1. O nosso Camarada António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, no CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), enviou-nos uma mensagem com uma parte do seu Diário da Guiné sobre o Pilão.
Bissau, 16 de Dezembro de 1973
Ontem fui às p...!
Nestes dias em Bissau, com tanta tropa à solta, anda tudo num magnífico regabofe. Para estes homens, o fim da Guiné é a loucura. Aqui no “Biafra”, de madrugada ainda havia alferes a cair de bêbados, entrando pelos quartos em gritarias e choradeiras de pasmar. Não deixavam ninguém dormir.
Ontem o meu serviço foi fazer companhia ao alferes Tomé, meu antigo companheiro de quarto em Teixeira Pinto e em Mansoa. Era o seu último dia na Guiné, embarcou hoje para Lisboa no avião dos TAM e passou comigo as horas da derradeira festa guineense.
Fomos os dois até lá baixo à cidade, depois jantámos, bebemos bem e, entre pesaroso e alegre, o Tomé desatou a contar-me as suas aventuras com uma prostituta cabo-verdiana que o andava a encher de ilusões, ou o Tomé a ela. A rapariga gostava dele, sempre que vinha de Mansoa a Bissau ia visitá-la, de sexta para sábado dormiu a noite toda em casa da beldade, a menina desembrulhava-se em bolanhas de ternura e desdobrava-se em arrozais de dignidade. Existiria qualquer coisa de verdade nesse relacionamento oblíquo. A rapariga deve ter adivinhado no Tomé um homem que não lhe comprara apenas prazer para vinte minutos e talvez tenha gostado dele. Ontem o Tomé foi-se despedir e levou-me para eu conhecer a pérola dos seus sonhos reais. A moça tinha bom aspecto, pequena, redonda, um rosto suave e sorridente onde não se adivinhava o labor da mais velha profissão do mundo. O Tomé abraçou-a, entrou na casa dela e dedicou-se de imediato aos prazeres carnais, ia pela última vez comer o chocolate claro da sua princesinha.
Eu fiquei cá fora, à espera, aí uns quarenta e cinco minutos encostado a um monte de sucata, a carcaça desfigurada de um carro velho. Entretive-me a olhar à volta. Estava no Pilão, um bairro de Bissau habitado por muita miséria e alguma prostituição. O lugar é sujo, tem pouca luz e dizem os entendidos que é perigoso à noite. Ontem, sábado, havia muita tropa branca a fazer as despedidas da Guiné, à procura dos últimos prazeres do sexo negro ou mulato para levarem como recordação para Portugal. As prostitutas do Pilão trabalhavam heroicamente. Na casa em frente, vi uma mulher aviar três gajos em pouco mais de meia hora, entravam, saíam uns atrás dos outros. Não sou propriamente um puritano mas tudo aquilo com excepção da rapariga do Tomé, parecia boa menina me deixou um travo a desgosto, desconforto e imundície.
Enquanto esperava, uma das prostitutas meteu-se comigo. Chegou saracoteando-se dentro de um vestidinho vermelho, dengosa, um perfume barato, meloso, agarrou-me no braço e disparou: Vá amor, vem f...! Disse-lhe: Não posso, já f.... Resposta pronta: Vai apanhar no c... !
Andei pelo Pilão a cirandar junto às putas mas não fui às putas, não faz parte dos meus hábitos. E não segui o interessante conselho da prostituta do perfume oleoso e reles.
Apanhar no c... também não faz parte dos meus hábitos.
Abraço,
António Graça de Abreu
____________
Nota de M.R.:
Vd. Também o último poste desta série em:
23 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8939: Memória dos lugares (159): Lugajole, 2004 - Memorial à declaração unilateral da Independência da Guiné-Bissau, localizado em Orre Fello (Rui Fernandes)
Eu fiquei cá fora, à espera, aí uns quarenta e cinco minutos encostado a um monte de sucata, a carcaça desfigurada de um carro velho. Entretive-me a olhar à volta. Estava no Pilão, um bairro de Bissau habitado por muita miséria e alguma prostituição. O lugar é sujo, tem pouca luz e dizem os entendidos que é perigoso à noite. Ontem, sábado, havia muita tropa branca a fazer as despedidas da Guiné, à procura dos últimos prazeres do sexo negro ou mulato para levarem como recordação para Portugal. As prostitutas do Pilão trabalhavam heroicamente. Na casa em frente, vi uma mulher aviar três gajos em pouco mais de meia hora, entravam, saíam uns atrás dos outros. Não sou propriamente um puritano mas tudo aquilo com excepção da rapariga do Tomé, parecia boa menina me deixou um travo a desgosto, desconforto e imundície.
Enquanto esperava, uma das prostitutas meteu-se comigo. Chegou saracoteando-se dentro de um vestidinho vermelho, dengosa, um perfume barato, meloso, agarrou-me no braço e disparou: Vá amor, vem f...! Disse-lhe: Não posso, já f.... Resposta pronta: Vai apanhar no c... !
Andei pelo Pilão a cirandar junto às putas mas não fui às putas, não faz parte dos meus hábitos. E não segui o interessante conselho da prostituta do perfume oleoso e reles.
Apanhar no c... também não faz parte dos meus hábitos.
Abraço,
António Graça de Abreu
____________
Nota de M.R.:
Vd. Também o último poste desta série em:
23 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8939: Memória dos lugares (159): Lugajole, 2004 - Memorial à declaração unilateral da Independência da Guiné-Bissau, localizado em Orre Fello (Rui Fernandes)
10 comentários:
"Bolhanhas de ternura";"Arrozais de dignidade";"Chocolate claro da sua princesinha"......Porra que é injusto!Porque é que a Divindade não ME fez...poeta?!
Caros amigos, não vou comentar.
Somente desejo manifestar, a minha total rejeição à forma e adjectivação, como o conteuodo é apresentado.
Lamento sinceramente, não por mim.
Carlos Filipe
ex-CCS BCAÇ3872 Galomaro/71
Meu muito Caro Camarada e Amigo. Será difícil adaptar as sensibilidades sociais (e não menos,morais) às insondáveis liberdades poéticas,sejam elas lusas,lapónicas,orientais ou outras.É certo que tudo é político.(Até a Moral,pasme-se!).Mas quando a política,e a moral,se misturam com a arte...nunca é a política quem fica a perder. Um grande e sincero abraço.
Meu caro Carlos Filipe
Tens todo o direito de não gostar das brejeirices e dos palavrões.
Mas conheces o Pilão?
Asseguro-te que o texto corresponde exactamente ao que aconteceu naquela
noite, ao diálogo verdadeiro entre
a prostituta e este pobre alferes Abreu. O texto foi escrito logo na manhã do dia seguinte.
Já agora também te asseguro que em quase 23 meses de comissão na Guiné, jamais
toquei em qualquer mulher africana.
Por muitas razões, também porque tinha acabado de casar com a minha mulher portuguesa, por respeito pela mulher,"l'avenir de l'homme", como escreveu Lois Aragon, nossa companheira, irmã e mãe.
Tens o meu Diário da Guiné? Manda-me a tua morada, envio-te o livro pelo correio. Sâo 20 euros com a oferta de um dos meus livros de poesia.
abreuchina@netcabo.pt
Abraço,
António Graça de Abreu
Caríssimo Graça de Abreu. A noite já vai longa,e o comentário que acima escrevi em relacäo ao "protesto" do nosso Camarada Filipe,foi,entre outras coisas,sincero. MAS...não posso deixar de te congratular quando escreves:"jamais toquei em qualquer mulher africana". Que grande pontaria!E tu que nem sequer eras...Atirador. Aquele abraço.
Boa tarde meus estimados camaradas e amigos.
Como jovem septuagenário que sou tenho uma ideia vaga dessas idas ao PILÃO.O que lá ia fazer...não digo para não ofender susceptividades mais à flor da pele mas não posso deixar de partilhar e subscrever a extraordinária boutade do nosso J.Belo em relação à declaração de princípios e pontarias...
:"jamais toquei em qualquer mulher africana". Que grande pontaria!E tu que nem sequer eras...Atirador. Aquele abraço.
JERO
Aos poucos vamos descobrindo algumas verdades diferentes. Que não magoam nem desprestigiam.
Quem é o artilheiro que se segue?
Um abraço amigo,
José Câmara
Camarigos
Esta é, em especial, para o nosso amigo JERO.
Gostei do comentário, especialmente quando escreves e cito "O que lá ia fazer...não digo para não ofender susceptividades mais à flor da pele...", que é uma forma simpática de dizer que o "alzheimer nos começa a toldar a mente".
Não há stress! As verdades, como diz o Zé da Câmara, "magoam nem desprestigiam".
Aquele abraço amigo
Corrijo o comentário anterior:
"não magoam nem desprestigiam"
Camaradas:"Acidente no Pilao"
Um dos meus amigos Fixes era um Furriel Miliciano que estava destacado se bem me lembro no Cacheu quando eu ja estava em Bissau, ora bem
o Furriel AT sempre que conseguia desenfiava-se e aparecia-me em Bissau quase sempre de madrugada batendo a porta do meu quarto gritando- Ze vamos ao Pilao
pa...as bonecas estao a minha
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