembro de 1972, estudantes travaram-se de razões com o General António de Spínola. Pus-me logo à cabeça do movimento. Do palácio do Governador fui conduzido à prisão da PIDE/DGS. Solto, criei a minha célula juvenil paralelamente às minhas actividades no seio de militantes do PAIGC que operavam em Bissau. Preso em Maio de 1973, fui condenado a 3 anos de trabalhos forçados. O "25 de Abril" restituiu-me a liberdade. Pude então dar corpo às minhas tendências poéticas e literárias. Participei na primeira Antologia dos poetas da Guiné-Bissau. Chefe do Departamento da Cultura da Juventude Africana Amílcar Cabral (1977-1980), Chefe dos Serviços da Migração (1978-1980), fui preso na sequência do golpe de estado do 14 de Novembro de 1980 na Guiné-Bissau. Após 36 meses de isolamento e 6 meses de trabalhos forçados, fui libertado. Com o pretexto de retomar os meus estudos universitários interrompidos, em 1983 abandonei o meu país e emigrei-me para a Suiça. Diplomado no Instituto dos Altos Estudos Especializados de Genebra, professor e Master Europeu em Mediação, trabalho como funcionário e faço parte da lista dos Mediadores Civis do Estado de Genebra. Sou fundamentalmente Combatente da Liberdade da Pátria.
(Fonte: Unicepe)
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UNICEPE - Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, CRL
Praça de Carlos Alberto, 128-A
4050-159 PORTO
Telefone (351) 222 056 660
Unicepe@net.novis.pt
http://www.unicepe.com
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8805: Agenda Cultural (156): Exibição do filme Quem vai à Guerra, de Marta Pessoa, dia 30 de Setembro de 2011 no Centro Cultural da Malaposta, Olival Basto
Guiné 63/74 - P8813: Filhos do Vento (1): Nem branquear os casos nem culpabilizar ninguém (José Saúde)
1. Mensagem do nosso camarada José Saúde [ex-Fur Mil Op Esp,
Data: 21 de Setembro de 2011 22:01
Assunto: "Filhos do Vento"
Meu caro Luís!
"Filhos do Vento" é o princípio de um tema por mim lançado à opinião pública (*) quando em causa está justamente os muitos "desvarios" que a guerra de África proporcionou.
Ninguém, ou quase ninguém, passa impune a uma realidade que nos foi sobejamente conhecida. Não fui e não fomos anjos imaculados. Não vamos é branquear verdades adquiridas. Consumadas.
O momento não passa pela culpabilização daqueles que, num acto sexual, não meditaram as causas subsequentes. Imputar responsabilidades "às cabeças de vento", penso, ser um tema perverso. Importante é trazer à discussão factos conhecidos. Reais.
Sou de opinião que a temática tem estatuto para uma ampla discussão. Procurar, e saber, presenças humanas onde o fenómeno se consumou. Conhecer mulheres "usadas" sexualmente num clima de guerra; crianças, hoje adultas, frutos desses encontros amorosos; militares que partiram, e jamais voltaram, mas que esvaziaram cromossomas em vaginas completamente desprotegidas. Enfim, um conjuntos de adjectivações por enquanto sem resposta.
Vamos erguer, isso sim, bem alto, o tema e aceitar, em parte, a quota parte de responsabilidade que nos cabe. Só assim, e todos em uníssono, chegaremos a viabilidades plausíveis. Não podemos, tão pouco devemos, branquear um assunto deveras melindroso mas... verdadeiro.
Força, o tempo não é para jogar a toalha ao chão mas sobretudo para trazer à ribalta os muitos "Filhos do Vento" espalhados por este mundo fora.
Um abraço,
José Saúde
2. Mensagem do editor do blogue, Luís Graça, enviado internamente a todos os amigos e camaradas da Guiné que integram a Tabanca Grande, em 20 do corrente:
Apelo que circulou hoje, internamente, pela Tabanca Grande, também publicado como comentário ao poste P8799 (**):
Camaradas: Quantas crianças mestiças, cuja paternidade era imputada a militares, "tugas", vocês conheceram, nos anos e nos sítios por onde andaram na Guiné, entre 1959 e 1974 ?...
Em Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Teixeira Pinto, Mansoa, Bolama, Bissau, Buba, Bedanda, e por aí fora... Precisam-se histórias e testemunhos... Em meio milhar de membros da Tabanca Grande, vamos arranjar material para meia dúzia de postes ?
Eu sei que o tema é delicado, devendo nós ter o cuidado de preservar/proteger a identidade de pais e crianças... Em caso algum o nosso blogue pode ser usado para fazer "investigações de paternidade"...
Um abraço. Luis Graça
__________________
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”
(**) Vd. poste de 20 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (36): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)
Data: 21 de Setembro de 2011 22:01
Assunto: "Filhos do Vento"
Meu caro Luís!
"Filhos do Vento" é o princípio de um tema por mim lançado à opinião pública (*) quando em causa está justamente os muitos "desvarios" que a guerra de África proporcionou.
Ninguém, ou quase ninguém, passa impune a uma realidade que nos foi sobejamente conhecida. Não fui e não fomos anjos imaculados. Não vamos é branquear verdades adquiridas. Consumadas.
O momento não passa pela culpabilização daqueles que, num acto sexual, não meditaram as causas subsequentes. Imputar responsabilidades "às cabeças de vento", penso, ser um tema perverso. Importante é trazer à discussão factos conhecidos. Reais.
Sou de opinião que a temática tem estatuto para uma ampla discussão. Procurar, e saber, presenças humanas onde o fenómeno se consumou. Conhecer mulheres "usadas" sexualmente num clima de guerra; crianças, hoje adultas, frutos desses encontros amorosos; militares que partiram, e jamais voltaram, mas que esvaziaram cromossomas em vaginas completamente desprotegidas. Enfim, um conjuntos de adjectivações por enquanto sem resposta.
Vamos erguer, isso sim, bem alto, o tema e aceitar, em parte, a quota parte de responsabilidade que nos cabe. Só assim, e todos em uníssono, chegaremos a viabilidades plausíveis. Não podemos, tão pouco devemos, branquear um assunto deveras melindroso mas... verdadeiro.
Força, o tempo não é para jogar a toalha ao chão mas sobretudo para trazer à ribalta os muitos "Filhos do Vento" espalhados por este mundo fora.
Um abraço,
José Saúde
2. Mensagem do editor do blogue, Luís Graça, enviado internamente a todos os amigos e camaradas da Guiné que integram a Tabanca Grande, em 20 do corrente:
Apelo que circulou hoje, internamente, pela Tabanca Grande, também publicado como comentário ao poste P8799 (**):
Camaradas: Quantas crianças mestiças, cuja paternidade era imputada a militares, "tugas", vocês conheceram, nos anos e nos sítios por onde andaram na Guiné, entre 1959 e 1974 ?...
Em Bambadinca, Bafatá, Nova Lamego, Teixeira Pinto, Mansoa, Bolama, Bissau, Buba, Bedanda, e por aí fora... Precisam-se histórias e testemunhos... Em meio milhar de membros da Tabanca Grande, vamos arranjar material para meia dúzia de postes ?
Eu sei que o tema é delicado, devendo nós ter o cuidado de preservar/proteger a identidade de pais e crianças... Em caso algum o nosso blogue pode ser usado para fazer "investigações de paternidade"...
Um abraço. Luis Graça
__________________
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”
(**) Vd. poste de 20 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (36): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)
Guiné 63/74 - P8812: Notas de leitura (276): Ultrajes na Guerra Colonial, de Leonel Olhero (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2011:
Queridos amigos,
Foi uma das minhas leituras de férias e confesso que me provocou um tremendo desassossego. Em conversa telefónica com o autor, não lhe escondi que estava estarrecido pela gravidade dos actos que ele imputa a Salgueiro Maia, na Guiné.
Declarou-me ter testemunhos e estar pronto a revelá-los a quem lhos solicitar. Independentemente destas declarações chocantes, há ali parágrafos indispensáveis, confissões de um náufrago mas também de uma pessoa profundamente zangada, sobretudo com os superiores, pronta e exibir a público aquilo que ele denomina o seu passado atroz e irreal.
O livro está profusamente ilustrado.
Um abraço do
Mário
Ultrajes na guerra colonial
Beja Santos
“Ultrajes na Guerra Colonial – Reminiscências de furriel de cavalaria”, por Leonel Olhero é uma edição de autor (contactos: 229 742 093, leonelolhero@gmail.com e 965 269 288), baseia-se num diário de alguém que nasceu em Aveçãozinho, Vila Real, e nesta estação de caminho-de-ferro partiu em 11 de Janeiro de 1971 para as Caldas da Rainha, daqui para Santarém, nova estação no Porto, seguindo-se embarque no Uíge, o autor irá narrar as suas deambulações num Esquadrão Panhard, essencialmente em Bula e na circunvizinhança. É uma literatura memorial por vezes cáustica, Leonel Olhero não esconde muitas zangas e azedumes, deixa-nos alguns parágrafos belíssimos e em dado momento atira uma revelação que seguramente irá aqui suscitar larga controvérsia, ao descrever um acto torcionário e um homicídio que ele atribui à figura iconográfica de Salgueiro Maia. Vamos por partes.
No princípio, temos o transmontano que se adapta a custo à engrenagem militar, há para ali muitas saudades do Marão e um somatório de bonomia: “Nas Caldas da Rainha conheci os senhores Cross, Galho, Pórtico e Paliçada, que me deram cabo da paciência. A dona G-3, de quem aprendi a não me separar. A menina Parada, de má memória, porque nela perdi pedaços da minha rica vida. O menino Pré, demasiado económico e muito forreta, um safado!, um sem vergonha”. Sentiu-se malquistado em Santarém, há ali um bom número de reparos a cavalgaduras e cretinices. Aqui estudou blindados Panhard, Daimler, Chaimite e Fox. Seguiu para Cavalaria 6 no Porto, é aqui que lhe dão guia de marcha para Cavalaria 7 em Lisboa e em 25 de Agosto ruma para a Guiné.
Torna-se num dos sargentos do Esquadrão Panhard 3432. Atravessa o Mansoa em João Landim e chega e Bula. Em Setembro é destacado para Nhamate, passam por Binar que ele classifica por estéril povoado e lá chegam a Nhamate, definido como lugar ermo e triste onde a vida era irreal e todos cediam o corpo à morte: “Em Nhamate a vida corroía-se-me lenta, o meu relógio não andava e tudo me era vago. E era assim que, naquele tédio, um homem se fazia à morte. Deslumbrantes pores-do-sol arquitectavam-nos ausências e sentenciavam-nos a penosos silêncios recônditos e melancólicos”. Descobre que a natureza estava viva, sente o empanturramento de horas preguiçosas, deslumbra-se uma trovoada tropical: “Uma trovoada, com carácter primitivo e sagrado, apavorou-nos. Receoso, o sol estremeceu de inquietação e correu a esconder-se. Numa embriaguez de luzes, relâmpagos cintilaram em ziguezagues de fogo, bateram nas trevas e apanharam relâmpagos em resposta. De alto a baixo, raios riscaram rasgando fundo os céus. Irrequietos, os trovões estalaram implacáveis vibrando de tronco em tronco e em cada folha, assustando aves e ribombando pelos caminhos do céu imenso num estampido ensurdecedor, enquanto que o vento, carregado dos cheiros da terra e do odor da selva, bradou com fúria e em rajadas hirtas e tudo impeliu numa maluca confusão”.
É numa viagem num sintex, quando foi a Bula buscar salários, que Olhero nos dá uma descrição de grande beleza, que mais realça pela contenção dos adjectivos: “Para lá das desviadas margens, num sussurro, naquele rio largo como uma promessa via-se água que penetrava na brumosa mata de onde, desafiando nos céus altas fasquias, se erguiam crescidas e seculares árvores. Por causa das investidas da nossa artilharia, com olhos cansados de procurar, vi cepos definhados com galhos despidos e rasgados. Braços vegetais abertos que nos desejariam abraçar e onde poisavam centenas de colónias de coloridos periquitos (…) Na tona da água bandos de periquitos de rabo de junco rasavam, chispavam à nossa passagem e rabiscavam hieróglifos (…) Inumeráveis abutres repugnantes e agoirentos que poisavam nos poleiros altos da sossegada e densa ramagem, alteavam-se impassíveis, estremecendo penosamente as enormes e aborrecidas asas. Alguns, mais tímidos, alavam para o escuro daquele tão intemporal bosque e ali ficavam à espera de olhos tristes e adiados”. E fiquemos com esta pálida amostra de uma linda viagem de sintex que até hoje não tinha lido, é cativante o deslumbramento do autor por tudo quando capta neste rio. Desforra-se a apanhar rolas, assim melhora o rancho, sempre tão igual na sua sopa do costume e arroz cozido com rodelas de salsicha.
E de Nhamate volta a Bula, começa o rosário de escoltas, Binar, São Vicente, Có, Teixeira Pinto ou Pelundo são algumas metas obrigatórias. De vez em quando vai a Bissau, no Pidjiquiti encontra o Zé Luís, empregado do café A Brasileira, em Vila Real. E assim chegamos a 1972. Há lá muita bebedeira em Bula, maledicência, gente quezilenta, ouvem-se flagelações, chegou a hora das perdas humanas, seguem-se férias na metrópole.
No regresso, temos o ramerrão em Bula, com colunas dentro do sector. Em Outubro, Olhero conhece Fatu Camará, chegou o momento de doces recordações eróticas. Estamos em Novembro, altura em que Salgueiro Maia terá descoberto um falso caçador que andaria à procura de o emboscar. E ele escreve como o Capitão de Abril desaferrolhou a língua do preso: “Mandou que se pusesse em cima de uma chapa de zinco, de onde saiam fios metálicos ligados ao motor de um Unimog e depois, com um ar de triunfo de galo de combate, num divertido vozeirão, disse a um seu militar: Dá à chave! Satisfeito da vida, meliante e cínico consigo próprio, o soldado cumpriu e o preto saltou! E saltou! E Saltou, cada vez mais alto. Enquanto bradava: pára, capitão! Pára, capitão! Pára, capitão! E a chave, envergonhada, girou; para alívio do preto que, a tremer e a destilar e num suor pingado ainda mostrava um terror difuso nuns olhos irados”. No início de Dezembro, há quem tenha visto um foguete luminoso, e Olhero lá vai com Salgueiro Maia e o dito preso, levam pás, picaretas e enxadas, Maia terá confidenciado a Olhero que o preso revelara saber de minas anticarro implantadas na estrada velha de São Vicente. Apanhava a frente, depois de muita confusão ou indecisão o preso afirmou ter-se enganado as minas estavam na estrada velha do cemitério e para lá foram, ali se cavou até à exaustão. Na noite escura ouviu-se o preso suplicar ao capitão para que parasse, depois a voz enfraqueceu, tornou-se um soluço, veio o silêncio. O preso fora executado.
No regresso, quando Olhero perguntou a Maia o que acontecera este terá respondido: “O tratante andou-nos a enganar a ver se caímos numa cilada. Também viu o very light. Mas teve azar e bateu com a cabeça na coronha. Agora dorme… Sempre admirei aquele divertido oficial, a quem devemos a façanha do 25 de Abril. Ele ainda vive no coração de muitos portugueses. Mas dou comigo a perguntar se não teria sido melhor ter corrido o risco de salvar um culpado, do que, impiedosamente, o ter secamente condenado”.
A vida prossegue em Bula, assim chegamos a 1973, a rotina está instalada, Olhero é remetido para Mansoa, sede do CAOP, comandado pelo coronel Rafael Durão, é tempo de novos amores, de escaramuças, corresponde a este período algumas das páginas mais enxutas deste diário, é bem visível o grau de saturação a que chegou o seu autor, há muitas questiúnculas, e em Outubro o furriel de cavalaria entrega o seu espólio na Calçada da Ajuda e parte para Vila Real. Convida todos a contactá-lo para adquirir estes ultrajes, termo polissémico que fala de desastres, desencontros, perdas, actos ignóbeis e até ofensas dificilmente perdoáveis. O autor garante que há um diário por detrás destas penas confessadas, a própria capa será o involucro de tanto ultraje.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8795: Notas de leitura (275): A Força Aérea na Guerra em África - Angola, Guiné e Moçambique, 1961 - 1974, por Luís Alves de Fraga (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Foi uma das minhas leituras de férias e confesso que me provocou um tremendo desassossego. Em conversa telefónica com o autor, não lhe escondi que estava estarrecido pela gravidade dos actos que ele imputa a Salgueiro Maia, na Guiné.
Declarou-me ter testemunhos e estar pronto a revelá-los a quem lhos solicitar. Independentemente destas declarações chocantes, há ali parágrafos indispensáveis, confissões de um náufrago mas também de uma pessoa profundamente zangada, sobretudo com os superiores, pronta e exibir a público aquilo que ele denomina o seu passado atroz e irreal.
O livro está profusamente ilustrado.
Um abraço do
Mário
Ultrajes na guerra colonial
Beja Santos
“Ultrajes na Guerra Colonial – Reminiscências de furriel de cavalaria”, por Leonel Olhero é uma edição de autor (contactos: 229 742 093, leonelolhero@gmail.com e 965 269 288), baseia-se num diário de alguém que nasceu em Aveçãozinho, Vila Real, e nesta estação de caminho-de-ferro partiu em 11 de Janeiro de 1971 para as Caldas da Rainha, daqui para Santarém, nova estação no Porto, seguindo-se embarque no Uíge, o autor irá narrar as suas deambulações num Esquadrão Panhard, essencialmente em Bula e na circunvizinhança. É uma literatura memorial por vezes cáustica, Leonel Olhero não esconde muitas zangas e azedumes, deixa-nos alguns parágrafos belíssimos e em dado momento atira uma revelação que seguramente irá aqui suscitar larga controvérsia, ao descrever um acto torcionário e um homicídio que ele atribui à figura iconográfica de Salgueiro Maia. Vamos por partes.
No princípio, temos o transmontano que se adapta a custo à engrenagem militar, há para ali muitas saudades do Marão e um somatório de bonomia: “Nas Caldas da Rainha conheci os senhores Cross, Galho, Pórtico e Paliçada, que me deram cabo da paciência. A dona G-3, de quem aprendi a não me separar. A menina Parada, de má memória, porque nela perdi pedaços da minha rica vida. O menino Pré, demasiado económico e muito forreta, um safado!, um sem vergonha”. Sentiu-se malquistado em Santarém, há ali um bom número de reparos a cavalgaduras e cretinices. Aqui estudou blindados Panhard, Daimler, Chaimite e Fox. Seguiu para Cavalaria 6 no Porto, é aqui que lhe dão guia de marcha para Cavalaria 7 em Lisboa e em 25 de Agosto ruma para a Guiné.
Torna-se num dos sargentos do Esquadrão Panhard 3432. Atravessa o Mansoa em João Landim e chega e Bula. Em Setembro é destacado para Nhamate, passam por Binar que ele classifica por estéril povoado e lá chegam a Nhamate, definido como lugar ermo e triste onde a vida era irreal e todos cediam o corpo à morte: “Em Nhamate a vida corroía-se-me lenta, o meu relógio não andava e tudo me era vago. E era assim que, naquele tédio, um homem se fazia à morte. Deslumbrantes pores-do-sol arquitectavam-nos ausências e sentenciavam-nos a penosos silêncios recônditos e melancólicos”. Descobre que a natureza estava viva, sente o empanturramento de horas preguiçosas, deslumbra-se uma trovoada tropical: “Uma trovoada, com carácter primitivo e sagrado, apavorou-nos. Receoso, o sol estremeceu de inquietação e correu a esconder-se. Numa embriaguez de luzes, relâmpagos cintilaram em ziguezagues de fogo, bateram nas trevas e apanharam relâmpagos em resposta. De alto a baixo, raios riscaram rasgando fundo os céus. Irrequietos, os trovões estalaram implacáveis vibrando de tronco em tronco e em cada folha, assustando aves e ribombando pelos caminhos do céu imenso num estampido ensurdecedor, enquanto que o vento, carregado dos cheiros da terra e do odor da selva, bradou com fúria e em rajadas hirtas e tudo impeliu numa maluca confusão”.
É numa viagem num sintex, quando foi a Bula buscar salários, que Olhero nos dá uma descrição de grande beleza, que mais realça pela contenção dos adjectivos: “Para lá das desviadas margens, num sussurro, naquele rio largo como uma promessa via-se água que penetrava na brumosa mata de onde, desafiando nos céus altas fasquias, se erguiam crescidas e seculares árvores. Por causa das investidas da nossa artilharia, com olhos cansados de procurar, vi cepos definhados com galhos despidos e rasgados. Braços vegetais abertos que nos desejariam abraçar e onde poisavam centenas de colónias de coloridos periquitos (…) Na tona da água bandos de periquitos de rabo de junco rasavam, chispavam à nossa passagem e rabiscavam hieróglifos (…) Inumeráveis abutres repugnantes e agoirentos que poisavam nos poleiros altos da sossegada e densa ramagem, alteavam-se impassíveis, estremecendo penosamente as enormes e aborrecidas asas. Alguns, mais tímidos, alavam para o escuro daquele tão intemporal bosque e ali ficavam à espera de olhos tristes e adiados”. E fiquemos com esta pálida amostra de uma linda viagem de sintex que até hoje não tinha lido, é cativante o deslumbramento do autor por tudo quando capta neste rio. Desforra-se a apanhar rolas, assim melhora o rancho, sempre tão igual na sua sopa do costume e arroz cozido com rodelas de salsicha.
E de Nhamate volta a Bula, começa o rosário de escoltas, Binar, São Vicente, Có, Teixeira Pinto ou Pelundo são algumas metas obrigatórias. De vez em quando vai a Bissau, no Pidjiquiti encontra o Zé Luís, empregado do café A Brasileira, em Vila Real. E assim chegamos a 1972. Há lá muita bebedeira em Bula, maledicência, gente quezilenta, ouvem-se flagelações, chegou a hora das perdas humanas, seguem-se férias na metrópole.
No regresso, temos o ramerrão em Bula, com colunas dentro do sector. Em Outubro, Olhero conhece Fatu Camará, chegou o momento de doces recordações eróticas. Estamos em Novembro, altura em que Salgueiro Maia terá descoberto um falso caçador que andaria à procura de o emboscar. E ele escreve como o Capitão de Abril desaferrolhou a língua do preso: “Mandou que se pusesse em cima de uma chapa de zinco, de onde saiam fios metálicos ligados ao motor de um Unimog e depois, com um ar de triunfo de galo de combate, num divertido vozeirão, disse a um seu militar: Dá à chave! Satisfeito da vida, meliante e cínico consigo próprio, o soldado cumpriu e o preto saltou! E saltou! E Saltou, cada vez mais alto. Enquanto bradava: pára, capitão! Pára, capitão! Pára, capitão! E a chave, envergonhada, girou; para alívio do preto que, a tremer e a destilar e num suor pingado ainda mostrava um terror difuso nuns olhos irados”. No início de Dezembro, há quem tenha visto um foguete luminoso, e Olhero lá vai com Salgueiro Maia e o dito preso, levam pás, picaretas e enxadas, Maia terá confidenciado a Olhero que o preso revelara saber de minas anticarro implantadas na estrada velha de São Vicente. Apanhava a frente, depois de muita confusão ou indecisão o preso afirmou ter-se enganado as minas estavam na estrada velha do cemitério e para lá foram, ali se cavou até à exaustão. Na noite escura ouviu-se o preso suplicar ao capitão para que parasse, depois a voz enfraqueceu, tornou-se um soluço, veio o silêncio. O preso fora executado.
No regresso, quando Olhero perguntou a Maia o que acontecera este terá respondido: “O tratante andou-nos a enganar a ver se caímos numa cilada. Também viu o very light. Mas teve azar e bateu com a cabeça na coronha. Agora dorme… Sempre admirei aquele divertido oficial, a quem devemos a façanha do 25 de Abril. Ele ainda vive no coração de muitos portugueses. Mas dou comigo a perguntar se não teria sido melhor ter corrido o risco de salvar um culpado, do que, impiedosamente, o ter secamente condenado”.
A vida prossegue em Bula, assim chegamos a 1973, a rotina está instalada, Olhero é remetido para Mansoa, sede do CAOP, comandado pelo coronel Rafael Durão, é tempo de novos amores, de escaramuças, corresponde a este período algumas das páginas mais enxutas deste diário, é bem visível o grau de saturação a que chegou o seu autor, há muitas questiúnculas, e em Outubro o furriel de cavalaria entrega o seu espólio na Calçada da Ajuda e parte para Vila Real. Convida todos a contactá-lo para adquirir estes ultrajes, termo polissémico que fala de desastres, desencontros, perdas, actos ignóbeis e até ofensas dificilmente perdoáveis. O autor garante que há um diário por detrás destas penas confessadas, a própria capa será o involucro de tanto ultraje.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8795: Notas de leitura (275): A Força Aérea na Guerra em África - Angola, Guiné e Moçambique, 1961 - 1974, por Luís Alves de Fraga (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P8811: Recortes de imprensa (49): Expresso das Ilhas - Morreu Aristides Pereira (1923-2011), o primeiro Presidente de Cabo Verde (Nelson Herbert)
1. Em mensagem de ontem, 22 de Setembro de 2011, o nosso tertuliano Nelson Herbert dava-nos conta da morte do primeiro Presidente da República de Cabo Verde, Aristides Pereira, notícia inserta no Expresso das Ilhas, de Cabo Verde.
2. Com a devida vénia ao Expresso da Ilhas, transcrevemos a sua notícia do dia 22 de Setembro:
Morreu Aristides Pereira, primeiro Presidente de Cabo Verde (1923-2011)
22-9-2011
Aristides Pereira morreu hoje nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde estava internado desde agosto na sequência de uma fratura do colo do fémur. Tinha 87 anos.
Numa primeira reação à RCV, o Governo de Cabo Verde, através da ministra da Saúde, Cristina Fontes, considerou a morte de Aristides Pereira como "uma perda maior para a nação cabo-verdiana", e garantiu o executivo está a preparar as cerimónias fúnebres do antigo Presidente, que deverão ser anunciadas nas próximas horas.
"Claro que consideramos que é uma perda maior para a nação cabo-verdiana", afirmou à Lusa, acrescentando que "o Governo de Cabo Verde inclina-se perante a memória de Aristides Maria Pereira que, desde de sempre e ao lado de Amílcar Cabral, conduziria estas ilhas à independência nacional".
Cristina Fontes Lima disse ainda que o executivo vai tomar tomar "providências" quanto às exéquias do primeiro Presidente.
"Estamos a tomar as disposições para garantir as exéquias nacionais com a dignidade que o Presidente da Republica merece e nas próximas horas anunciaremos o que vai acontecer", referiu.
Aristides Pereira tinha sido evacuado de Cabo Verde para Lisboa de avião a 03 de Agosto, a fim de ser assistido após uma queda em que terá voltado a fracturar o colo do fémur.
Biografia
O primeiro presidente cabo-verdiano começou a sua vida profissional a trabalhar como radiotelegrafista, onde chegou a chefe dos serviços de Telecomunicações, na Guiné-Bissau.
A partir dos anos 40, Aristides Pereira envolveu-se na luta pela independência de Cabo Verde. Juntamente com Amílcar Cabral, fundou o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em 1956, assumindo o cargo de secretário-geral, em 1973.
Com a conquista da independência, em 1975, Aristides Pereira tornou-se o Presidente da república de Cabo Verde.
Aristides Maria Pereira era natural da ilha da Boavista, onde nasceu a 17 de Novembro de 1923.
(http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/27254
3. Ainda, e segundo a mesma fonte:
Morte de Aristides Pereira:
Cerimónias fúnebres oficiais marcadas para terça-feira
As cerimónias fúnebres oficiais, pela morte de Aristides Pereira, vão decorrer na próxima terça-feira, 27, confirmou hoje Cristina Fontes, em representação do Chefe do Governo. A ministra Adjunta e da Saúde acrescentou ainda que foi decretada tolerância de ponto para esse dia de derradeira homenagem ao primeiro Presidente da República de Cabo Verde.
(http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/27281)
4. Os editores deste Blogue, em nome da tertúlia, enviam ao povo e Governantes de Cabo Verde as mais sentidas condolências pelo falecimento de Aristides Pereira, o seu primeiro Presidente da República.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011
2. Com a devida vénia ao Expresso da Ilhas, transcrevemos a sua notícia do dia 22 de Setembro:
Morreu Aristides Pereira, primeiro Presidente de Cabo Verde (1923-2011)
22-9-2011
Aristides Pereira morreu hoje nos Hospitais da Universidade de Coimbra, onde estava internado desde agosto na sequência de uma fratura do colo do fémur. Tinha 87 anos.
Numa primeira reação à RCV, o Governo de Cabo Verde, através da ministra da Saúde, Cristina Fontes, considerou a morte de Aristides Pereira como "uma perda maior para a nação cabo-verdiana", e garantiu o executivo está a preparar as cerimónias fúnebres do antigo Presidente, que deverão ser anunciadas nas próximas horas.
"Claro que consideramos que é uma perda maior para a nação cabo-verdiana", afirmou à Lusa, acrescentando que "o Governo de Cabo Verde inclina-se perante a memória de Aristides Maria Pereira que, desde de sempre e ao lado de Amílcar Cabral, conduziria estas ilhas à independência nacional".
Cristina Fontes Lima disse ainda que o executivo vai tomar tomar "providências" quanto às exéquias do primeiro Presidente.
"Estamos a tomar as disposições para garantir as exéquias nacionais com a dignidade que o Presidente da Republica merece e nas próximas horas anunciaremos o que vai acontecer", referiu.
Aristides Pereira tinha sido evacuado de Cabo Verde para Lisboa de avião a 03 de Agosto, a fim de ser assistido após uma queda em que terá voltado a fracturar o colo do fémur.
Biografia
O primeiro presidente cabo-verdiano começou a sua vida profissional a trabalhar como radiotelegrafista, onde chegou a chefe dos serviços de Telecomunicações, na Guiné-Bissau.
A partir dos anos 40, Aristides Pereira envolveu-se na luta pela independência de Cabo Verde. Juntamente com Amílcar Cabral, fundou o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em 1956, assumindo o cargo de secretário-geral, em 1973.
Com a conquista da independência, em 1975, Aristides Pereira tornou-se o Presidente da república de Cabo Verde.
Aristides Maria Pereira era natural da ilha da Boavista, onde nasceu a 17 de Novembro de 1923.
(http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/27254
3. Ainda, e segundo a mesma fonte:
Morte de Aristides Pereira:
Cerimónias fúnebres oficiais marcadas para terça-feira
As cerimónias fúnebres oficiais, pela morte de Aristides Pereira, vão decorrer na próxima terça-feira, 27, confirmou hoje Cristina Fontes, em representação do Chefe do Governo. A ministra Adjunta e da Saúde acrescentou ainda que foi decretada tolerância de ponto para esse dia de derradeira homenagem ao primeiro Presidente da República de Cabo Verde.
(http://www.expressodasilhas.sapo.cv/pt/noticias/detail/id/27281)
4. Os editores deste Blogue, em nome da tertúlia, enviam ao povo e Governantes de Cabo Verde as mais sentidas condolências pelo falecimento de Aristides Pereira, o seu primeiro Presidente da República.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8806: Recortes de imprensa (48): Strela, a ameaça ao domínio dos céus do ultramar português - Revista da FAP, Mais Alto, n.º 392 , Jul / Ago 2011
Guiné 63/74 - P8810: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (23): O mergulhador do Funchal
1. Em mensagem do dia 20 de Setembro de 2011, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta boa memória da sua guerra.
Memórias boas da minha guerra - 23
Raul Pires - O Mergulhador do Funchal
O Raul chegou a Catió no dia 27 de Agosto. Vinha em rendição individual, para colmatar a falta do Francisco Maria Pereira Adão, conhecido por Chico do Palácio, que havia falecido no dia 01 de Agosto de 1967, durante a Op Sónia.
Logo no primeiro dia, apesar do seu aspecto humilde e de comportamento meio bajulador, ficou famoso. Como é sabido, não há tropa sem jogatina. E, pela noite dentro, há sempre um pequeno grupo mais viciado que, normalmente, se esconde a… fazer companhia ao padeiro. Pois o Funchalense de gema, conseguiu meter-se no grupo, para desgraça de todos os jogadores.
A meio da manhã seguinte, lá vinha o Raul com um rádio de pilhas novo, ao ombro, com os decibéis a meio tom, enquanto alegremente assobiava a acompanhar o ritmo da canção de sucesso:
- Mulhé grande in´cá tem cabaço, olé lé lá! Bajuda na tem dimais!
Na parada, era evidente o ambiente de crava, entre os fumadores. E o Matosinhos não se conformava:
- “Puta que pariu”, como é que o gajo nos limpou a todos?
- Que nos fodeu, fodeu bem, porque nem demos por ela. - dizia o Monteiro de Paredes.
- Foi limpinho! E agora, que vamos fazer? - perguntava o Mafamude.
- Estamos tesos, não temos tabaco e ainda faltam uns dias para o pré.
E concluiu:
- Acabámos por ter muita sorte porque se mais tivéssemos mais dinheiro perdíamos.
Vista parcial da marginal do Funchal
Foto de Carlos Vinhal
Íamos fazer um pequeno patrulhamento, a nível de Pelotão. Formados na parada, verificámos que o Raul não estava. Foram procurá-lo e deram com ele na cama. Saímos na direcção de Príame e esperámos fora do Quartel, para que o Capitão não descobrisse que ainda estávamos ali. Passados uns bons minutos, surge o madeirense, preparado para fazer o seu primeiro serviço na guerra. De lenço colorido (lembrança de uma das dançarinas do Rancho Folclórico da Camacha) amarrado na cabeça, tipo pirata das Caraíbas, arma G3 atravessada na nuca para apoio dos braços e com sapatilhas de ginástica. Vinha calmamente e a assobiar.
Inicialmente, foi gargalhada geral. Porém, logo de seguida, os outros encarregaram-se de o alertar para vários perigos.
E eu, que vou fazer a este gajo? - Pensei.
Como era a primeira vez, deixei-o ir de sapatilhas, para que sentisse as consequências. Lembro-me de o ver descalço e a coxear, quando regressávamos.
Além de ter sido expulso por indesejado no grupo da jogatina (sem outra justificação que não a de limpar tudo), o Raul era acusado de aproveitar-se dos mais distraídos para lhes desviar alguns haveres.
É que ele até as botas deixava enterradas na bolanha e, consequentemente, tinha que repor… o stock. Também não se acanhava nada em deixar cair ao rio, as granadas de morteiro 60 ou de bazuca, que gostava de exibir à saída do quartel.
Era, realmente, um indivíduo fora do habitual e, aparentemente, de pouca confiança. A malta não lhe ligava muito e, até, se afastava dele.
Obrigava-nos a muita atenção, embora o seu relacionamento fosse bastante divertido.
Eu, gostava de o ouvir mas não podia dar-lhe “corda” porque ele ultrapassava as conveniências. Todavia, atendia-o com toda a atenção e, devido a isso, dizia gostar de mim. Fiquei a saber que ele era praticamente analfabeto, mas sabia falar algum inglês, francês e alemão. Não tinha profissão. Vivia do jogo e dos mergulhos no cais do Funchal a apanhar moedas lançadas pelos turistas. Eu não acreditava mas tive a oportunidade de verificar a sua destreza e não só nesse aspecto.
A primeira situação foi durante a montagem de segurança a uma das colunas de abastecimento a Cufar. Ao aproximar-me de um posto/abrigo verifiquei que estavam três militares (“Felgueiras”, Joaquim “Faquista” e Raul) em vez de dois, porque o madeirense se tinha deslocado para lá.
- Que é isto? Três gajos aqui? Só falta um para se poder jogar às cartas. – Chamei a atenção.
Então, o Raul levou a mão direita ao bolso de trás e, de imediato, em dois segundos, abriu o baralho, misturou as cartas e começou a distribui-las - 10 a cada um. Nunca tinha visto uma coisa assim. Dava as 10 cartas sem nos apercebermos de as ter contado. Ninguém conseguia acompanhar tal rapidez.
A outra oportunidade, verifiquei-a quando estivemos em Bolama durante uns dias, após a Op Quebra Vento para construção do novo quartel de Gubia, na península de Empada. Havia uma piscina, onde passávamos a maior parte do tempo livre. Desafiado a ir buscar moedas ao fundo, concordou plenamente. Virava-se de costas para a piscina enquanto mandávamos uma moeda para qualquer canto ou para o meio da piscina. Ele mergulhava e verificava toda a piscina até a encontrar, sem vir respirar à superfície.
Era muito gabarola. Antes das Operações até dizia que iria apanhar aos turras um Morteiro 82 mas, depois, era um problema com ele porque lhe custava aguentar disciplinadamente horas e horas, em situação de combate iminente (e sem fumar!).
Já tinha tentado enganar-nos com “indisposições” na hora de sairmos para as Operações. Como lhe correu bem da primeira vez, pensou que podia repetir a habilidade. Um dia, antes de sairmos para uma Operação perigosa, fui informado de que o Raul estava deitado no chão da parada, caído de bêbado. Não era pela falta que ele fazia, mas não podíamos tolerar esse comportamento. Pedi ao Furriel Enfermeiro “Berguinhas” para lhe aplicar a dose necessária, para o “acordar”. Após a injecção de Coramina não levou muito tempo a mexer-se e a coçar violentamente os dedos dos pés, das mãos e o nariz, enquanto gritava repetidamente:
- “Ai maezenha, maeiiizeeenha, que não aguento tanta formiguenha, tanta formiguenha”.
E, apercebendo-se de que eu estava por perto, intervalava, com:
- Chamem o meo paezenho. Acuda-me, furriel Seilva. Você é o meo paezenho.
Foi ferido no dia 19 de Abril de 1968, num dos 51 + 1 ataques sofridos na Op “Bola de Fogo”, em Gandembel, no Corredor do Guileje. (O último ataque que refiro não teve lugar em Gandembel, porque foi uma emboscada montada à LDG que nos transportava, de regresso a Catió). Pois o Raul, logo que se pôde mexer, foi pelos corredores do Hospital de Bissau, carregando o material do soro que tinha instalado ao pé da cama, procurar o Capitão, que tinha sido evacuado dois dias antes, também ferido em Gandembel.
- Meo Capitãzenho, tambã me federam. Inda lá vamos voltar para resolvaer aquelo. Ningã veance a nossa Companhaea!
Surpreendido e alarmado, o Capitão, diz-lhe:
-Ó homem, você vem para aqui com essa tralha toda a segurar-lhe o tubo e a bolsa do soro? Só não trouxe a cama.
- Tem razã meo Capitã, éo já desse ó meo dôtôr que era melhour meter o souro num garrafã , mesturado com veinho teinto.
Silva da Cart 1689
Nota: O texto acima será melhor entendido pelo leitor se for esclarecido que comandei o Pelotão durante grandes períodos de tempo, devido a ausência do alferes.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8792: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): Queimados
Memórias boas da minha guerra - 23
Raul Pires - O Mergulhador do Funchal
O Raul chegou a Catió no dia 27 de Agosto. Vinha em rendição individual, para colmatar a falta do Francisco Maria Pereira Adão, conhecido por Chico do Palácio, que havia falecido no dia 01 de Agosto de 1967, durante a Op Sónia.
Logo no primeiro dia, apesar do seu aspecto humilde e de comportamento meio bajulador, ficou famoso. Como é sabido, não há tropa sem jogatina. E, pela noite dentro, há sempre um pequeno grupo mais viciado que, normalmente, se esconde a… fazer companhia ao padeiro. Pois o Funchalense de gema, conseguiu meter-se no grupo, para desgraça de todos os jogadores.
A meio da manhã seguinte, lá vinha o Raul com um rádio de pilhas novo, ao ombro, com os decibéis a meio tom, enquanto alegremente assobiava a acompanhar o ritmo da canção de sucesso:
- Mulhé grande in´cá tem cabaço, olé lé lá! Bajuda na tem dimais!
Na parada, era evidente o ambiente de crava, entre os fumadores. E o Matosinhos não se conformava:
- “Puta que pariu”, como é que o gajo nos limpou a todos?
- Que nos fodeu, fodeu bem, porque nem demos por ela. - dizia o Monteiro de Paredes.
- Foi limpinho! E agora, que vamos fazer? - perguntava o Mafamude.
- Estamos tesos, não temos tabaco e ainda faltam uns dias para o pré.
E concluiu:
- Acabámos por ter muita sorte porque se mais tivéssemos mais dinheiro perdíamos.
Vista parcial da marginal do Funchal
Foto de Carlos Vinhal
Íamos fazer um pequeno patrulhamento, a nível de Pelotão. Formados na parada, verificámos que o Raul não estava. Foram procurá-lo e deram com ele na cama. Saímos na direcção de Príame e esperámos fora do Quartel, para que o Capitão não descobrisse que ainda estávamos ali. Passados uns bons minutos, surge o madeirense, preparado para fazer o seu primeiro serviço na guerra. De lenço colorido (lembrança de uma das dançarinas do Rancho Folclórico da Camacha) amarrado na cabeça, tipo pirata das Caraíbas, arma G3 atravessada na nuca para apoio dos braços e com sapatilhas de ginástica. Vinha calmamente e a assobiar.
Inicialmente, foi gargalhada geral. Porém, logo de seguida, os outros encarregaram-se de o alertar para vários perigos.
E eu, que vou fazer a este gajo? - Pensei.
Como era a primeira vez, deixei-o ir de sapatilhas, para que sentisse as consequências. Lembro-me de o ver descalço e a coxear, quando regressávamos.
Além de ter sido expulso por indesejado no grupo da jogatina (sem outra justificação que não a de limpar tudo), o Raul era acusado de aproveitar-se dos mais distraídos para lhes desviar alguns haveres.
É que ele até as botas deixava enterradas na bolanha e, consequentemente, tinha que repor… o stock. Também não se acanhava nada em deixar cair ao rio, as granadas de morteiro 60 ou de bazuca, que gostava de exibir à saída do quartel.
Era, realmente, um indivíduo fora do habitual e, aparentemente, de pouca confiança. A malta não lhe ligava muito e, até, se afastava dele.
Obrigava-nos a muita atenção, embora o seu relacionamento fosse bastante divertido.
Eu, gostava de o ouvir mas não podia dar-lhe “corda” porque ele ultrapassava as conveniências. Todavia, atendia-o com toda a atenção e, devido a isso, dizia gostar de mim. Fiquei a saber que ele era praticamente analfabeto, mas sabia falar algum inglês, francês e alemão. Não tinha profissão. Vivia do jogo e dos mergulhos no cais do Funchal a apanhar moedas lançadas pelos turistas. Eu não acreditava mas tive a oportunidade de verificar a sua destreza e não só nesse aspecto.
A primeira situação foi durante a montagem de segurança a uma das colunas de abastecimento a Cufar. Ao aproximar-me de um posto/abrigo verifiquei que estavam três militares (“Felgueiras”, Joaquim “Faquista” e Raul) em vez de dois, porque o madeirense se tinha deslocado para lá.
- Que é isto? Três gajos aqui? Só falta um para se poder jogar às cartas. – Chamei a atenção.
Então, o Raul levou a mão direita ao bolso de trás e, de imediato, em dois segundos, abriu o baralho, misturou as cartas e começou a distribui-las - 10 a cada um. Nunca tinha visto uma coisa assim. Dava as 10 cartas sem nos apercebermos de as ter contado. Ninguém conseguia acompanhar tal rapidez.
A outra oportunidade, verifiquei-a quando estivemos em Bolama durante uns dias, após a Op Quebra Vento para construção do novo quartel de Gubia, na península de Empada. Havia uma piscina, onde passávamos a maior parte do tempo livre. Desafiado a ir buscar moedas ao fundo, concordou plenamente. Virava-se de costas para a piscina enquanto mandávamos uma moeda para qualquer canto ou para o meio da piscina. Ele mergulhava e verificava toda a piscina até a encontrar, sem vir respirar à superfície.
Era muito gabarola. Antes das Operações até dizia que iria apanhar aos turras um Morteiro 82 mas, depois, era um problema com ele porque lhe custava aguentar disciplinadamente horas e horas, em situação de combate iminente (e sem fumar!).
Já tinha tentado enganar-nos com “indisposições” na hora de sairmos para as Operações. Como lhe correu bem da primeira vez, pensou que podia repetir a habilidade. Um dia, antes de sairmos para uma Operação perigosa, fui informado de que o Raul estava deitado no chão da parada, caído de bêbado. Não era pela falta que ele fazia, mas não podíamos tolerar esse comportamento. Pedi ao Furriel Enfermeiro “Berguinhas” para lhe aplicar a dose necessária, para o “acordar”. Após a injecção de Coramina não levou muito tempo a mexer-se e a coçar violentamente os dedos dos pés, das mãos e o nariz, enquanto gritava repetidamente:
- “Ai maezenha, maeiiizeeenha, que não aguento tanta formiguenha, tanta formiguenha”.
E, apercebendo-se de que eu estava por perto, intervalava, com:
- Chamem o meo paezenho. Acuda-me, furriel Seilva. Você é o meo paezenho.
Foi ferido no dia 19 de Abril de 1968, num dos 51 + 1 ataques sofridos na Op “Bola de Fogo”, em Gandembel, no Corredor do Guileje. (O último ataque que refiro não teve lugar em Gandembel, porque foi uma emboscada montada à LDG que nos transportava, de regresso a Catió). Pois o Raul, logo que se pôde mexer, foi pelos corredores do Hospital de Bissau, carregando o material do soro que tinha instalado ao pé da cama, procurar o Capitão, que tinha sido evacuado dois dias antes, também ferido em Gandembel.
- Meo Capitãzenho, tambã me federam. Inda lá vamos voltar para resolvaer aquelo. Ningã veance a nossa Companhaea!
Surpreendido e alarmado, o Capitão, diz-lhe:
-Ó homem, você vem para aqui com essa tralha toda a segurar-lhe o tubo e a bolsa do soro? Só não trouxe a cama.
- Tem razã meo Capitã, éo já desse ó meo dôtôr que era melhour meter o souro num garrafã , mesturado com veinho teinto.
Silva da Cart 1689
Nota: O texto acima será melhor entendido pelo leitor se for esclarecido que comandei o Pelotão durante grandes períodos de tempo, devido a ausência do alferes.
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8792: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (22): Queimados
Marcadores:
BART 1913,
Cabedu,
Canquelifá,
CART 1689,
Catió,
Fá Mandinga,
Funchal,
Gandembel,
HM 241,
José Ferreira da Silva,
Memórias boas da minha guerra
Guiné 63/74 - P8809: Tabanca Grande (302): Abram alas, camaradas, temos aqui mais um velhinho, o Alcídio Marinho, do Porto, Miragaia, ex-Fur Mil, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65)
1. Em 4 de Junho de 2011, por ocasião do nosso VI Encontro Nacional, tive o grato prazer de conhecer mais um camarada da zona leste da Guiné, o Alcídio Marinho, ex-Fur Mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).
Acompanhado da sua esposa, Rosa, empunhava, com garbo, orgulho e valentia, o estandarte da sua companhia. O Alcídio vive no Porto, em Miragaia, ou seja, numa das mais velhas freguesias da cidade que é hoje Património Mundial da Humanidade, integrando o primitivo núcleo medieval, delimitada, no século XIV, pelas famosas muralhas fernandinas.
O Alcídio vinha já munido da "papelada" necessária para ingressar na Tabanca Grande (neste caso, as duas fotos da praxe e o seu currículo militar abreviado). O seu pedido foi imediatamente aceite por mim, uma vez feito o teste de conhecimentos sobre os direitos e deveres dos membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Devo dizer que ele passou com distinção. (*)
2. Por distração minha (de que peço mil e um perdões, ao próprio e aos demais camaradas), só hoje dou a boa notícia ao resto da Tabanca Grande, anunciando em voz:
- Camaradas, abram alas, arranjem um lugar para mais um digno representante da velhice da Guiné, deem-lhe as boas vindas!... (Velhice aqui não tem nada a ver com a idade fisiológica, mas com a antiguidade de guerra: o Alcides está em boa forma, como se pode ver nas fotos de Monte Real).
Sob o nº 520, o Alcídio Marinho vai ficar aqui, sentado no bentém, debaixo do mágico, secular, frondoso, generoso e protetor poilão da nossa Tabanca Grande e vai connosco partilhar as suas memórias desses idos e bravos tempos de 1963/65... Palavra de camarada! (LG).
Foto: © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Rosa Marinho (Porto, Miragaia), empunhando com elegância, firmeza e determinação o estandarte dos Capacetes Verdes (réplica do original).
Foto: © Luís Graça (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Acompanhado da sua esposa, Rosa, empunhava, com garbo, orgulho e valentia, o estandarte da sua companhia. O Alcídio vive no Porto, em Miragaia, ou seja, numa das mais velhas freguesias da cidade que é hoje Património Mundial da Humanidade, integrando o primitivo núcleo medieval, delimitada, no século XIV, pelas famosas muralhas fernandinas.
O Alcídio vinha já munido da "papelada" necessária para ingressar na Tabanca Grande (neste caso, as duas fotos da praxe e o seu currículo militar abreviado). O seu pedido foi imediatamente aceite por mim, uma vez feito o teste de conhecimentos sobre os direitos e deveres dos membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Devo dizer que ele passou com distinção. (*)
Na conversa que tive com ele fiquei a saber que a CCAÇ 412, sediada em Bafatá, tinha uma vasta zona de acção, que ia de Cantacunda ao Enxalé, a norte do Rio Geba, e de Bambadinca ao Xitole, ao longo da margem direita do Rio Corubal (aquilo que mais tarde, seis anos depois, no meu tempo, era já "preenchido" por 2 batalhões, um em Bafatá e outro em Bambadinca, ou seja, por mais de 2 mil homens em armas, incluindo subunidades adidas e pelotões de milícia).
2. Por distração minha (de que peço mil e um perdões, ao próprio e aos demais camaradas), só hoje dou a boa notícia ao resto da Tabanca Grande, anunciando em voz:
- Camaradas, abram alas, arranjem um lugar para mais um digno representante da velhice da Guiné, deem-lhe as boas vindas!... (Velhice aqui não tem nada a ver com a idade fisiológica, mas com a antiguidade de guerra: o Alcides está em boa forma, como se pode ver nas fotos de Monte Real).
Sob o nº 520, o Alcídio Marinho vai ficar aqui, sentado no bentém, debaixo do mágico, secular, frondoso, generoso e protetor poilão da nossa Tabanca Grande e vai connosco partilhar as suas memórias desses idos e bravos tempos de 1963/65... Palavra de camarada! (LG).
Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > O Alcídio Marinho (Porto, Miragaia), o porta-estandarte da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65).
Foto: © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
Monte Real > Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > A Rosa Marinho (Porto, Miragaia), empunhando com elegância, firmeza e determinação o estandarte dos Capacetes Verdes (réplica do original).
Foto: © Luís Graça (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:
(*) Vd. último poste da série > 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8749: Tabanca Grande (301): Apresenta-se o Ranger José Romeiro Saúde, ex Furriel Miliciano de Operações Especiais, do 1º turno de 1973, CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74
(*) Vd. último poste da série > 8 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8749: Tabanca Grande (301): Apresenta-se o Ranger José Romeiro Saúde, ex Furriel Miliciano de Operações Especiais, do 1º turno de 1973, CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74
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