terça-feira, 1 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)

1. Em mensagem do dia 31 de Outubro de 2011, o nosso (reaparecido) camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), enviou-nos este seu poema em sextilha a que deu o nome de Azar, no Sul, acrescentaríamos nós:


AZAR...

Saído dos confins, trás do sol posto,
corria a mais de meio o mês de Agosto,
p`ra rendição dum morto foi enviado...
José, foi sua graça de baptismo,
o praça "trinta e um por algarismo",
destino p`ra Guiné teve traçado...

Na terra lhe disseram, "põe-te a pau"...
cuidado com os turras de Bissau...
Que eu já por lá passei, caro vizinho!
Ao fim de cinco dias, mar revolto,
o cheiro a vomitado nele envolto,
tresanda mesmo sem sequer ser vinho...

Mal postos pés em terra, mui cansado,
do baldear do barco aliviado,
reclama a cama ao corpo a sensatez...
Adidos foi local de breve pausa,
doença nem sequer foi posta em causa,
tem falta de efectivos, Cantanhez...

P`ro Sul irás de barco, bem cedo!
(dormir não conseguiu, tanto era o medo...)
e à hora lá embarcou com saco e mala...
A bucha da manhã, café/casqueiro,
num vómito quiçá seu derradeiro,
deixou vazio estomago/magala...

E enfim chegado à zona Tombali,
descarregado o barco, sai dali,
em Berliet de azar que pisa mina...
Co`a foice o agarrou, ladina a morte,
José, magala triste, homem sem sorte,
morrer logo à chegada a sua sina...

Notícia má à terra chega cedo,
tombado foi na guerra homem sem medo,
diz telegrama lido pelo prior...
Sustento, amparo só de mãe doente,
viúva, sem o ser, de homem ausente
agora fulminada pela dor...

Pergunto aos generais, hoje tropeços,
escondidos na cagança de adereços,
dos p`rigos sempre ausentes nessa altura...
Sentis ou não remorsos desse tempo?
vós p`ra quem guerra foi um passatempo,
sem p`rigos e de grande sinecura?
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8835: (Ex)citações (149): Riscando os dias do calendário e ouvindo, até à exaustão, o Mendigo do José Almada, nos em bu...rakos do Cantanhez (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8975: Blogpoesia (165): As listas negras de Portugal (J.L. Mendes Gomes)

6 comentários:

Anónimo disse...

Um abraço para ti e (mais) uma lágrima de raiva por esse Zé
José Brás

Luis Faria disse...

Amigo Manuel Maia

Para quantos Zé destes nos remete este teu poema?
Tão infelizmente real!
Um abraço

Hélder Valério disse...

Caro camarigo Manuel Maia

Este é mais um dos teus poemas que vale tanto pela construção como essencialmente pelo que relata.
Tem força, tem muita força.

E, curiosamente, a apreensão do conteúdo deste triste poema/realidade poderia levar a opinar em sentido diferente do que tenho lido por aí...

Abraço, amigo
Hélder S.

Cesar Dias disse...

Caro Manuel Maia

Este teu "Zé" foi render o "Pedro Soldado". Que maravilha, bem hajas e continua.

Um abraço MM
César Dias

Anónimo disse...

Os "políticos" passam.Alguns dos poemas FICAM e ficarão.E, este, é um bom exemplo. Um abraço.

Juvenal Amado disse...

Manel

Só hoje li o teu poema.
Que dizer sobre ele? Que se lê como se fosse uma estória de banda desenhada, que é acutilante, afiado como uma faca e certeiro como arma de precisão.

O nosso Maia no seu melhor.

Um abraço e já alguém pediu mais, eu junto a minha voz para que nos delicies com a tua poesia, que falando no passado, no fundo faz parte a nossa actualidade.