quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8983: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (7): Fotos enviadas a Cherno Abdulai Baldé - Chico de Fajonquito (2)



Publicamos hoje o segundo grupo de fotos enviadas pelo nosso camarada José Cortes (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74) ao nosso tertuliano Cherno Baldé - O Chico de Fajonquito - actualmente Director do Gabinete de Estudos e Planeamento no Ministério das Infraestruturas, Transportes e Comunicações da Guiné-Bissau, desta feita referentes aos diversos Encontros da CCAÇ 3549.





1.º Encontro, em Viseu, 25 anos depois de Fajonquito. O quinto e o sexto em cima, são o Mandinga e o Celestino

As nossas mulheres acompanham-nos em todos os Encontros

A minha esposa

O portador da Bandeira Portuguesa é o Mandinga

Eu e a minha esposa

Em baixo: Pinto (Mec), Alf Mil Nelson (falecido), Martins (TRMS), Porto, e três elementos de outra Companhia

Os nossos Encontros são sempre uma festa

O Celestino e o Cunha

Um dos nossos últimos Encontros

Encontro de Canelas. O Torres é o que está em primeiro plano junto da bandeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8973: Fajonquito do meu tempo (José Cortes, CCAÇ 3549, 1972/74) (6): Fotos enviadas a Cherno Abdulai Baldé - Chico de Fajonquito (1)

Guiné 63/74 - P8982: Blogues da nossa blogosfera (47): Ilha do Como, do Valentim Oliveira (CCAV 489 / BCAV 490, 1963/65)


Página principal do blogue do nosso camarada Valentim Oliveira

Este bravo da Ilha do Como fez este ano, em 5 de janeiro, a bonita idade de 69 anos... Recorde-se que ele foi Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490, e portanto  camaradada nosso coeditor Virgínio Briote (mesma companhia) e do Armor Pires Mota (mesmo batalhão).


Também sou veterano da mesma Odisseia: era da CCAV 489 do BCAV 490. Participei na grande Operação Tridente, na Ilha do Como. Segui para Farim, onde por toda aquela zona muitas coisas boas e más se passaram. Também passei no inferno de Guidaje. Como tal também tenho muitas Histórias boas e más para escrever.

Peço permissão para entrar como membro da equipa dos Camaradas da Guiné. (...)


O seu blogue -Ilha do Como -foi criado em 26 de dezembro de 2008.  Tem pouco mais de 3 dezenas de postes. E está parado desde Agosto de 2010. Não deixamos, no entanto, de felicitá-lo por esta ousadia, não sendo ele um profissional das escritas nem das informáticas  Ele explica o porquê: quer também passar o testemunho à geração seguinte... E vê-se que tem em grande orgulho em ter participado na Op Tridente:

(...) “Ilha Do Como: Terra longínqua situada algures numa margem do Oceano Atlântico,que tem como país de origem o nome Guiné; terra de África (...)  onde muitos jovens Portugueses suportaram os horrores da Guerra durante os anos 1963/74  (...). Hoje país independente e amigo de Portugal. Não existe ódios entre as partes envolventes, e ainda bem que se segue o caminho da Paz. Eu própio passei por esta situação ,e foi na Ilha do Como que eu viví os maiores tormentos de uma Guerra para onde fui atirado sem vontade própria. Que tudo fique na História para que a nova geração conheça estes flagelos" (...)

Não tem ainda, no entanto, para além de alguma documentação fotográfica, muita informação escrita,  detalhada,  da Ilha do Como e da Op Tridente. Num dos postes (13 de janeiro de 2009) ( Factos sem cortinas! Grande Operação Tridente)  escreveu o seguinte:



(...) Dando voz a um comentário do nosso camarada Mário Dias, certifico que tudo o que ele disse e escreveu é pura verdade, assim como a saída das nossas tropas (NT) para o Como foi de Bissau e não de Catió, e a Operação durou 72 dias. 


No caso em que a Cavalaria jazia em veículos inoperantes,  [isso] é falso, porque na realidade apenas existia um jipe que nunca saiu da Base Logística, e por sinal eu era o condutor do referido veículo, que apenas servia para fazer o transbordo dos haveres que chegavam no barco e ficava ao largo do mar encalhado, e assim que a maré vazava lá ia eu com o referido jipe e outros colegas fazer o transbordo dos bens necessários para a manutenção das NT. 


Estive nesta Base fazendo este serviço durante algumas semanas, depois segui para o Acampamento de Caiar e o jipe ficou na Base entregue ao Comando. Portanto que ninguém ponha dúvidas sobre o que o Mário Dias disse e escreveu. Porque só quem viveu e passou por esta operação é que pode dar o testemunho dos factos. (...).


Já em tempos tinha publicado no nosso blogue o relato de um dia passado na Ilha do Como


 (...) Estávamos no mês de Fevereiro de 1964, o dia não o tenho memorizado, mas tenho a convicção certa que o mês era Fevereiro. Estive antes acampado junto ao mar, onde se encontrava o comando principal e a artilharia, ou seja, os obuses (canhões). De seguida eu e muitos mais seguimos para um acampamento distanciado mais acima; isto em Caiar.

Aí nos entrincheirámos nos abrigos subterrâneos em grupos de três, num descampado, lugar esse que eram terrenos de cultivação de arroz, junto à orla da mata. É claro que havia festa quase todos os dias, mas como as costureirinhas cantavam um pouco longe, nós até nem ligávamos muito aos zumbidos que passavam muito por cima de nós, e também se calavam logo assim que as granadas dos obuses começavam a cair em cima.

Mas houve um belo dia em que a sopa se entornou...As costureiras começaram a cantar e nós apenas nos limitámos a ouvir, quando de repente começamos a ser atingidos por granadas de morteiro. Felizmente nenhuma fez estragos em cima de nós, mas nos primeiros momentos deu para assustar. O tiroteio não foi longo, porque nós ripostámos de imediato, assim como a artilharia que se encontrava uns quilómetros atrás, junto ao mar.
Também estive nesse local quase a passar para o outro lado, com o paludismo. Valeu um heli, que três dias depois apareceu com medicamentos. Pronto, assim dito mais uma versão de um acontecimento passado na Guiné. (...)

Para o Valentim e o seu amigo e vizinho, em Viseu, o Rui Ferreira, vai um abraço longo, longo,   com toda a amizade, apreço e camaradagem dos editores do blogue. Um beijinho para a sua querida neta, que eu conheci em Monte Real, num dos encontros da Tabanca Grande. Por fim, força e saúde para retomar a escrita no blogue. LG

O Valentim, à direita,  com um camarada,  na praia de Caiar, no intervalo da Guerra do Como (s/d, talvez Fevereiro ou Março de 1964).

Foto: © Valentim Olivera (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8948: Blogues da nossa blogosfera (46): Sítio da AD com novo rosto e novo webmaster
Está na nossa Tabanca Grande desde 10 de Abril de 2008, data em que se apresentou, aos restantes camaradas da Guiné, nestes termos:

(...) Camarada Luís Graça: É com muita admiração que leio todas as Histórias escritas por ti e por todos os outros camaradas que participaram na GUERRA DA GUINÉ.

Guiné 63/74 - P8981: Antologia (74): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (7): Ilha do Como, s/d [Março de 1964]






1. Continuação da publicação de Tarrafo:  crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., ed. de autor, Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 79-82. (*)... Este é o penúltimo episódio relativo à Op Tridente. 


Cortesia do autor. Esta edição foi retirada do mercado, na época, e está esgotada.




Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como >  Op Tridente > Jan/Mar 1964 >  Foto publicada na 2ª edição de Tarrafo (Braga, Pax Editora, 1970), em anexo, com a seguinte legenda: "21. Apesar do perigo, o soldado fuma, quase indiferente e ri ao canto do lábio". [A foto pode não ter sido tirada no Como, só o autor poderia esclarecer, mas para o caso não é relevante]


Foto: © Armor Pires Mota (1970-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P8980: Homenageando todos os nossos combatentes, já mortos, das guerras do século XX (José Pardete Ferreira)

1. Texto que nos foi remetido por nosso camarada  J. Pardete Ferreira,e que nos parece oportuno divulgar neste Dia de Finados







Data: 31 de Outubro de 2011 15:46

Assunto: Liga dos Combatentes, Núcleo Regional de Setúbal, 9 de Abril de 1998




 LIGA DOS COMBATENTES > NÚCLEO REGIONAL DE SETÚBAL > CERIMÓNIA COMEMORATIVA DIA DO COMBATENTE > 9 DE ABRIL DE 1998


por José Pardete Ferreira

Senhor Governador Civil de Setúbal
Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Setúbal
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Setúbal,
Senhor Bispo da Diocese de Setúbal,
Senhor Comandante Militar de Setúbal,
Senhor Presidente do Núcleo Regional de Setúbal da Liga dos Combatentes,
Senhores Representantes de outras Instituições Civis, Religiosas ou Militares, aqui presentes,
Caros Combatentes,
Minhas Senhoras e meus Senhores:

  
Seria hipocrisia afirmar que o convite formulado para fazer esta breve evocação e que muito me honrou, me deixou indiferente. Encarei-o como mais uma Missão de Serviço que me foi confiada e que vou cumprir.

Celebrar os seus cantados mortos em Combate bem como honrar todos aqueles que, de uma forma ou de outra, mesmo sem armas, pela Pátria lutaram, é um dever de toda e qualquer sociedade, digna desse nome.

É por isso que hoje, dia 9 de Abril de 1998, nos encontramos, altivos, em torno deste belo monumento, com o fim único de saudarmos os que morreram em defesa da Pátria, saudação essa, extensiva a todos os portugueses que, generosamente, envergaram ou envergam ainda, a farda das Forças Combatentes de Portugal, em todas as frentes onde a sua presença tem sido necessária.

Cronologicamente, como não poderia deixar de ser, lembro os homens que, integrando o chamado CORPO EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS, cerca de 55.000, de forma humilde, abnegada e heróica, se bateram, apenas ao abrigo da velha Aliança Anglo-Portuguesa, na então sempre efémera  fronteira Franco-Alemã na região da Flandres, naquela que foi chamada a Grande Guerra: - A 1ª Guerra Mundial.

O seu feito mais divulgado foi a actuação na conhecida Batalha de La Lys, justamente desencadeada na madrugada de 9 de Abril de 1918 que, para os portugueses, talvez fizesse mais sentido chamar o Combate de Armentières, cidade da margem direita do Rio Lys, na qual e em redor da qual estava acantonado o nosso Corpo Expedicionário, juntamente com o contingente escocês.

Faz hoje 80 anos que começou esse tremendo combate que, embora só durando três intermináveis dias, levou, o então Chefe do Estado Maior Alemão, Paul von Hindenbourg a elogiar o comportamento do adversário : - Escoceses e Portugueses.

Muitos lá caíram no chamado Campo da Honra, muitos de lá vieram feridos, estropiados ou "gaseados", muitos foram condecorados, todos foram louvados pela sua valentia, sacrifício e vontade.

Após este 1º Grupo de heróis, outros terão de ser lembrados, apesar de não  terem sentido os horrores directos da guerra. Em Setúbal, como não poderia deixar de ser, refiro-me aos Expedicionários do extinto Regimento de Infantaria nº 11, que desta Cidade partiram para Cabo Verde, para o que desse e viesse, durante a 2ª Guerra Mundial.

Este 2º Grupo de heróis, que o foram efectivamente, na medida em que o desgaste provocado pela incerteza fica, indelevelmente, marcado nos espíritos e, muitas vezes também, por via destes, nos corpos.

Portugal esqueceu, com alguma facilidade e sem que se possa atribuir uma causa minimamente válida para esta perda colectiva de memória, um 3º Grupo de heróis, alguns dos quais também combateram, outros sofreram a ignomínia da prisão e outros ainda, igualmente deram a vida. Refiro-me, como me parece evidente, aos Combatentes do então chamado Estado Português da Índia, anexado pela União Indiana em 18 de Dezembro de 1961.

O 4º Grupo, sem dúvida o mais numeroso e heterogéneo, que por ter sido constituído em várias frentes, Macau, Timor, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e principalmente Angola, Guiné e Moçambique, pois foram estes três antigos territórios Ultramarinos que constituíram, durante quase decénio e meio, o TEATRO OPERACIONAL DE GUERRA, mais ou menos intensa segundo a frente em questão ou a zona em causa do território, não querendo eu, pelos motivos apontados no início desta alocução e porque a Comemoração diz respeito a TODOS OS COMBATENTES, fazer qualquer distinção particular, excepção feita, logicamente, aos mortos, estropiados ou, mentalmente, para sempre perturbados.

Citei TODOS OS COMBATENTES PORTUGUESES, mas permitam-me que não deixe, no entanto, de aproveitar a ocasião para manifestar o meu aceno de simpatia, para aqueles que foram nossos adversários. Eles também sofreram, eles também foram Combatentes.

Ao invés, tenho de manifestar o meu desapreço por quantos desertaram, ou até traíram, evocando motivos de vária ordem para se escudarem daquele companheiro inseparável de todo e qualquer Combatente : - O Medo. Só os loucos e os inconscientes dizem não saber o que ele é. O que define o Homem com maiúscula é saber enfrentá-lo e sublimá-lo, vencendo-o.

Segue-se o 5º e, por agora, último Grupo de heróis, alguns deles, do mesmo modo, já feridos ou, inclusive, mortos: - Os Militares que têm servido ou ainda servem Portugal, quer na Bósnia quer, agora como aliados, novamente em Angola e Moçambique.

A todos, bem haja.

Bem mais cruel é a chamada "Guerra do Cimento Armado" que vivemos no quotidiano. Mais cruel, mais medonha e na qual menos respeito em relação ao adversário existe, dela desaparecendo, muitas vezes, qualquer noção de ética.

Novos desafios se lançam a Portugal neste Abril de 1998. São eles, a Integração real, por mérito próprio, na Comunidade Europeia e a Cooperação efectiva com os Países de Língua Oficial Portuguesa, vulgo PALOP's.

Se a Integração de jure, na Comunidade Europeia foi difícil, a Integração de facto, parece-me ainda mais difícil, não só pelos sacrifícios que nos têm sido e continuarão a ser pedidos, mas também, porque a adaptação a novas regras, novos terrenos e novos hábitos é sempre penosa. As actuais gerações, provavelmente, dela não colherão qualquer benefício. Queira Deus que os vindouros digam: - Valeu a pena!

O desafio da Cooperação com os PALOP's tem uma problemática diferente e, apesar da existência de uma Língua comum, alguma instabilidade presente no decorrer de uma vida em sociedade, que se possa considerar normal, em alguns desses Países, pode tornar muitos esforços inúteis, caso estes últimos não sejam feitos de uma forma concentrada, ordenada e coordenada com um equilíbrio estável e paralelo ao desafio Europeu.

Termino com uma Esperança e com uma Certeza.

A Esperança é a vitória conjunta no desafio Europeu e no desafio da Cooperação.

A Certeza é o saber que,  às dificuldades que formos encontrando, o espírito de sacrifício, a humildade, a capacidade de trabalho e a tenacidade, tão louvadas nos nossos Combatentes, vão fazer que à Chamada para estes novos desafios, todos os portugueses tenham uma resposta uníssona: - PRESENTE !

Disse.

J. A.Pardete Ferreira

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P8979: Memórias de Gabú (José Saúde) (12): O descanso do guerreiro





1.   O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp / RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, continua a narrar-nos a catarse das suas recordações.


DESCANSO DO GUERREIRO

MEDITANDO!

Olhava, incansavelmente, o horizonte que teimava em manter-se distante! Inócuo deparava-me então com uma encruzilhada de ideias imerecidas. Por que vim parar à Guiné? À guerra! Um grito interior revoltava-me a alma. Conhecia já o flagelo real.

Tem calma, propunha-me um neurónio que entretanto tinha acordado. E eu, sentado num no trono real, resplandecia com a sorte que entretanto teimava em proteger-me.

Existem momentos ímpares que nos conduzem a fúteis pensamentos que nos transportam para a construção de cenários que marcaram, e de forma inequívoca, os tempos da guerra na qual fomos intérpretes. Momentos de meditação? Quem não os teve! Todos, humanamente, assumimos pedaços de pequenas histórias que nos catapultaram para vivencias passadas e nunca renegadas.

Refastelado num arcaico cadeirão feito manualmente com a perícia do “homem grande”, sendo o respectivo assento propriedade daqueles que quisessem descansar o espírito e meditar, o banco foi muitas vezes o meu companheiro de profundas confissões.

O “trono” colocado no sítio, não conheceu outro lugar e o fiel amigo um dia confessou-me que assistiu à fuga de dois “turras” enjaulados num pequeno refúgio que nunca lhe conheci outra utilidade.

A notícia, bizarra, correu célere entre a malta da companhia. Dois prisioneiros arrancaram as grades do espaço onde estavam “arrecadados” e fugiram durante a noite. Convém especificar que se tratava de um duo de guerrilheiros recentemente capturados e que aguardavam ordens que decidissem o seu futuro. Um futuro que eles entretanto anteciparam. Escaparam-se como uma “pinta” divinal. Não deixaram rasto! Nunca mais soubemos novidades dessa famigerada dupla.

Numa das noites que antecedeu a este “filme” capturámos um homem que após identificado concluímos tratar-se de um guerrilheiro do PAIGC. Tratámo-lo com dignidade e no regresso a Gabú, já de madrugada, entregamo-lo no posto da DGS. O seu fim? Desconhecido!

À minha memória vinha também aquela retumbante emboscada entre Gabú e Piche onde tombaram sete camaradas e se registou um elevado número de feridos. A coluna vinha de Bafatá, cruzou o Gabú e deparou-se em seguida com o imprevisto. Uma manhã de gritos e de dor.

Nesse encontro com o IN morreram o condutor e o cabo atirador da metralhadora de uma das panhard’s que faziam protecção à coluna. Tiveram uma morte horrível! Eram do esquadrão de Bafatá. Uma granada perfurante rebentou com a viatura e explodiu no vácuo. Queimou tudo! Os infelizes militares ficaram reduzidos a… nada. Os outros cinco saudosos militares finaram na sequência de tiros. Horrível foi também a maldita emboscada. Valeu a pronta e corajosa intervenção da nossa tropa que evitou que o IN tivesse recuado no momento em que já desenhava o cenário de partir para “o assalto”.

Retratos de uma guerra que ditava encontros infelizes, fatídicos s e dolorosos.

Mais tarde fui visitar ao hospital de Bissau um companheiro que nessa emboscada ficou sem uma perna. O Fanado, assim se chamava, era furriel miliciano e exercia a função de vagomestre. Naquela endiabrada manhã o camarada que seguia na coluna e se deparou com a cilada, ao saltar do unimog levou com uma granada nas pernas, tendo o impacto do projéctil desfeito um dos órgãos inferiores e salvando-se o outro. Dizia-me ele: “Saúde, fiquei sem uma perna, é verdade, mas o meu pénis contínua no seu firme lugar e pronto para desempenhar as suas funções sexuais”. E o certo é que pelo meio da conversa não se redimia em levar a sua mão direita ao dito cujo e apresentá-lo como um herói da desgraça.

Lembro-me perfeitamente que o Fanado já reinava com a infelicidade. O acompanhamento psicológico era decisivo para a malta se reequilibrar emocionalmente. Longe dos seus familiares e amigos mais próximos, restava o conforto de camaradas com os quais travávamos diálogos e se construíam, também, grandes amizades.

A guerra tinha pormenores interessantes!

No momento de descanso do guerreiro, outros motivos de África me vinham à memória. Meditava nas cores alaranjadas do horizonte; da cor vermelha da terra; das trovoadas medonhas que pareciam apresentar-se como o fim do mundo; da intensidade da chuva que tudo inundava; dos escassos minutos de dilúvio que se diluíam num ápice; dos cheiros oriundos do interior do solo; das queimadas, enfim, um rol de factos conhecidos que me levavam à melodiosa ideia que África é, indiscutivelmente, um SONHO!

Na minha óptima, África assume-se como um património mundial que invade de prazer almas carentes em visualizar as harmonias de um horizonte colorido e sempre infinito.

Olhando o infinito
 Paisagem que tantas vezes contemplei. As árvores, o mato, o arame farpado e o horizonte.

Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 – P8944: Memórias de Gabú (José Saúde) (11): A coluna: Notícias que chegavam e “novas” que ficavam na… picada

Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)

1. Em mensagem do dia 31 de Outubro de 2011, o nosso (reaparecido) camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), enviou-nos este seu poema em sextilha a que deu o nome de Azar, no Sul, acrescentaríamos nós:


AZAR...

Saído dos confins, trás do sol posto,
corria a mais de meio o mês de Agosto,
p`ra rendição dum morto foi enviado...
José, foi sua graça de baptismo,
o praça "trinta e um por algarismo",
destino p`ra Guiné teve traçado...

Na terra lhe disseram, "põe-te a pau"...
cuidado com os turras de Bissau...
Que eu já por lá passei, caro vizinho!
Ao fim de cinco dias, mar revolto,
o cheiro a vomitado nele envolto,
tresanda mesmo sem sequer ser vinho...

Mal postos pés em terra, mui cansado,
do baldear do barco aliviado,
reclama a cama ao corpo a sensatez...
Adidos foi local de breve pausa,
doença nem sequer foi posta em causa,
tem falta de efectivos, Cantanhez...

P`ro Sul irás de barco, bem cedo!
(dormir não conseguiu, tanto era o medo...)
e à hora lá embarcou com saco e mala...
A bucha da manhã, café/casqueiro,
num vómito quiçá seu derradeiro,
deixou vazio estomago/magala...

E enfim chegado à zona Tombali,
descarregado o barco, sai dali,
em Berliet de azar que pisa mina...
Co`a foice o agarrou, ladina a morte,
José, magala triste, homem sem sorte,
morrer logo à chegada a sua sina...

Notícia má à terra chega cedo,
tombado foi na guerra homem sem medo,
diz telegrama lido pelo prior...
Sustento, amparo só de mãe doente,
viúva, sem o ser, de homem ausente
agora fulminada pela dor...

Pergunto aos generais, hoje tropeços,
escondidos na cagança de adereços,
dos p`rigos sempre ausentes nessa altura...
Sentis ou não remorsos desse tempo?
vós p`ra quem guerra foi um passatempo,
sem p`rigos e de grande sinecura?
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8835: (Ex)citações (149): Riscando os dias do calendário e ouvindo, até à exaustão, o Mendigo do José Almada, nos em bu...rakos do Cantanhez (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8975: Blogpoesia (165): As listas negras de Portugal (J.L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P8977: Em busca de ... (175): 1.º Cabo Corneteiro Albino da CCAÇ 3326, Mampatá, 1971/72 (José Barros Rocha)

1. Mensagem do nosso camarada José Barros Rocha (ex-Alf Mil da CART 2410 - Os Dráculas, Guileje e Gadamael, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2011:

Caro Camarigo Carlos Vinhal
Desde já as minhas desculpas pelo "trabalho" que venho solicitar e que é o seguinte:

Conheci há dias um Camarada que também esteve na Guiné, mais precisamente em Mampatá, nos anos 1971/1973, integrado num Pelotão Independente de Armas Pesadas agregado à CCAÇ 3326, que me perguntou se seria possível localizar um outro Camarada, de quem era amicíssimo e do qual perdeu o contacto desde o regresso. Respondi-lhe que iria tentar através da "nossa" Tabanca, e daí este meu pedido.


Sinteticamente:
O camarada que ele procura chama-se Albino, natural da Covilhã, tinha o posto de 1.º Cabo Clarim e pertencia à CCAÇ 3326, sediada em Mampatá.

Renovo as desculpas e desde já os meus agradecimentos pelo que puderes conseguir para este nosso camarada.

Um abraço camarigo
José Rocha
CART 2410


2. Comentário de CV:

Aqui fica o pedido do nosso camarada José Barros Rocha, em nome do camarada (não identificado) que procura o Albino, ex-1.º Cabo Corneteiro da CCAÇ 3326 que esteve em Mampatá entre Fevereiro de 1971 e Agosto de 1972.

Não temos no nosso Blogue nenhuma referência à CCAÇ 3326, nem na página do nosso camarada Jorge Santos há algum pedido de contacto desta Unidade.
Resta a esperança de que algum dos nossos leitores possa dar uma ajuda.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8938: Em busca de ... (174): Henrique Paulino Serrão, ex-Marinheiro Fuzileiro Especial do DFE10, procura informação sobre a localização dos seus camaradas

Guiné 63/74 - P8976: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (26): Missão à Índia (I parte) (Maria Arminda)

A nossa camarada Maria Arminda Santos* (ex-Ten Enf.ª Pára-quedista, 1961-1970) enviou-nos, utilizando a preciosa colaboração do nosso camarada Miguel Pessoa, um trabalho que podemos considerar histórico. Trata-se do relato de uma missão das nossas Enfermeiras Pára-quedistas, nos idos anos de 1961, à Índia Portuguesa, no exacto momento em que aquele território sob administração de Portugal estava a ser invadido pela União Indiana.
Pode dizer-se que estávamos a viver o princípio do fim do império.

É um notável documento que a partir de hoje fica a fazer parte do espólio deste Blogue.


MISSÃO À ÍNDIA (1)

Por Maria Arminda

Foi no dia 18 de Dezembro de 1961 que a Índia foi invadida pelas tropas da União Indiana no governo do seu primeiro-ministro, o Pandita Nehru, como à data se dizia.

Hoje vou recuar no tempo e relembrar porque tal facto fez parte da minha vivência cheia de emoções, que não se apagaram da minha memória.

Prestava serviço em Angola, Luanda, como enfermeira pára-quedista, onde tinha sido colocada; tinha ali chegado a 12 de Outubro de 1961 na companhia das minhas colegas, Maria da Nazaré e Maria Zulmira - já falecidas - chegando a Maria de Lourdes, também apelidada de Lurdinhas, pelo seu aspecto físico mais franzino, cerca de duas semanas depois.

Terá sido entre os dias 14 e 16 de Dezembro que nos soou que se encontrava de prevenção uma Companhia de Pára-quedistas para a hipótese de ser necessário enviá-la para o Estado da Índia Portuguesa; havia notícias de uma possível invasão daquele território por parte dos indianos, que estavam a concentrar as suas tropas nas nossas fronteiras. A 2.ª Companhia, comandada à época, pelo Cap. Pára-quedista Heitor Almendra, a que estava destinada essa missão, partiria por via aérea até à Beira, através do canal de Moçambique, por ser geograficamente mais próximo desse nosso território e haver habitualmente uma ligação entre Goa e Moçambique assegurada pelos TAIP (Transportes Aéreos da Índia Portuguesa).

Dissemos que se fosse necessário também nos oferecíamos para ir; tínhamos a consciência de que por certo não poderíamos ir todas, dado o trabalho a desenvolver em Luanda. Trabalhávamos nos postos de socorros das Companhias, íamos em missões de vacinação às tropas estacionadas na Base Aérea do Negage e outros locais, dávamos apoio ao bloco operatório do Hospital Militar e na Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea, onde também eram tratadas as famílias dos militares e pessoal civil. Acresce ainda que assegurávamos o acompanhamento de feridos e doentes, nas denominadas “Evacuações Aéreas” entre Luanda e Lisboa.

Nessa manhã tratámos da esposa do Senhor Cor. Magro, que a acompanhava, e com quem desabafámos sobre a hipótese da nossa ida à Índia, ao que o mesmo respondeu com ar de troça: “Falam assim mas sabem que não vão, porque se tivessem que ir, se calhar não quereriam”. É claro que estava a brincar connosco pois, além de conhecer o nosso empenho, era acima de tudo nosso amigo. A conversa ficou por ali e combinou-se que à noite, eles viriam a nossa casa, para fazermos o tratamento à senhora.

O dia passou-se tranquilamente e não mais se ouviu falar da saída dos Páras, nem do seu embarque. Após o jantar, a Nazaré e eu fomos chamadas à 2.ª Companhia (sediada em Belo Horizonte), a mesma que estava de prevenção, onde alguns militares apresentavam sintomas de paludismo.

Um avião DC-6 da Força Aérea estava a essa hora prestes a partir para Lisboa, com passageiros sem feridos ou doentes, pelo que nenhuma de nós previa viajar nesse voo. Acontece que um rádio chegado pouco tempo antes ao Comando da Região Aérea, tinha entretanto dado instruções para embarcarmos com urgência nesse transporte a Nazaré e eu, ficando atrasada a hora de saída do DC-6 até ao nosso embarque.

 DC-6
Foto retirada da página Pássaro de Ferro Crónicas da Aviação, com a devida vénia

O Capitão Pára-quedista Jerónimo Gonçalves dirigiu-se a nossa casa e tendo encontrado a Zulmira e a Lurdinhas, disse-lhes que “tínhamos que embarcar imediatamente no avião que aguardava a nossa chegada para partir” e informou-as de que “iríamos para a Índia”. Como ainda não tínhamos chegado o oficial saiu ao nosso encontro, enquanto as duas preparavam as nossas bagagens com algumas peças de roupa, umas a mais e outras a menos.

Daí a pouco chegámos nós nas calmas, muito longe de imaginar o que se estava a passar; ao vermos a Zulmira, excitadíssima, gritar-nos do alto da janela da pensão da dona Maximina, onde habitávamos, “despachem-se e subam depressa que têm que ir para a Índia”. Começámos a rir, pensando que elas nos estavam a pregar uma partida. Perante as malas de viagem prontas e as palavras do oficial é que ficámos convencidas e, tal como estávamos vestidas, despedimo-nos apressadamente sem tempo sequer para ver as roupas que nos tinham emalado, para um clima que não conhecíamos.

Na saída deparámo-nos com o senhor Coronel Magro, que vinha com a esposa levar a injecção; vendo todo aquele aparato e a nossa pressa interpelou-nos, acabando por saber naquele momento o nosso destino.

Escusado será dizer que o senhor ficou perplexo, visto ser um dos Comandantes da Região Aérea, mas como o rádio tinha chegado fora do horário normal, não tinha dele conhecimento. Despediu-se de nós, desejando-nos que a missão decorresse bem e ainda brincou acerca da conversa que tínhamos tido de manhã.

A pressa foi tanta que, chegadas à placa, entregámos as malas ao oficial responsável pela carga de embarque de passageiros e muito lestas nos vimos dentro do avião, sem que o restante pessoal se apercebesse. Foi o Capitão Jerónimo Gonçalves quem comunicou ao Senhor General Resende que já estávamos a bordo, a aguardar pelos restantes passageiros; O Gen. Resende era o responsável máximo da Força Aérea em Angola e possivelmente teria recebido a comunicação directa de Lisboa, tendo-se deslocado propositadamente ao aeroporto, para se despedir de nós. Pedimos desculpa pelo lapso e despedimo-nos do Senhor General, com certa estranheza, dado o insólito da situação.

No decurso da viagem para Lisboa comentámos entre nós, que não levávamos nenhum dinheiro nem roupa quente. Íamos com um vestido leve e de manga curta, dado que naquela data em Angola era verão e na metrópole inverno. Depois de quase vinte horas de viagem, com escalas em S. Tomé e na Guiné, chegámos ao aeroporto da Portela cerca das dezassete horas, com um dia gélido, de apenas quatro graus, segundo nos disseram.

Esperavam-nos o Senhor Coronel Kaúlza de Arriaga, Secretário de Estado da Aeronáutica e esposa a Senhora Dona Maria do Carmo Arriaga. Acompanhavam-no o seu Chefe de Gabinete, Tenente-coronel Troni e um dos oficiais às ordens, o Alferes Francisco Pinto Balsemão; o outro era o Alferes Francisco Vanzeller, que nós também já conhecíamos.

Pensávamos que teríamos tempo de arranjar alguma roupa mais apropriada, mas enganámo-nos. Fomos de imediato com o alferes Balsemão à Embaixada do Paquistão, para tratar do passaporte e do visto, sendo entretanto informadas de que iríamos para Carachi.

Um funcionário da Embaixada pediu-me mesmo se eu não me importava de levar uma encomenda com um relógio de pulso, um presente para a mulher - que se encontrava na parte oriental do Paquistão - a quem eu podia enviar a encomenda directamente do aeroporto de Carachi. Aceitei fazer esse favor ao senhor e fiquei com a encomenda.

Terminadas estas formalidades o alferes levou-nos de seguida para o local onde íamos jantar e entregou-me um envelope com dólares, para as nossas despesas, com a recomendação de que não levássemos nada que nos pudesse identificar como militares e que estivéssemos de novo no aeroporto às vinte e uma horas, para seguirmos viagem a bordo de um avião da TAP (um Super Constellation).

Após essas diligências dirigimo-nos ao Lar das Enfermeiras do Hospital de Santa Maria, onde tínhamos trabalhado, e de onde tínhamos saído poucos meses antes. Ali jantámos, revemos colegas, arranjámos roupa adequada para a época e aproveitámos para telefonar à família, sem lhes darmos conta do porquê da nossa vinda e do destino seguinte. Inventámos para todos, que tínhamos vindo trazer doentes, mas por sermos poucas e haver necessidade de voltar, partiríamos de novo após o jantar, não dando tempo para uma visita.

A minha família vivia em Setúbal mas, morando a da Nazaré na capital, mesmo assim ela não os foi visitar, tal “o secretismo”.

Todos acreditaram, mas umas amigas mais próximas fizeram questão de nos levar ao aeroporto e aí se despedirem. Esperava-nos o Tenente-coronel Troni, que ao ver as acompanhantes disse “que já não embarcávamos, mas que tínhamos que ir com ele”. Não percebemos na altura essa mudança brusca de procedimento. Afinal fomos para ali ao lado, ao aeroporto militar de Figo Maduro. Foi a maneira das nossas amigas regressaram sem nós, não tendo desconfiado de nada.

Fomos então informadas do conteúdo da missão. Íamos para o Paquistão Ocidental para a cidade de Carachi, onde já se encontravam há alguns dias as nossas colegas, a Maria do Céu e a Maria Ivone, que estavam muito cansadas; nós íamos revezá-las no seu trabalho, como reforço, no acompanhamento de mulheres e crianças, famílias de militares a prestar serviço nesse território, que estavam a ser retiradas, de Goa, através da ponte aérea assegurada pelos TAIP e posteriormente evacuadas para Lisboa pelos aviões da TAP. Estavam nessa missão o chefe da mesma, um representante do nosso Ministério do Ultramar, o Dr. Espinheira, o Major médico da Força Aérea, Dr. Fernandes Tender e o senhor Rodrigues, Relações Públicas da TAP.

O Aeródromo Base n.º1 de Figo Maduro, estava em silêncio e pouco iluminado, o que estranhámos; o avião da TAP mantinha-se ali, imobilizado, parecendo que esperava por algo para ser posto em marcha e rolar para a pista. Pouco depois apareceu o Chefe do Estado Maior da Força Aérea, General Mira Delgado, que nos veio desejar boa viagem; ficámos um pouco curiosas e apreensivas perante tanta despedida e votos para que tudo corresse pelo melhor.

Colocaram-nos na zona da 1.ª classe do avião, comunicando-nos que qualquer pergunta do pessoal de bordo sobre a nossa presença deveria ser remetida para o piloto, Comandante Magro (que viemos a saber posteriormente ser irmão do Coronel que estava em Luanda). Fomos informadas de que só sairíamos, definitivamente, em Carachi.

Passado pouco tempo sentaram-se atrás de nós cinco ou seis homens trajando à civil; soubemos mais tarde tratar-se de oficiais e sargentos do nosso Exército, da Arma de Engenharia, enviados à pressa nessa missão.

Ouvimos o ruído de um carro, que pude divisar da janela do avião, um carro grande, com capota de lona vi encostar ao avião, não tendo conseguido detectar mais pormenores. Passado pouco tempo arrancámos para a placa do estacionamento do aeroporto, para a entrada do pessoal de cabine, duas hospedeiras e um comissário de bordo que, penso eu, só nesse momento souberam para onde iam voar, porque nos perguntaram pelos bilhetes; respondi-lhes que perguntassem ao Comandante o avião.

Por volta das onze da noite locais descolámos rumo ao nosso destino. Nessa altura, disse à Nazaré: “Com todo este aparato, achas que nos vai acontecer alguma coisa? Uma das hospedeiras deu-nos cobertores para nos taparmos e dois banquinhos para descanso das pernas, pois a viagem ia ser longa e nós, poucas horas antes, tínhamos chegado dum local bem distante. Dormimos tranquilamente algum tempo, até porque estávamos muito cansadas e havia que recuperar forças para o que viesse.

Recordo-me que quando acordei para não mais dormir até à chegada no outro dia já de noite, talvez por volta das vinte horas locais, ter sobrevoado as costas da Itália, Grécia, Turquia, as Ilhas de Rodes e Chipre, até fazermos a primeira paragem no Líbano, na cidade de Beirute, onde almoçámos e o avião foi reabastecido.

Toda aquela vista aérea me encantou, pois foi feita com condições atmosféricas favoráveis e o Mar Mediterrâneo por baixo de nós, de tons de verde e azul, fascinou-me. A aproximação ao Líbano mostrava-nos uma cidade que me parecia ser linda. Não deu na ida para a apreciarmos, mas na vinda pudemos visitá-la. Ao sairmos para o restaurante reparámos então no avião seguiam umas dezenas de rapazes, que tinham em comum peças de vestuário iguais: nuns, eram as camisas, noutros as gravatas, ou sapatos e até as meias. Não nos foi difícil de adivinhar que se tratava de militares.

A vida é um misto de acasos e emoções. Aconteceu que na nossa mesa se sentou, entre outros, um jovem que na minha frente me olhava, parecendo rebuscar na sua memória a minha fisionomia, para chegar à conclusão de onde me conhecia. Porém, eu com a minha memória de elefante, que afirmam que tenho, reconheci-o de imediato. Comíamos em silêncio, quando o rapaz mete conversa e me diz conhecer-me, embora não se lembre donde. Sorri nessa altura e perguntei-lhe se não tinha uma cicatriz, por cima do ombro direito, respondendo-me afirmativamente, muito espantado. De repente, exclama “Senhora enfermeira Lopes Pereira, o que faz aqui no meio de nós?” ao que lhe respondi, que ia no mesmo passeio turístico que ele.

Ficou espantado e de repente começou a falar do que os jornais tinham noticiado sobre as primeiras mulheres Pára-quedistas e eu pedi-lhe que se calasse. Tinha estado internado no meu serviço no Hospital de Santa Maria, meses antes de ir para a tropa e por esse facto, estava muito presente na minha memória.

Despedi-me dele em Carachi; continuou viagem para Goa, ficou prisioneiro e nunca mais o vi. Prestes a chegarmos ao Paquistão o Comandante mandou avisar-me que possivelmente teria que seguir directamente para Goa e assim sendo, não nos deixava em Carachi. Eu como mais antiga, era a interlocutora, respondendo que as ordens que recebera eram para ficar ali e não noutro lado.

Não sabíamos o que se estava a passar mas o Comandante, via rádio, sabia que o assalto ao aeroporto podia estar eminente. A invasão já tinha começado e o avião dos TAIP, que deveria estar em Carachi, para fazer o transporte do material de guerra e os militares para Goa, que connosco tinham viajado, não tinha conseguido sair, pelo que o nosso avião fez uma paragem técnica. O pessoal saiu para comer e voltar para continuar a viagem. Nós ficámos em Carachi e, talvez por volta da meia-noite, soubemos que o aeroporto em Goa tinha sido bombardeado; desconhecíamos o que acontecera ao avião e a todos os que iam a bordo, incluindo a tripulação.

Na viagem até Carachi fomos muito bem tratadas pelo pessoal de cabine, de cujos nomes tenho pena de não me recordar. O comissário de bordo, ao conversar connosco, contou-nos que era casado e que esperava ser pai do primeiro filho, pois a mulher estava grávida de seis meses. Quando se soube que o bombardeamento tinha sido no desembarque em Goa, as palavras do comissário não me saíam do pensamento, embora estivesse preocupada com todos os que iam naquele avião, com menos sorte que nós.

(Continua)

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Nota de Miguel Pessoa:

Pouco antes da invasão indiana do Estado Português da Índia, os TAIP foram utilizados para a evacuação de civis de Goa para Karachi. No dia da invasão 18 de Dezembro de 1961) encontrava-se no Aeroporto de Dabolim apenas um DC-4 dos TAIP que escapou, juntamente com um avião da TAP, ao bombardeamento que sofreu aquela instalação. Nessa noite a pista foi reparada permitindo aos dois aviões levantar voo para Karachi de onde seguiram para Lisboa. Acabou aí a operação dos TAIP.

Avião dos TAIP
Foto retirada da página Camabatela e Magia do nosso camarada Albino Silva, com a devida vénia

No dia 19 de Dezembro de 1961, Nehru rompe o não ao belicismo e envia forças armadas para o ataque aos três territórios: Goa, Damão e Diu. Estavam a caminho das eleições, e o seu partido esquerdista, estava atrás nas sondagens. Do lado de Portugal, Salazar queria jogar o papel de vítima, numa batalha perdida há muito. Às potências internacionais era-lhes interessante poder apontar o dedo moral a uma Índia não alinhada nas jogadas intercontinentais. Aviões bombardeiros E.E. Camberra arrasam a pista e danificam o DC-4 dos TAIP e o Superconstellation da TAP ali estacionados. Incrivelmente ambos os aviões conseguiram descolar enquanto os indianos permaneciam convencidos de terem interditado o aeroporto e de terem capturado por preempção de fuga as aeronaves. O Superconstellation (CS-TLA, “Vasco da Gama”,) da TAP, comandado por Manuel Correia Reis, copilotos Anselmo Ribeiro e Alcídio Nascimento, navegador P. Reis, mecânicos A. Coragem e H. Dias, radiotelegrafista A. Pereira, comissário Madeira e assistentes Prazeres e Carlota, descolou para Karachi usando apenas os 700 metros de pista disponível. Três horas depois aterrava com um pneu furado e 25 buracos, consequência dos estilhaços provocados pelo bombardeamento da aviação indiana à pista.

Aeroporto de Goa
Foto retirada da página Restos de Colecção, com a devida vénia

O Comandante Solano de Almeida pilotou o último voo efectivo dos TAIP, de Goa também para Karachi, capital do Paquistão na altura, em voo rasante ao solo para evitar a aviação inimiga, transportando as mulheres e crianças familiares dos militares portugueses.

De salientar que o ataque a Dabolim não teve justificação militar visto Portugal não ter ali um único meio aéreo que não fosse civil. A guerra saldou-se com 34 mortos e 57 feridos em combate para Portugal, 30 mortos e 57 feridos para a Índia. Uma infantaria de pouco mais de 3000 efectivos lutou durante dois dias contra uma força 10 vezes maior, e que dispunha de 22 caças e 20 bombardeiros como meios aéreos.

No geral, a recusa dos militares em seguir a política de “terra queimada” imposta por Salazar, e lutar até à morte de todo o nosso contingente militar, fez com que se evitasse derramamento de sangue inútil e que a retirada de Portugal fosse para sempre vista como uma tragédia irresponsável e cruel.

A maior parte as potências ocidentais condenou o ataque Indiano, tanto por terem um passado colonialista, como por aproveitamento de minar a política de não-alinhamento de Nehru. O partido deste ganhou de facto as eleições, mas manchou a sua imagem, imaculada até então, de pacifista.

(Texto e fotos retirados da Internete, conforme links apresentados)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8504: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (24): Saltar ou não saltar de pára-quedas... hoje, só se fosse para salvar uma vida (Maria Arminda / Aura Teles)

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8770: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (25): A essas Mulheres o nosso reconhecimento e o nosso bem hajam (Torcato Mendonça)