quinta-feira, 28 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10084: Antologia (76): Vida e morte da gloriosa LDM 302, a cuja heróica guarnição pertenceu o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, natural da Lourinhã, condecorado com a Cruz de Guerra em 1968 (Manuel Lema Santos / Luís Graça)

A. O lourinhanense Ludgero Henriques de Oliveira morreu recentemente


De morte inesperada, na sequência de um internamento hospitalar. Aos 64 anos. E sem tempo de me poder contar, direito, tim por tim, as suas andanças pelos rios e braços de mar da Guiné, a bordo da heróica LDM 302.

Eu sabia vagamente que ele pertencera à guarnição de uma LDM, que fora atacada no Cacheu, e que desse ataque resultaram baixas, tendo o navio sido afundado. 

Ele vivia na Lourinhã. Era sargento chefe reformado da Armada, com uma brilhante folha de serviços. Via-o com frequência. Éramos vizinhos, e mais do que isso, amigos e colegas de escola. Nascemos no mesmo ano, 1947, com uma diferença de 2 meses, eu em janeiro, a 29, ele em março, a 26...

Fiquei inconsolável ao saber, tardiamente, da sua morte. Há dias passei pelo cemitério local, hábito que não tinha e que agora passei a ter na sequência da morte recente do meu pai, Luís Henriques. Estive na campa do Ludgero, e prometi a mim mesmo que falaria dele no nosso blogue... Ele era a modéstia em pessoa. Nunca me disse, por exemplo, que sido condecorado com a Cruz de Guerra, em 1968... Mas tinha muito orgulho na farda da Marinha...

E que melhor homenagem lhe poderia eu prestar do que reproduzir, com a devida vénia, estes dois postes do nosso camarada Manuel Lema Santos, originalmente publicados na sua página Reserva Naval, um sítio incontornável na Net, onde se honra a nossa marinha e os nossos marinheiros ?

A epopeia da LDM 302 e dos seus bravos marinheiros merece ser melhor conhecida de todos nós. Na altura do ataque de 19 de dezembro de 1968 bem como no de 10 de junho de 1968, o Ludgero fazia parte da sua guarnição como maquinista fogueiro. São factos que eu só agora vim a saber. E quero partilhá-los com os amigos e camaradas da Guiné, que acompanham o nosso blogue,  bem como com os meus conterrâneos e ainda a família do meu amigo, em especial o seu filho e os seus irmãos, bem como a mãe do seu filho, Maria Teresa Henriques, natural da Atalaia, Lourinhã.

Que a terra te seja leve, meu amigo e camarada!... E que a gente da nossa terra saiba cultivar a tua memória e a memória dos nossos antepassados que têm o mar no seu ADN !


Luís Graça
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Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50 mil) > A perigosa passagem do Rio Cacheu, em Porto Coco, frente à clareira de Tancroal, de má memória para os nossos marinheiros.


B. Reserva Naval > 28 de novembro de 2008 > A epopeia da LDM 302 na Guiné

(Parte I) [Excerto]

por Manuel Lema Santos

19 de Dezembro de 1967 – O ataque e afundamento da lancha


A LDM 302, de que apenas o casco veio dos EUA em 1963, foi adaptada nos estaleiros da Argibay, onde permaneceu para esse efeito de 9 de Outubro desse ano a fins de Janeiro do ano seguinte.

Foi aumentada ao efectivo das navios da Armada em 18 de Janeiro de 1964.

Chegou à Guiné, Bissau, a bordo de um navio da Marinha Mercante, na manhã de 23 de Fevereiro desse ano. Era seu patrão de então o marinheiro de manobra n.º 2156, Aristides Lopes.

Após um curto período de adestramento da guarnição, foi atribuída ao Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 2 – DFE 2, ao qual competia a fiscalização da zona do rio Geba,  tendo aí iniciado intensa vida operacional.

Efectuou um primeiro cruzeiro de fiscalização naquele rio, em 18 de Março [de 1964], sem que nada de anormal tivesse ocorrido, o que poderia ser interpretado como bom augúrio naquele teatro de guerra.

De 9 a 11 de Abril, pela primeira vez, em conjunto com a LDM 101, 201, LFG Escorpião, LFP Canopus e os DFE 8 e 9, foi incluída numa missão de apoio de fogo e transporte de fuzileiros, a operação “Tenaz”, levada a cabo no rio Cumbijã.

Em 22 de Abril o baptismo de fogo. Frente a Jabadá quando, em conjunto com mais três LDM, procedia a um desembarque de fuzileiros, o inimigo tentou opor-se com fogo de armas ligeiras mas não conseguiu evitar o desembarque.

No dia 22 de Julho, foi atacada pela segunda vez, desta feita no rio Cacheu, em Porto de Côco. O inimigo, emboscado nas margens, utlizou metralhadoras pesadas e morteiro, sem consequências.

Durante o resto do ano de 1964 tomou parte em várias operações no rio Geba e recolheu ao SAO – Serviço de Assitência Oficinal, onde foi submetida a alterações no poço, procedendo-se à instalação de uma cozinha e alojamentos para a guarnição. Foram também protegidos com chapa balística a casa do leme e o escudo da peça Oerlinkon de 20 mm.

A partir de então ficou com possibilidades de alojar permanentemente a guarnição, como viria a revelar-se indispensável.

1965 veio a revelar-se para a LDM 302 um ano muito duro. Continuando a desempenhar denodadamente missões de fiscalização, escoltas a comboios de barcaças mercantes, transporte de tropas e apoio de fogo, no dia 4 de Fevereiro, em frente de Tambato Mandinga, no rio Cacheu, foi violentamente atacada das margens com morteiros e metralhadoras ligeiras, sofrendo 30 impactos no costado e superestuturas. Não houve baixas na guarnição para o que muito contribuiu, certamente, a sua pronta e valorosa reacção.

No dia 4 de Outubro, no rio Armada, um afluente do Cacheu, em missão de transporte de forças terrestres, foi atacada das margens com metralhadoras ligeiras e granadas de mão, resultando 10 feridos ligeiros entre os militares embarcados.

Novamente, em 28 de Outubro, a leste de Farim, na margem do Cacheu, foi alvejada sem consequências com tiros de espingarda, durante uma operação de desembarque de fuzileiros.

Foi de relativa tranquilidade o ano de 1966 dado que, apesar de ter estado sempre no Cacheu no cumprimento das missões que lhe foram atribuídas, não teve qualquer contacto de fogo directo. Mercê do seu constante vaivém nos rios da zona, tornara-se já perfil conhecido e respeitada pelo inimigo.

Trágico viria a revelar-se o ano de 1967, ainda que pelo escoar do tempo se assemelhasse ao anterior, aparentemente tranquilo. Chegara-se a meados de Dezembro sem qualquer acção hostil e apenas no dia 16, em violenta acção do inimigo contra Binta, auxiliou com eficácia as forças terrestres na defesa daquele aquartelamento.

Não viriam aqueles seis homens de guarnição a terminar assim o ano quando, a 19 de Dezembro, pelas 11:00, a “302” descia o rio Cacheu, em postos de combate, calor já a apertar, margens de tarrafo denso a entranhar-se pelo rio.

No leme, (i) o patrão, marinheiro de manobra Domingos Lopes Medeiros;

(ii) nos seus postos, junto à Oerlinkon, os marinheiros artilheiros Manuel Luís Lourenço e Silva e Manuel Santana Carvalho;

(iii) no posto de fonia, o marinheiro telegrafista Joaquim Claudino da Silva;

(iv) na MG 42 o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira:

(v) e junto aos artilheiros, pronto a acorrer onde necessário fosse, o marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, de serviço aos motores, comandados da casa do leme.

A lancha deixara para trás uma das muitas curvas sinuosas do rio e passava frente à clareira do Tancroal [, vd. carta de Binta], com a guarnição em redobrada atenção pelo comprovado perigo que representava, pelo historial anterior de ataques já desferidos contra diversas unidades navais.

Subitamente, observaram-se fumos na margem sul à boca de peças e, quase de seguida, fortes rebentamentos. O navio estremeceu violentamente e os motores pararam. Estavam sob violentíssimo ataque de canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras, pesadas e ligeiras.

A lancha atingida e com o patrão gravemente ferido ficou sem leme, entrando pelo tarrafo da margem Norte. Os ramos vergaram de imediato e, de seguida, ao recuperarem a posição normal, projectaram a LDM que recuou, ficando à deriva.

A lancha metia água e afundava-se rapidamente de popa. A inclinação era já muito grande e os artilheiros, com água pelo peito, ainda faziam fogo por cima do tecto da casa do leme com grande dificuldade. O posto de fonia, atingido por um estilhaço de granada, tinha ficado destruído e o patrão, moribundo, jazia caído sem que alguém lhe pudesse sequer acudir no momento.

Sentido, de todo, que o navio estava perdido, os artilheiros viram-se forçados a abandonar a peça tentando então o telegrafista socorrer o patrão. Fez um esforço para o por de pé mas foi-lhe de todo impossível. Atingido em cheio estava quase cortado em dois, pelas costas, com as vísceras de fora.

Inexplicavelmente, o inimigo deixou de fazer fogo. O telegrafista [, Joaquim Claudino da Silva], o mais antigo depois do patrão, assumiu o comando e deu ordem para abandonar a lancha. Arriaram então o bote de borracha, colocaram lá dentro, o patrão, nessa altura já morto, os papéis de bordo e uma G3, dirigiram-se para a margem e esconderam-se no tarrafo. Fora de água, a lancha tinha apenas parte da porta de abater.

Era imperioso alguém ir a Bigene, o aquartelamento do Exército mais próximo, situado a cerca de três quilómetros e regressar com socorros. Sendo os restantes elementos novos na guarnição e o telegrafista o único conhecedor da zona, empunhou a arma e foi ele próprio, conseguindo lá chegar coberto de lama e sem percalços pelo caminho.

Entretanto, a LDM 304, que navegava não longe do local, alertada pelo ruído das explosões e tiros da “302”, dirigiu-se ao local deparando, para espanto da guarnição, com uma lancha totalmente afundada, sem ninguém à vista.

Passaram-lhe um cabo de reboque e seguiram rio abaixo, avistando pouco depois os sobreviventes que embarcaram e relataram o sucedido.

Mas nesse dia a má sorte acompanhava a LDM 302. Ao aportarem a Ganturé, local escolhido para encalhar a lancha, em águas poucos profundas para poder ser recuperada, o artilheiro Carvalho, que saltara do bote para a “302” a fim de manobrar os cabos de reboque, caiu à água e nunca mais foi visto, não obstante os porfiados esforços dos seus camaradas, soldados e nativos de terra que tinham acorrido ao local.

Tudo tinha sido muito rápido, com consequências trágicas em escassos vinte minutos de duração, num combate desigual para a guarnição, que enfrentou o inimigo com perda de vidas mas com exemplar determinação, abnegação e estoicismo.

Foram agraciados com a Cruz de Guerra na cerimónia anual do 10 de Junho, no Terreiro do Paço, estando os já ausentes representados pelas suas famílias.

A LDM 302 seria rapidamente recuperada e voltaria a navegar!

(continua)

mls [Manuel Lema Santos] [...]





Cinco homens da guarnição que sofreu o último ataque [, 18 de fevereiro de 1969,], da esquerda para a direita: Mar CM Paquete, Cabo M Inácio, Mar A Correia, Mar CM Nogueira e Mar CE Martins (o penúltimo estava presente em três ataques à lancha e o último, no segundo e terceiro ataques). 

Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.




A LDM 302 navegando no Cacheu, junto ao tarrafo da margem. Legenda; A – Poço(resguardado com chapa balística); B – Peça Oerlinkon; C – Tarrafo; D – Casa do leme; E – Bote de borracha; F – Porta de abater; G – WC. Foto da Revista da Armada, reproduzida com a devida vénia.

Fotos: © Manuel Lema Santos (2008). Todos os direitos reservados.


(Parte II) [Excerto]

por Manuel Lema Santos


Novo ataque e incêndio da lancha em 10 de Junho de 1968


No dia seguinte, a 20 de Dezembro [de 1967], equipas do SAO - Serviço de Assistência Oficinal e da secção de mergulhadores sapadores, rumaram para Ganturé embarcadas na LFG “Sagitário” com a finalidade de procederem ao salvamento da LDM 302. Aquela unidade naval, conjuntamente com a LFP Canopus, garantiram apoio próximo e também escolta ao rebocador “Diana".


Reposta a lancha a flutuar e ainda sob escolta da mesma LFG, foi rebocada para Bissau, onde subiu o plano inclinado no dia 23. Os trabalhos de reparação prolongaram-se até 6 de Janeiro do ano seguinte [, 1968].

Dia de alegria e também de orgulho para toda a equipa, foi aquele em que a LDM 302 içou à popa a bandeira nacional e recomeçou a navegar com nova guarnição, pronta para outras missões.

Entendeu o Comando da Esquadrilha de Lanchas que deveria regressar ao rio Cacheu, agora integrada na organização operacional do dispositivo de contra-penetração ali montado, a Operação Via Láctea, que viria a manter-se até final de 1971.

Seis meses depois do primeiro afundamento e exactamente no mesmo local, Porto de Coco, Tancroal, no dia 10 de Junho, descendo também o Cacheu, foi novamente atacada com canhão sem recuo, lança-granadas foguete, morteiros, metralhadoras pesadas e armas ligeiras, numa dura demonstração de poder de fogo do inimigo.

Apesar da reacção imediata da LDM 305, comandada pelo cabo de manobra Lobo que navegava nas suas águas, logo aos primeiros disparos do inimigo foi atingido mortalmente por uma munição de lança-granadas foguete o grumete artilheiro António Manuel. Outro projéctil idêntico atingiu o escudo da Oerlinkon, fragmentando-se em numerosos estilhaços que feriram com gravidade, no tronco e nas pernas, o marinheiro artilheiro Manuel Luís Lourenço da Silva.

Mesmo ferido, continuou o artilheiro a fazer fogo sobre o inimigo, até que uma granada de morteiro deflagrou no poço da lancha, ateando um incêndio que se propagou à cobertura do poço e ao bote de borracha, provocando tal fumarada que o forçou a abandonar o posto da peça.

Ajudado pelo marinheiro fogueiro Ludgero Henriques de Oliveira, lançou o bote à água, fazendo o mesmo com o depósito de gasolina, pelo perigo que constituía. Colocaram o camarada já sem vida à popa, a salvo das chamas, voltando seguidamente à peça e continuando a fazer fogo até calar o inimigo.

O incêndio já tinha tomado proporções alarmantes estendendo-se a toda a lancha e o patrão, cabo de manobra Francisco Pereira da Silva, resolveu abicar à margem Norte. Saltaram então para a água e nadaram para terra conseguindo atingir o tarrafe.

A LDM 305, que não fora atingida, aproximou-se do local, embarcou todos os elementos e seguiu para Ganturé, onde o patrão da lancha, em estado de choque e o marinheiro artilheiro ferido, foram evacuados de avião juntamente com o corpo do artilheiro morto em combate.

No dia seguinte, a “302” que continuava a arder, foi rebocada pela “305” para Ganturé, onde mais uma vez a equipa SAO e uma equipa de mergulhadores sapadores, com guarda montada por um destacamento de fuzileiros especiais, a conseguiram repor em condições de ser rebocada para Bissau.

Apoio próximo dado pelas LFP Canopus e LFG Orion, tendo esta última procedido ao reboque da lancha até Barro, continuado depois pelo rebocador Diana até Bissau, com escolta daquela LFG.

Além dos elementos referidos, faziam igualmente parte da guarnição da LDM 302 o marinheiro telegrafista António Marques Martins e o marinheiro fogueiro Manuel Fernando Seabra Nogueira.


... e novamente recuperada, já não voltou ao Cacheu!


Em 26 de Julho voltou a subir o plano inclinado donde saíra quinze dias antes, mantendo-se ali em reparações até 10 de Novembro [de 1968], data de aprontamento para regressar às habituais fainas.

Sabido que, na generalidade dos casos, os marinheiros são supersticiosos, não seria de estranhar que as guarnições da LDM 302 fossem sedimentando a convicção de que a lancha não se dava bem com os ares do Cacheu.

Compreensivelmente, o Comando da Esquadrilha de Lanchas decidiu-se pelo não regresso da lancha àquele rio, atribuindo-a à TU4*, conjunto de unidades navais encarregadas de manter o dispositivo de contra-penetração no rio Grande de Buba e com as mesmas missões de sempre, ou seja, transporte de forças de desembarque, apoio de fogo em operaçoes militares e escoltas a combóios mercantes além de outras acções.

Já em 1969, pelas 11:30 horas do dia 18 de Fevereiro, quando navegava em missão de fiscalização, frente à foz do rio Uajá, afluente do rio Grande de Buba, foi atacada violentamente da margem esquerda com canhão sem recuo, lança-granadas foguetes e ainda metralhadoras ligeiras e pesadas.

Logo aos primeiros disparos, a cobertura da lancha ficou parcialmente destruída e foi ferido com gravidade o marinheiro artilheiro Dimas de Sousa Correia que, mesmo perdendo muito sangue, se manteve no seu posto de combate, disparando ainda quatro carregadores da Oerlinkon sobre o inimigo.

Talvez o seu sacrifício tenha evitado piores consequências ainda que, mesmo assim, registassem ferimentos ligeiros o marinheiro telegrafista, já mencionado em ocasião anterior, e o marinheiro fogueiro Custódio Mestre Paquete.

Houve igualmente um princípio de incêndio, originado por estilhaços dum projéctil de lança-granadas foguete que atingiu a cobertura do poço, mas foi rapidamente extinto.

O patrão da lancha era o cabo de manobra Manuel António Inácio, e ainda fazia parte da guarnição o marinheiro fogueiro Nogueira, numa prova evidente e confirmando o popular ditado de que não há duas sem três...

Depois de evacuados e substituídos os elementos da guarnição referidos neste combate, a LDM 302 continuou a cumprir as habituais missões no rio Grande de Buba.

Até ao final da sua vida operacional, nunca mais foi atacada a gloriosa e nobre LDM 302. Passou à situação de desarmamento em 27 de Julho de 1972, tendo sido abatida ao efectivo dos navios da Armada em 30 de Novembro desse mesmo ano.

Notável historial de uma pequena unidade da Marinha de Guerra, a roçar a ficção ou o lendário, não tivessem sido reais os combates travados e as baixas sofridas. Os elementos das sucessivas guarnições, sem excepção, honraram ao mais alto nível um dever pátrio, no cumprimento das missões de que foram incumbidos, pagando alguns deles com a vida, a dedicação, a determinação e o estoicismo.

Estarão sempre presentes na nossa memória! [...]

Fontes:

Arquivo de Marinha,
Revista da Armada nº 129 de Julho 1982,
Setenta e Cinco Anos no Mar, da Comissão Cultural de Marinha,
Anuário da Reserva Naval, de Adelino Rodrigues da Costa e Manuel Pinto Machado Fuzileiros - Factos e Feitos na Guerra de África. de Luís Sanchez de Baêna

mls [Manuel Lema Santos]
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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9000: Antologia (75): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (8): Ilha do Como, 15 de Março de 1964: E Deus desceu à guerra para a paz (Último episódio)...

Guiné 63/74 - P10083: Inquérito online: "Um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude ?" (Parte I) (A. Pinto / A. Silva / H. Cerqueira / J, Martins / M. Beja Santos / P. Raposo / R. Figueiredo)


1. Registei com apreço que o historiador francês René Pélissier (que não é um tipo qualquer...) tenha reparado no livrinho do nosso amigo e camarada Fernando Gouveia, Na Kontra Ka Kontra (Edição de autor, Porto, 2011, 160 pp.), orginalmente publicado no nosso blogue em 49 episódios....


René Pélissier [, foto à direita, cortesia do semanário Expresso, na sua edição 'on line',] é conhecido como um leitor compulsivo, tendo em sua casa uma biblioteca de 12 mil volumes... 

 Em entrevista ao semanário Expresso, conduzida pelo jornalista José Luís Castanheira (vd. Expresso, edição de 31 de julho de 2010, Caderno Atual, pp. 38-40), respondeu do seguinte modo à pergunta "O que é, para si, um bom livro?":


(...) "Se um livro me traz coisas novas, considero-o bom; se me traz muitas coisas novas, é excelente, qualquer que seja a tendência política do autor. Como não tenho nenhuma opção política, se fizer bem o seu trabalho, não tem nenhuma importância que seja de esquerda ou de direita. Desde que faça bem o seu trabalho" (...).


Por outro lado, tomei também boa nota do que ele disse sobre nós, de maneira algo condescendente e paternalista: "um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude" (sic)..

É um elogio ? É uma crítica ? É uma lisonja ? É uma simples constatação de um facto ?...


A pensar nisso, lancei numa sondagem de opinião, glozando o tema: Somos um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude (perdida) ? É verdade ? É isso ou só isso ? Ou também isso e muito mais do que isso ?

O homem, que é historiador, e é gaulês, e é um reputado especialista sobre a colonização portuguesa, e sabe português, e visita-nos com alguma regularidade, lá terá as suas razões para nos catalogar como "veteranos nostálgicos da sua juventude" (sic)... Razões que não explicitou, nem tem que o fazer...

Bom, gostava que os amigos e camaradas da Guiné que nos leem e/ou se reconhecem neste blogue, ou conhecem minimamente este blogue, se pronunciassem, dando a sua opinião... Vamos ter seis dias para responder à sondagem (coluna do lado esquerdo, ao alto)...

Por outro lado, estamos a entrar no verão, o que significa sempre - ou pelo menos de acordo com a experiência dos anos anteriores - uma quebra nas estatísticas sobre a visita e a leitura do nosso blogue...

Registe-se, todavia, o facto de termos atingido, há dias, em 25 de junho passado os 3,8 milhões de visitas... E temos a expectativa de chegar aos 4 milhões, lá para finais de agosto, sem perder de vista a meta dos 600 membros da Tabanca Grande, a atingir no final do ano em curso...

Nota-se, também, alguma quebra na produção e entrega de novos textos, fotos, etc... Sabemos que o blogue é um animal voraz: tem de ser alimentado todos os dias...

As opiniões dos nossos leitores são importantes, mais: são essenciais para nós. Amigo e camarada da Guiné, além de votares ("on line"), dando a tua opinião sincera sobre a pergunta, manda-nos também um pequeno texto, para publicação... Começamos já a publicar os primeiros textos que nos chegaram na tarde de ontem.
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1. José Martins:


Luis: Tenho, li, e anotei, além de ter sido fonte de conhecimento, os dois livros sobre a Guiné, do René Pelissier. A data em que os adquiri é para mim incontornável. Nesse dia almoçaste [, na tua Escola,]com o Zé Neto e com o Pepito, a quem fui cumprimentar e conhecer: dia 13 de Julho de 2006, vai fazer 6 anos.


Porém,não estou de acordo com a citação do René. Não sou nostálgico da minha juventude. Posso recordá-la, mas não voltava atrás, só se tivesse a certeza de que poderia "emendar" algumas situações.

Sendo impossivel, tudo bem. Siga em frente a... infantaria. Agora tenho a consciência, se é que tenho consciência, do que é preciso transmitir às gerações "emergentes", os nosso netos; porque os nossos filhos já têm outras preocupações, e que preocupações!

Espero que o que vou fazendo, possa ser aproveitavel, ainda que em pequena percentagem, porque nada é zero. (...)
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2. Alcides Silva:


Amigo Luís Graça, ao ler a mensagem onde referiu, o René Pélissier, o nosso blogue como sendo o da nossa juventude perdida, senti um nó na garganta, nós que regressamos do Ultramar, demos tudo que podíamos em sacrifício da Pátria e outros houveram que deram mesmo tudo até a sua própria vida porque não regressaram vivos e outros lá ficaram.(...)



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3. Beja Santos:


Luís, Correspondi ao teu solicitado e respondi “discordo”. Dou-te as minhas razões. O historiador René Pélissier poderá ter fundamento quanto à nostalgia que nos irmana. A nostalgia é isso mesmo, uma lembrança, nalguns casos indelével, tratou-se de uma guerra que nos envolveu por inteiro, viemos mudados pela experiência, pela vivência, a personalidade vincou-se, e mais não digo.


Mas há muito mais que a nostalgia que também nos irmana, uma intensa vontade de comunicar com as nossas aptidões e valências: há quem fale em patronos dos exércitos, envie poesia, fotografia, se sirva justamente do blogue como uma sala de conversa ou desconversa. Os blogues não são clubes, nem associações, entra-se e sai-se graças aos livres trânsito, deposita-se uma opinião; um blogue pode fazer amigos, mas não é obrigatório; o que o blogue tem (e o nosso dá e sobra) é a caraterística de nos servir como gabinete de leitura onde tomamos posição onde queremos, é essa transitoriedade que traz a grandeza de nele depositarmos opiniões, saberes; os documentos de incontestável importância que aqui se vão juntando superam o tal conceito de veteranos nostálgicos. (...).


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4. António Figueiredo Pinto [, foto da esquerda, ao meio]


(...) Contra mim falo. Não tenho escrito nada de novo, embora sempre que possa, dê uma espreitadela ao que os AMIGOS vão dizendo. Fotos poucas mais tenho e não têm interesse para a Tabanca. A saúde também vai faltando e os neurónios vão-se "queimando " a um ritmo que vai tirando ânimo. Depois continuo a reparar que ninguém do meu tempo aparece.

Também já há muito tempo pedi para alterarem a minha morada e nº de telefone e ninguém ligou. Compreendo que o vosso trabalho é ciclópico, trabalhoso o que eu louvo sinceramente

Não sei se vale a pena mas já agora volto a dizer os meus dados:

António Figueiredo Pinto
Vila do Conde
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5. Paulo Raposo:

Olá, rapaz, e parabéns.

Para mim o historiador que vá dar uma volta ao bilhar grande.

Desde 1960 que fomos atacados por cobiça do nosso império e cedemos sempre ao inimigo.

Esse historiador não conhece o povo português. Somos demasiadamente bons e humildes. Não há no mundo outro povo como o nosso. O francês é altivo até dizer chega, o alemão acha-se superior e o russo soberbo.

Como estamos unidos pela mesma causa somos como irmãos e não perdemos a nossa juventude, ganhamos sim o nosso orgulho. (...).
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6. Domingos Gonçalves: 

"É um blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude" (sic)...

A afirmação é, no mínimo, polémica. Por outras palavras: é um ponto de vista, respeitável, e nada mais.

Pessoalmente entendo que o blogue contém imensa informação, sobre a guerra da Guiné, e não só, e expressa a opinião de muitos dos actores da mesma guerra, e de muitas outras pessoas que, mesmo  não chegando a participar no conflito, manifestam interesse em saber o que de facto se passou. Penso que, em grande parte, colaboram no blogue pessoas que, sem mágoas, sem traumas, sem ódios, mas por amor à verdade, vão disponibilizando, por recurso à memória, ou a documentos de diversa natureza, a sua versão dos factos.

A verdade, que vai sendo transmitida, pode até ser desagradável para alguns. Mas não pode confundir-se com nostalgia. Os factos que aconteceram, regra geral testemunhados e vividos por muitos actores, foram muitos deles dolorosos,mas dor e nostalgia também não é a mesma coisa.

Continuem! Sem receio da tal nostalgia, mas motivados pelo amor à verdade, mesmo quando ela ponha em causa alguns supostos heróis. (...)


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7. Henrique Cerqueira:

(...) Resolvi aceitar o teu desafio. No entanto tenho algumas duvidas se o meu texto é ou não publicável. É que eu não sei escrever o “publicável”, só sei escrever o que me vai na alma e em especial quando me sinto motivado por qualquer situação. E esta foi uma das situações,  no entanto reafirmo que normalmente e desde que entrei para esta maravilhosa família do blogue;quando escrevo algo é sempre ao correr da pena ,e muito raramente corrijo a escrita, pois que a minha insegurança quanto ao interesse do que escrevo me faria de imediato apagar tudo que escrevi. Já o tenho feito em especial em alturas de comentar certos artigos publicados, pois que tenho sempre receio de ofender camaradas. (...)

Guiné? Tropa? Guerra ?Juventude Perdida... medo... muito medo.  Sim, sim é verdade . Da minha parte e muito serenamente eu confesso que esses sentimentos me acompanharam constantemente durante os três anos em que fui militar do exército Português.

Não posso esquecer que todos os dias eu era lembrado que teria de ir para a tropa,mas que seria forçosamente para o Ultramar. O Homem para ser Homem tinha que ir á Guerra.  Diziam os meus pais:
- Estuda, filho, para não seres um simples soldado...

Diziam os amigos:
- Estás lixado pá vais mas é morrer,ou então virás sem pernas, como o Floriano (era um nosso amigo um pouco mais velho).

Enfim era uma parafernália de lembretes que das duas uma, ou fugias para França como alguns dos meus amigos ou te resignavas que o teu destino era mesmo o ir para a tropa e posteriormente para a Guerra.

É então que eu com os meus dezanove anos tenho que tomar decisões e como sou filho único e muito amante dos meus pais não consigo acompanhar os amigos na fuga para França. Aliás quando esses amigos fugiram foi um escândalo no meio em que vivíamos, pois que os "pobres" foram considerados como fugitivos ao dever patriótico. Nós tínhamos um grupo que para a época era um pouco "revolucionário" pois que aqui e ali lá intervínhamos com umas ações de contestação ao regime (de certo modo estava na "moda" por causa do Vietname).

E então após essas fugas os restantes amigos tiveram,  e eu incluído, umas visitas da PIDE às nossas casas e com algumas ameaças aos nossos pais de despejo da habitação (eram do Estado) e percas de emprego dos pais, funcionários públicos.

Ora com todos esses condimentos eu decidi mesmo que lá teria que ser tropa e mais tarde "combatente". Mas para ajudar resolvi me apaixonar perdidamente ao ponto de decidir casar com 20 anos e aos 21 anos ter um filho, ou seja,  ele nasceu quando estava na recruta nas Caldas da Rainha.

Como aconteceu à maioria dos jovens dessa altura, lá passamos por toda aquela formação de Homens para a "Guerra". Também sabemos que essa formação era altamente deficiente,  o que viríamos a sentir na pele mais tarde.

Medo...muito medo, senti sempre desde o primeiro dia de tropa, senão veja-se: (i) era medo de ser castigado e não ir de fim de semana a casa; (ii) medo de chumbar nos testes e não ser promovido (e tanto que minha mãezinha me dizia para estudar); (iii) medo de ir para a Guerra e não saber o que iria acontecer; (iv)  medo de alguns " estupores" que encontrei a mandarem na minha vida; (v) medo das emboscadas e ainda (vi) medo,  ao vir para casa,  do emprego iria ter (ou não).



Poderia enumerar muitos Medos mas seria enfadonho ,até porque tudo passou. Passou??? E os TRÊS ANOS OBRIGATÓRIOS,longe da família ,longe de projetos, sonhos e sabem que mais... Senti-me tão Adulto quando fui fazer o espólio no Ralis e tão desamparado que só hoje ao escrever estas linhas é que me dei conta...Por isso Foi mesmo Juventude Perdida.


Nota: Estou a escrever estas letras e nem sei se a pontuação está correta, se a escrita está ou não boa para se ler, mas aceitei o desafio do Luís Graça, porque na verdade EU JÁ NÃO TENHO MEDO!


8. Ricardo Figueiredo:


(...) Em boa verdade, não me parece que se possa catalogar o “nosso” blogue de nostálgicos ou sequer "nostálgicos da nossa juventude”.

Se todos fizermos uma introspecção á nossa memória, veremos que tivemos duas reacções distintas quando acabamos o nosso serviço militar obrigatório e sobretudo connosco, que enfrentamos a guerra no teatro de operações da Guiné.

A primeira reacção foi tentar varrer da nossa memória os episódios que lá vivemos, os menos bons e até os bons , esquecer até ao ínfimo pormenor a vivência nesse teatro .

A segunda reacção adveio com a idade , com o retomar dos arquivos de memória, que na verdade nunca foram totalmente eliminados e a natural saudade que se aproxima quando estamos a chegar ao fim ! 



Que seriam dos nossos netos se não tivéssemos estórias e histórias para lhes contar …!?

Ora e aqui surge o Blogue do Luis Graça & Camaradas da Guiné ! É com esta iniciativa e a partir desta iniciativa que,  aos poucos, mas a um ritmo alucinante , os velhos Combatentes se vão perfilando e,  conduzidos pelo arquivo da sua memória,  vão narrando, aqui e ali, capítulo a capítulo, a sua visão das “suas” guerras, cada um  à sua maneira e ao seu estilo, às vezes personalizando os factos outras generalizando-os, mas dando um contributo único de um testemunho pessoal e intransmissível .

Estaríamos assim dispostos a dizer que o Blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné, mais não é que uma janela aberta à memória de todos os ex-Combatentes da Guiné, que de forma livre e intemporal lhes permite gritar aos quatro ventos tudo o que lhes vai na alma, consubstanciando nesse grito, não só os episódios da sua vivência enquanto militares e combatentes, mas sobretudo enquanto homens que, nas entrelinhas, múltiplas vezes deixam passar a solidariedade actual, a amizade, a camaradagem, o espírito de corpo e a saudade, este sentimento tão português, que os ex-combatentes sentem como ninguém.

Que me perdoe o historiador francês M. René Pélissier, mas estou perfeita e absolutamente em desacordo com a classificação nostálgica que atribui ao nosso blogue.

Há ainda um aspecto interessante que convirá trazer à colacção . Durante muitos anos foi-nos impedido de publicitarmos a nossa condição de ex-Combatentes, pelas razões que todos conhecemos. Ainda hoje somos olhados de soslaio e muitos não entendem o amor Pátrio…! Mas também por isso o nosso blogue teve uma importância enorme, ao permitir que, sem qualquer tipo de censura prévia, todos nos expressássemos livremente e comentássemos e criticássemos os posts publicados. Naturalmente que nessas exposições, nessas criíticas e nesses comentários, alguma nostalgia poderá transparecer.

Mas julgar a árvore pela floresta vai uma distância muito grande…!

Classificaria o nosso Blogue como um arquivo estórico e histórico de enorme interesse nacional, importante para os historiadores vindouros ,com uma mescla de erudito e popular, mas sobretudo como o Único Repositório da verdadeira Guerra da Guiné, contada pelos seus directos intervenientes.

Um blogue elementar e essencial, escrito e movido não pela nostalgia dos seus escribas, mas pela capacidade narrativa e de precisão que lhe pretendem atribuir , com a alegria do dever cumprido pela sua Pátria .Quiçá o último contributo vivo que lhe pretendem dar – a verdadeira narrativa da Guerra da Guiné, transcrita por palavras simples e singelas com a alegria de quem a ela sobreviveu , sem contudo esquecer os milhares de mortos , cujos nomes são permanentemente referidos com respeito e saudade nas diversas transcrições que constituem o acervo do blogue Luís Graça.

Direi, pois, para finalizar, que o nosso blogue é um compêndio indispensável aos velhos combatentes da Guiné que nele exprimem os seus sentimentos, do passado, do presente e até do futuro, mas, no essencial,  libertos de qualquer nostalgia, antes de um sentimento teatral, pois todos eles foram e são os únicos actores!

Um abraço forte de continuidade pelo bom caminho que tem sido desbravado.
Bem Hajas !

Ricardo Figueiredo
Ex-Fur Mil At Art - 2ª Cart/Bart 6523
Abutres de Cabuca

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10082: Patronos e Padroeiros (José Martins) (29): D. Fernando de Portugal - O Infante Santo




1. Em mensagem do dia 23 de Junho de 2012, o nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais um trabalho para a série Patronos e Padroeiros.






Patronos e Padroeiros XXIX

Soldados que se tornaram Santos

D. Fernando de Portugal "O Infante Santo

Imagem retirada do Livro de Leitura da 3ª Classe da Instrução Primária. 
© Montagem e foto de José Martins


D. Fernando de Portugal 

Infante da Ínclita Geração, filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre nasce, em Santarém no dia 29 de Setembro de 1402, Fernando de Portugal, que a história viria a imortalizar como “O Infante Santo”.

Aparentando pouca vida e um pouco de debilidade, mesmo assim não foi descurada a sua educação, cultivando o seu espírito e o seu carácter. Muito religioso, mas sem extremismos, empregava muito do seu tempo nas práticas religiosas e obras de caridade e, apesar dos seus rendimentos serem reduzidos em relação ao de seus irmãos, mandava celebrar com magnificência os ofícios divinos na sua capela.

Por mercê do rei, seu pai, datada de 21 de Agosto de 1429, era senhor da vila de Salvaterra de Magos e terras circundantes com as atribuições de aplicação da justiça e administração dos padroados pertencentes à coroa.

Por morte de João Rodrigues de Sequeira, que sucedeu a D. João como Mestre da Ordem de Avis quando este ascendeu a rei de Portugal, D. Fernando de Portugal foi nomeado administrador da Ordem de Avis, a título perpétuo. Esta nomeação foi confirmada pelo Papa Eugénio IV, em Bula de 1434. O mesmo Pontífice, através de D. Gomes Ferreira, Núncio Apostólico, ofereceu o Capelo de Cardeal, ao Infante D. Fernando, que este recusou por humildade.

No entanto, também tinha necessidade de aumentar os seus bens materiais, pelo que várias vezes tentou partir para o estrangeiro, à procura de servir o Papa, um Imperador ou um Rei, no caso o seu tio Henrique IV, de Inglaterra.

A fim de obstar esse intento, D. Henrique propõe a seu irmão D. Duarte I, que já havia ascendido a rei, para se organizar uma expedição a Tânger para a sua conquista para a Coroa portuguesa. Ainda que não totalmente de acordo, aceitou a proposta do irmão, sendo que nesta expedição seguiria o seu irmão Fernando.

A armada sai do Restelo em 22 de Agosto de 1437, com destino a Marrocos, sob o comando do Infante D. Henrique, coadjuvado pelo Infante D. Fernando e pelo Conde de Arraiolos, sendo iniciado o combate à praça de Tânger em 13 de Setembro seguinte. Apesar da bravura que as tropas portuguesas sempre demonstraram, a sorte não pendeu para as hostes nacionais, tendo-se saldado por um fracasso, obrigando a uma rendição humilhante, de que resultou a entrega, como refém, do Infante D. Fernando e outros sete companheiros, entre eles Mestre Martinho, seu médico pessoal e Frei João Álvares, secretário pessoal. Tais reféns destinavam-se a garantir que o rei português procederia à entrega da cidade de Ceuta, conquistada em 1415.

As tentativas, de resgatar o Infante, tornaram-se praticamente impossíveis; as tentativas de fuga, com auxílio interior ou exterior à prisão, saíram goradas; a promessa da entrega de Ceuta, foi posta de parte; a tentativa de novo assalto a Tânger, não obtinha consenso; as resoluções das Cortes de Leiria, em Janeiro de 1438, foram inconclusivas; a possibilidade de devolução da praça aos infiéis, terra cristã, era impensável.

Em 1440 foi a viúva de D. Pedro, tio, tutor e regente de D. Afonso V durante a sua menoridade, que decidiu enviar, a Marrocos, o fidalgo D. Fernando de Castro, com a missão de entregar Ceuta contra a libertação do Infante. Não concluiu a missão, por ter encontrado a morte num combate contra piratas genoveses, ao largo da costa portuguesa. Assume a tarefa seu filho, D. Fernando de Castro que, por desconfianças mútuas, portugueses e mouros, acrescidas pelo montante do resgate exigido (dez vezes mais do que o oferecido), não é concluída a libertação.

No cativeiro, em Fez, morre no dia 5 de Junho de 1443 o Infante D. Fernando de Portugal que, mesmo depois de morto foi pendurado, de cabeça para baixo, nas ameias da muralha de Fez, durante quatro dias. Foi o seu sobrinho, o rei D. Afonso V, o Africano, que, em 1471, resgatou o seu corpo e o fez trasladar para a Capela do Fundador.

O povo, perante o padecimento a Fernando de Portugal foi sujeito, e de acordo com a mentalidade da época, já não era caso virgem, entoam preces e orações ao “Infante Santo” ao “Novo Santo Português”. Chegou a ter culto na Batalha, Guimarães e Lisboa mas, por volta de 1610, D. Martim Afonso de Mexia, 5.º Bispo de Leiria - de 1604 a 1615, proibiu o culto na sua diocese, sob pena de excomunhão, já que o culto não estava autorizado, apesar de haver autores que fixam o ano de 1470 para a sua Beatificação pelo Papa Paulo II.

Empurrado para uma guerra que não procurou, acabou por ser vítima da mesma. Durante algum tempo, aqueles que sabiam o que tinha sofrido, tentaram prestar-lhe culto, mas rapidamente essa tentativa foi abafada, remetendo-o, quase, para o total esquecimento.

José Marcelino Martins
23 de Julho de 2012
josesmmartins@sapo.pt
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10071: Patronos e Padroeiros (José Martins) (28): S. Mateus, Patrono da extinta Guarda-Fiscal

Guiné 63/74 – P10081: Convívios (457): 5º Encontro da 1ª CART do BART 6520/73, Penafiel, 21 de Abril de 2012 (Manuel Sousa)

1. O nosso Camarada Manuel Luís Nogueira de Sousa, que foi Fur Mil At Art da 1ª CART do BART 6520/73, Bolama, Cadique e Jemberém - 1974 -, enviou-nos a seguinte mensagem com uma pequena e curiosa estória, e notícias do último encontro da sua companhia.


“Operação” realizada no IAO. Bolama, 14 de Abril de 1974  (Domingo de Páscoa) 

Camaradas,

Nesse dia, encarregaram-me de comandar uma secção, que foi destacada para fazer de inimigo no referido IAO.

Após preparação prévia, tínhamos como missão efectuar um ataque à 2ª companhia, cerca das 22h30.  A companhia depois de 1 dia de muito desgaste físico, alimentada a ração de combate, estava posicionada no tradicional "grande alto", com sentinela garantida por 1 elemento de cada secção.

Ao aproximarmo-nos do objectivo, em pleno interior da ilha em que as elevadas e densas copas das árvores e restante vegetação tornavam a progressão lenta, com todos os homens muito ligados, comigo à cabeça (porque tinha sido eu a fazer o reconhecimento do local).

Quando estávamos a cerca de 1 quilómetro, cruzou-se, poucos metros à nossa frente, uma numerosa coluna em linha de vultos escuros (africanos ou portugueses?).  Ficamos imobilizados, protegidos/escondidos por um tronco de uma árvore de grande porte e não chegámos a saber quem seria aquela gente.

Para uma secção com apenas com 10 dias de Guiné, foi uma experiência estranha que nunca esqueceremos.

O ataque que efectuamos com a táctica do quadrado (também conhecida por Fidel Castro), permitiu demonstrar a quase nula atenção das sentinelas (talvez devido ao cansaço, inadaptação ao clima, etc.), o que teria permitido, caso assim o tivéssemos pretendido fazer, inclusive levar-lhes as respectivas G3.

Na madrugada seguinte, cerca das 05h00, foi a vez dessa companhia executar um golpe-de-mão sobre a nossa, no local onde pernoitamos junto ao mar/praia sob uma paragem/abrigo em muito mau estado, mas protegeu-nos do cacimbo da noite.




5º Encontro da 1ª CART/BART 6520/73 

No passado dia 01 de Abril de 1974, realizamos o 5º Encontro da nossa companhia, que incluiu uma visita à “casa” de onde partimos para a nossa “aventura” africana.

A carta/roteiro do encontro teve como objectivo principal recordar a instalação/Unidade, onde formamos o batalhão e sentimos o 1º pulsar da revolução que viria a verificar-se no dia 25 de Abril de 1974.

Como já fiz referência em relato já publicado no poste P9875, o ensaio (?) da revolta das Caldas do dia 16 de Março de 1974, contou com a adesão praticamente total do meu batalhão, e, como “prémio” desta nossa postura,  foi trocada a zona do TO que nos estava destinada.

Assim, em vez da localidade de Tite, fomos colocados no Cantanhez - Cadique/Jemberém.  Como o nosso CMDT - Tenente-Coronel Virtuoso, não gostou da nossa “brincadeira”, uma vez chegados à Ilha de Bolama,  retribuímos-lhe a amabilidade e “despachamo-lo” para Bissau.

O programa do evento iniciou-se no ponto de reencontro - o ex-RAL5 / Penafiel -, entre as 11h00 e as 11h30.

Seguiu-se a recepção e uma visita à Unidade, que agora está atribuída à GNR, guiada pelo seu actual CMDT, tendo os presentes recordado alguns momentos mais marcantes da nossa passagem por aquele quartel.

Constatámos a existência de várias placas alusivas à passagem de outras Companhias e Batalhões, que estiveram no ultramar, ficando também ali assumido, por nós, o compromisso de, em Abril do próximo ano, colocarmos uma placa do nosso Batalhão.

Cerca das 13h30, caminhámos para o habitual convívio/almoço no restaurante "Ramiro de Pieres", relativamente próximo da cidade, que satisfez plenamente o grupo.


Frente à porta de armas (da esquerda para a direita): Fur Mil Ferro, Capitão Carvalho, Fur Mil Couto, Fur Mil Sousa, Fur Mil Arnaldo, Fur Mil Paulino, Alf Mil Espada, Fur Mil Saraiva e Alf Mil Ramos. 

Um abraço para todos,
Manuel de Sousa
Furriel Miliciano da 1ª CART do BART 6520/73
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em 24 de junho de 2012 > Guiné 63/74 – P10068: Convívios (456): 6º Encontro-Convívio do pessoal das unidades adstritas ao BART 2917, Guimarães, 23 de Junho de 2012 (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P10080: Convívios (275): Homenagem, em 23 de junho, aos antigos combatentes da minha terra, Lourinhã (Luís Graça)


Lourinhã > Cemitério > Talhão dos Combatentes > Junho de 2012 > Trabalhos de recuperação e requalificação.  Ao fundo, a Igreja de Santa Maria do Castelo, em estilo gótico (Séc. XIV), classificada como monumento nacional em 1922. É um dos ícones da minha terra. Só por si vale uma visita á sede do último concelho do distrito de Lisboa.



Página principal do blogue do Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes, núcleo esse que tem a sua sede na Rua 9 de Abril, n.º 8 - 1.º , 2560-301 Torres Vedras. Na área do núcleo há já dois monumentos
erigidos em memória dos combatentes do ultramar , um em Torres Vedras e outro na Lourinhã. 

Toda a correspondência pode ser enviada para Apartado 81, 2564-909 Torres Vedras ou para o email: torres.vedras@ligacombatentes.org.pt

Fotos: Cortesia do blogue do  Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes(2012)



Homenagem aos antigos combatentes da Lourinhã

1. Integrada nas Festas do Concelho da Lourinhã (22/24 de junho de 2012), realizou-se no passado sábado, dia 23, uma homenagem a todos os ex-combatentes naturais daquele município. Por estar em Angola, não pude comparecer a esta cerimónia, apesar do amável convite que me fizeram, a Cãmara Municipal da Lourinhã e o Núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes.

O ponto central desta iniciativa decorreu no Talhão dos Combatentes, no cemitério da Vila, que foi recentemente recuperado pelo  núcleo de Torres Vedras da Liga dos Combatentes,  com o apoio da Câmara Municipal e Junta de Freguesia da Lourinhã, bem como da Direcção Central da Liga dos Combatentes.

Esta cerimónia iniciou-se com a deposição de uma coroa de flores junto do monumento aos Combatentes, no Largo António Granjo, seguindo-se a celebração da eucaristia, na Igreja de Santa Maria do Castelo (Séc. XIV), e, posteriormente, uma cerimónia com guarda de honra no Talhão dos Combatentes.


Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de2012 > Lápide funerária referente ao José António Canoa Nogueira (1942-1965), o primeiro militar lourinhanense a morrer em terras da Guiné, mais exatamente em Ganjola, no dia 23 de janeiro de 1965. Era sold ap mort, Pel Mort 942 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66).

Era meu 3º primo, pelo lado da minha mãe. Foram vinte os meus conterrâneos, mortos na guerra do ultramar. O seu funeral, três  meses e meio depois, tocou-me muito. Na altura, eu era o redactor-chefe do    quinzenário regionalista Alvorada, e tinha 18 anos... E devo ter publicado uma das últimas cartas que escreveu (em 10/1/1965, dirigida ao diretor do jornal).


Lourinhã > Cemitério local > 6 de maio de 2012 > Lápide funerária referente ao Ludgero Henriques de Oliveira, SCH (Sargento chefe) reformado, da Marinha (1947-2011).  Foi combabente na Guiné. Fazia parte, como fogueiro, da tripulação da LDM 302.  atacada e afundada no Rio Armada, afluente do Cacheu, em 19 de dezembro de 1967 . Devido à sua morte súbita (por infecção hospitalar, suspeita-se), o Ludgero nunca me chegou a contar, com todos os detalhes, essa história dramática. 

Era meu conterrâneo, colega de escola, vizinho, amigo e camarada. Fiquei consternado com a notícia da sua morte. Aguardo que o filho e a viúva me autorizem o acesso ao seu espólio documental com vista à elaboração de uma notícia mais completa sobre a sua passagem pela Marinha e pela Guiné.



Lourinhã > Largo António Granjo > 5 de novembro de 2011 > Escultura em bronze do combatente da Guerra do Ultramar (pormenor). O monumento é da autoria do arquitecto A. Silva e da escultora A. Couto.


Fotos: © Luis Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Guiné 63/74 - P10079: Agenda Cultural (207): Apresentação do livro "Em Bicos de Pés e de Olhos em Bico - Vivências e Convivências entre Chineses e Portugueses", dia 29 de Junho, pelas 18 horas no Museu do Oriente



O Observatório da China tem o prazer de associar à divulgação da nova apresentação do livro "Em Bicos de Pés e de Olhos em Bico - Vivências e Convivências entre Chineses e Portugueses", organizado por Jorge Tavares da Silva e Zélia Breda, nossos associados e colegas.

O evento terá lugar no próximo dia 29 de Junho, pelas 18h, no Museu do Oriente. 

Cumprimentos, 
Isabel Santos Nogueira
Assistente da Direcção
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10077: Agenda Cultural (206): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (12): Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino

Guiné 63/74 - P10078: Parabéns a você (441): Vítor Caseiro, ex- Fur Mil da CCAÇ 4641/72 (Guiné, 1973/74)

Para aceder aos postes do nosso camarada Vítor Caseiro clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10066: Parabéns a você (437): Vasco Joaquim, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 26 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10077: Agenda Cultural (206): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (12): Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino

1. Mensagem com data de 26 de Junho de 2012 do nosso camarada Carlos Cordeiro (ex-Fur Mil At Inf CIC - Angola - 1969-1971), Professor na Universidade dos Açores e coordenador do ciclo de conferências-debate "Os Açores e a Guerra do Ultramar História e Memória(s) - 1961 - 1974*:

Caríssimo Carlos,
É para fazeres o favor de, se possível, divulgares esta conferência da Prof.ª Doutora Susana Serpa Silva, da Universidade dos Açores, que falará sobre "Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino", satisfazendo um apelo já por várias vezes suscitado por camaradas em sessões anteriores.

Um grande abraço amigo do
Carlos




“Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino”

Pela Prof.ª Doutora Susana Serpa Silva

No âmbito do ciclo de conferências-debate “Os Açores e a Guerra do Ultramar: história e memória(s) – 1961-1974”, a Prof.ª Doutora Susana Serpa Silva, da Universidade dos Açores, apresentará, no próximo dia 29 do corrente (sexta-feira) a conferência “Açorianos na Guerra do Ultramar: memórias no feminino”.

Sendo certo que eram do sexo masculino os militares que intervieram na Guerra do Ultramar, o facto é que, na retaguarda – ou mesmo, em não raros casos, acompanhando os maridos nos mais recônditos aquartelamentos no meio do nada – as mulheres – mães, esposas, filhas, irmãs, noivas – resistiram, em mistos de coragem e ansiedade, medo e esperança, desânimo e fé, à incerteza do regresso, sãos e salvos, dos seus entes queridos.

Tendo em consideração esta realidade, a historiadora Susana Serpa Silva lançou o desafio a um grupo de mulheres açorianas que tiveram familiares na Guerra do Ultramar no sentido de “revisitarem” as suas memórias daquele período tão marcante das suas vidas, demasiadas vezes transportando consequências dramáticas que o próprio tempo não apagou.

É o resultado dessa investigação, pioneira nos Açores, que a Prof.ª Susana Serpa Silva irá partilhar com o público interessado, em especial com os antigos combatentes e seus familiares.

A sessão, aberta, como habitualmente, a todas as pessoas interessadas, terá lugar no Anfiteatro “C” do pólo de Ponta Delgada, com início pelas 17H30 do dia 29 do corrente.




Susana Serpa Silva é professora da Universidade dos Açores, onde se doutorou em História

Contemporânea. Integra, como investigadora, o Centro de História de Além-Mar, da Universidade Nova e Universidade dos Açores – onde coordena a Linha de Investigação Dinâmicas e Contextos do Colonialismo Português na Época Contemporânea – o Centro de Estudos Gaspar Frutuoso, da Universidade dos Açores, e o Laboratório de Estudos de Emigração, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

É autora ou coautora de diversos livros e de artigos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.

Tem integrado equipas de diversos projetos de investigação científica nas áreas da sua especialidade.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9682: Agenda Cultural (191): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - História e Memória(s) - 1961-1974 (Carlos Cordeiro) (11): Que promessa?, pela Prof.ª Doutora Gabriela Castro, dia 30 de Março de 2012 no Anfiteatro B da Universidade dos Açores

Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9971: Agenda cultural (205): Convite para o lançamento do livro "A Viagem do Tangomau", de Mário Beja Santos, dia 19 de Junho de 2012 no Auditório da Associação Nacional das Farmácias em Lisboa

Guiné 63/74 - P10076: Notas de leitura (373): Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (Fernando Gouveia / René Pélissier)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2012:

Caro Carlos:
Não esperava vir a falar mais do livro que escrevi, mas acho que poderá ter interesse dar a conhecer, através do blogue, a recensão publicada por Réne Pélissier sobre o Na Kontra Ka Kontra, no nº 17 da publicação “Africana Studia”, edição do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (2º semestre de 2011 a páginas 261 e 262).

O Prof. Dr. René Pélissier, um dos maiores historiadores da moderna colonização portuguesa, tem vários livros seus publicados em Portugal sobre o tema da nossa colonização e escreve regularmente na publicação “Africana Studia”.

Assim mando a referida recensão com vista à possível publicação, se assim o entenderes, para a série respectiva.

Segue em anexo cópia da recensão, a respectiva tradução e a capa do livro.

Um grande abraço.
Fernando Gouveia



(…) “Dois romances de antigos combatentes - aparentemente, no plano editorial português e pelos menos nos últimos cinquenta anos, apenas eles, para além de repórteres, usaram a Guiné como tela de fundo - chamam a nossa atenção para as realidades de uma guerra colonial que, não obstante um lusotropicalismo de propaganda, estava acima dos meios de um país como Portugal. 

Ambos trazem um contributo bem vindo à história militar do seu país. O mais invulgar, NA KONTRA KA KONTRA, foi inicialmente difundido em 49 episódios num blogue de veteranos nostálgicos da sua juventude. O autor, arquitecto de profissão, foi alferes na Guiné entre 1968 e 1970 e aí regressou recentemente com um grupo de antigos camaradas, numa “peregrinação” memorial. A originalidade do relato é dupla: 

a) o autor - privilegiado - não parece ter estado envolvido nos combates, pois esteve essencialmente sediado em Bafatá e ainda numa povoação de Fulas, logo num chão politica e etnicamente alheado e até hostil ao PAIGC; 
b) a intriga gira à volta da breve história de amor entre o autor e a bonita filha dum pequeno chefe de aldeia, muçulmano, que lha “cede” por um preço relativamente modesto tratando-se de um oficial: duas vacas e alguns cabritos. 

A paixão amorosa satisfez-se rapidamente e o alferes “cede” a sua “esposa” a um miliciano local que casa com ela, mas é morto por uma mina. A mulher “casa-se” uma terceira vez com um outro Fula, amigo do autor. Este regressa a Portugal e arranja uma outra esposa. 

Quarenta anos mais tarde, divorciado, volta a Bafatá e envolve-se numa relação platónica com a sua primeira bajuda, ainda bem conservada. O tema é, pois, o bom entendimento entre ex-colonizados e ex-militares. 

E por que não?” (…)
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Notas de CV:

(*) Vd. postes da série Na Kontra Ka Kontra:

P7583, P7589, P7598, P7605, P7612, P7624, P7630, P7637, P7643, P7648, P7664, P7667, P7673, P7680, P7687, P7698, P7701, P7707, P7713, P7719, P7739, P7743, P7748, P7755, P7763, P7779, P7787, P7794, P7801, P7809, P7830, P7837, P7847, P7854, P7861, P7875, P7882, P7885, P7890, P7896, P7905, P7910, P7915, P7919, P7926, P7939, P7944, P7950

Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10070: Notas de leitura (372): Obra Escolhidas de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10075: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (24): O Soldado Lua

1. Em mensagem do dia 20 de Junho de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias, desta feita falando da irreverência do Lua.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (24)

O Lua

JPC – para “nós o lua” porque tinha (e tem graças a Deus) um frontespício arredondado, tipo lua cheia – era um soldado da CCaç 675.

Nasceu no concelho de Porto de Mós precisamente ao lado do “campo da batalha” onde Nuno Álvares Pereira “tratou da tosse” aos invasores castelhanos - hoje são ”nuestros hermanos”.

Estatura abaixo da média, era entroncado e bastante resistente – era! Frequentemente desleixado ou até um tanto abandalhado; conversava barato mas fluente… na asneira; tinha bom poder de argumentação mas não convencia ninguém. Eram falazes, regra geral, os seus argumentos. É daqueles a quem a tropa fez bem… mas pouco!

O Lua era até um bom rapaz, porque… não há rapazes maus. Não sendo frontalmente contrariado até era fácil convencê-lo a entrar nos eixos, mas por pouco tempo. Na tropa porém, a voz de comando tem de ser igual para todos – se não for, provoca indisciplina … contagiosa e perigosa – aí o Lua fazia das suas. E como ele sabia fazê-las!

Umas vezes por tudo ou por nada, outras com ou sem motivo, brigava com tudo e com todos mas nunca – creio mesmo que nunca! – se saiu bem dos conflitos pessoais em que deliberadamente se envolveu: levava sempre… para não variar!

A breve trecho os seus companheiros de secção descobriram a maneira de não despoletar as irascibilidades do Lua: - não contrariar, mas apoiar… verbalmente, pelo menos na aparência.

Quando desembarcámos em Bissau, os soldados (praças) foram alojados nuns armazéns velhos e imundos próximos da saída do cais e que não tinham as condições mínimas de habitabilidade; nem uma janela havia! Soldado sofria… p’ra burro!

Corria o mês de Maio; o calor sufocava; respirava-se mais água que ar. Ali cheirava muito a…, muita gente junta. Fora dos muros havia um terreno – terra batida e poeirenta – onde os cozinheiros distribuíam a comida. Não havia mesas nem bancos… “piquenicavam" a todas a refeições. Os soldados, marmita na mão, passavam em fila indiana em frente da cozinha improvisada e recebiam o desejado alimento, na presença atenta do oficial de dia.

Eu estava de serviço nesse dia; o almoço constava de sopa, batatas guisadas com carne, pão, vinho e fruta – um luxo!, só faltava o bagaço e o café. Os géneros pareciam em bom estado e a comida agradou dum modo geral a quem a utilizou! Era o que se escrevia no relatório do oficial de dia nas “guerras” de cá, naqueles tempos. Tudo corria normalmente, mas a certo momento apercebi-me que um cozinheiro (o Sines) e o Lua altercavam nervosamente. Perguntei qual era o motivo daquela contenda sem nexo; o cozinheiro esclareceu:
- Estou a dar uma concha de batatas a cada um e depois há repetição para os interessados; o Lua pretende receber agora a repetição; é o único que levanta problemas… procura sempre sarilhos; inventa-os quando não existem!
- Ouviste?!, perguntei eu ao Lua – vais comer o que tens na marmita e depois vens à repetição; há comida quanto baste para todos! Ninguém sairá daqui com fome!

O Lua virou costas mas, apercebendo-se que eu me afastei do local, voltou até junto do cozinheiro, barafustando por mais comida sem ter ingerido, ainda, a que já tinha recebido.

Interferi de novo, aconselhando-o a cumprir o que lhe havia sido transmitido. O Lua, porém, não era capaz de cumprir o quer que fosse à primeira; minutos mais tarde, sem ter comido, ainda a primeira dose, voltou à carga e já havia discussão brava; antes que a conversa azedasse definitivamente entre eles, aproximei-me de novo e transmiti ao Lua com ar irritado e em voz mais audível:
- Já te disse que, enquanto não comeres o que tens na marmita, não receberás mais guisado; vai-te embora!

O Lua permaneceu imóvel, a olhar para mim com ar estranho. Peguei-lhe no braço, fi-lo dar meia volta, empurrando-o levemente em direcção ao local onde devia comer. O Lua voltou-se rapidamente com ar agressivo; apercebi-me que ele iria sacudir a marmita; depreendi logo: - “aí vêm batatas”! E vieram mesmo! Baixei-me de imediato, mas algumas “aterraram” na minha boina. O Lua fugiu! Eu iniciei a perseguição; a fuga não tinha qualquer hipótese de sucesso, porque o recinto estava cercado de arame farpado e o portão, do mesmo material, estava fechado. Eu corria “por dentro” o que ajudava bastante, e o Lua até nem era grande velocista. Mal me coloquei a seu lado dei rapidamente um quarto de volta para o lado dele (à esquerda) e, em simultâneo, “assentei-lhe” uma valente bofetada de frente naquela sua cara bolachuda; apareceu sangue no nariz e na boca; levou mais uns tabefes – o Lua apenas tentou proteger-se; não vislumbrei qualquer tentativa de ataque. Ficou apenas com o “almoço”!!! Que eu lhe dei… nem pediu repetição!

Fui almoçar à messe dos oficiais (como habitualmente) lá para as bandas do Quartel-General, local onde hoje funciona um hotel; quando encontrei o comandante da companhia, relatei-lhe o que tinha acontecido.

O capitão comentou:
- Agiu corretamente! Faça a participação para se instaurar um processo disciplinar! Tem havido muitas contendas! Temos de travar a fundo! Os soldados ficaram abalados, tristes e nervosos porque, em vez de aportar a Moçambique, vieram parar à Guiné! Temos sido condescendentes mas isto parece que não vai lá com panos quentes! A bem ou a mal vão entrar nos eixos!

Eu respondi:
- Meu capitão! Se considera necessário e conveniente, eu participo; em meu entender, uma segunda punição, não é necessária; ele já tem quanto baste. Além disso, eu entendo que o castigo na hora é o mais eficiente. Algo mais que se lhe dê… é excesso!
- Assim sendo, não participe! Na verdade devemos evitar os castigos em O.S. (Ordem de Serviço) – o castigo oficial que vai “sujar” a caderneta individual – tanto quanto possível; os castigos na tropa não deverão ter consequências na vida civil.

Mas tinham! Devo informar que um soldado com castigos oficiais não podia vir a ser funcionário público; as empresas do Estado e as grandes empresas privadas seguiam a mesma via. Por outro lado, não há nada mais eficiente que o castigo no momento. Que sentido faz um castigo aplicado anos depois de se ter cometido a infração?!

De acordo com a minha proposta, o caso ficou sanado.
Tivemos um caso de um furriel que tendo sido punido na Guiné, quando chegou à sua terra já não tinha o lugar que antes ocupara na Repartição de Finanças local..

Uns dias mais tarde chegámos a Binta; o perímetro do aquartelamento, para efeito de defesa do mesmo, foi dividido pelos três grupos de combate; cada pelotão devia preparar a defesa da sua zona abrindo valas, construindo abrigos, postos de vigia; sempre que um pelotão não ia para o mato, tratava da defesa da sua zona; Cada secção abria uma determinada extensão de vala para “homem de pé”; concluída a tarefa os soldados refrescavam-se no rio de águas turvas e salgadas e ainda sobraria tempo para escrever carta à garota, antes do almoço.

O Lua “ditava logo as suas leis” aos companheiros de secção impondo como a vala devia ou não devia ser aberta. Os ouros soldados sentavam-se e apenas comentavam:
- O Lua é que sabe! Ele é que tem os livros!

Então era vê-lo a trabalhar (quase sozinho) por três ou quatro, mas resmungando sempre:
- Pensam que são doutores! O dinheiro não cai do céu aos trambolhões! Nunca serão nada na vida! Hão de ter um bonito enterro!

Os companheiros descobriram em pouco tempo como evitar sarilhos; se alguém contrariasse o Lua… haveria briga pela certa. Um dia no refeitório que construímos em Binta, travou-se de razões com o soldado Castro, de outro pelotão, por causa de um bocado de pudim; O Castro encheu a mão com pudim e “afinfou-lhe” uma sonora bofetada na cara que ficou argamassada com o pudim. O Lua foi lavar a cara imediatamente… refrescou as ideias. Não houve contenda… porque o Castro era um grande matulão… abrutalhado até… e um poço de força.

No dia 4 de Julho de 1964, no regresso de Lenquetó, o nosso batismo de fogo, 2 grupos de combate foram emboscados e tivemos logo 2 feridos graves; veio o heli mas não podia aterrar devido ao fogo inimígo. Estávamos cercados. No meio de uma confussão infernal o Lua rastejou até junto do enfermeiro, o nosso JERO, com o fim de pedir um comprimido para as dores de cabeça. Não haveria comprimidos suficientes para todos! Seríamos uns oitenta com intensas dores de cabeça. O JERO lá conseguiu, não sei como convencê-lo a voltar ao seu posto. Depois de evacuados os feridos e com apoio de dois “T6” mandámos as dores de cabeça… às malvas e, debaixo de fogo farto, abandonámos corajosamente aquele local, provocando numerosas baixas ao inímigo.

Desde 1967, o Lua foi um frequentador assíduo das nossas confraternizações anuais; de início, cada ano trazia mais um filho. Era um dos indefectíveis. Regra geral não lhe cobrávamos os almoços dado que vivia com certas dificuldades. Quando os filhos se tornaram adultos… passaram a pagar, pois todos trabalhavam para o mesmo monte. Há cinco anos reunimos em Campo Maior, nas instalações da Delta. Como sempre o Lua estava lá! Na hora de pagar anunciou que ia ao multibanco; foi… e não voltou! Por descargo de consciência informei o capitão do sucedido que logo sentenciou:
- No próximo ano, se ele comparecer, não come sem pagar os dois almoços!

No ano seguinte, no terreno do “JERO,” (Alcobaça) o Lua compareceu… com ar comprometido; “esqueci” a ordem do grande chefe e só lhe cobrei o almoço desse ano! Não lhe falei do seu comportamento anterior; mas coloquei-lhe a mão no ombro, e, sem que ninguém ouvisse, transmiti-lhe amigavelmente:
- Deves comportar-te como adulto! Lembra-te que já tens netos e deves dar-lhes bons exemplos! Pensa nisso!

O Lua desfez-se em desculpas! Tudo terminou ali!

O seu único filho do sexo masculino veio sempre com os pais às reuniões da companhia. Já casado, estava sempre presente. Um dia conversou mais demoradamente comigo e fez-me a seguinte proposta:
- Como calcula, um dia o meu pai deixará de comparecer a estas confraternizações que eu considero muito especiais; eu nasci e cresci sempre neste ambiente. Eu gostava de, por impedimento de meu pai, ocupar o lugar dele; posso contar com o seu acordo?
- Oh! João!, tu já participaste em mais reuniões que alguns dos nossos ex-combatentes; por direito próprio, tu já és um dos nossos! A partir de agora eu não esquecerei de enviar a convocatória também para ti, independentemente da que enviarei ao teu pai; oxalá as envie, por muitos e bons anos aos dois.

O filho do Lua foi comparecendo na companhia do pai até que, num acidente de caça… desapareceu de entre os vivos!

O bom do Lua aguentou mais esta “bomba”! Com muita coragem… muita resignação… muita valentia; portou-se heroicamente. Elas não matam… mas nunca mais foi o mesmo… nem física nem moralmente! Tem andado com a borda um tanto debaixo de água… talvez também pelos excessos antes cometidos. A saúde começa a abandoná-lo.

A mãe do Lua era massagista do clube lá da terra. Um dia, já casado e pai de vários filhos, foi à bola; desentendeu-se com um GNR e tentou agredi-lo; para não variar… levou das boas e passou algumas horas no posto; pagou não sei quanto para não pernoitar lá – o que desequilibrou ainda mais o seu, já de si parco, orçamento familiar – esposa sofre!

O Lua telefona-me com frequência… assiduamente mesmo; é certamente o soldado que mais vezes me telefona; não ficou zangado comigo… nem podia! A briga foi entre o soldado e o alferes… não envolveu o C nem o T. Há que saber separar as águas! E ele tem sabido!

Recentemente telefonou-me eufórico; foi há poucos dias: queria experimentar se o seu novo telefone por cabo funcionava devidamente; aderiu à TDT via cabo e quis comemorar com o amigo!

Mais recentemente, 2 semanas depos do nosso almoço – convívio, telefonou-me a informar que a CCaç 674, a irmã gêmea da CCaç 675 ía realizar mais uma confartenização a 27 de Maio; o organizador informou que era o 18.º Convívio. Nós levamos 46 noutros tantos anos soubemos também pelo ex-1.º Cabo Oliveira que aquela companhia teve na Guiné mais de 15 mortos (já lhes perdeu a conta).

Pobre rato! Os excessos que cometeu na vida e os imponderáveis trazem-no acabrunhado… de rastos! Não admira! Também depois do que sofreu com a morte prematura do filho… daquela maneira! Bem tenta parecer o mesmo… mas não consegue. Não deixa de ser um bom rapaz! – nem podia!

Que Deus o ajude!

Maio de 2012
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9933: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (23): A TV na nossa guerra