segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10555: O nosso livro de visitas (150): À procura de camaradas da 3ª C / BART 6520/73 que estiveram no inferno de Jemberém, em maio/junho de 1974 (Norberto G. Pereira, ex-fur mil)

1. O nosso editor Luís Graça recebeu, em 21 do corrente, na sua caixa de correio profissional, a seguinte mensagem do nosso leitor (e camarada) Norberto Pereira:

De: Norberto Pereira [norbertogpereira52@gmail.com]

Enviado: domingo, 21 de Outubro de 2012 21:09

Assunto: Combatentes da Guiné

Estive em Jemberém, Guiné,  de princípios de Maio a 3/4 de junho de 1974, ao serviço do exército, na 3ª C/ BART 6520/73. 

Tinha o posto de furriel. Abandonámos o destacamento à revelia dos comandos de Bissau,  sendo apoiados na retirada pela Marinha Portuguesa, em  LDG [, Lancha de Desembarque Grande]. 

Atracámos em Cacine. O abandono foi provocado por uma ameaça de ataque ao arame por uma força de 150/200 militares do PAIGC. Depois de nos ter sido negado qualquer apoio na defesa de Jemberém, tivemos que fazer a retirada abruptamente,  com o apoio da Marinha Portuguesa. Antes disso, rebentámos com alguns abrigos subterrâneos e construções ali existentes...

Como vinha dizendo, a  retirada foi considerada um ato de insubordinação, perante os comandos de Bissau, da qual resultou na transferência do todos militares, as praças que foram transferidas por pelotões, e os sargentos e oficiais que  foram transferidos individualmente. 

Assim, gostava de rever militares que foram camaradas nesse destacamento, como contactá-los, enfim, trocar opiniões, dissertar sobre a nossa permanência na Guiné. 

 Aguardo contacto com novidades. Um abraço.

Norberto G. Pereira

2. Comentário de L.G.:

Norberto, muito obrigado pela visita. Temos muito gosto em acolher-te nesta fabulosa família de antigos combatentes e demais amigos da Guiné, a Tabanca Grande, que se reunem aqui à sombra de um simbólico mas mágico poilão. Para tal, tens que aceitar as regras que nos regem (constantes da coluna do lado esquerdo) e pagar o ingresso no blogue, que são 2 fotos (uma atual e outra do teu tempo de tropa) + 1 história passada na Guiné...

Quanto aos camaradas que procuras, deixa-te dizer-te que este é o local ideal para o fazeres. Pertenceste à 3ª C/ BART 6520/73... Para já, tens aqui dois camaradas do teu batalhão (e um da tua companhia), inscritos na nossa Tabanca Grande, que passaram por Jemberém, a seguir ao 25 de abril de 1974, e que têm ainda muito para contar, tal como tu:

(i)  Manuel Luís Nogueira de Sousa, ex-Fur Mil At Art da 1ª CART do BART 6520/73 (Bolama, Cadique e Jemberém - 1974);

(ii) Joaquim Sabido, ex-Alf Mil Art, 3.ª CART/BART 6520/73 e CCAÇ 4641/73, Jemberém, Mansoa e Bissau, 1974).


Guiné > Carta de Cacine (Escala 1/25000) > Posição relativa de Cadique, Jemberém e Cacine, em pleno Cantanhez
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Guiné 63/74 - P10554: Notas de leitura (421): "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", de Manuel Luís Lomba (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2012:

Queridos amigos,
Avanço desde já que o livro do Manuel Lomba fará estalar alguma controvérsia, não propriamente pelo relatos da vida operacional mas pela miríade de considerações de índole política sobre tudo quanto se passou antes, durante e após a luta armada.

É um escritor que possui um domínio da língua, faz soltar os sons e liberta os sentidos na hora própria.
Há para ali parágrafos de raro valor, o tempo dirá. Estudou, esteve atento, colheu informação e não esconde o seu olhar peculiar sobre as coisas da Guiné.

Nunca me passara pelas mãos uma obra de tanta errância à mistura pelo gosto de contar e reviver as suas lembranças que não se apagam.

Um abraço do
Mário


A Batalha de Cufar Nalu

Beja Santos

É a primeira vez que leio um livro de memórias sobre a Guiné, em termos de vivência na guerra colonial, repertoriando igualmente a história da Guiné e os eventos mais salientes da luta armada. A pretexto de nos descrever um encadeamento de operações que durou para cima de dois meses para recuperar Cufar e pôr a respeito bases inimigas, “A Batalha de Cufar Nalu”, por Manuel Luís Lomba (Terras de Faria, Lda. 4755-204 – Faria, 2012), temos aqui um olhar muito pessoal de um homem que se cultivou e graças à sua vida profissional voltou à Guiné-Bissau. 

O seu currículo vem expresso na badana do livro: em 1963 frequentou o curso de sargentos milicianos em Tavira, foi monitor de instrução n primeira escola de recrutas de 1964, no RI 13 (Vila Real) e a seguir foi mobilizado para a Guiné, pelo Regimento de Cavalaria 7, Lisboa, onde participou na formação e instrução operacional do BCAV 705, ficando incluído na CCAV 703; o batalhão desembarcou em Bissau e ficou aquartelado no forte da Amura como força de intervenção às ordens do comando-chefe; é graças a este estatuto que vai participar no conjunto de operações que ele designa por a batalha de Cufar Nalu, posteriormente foi colocada em Buruntuma, que ele igualmente releva nas suas memórias.

Descreve de forma vivacíssima os tratos de polé até chegar ao teatro de operações. Viajam no navio Benguela, cargueiro de 10 mil toneladas, concebido para o transporte de gado, com capacidade de alojamento da tripulação e de apenas 17 passageiros. Pois foi aqui que 19 jovens viajaram durante uma semana, estivados como gado. É espirituoso e a sua escrita ágil ajuda a perceber tudo: 

“O Benguela realizava connosco a vocação de navio negreiro; havia poucos anos que os mesmos porões carregavam levas de 2 a 3 mil angolanos e moçambicanos, agrilhoados, para o trabalho escravo, nas roças de cacau e nas obras públicas, em S. Tomé e Príncipe”

E dá-nos conta de como ali chegou: 

“De trabalhador da construção civil, a começar a talhar, por necessidade e iniciativa própria, o caminho de vida, fui reciclado, aceleradamente, em militar e combatente; durante quase dois anos, com o posto de furriel miliciano, na CCAV 703". 

Mal chegados, são postos no ativo, concentrados no quartel de Bula, dependendo operacionalmente do BCAÇ 504, comandado por Hélio Felgas. Lá foi à frente de uma patrulha de reabastecimento, no contexto da operação Confiança, a cumprir a missão de desimpedimento da estrada entre Mansabá, Farim e Bissorã, enquanto outras companhias do seu batalhão mais o grupo de comandos Os Fantasmas cirandavam no Oio. Narra as peripécias ali vividas, os “Águias Negras” vinham com amor ao trabalho e prontos ao risco. 

A primeira emboscada sofrida pela CCAV 703, comandada pelo capitão Fernando Lacerda, ocorreu na picada entre Manssabá e Bironque. Por ali andaram em estreita cooperação com a CCAÇ 675, comandada pelo capitão Tomé Pinto. Isto é o princípio de 5 meses na vida airada. O autor aqui suspende a deambulação para nos dar a sua versão de como se fundou a nacionalidade bissau-guineense, aproveitando a circunstância para nos dar o quadro evolutivo da luta armada. Posto o enquadramento histórico reconsiderou útil, o leitor é lançado nas batalhas de Cufar Nalu.

São despejados em 19 de Dezembro de 1964 em reforço do BCAÇ 619 (Catió) e da CCAÇ 6 (Bedanda) a missão é destruir a base da mata de Cufar Nalu. Lá vão em ondas, depois do bombardeamento dos T6, primeiro assalto, segundo e terceiro, as coisas não estavam a correr de feição, as duas primeiras vagas foram rechaçadas. Tem aqui lugar o episódio em que ele anda perdido com a sua secção e investe, dentro da mata, até uma tabanca onde os animais pareciam fazer frente aos assaltantes. 

Vão guiados por Albino que pertencia à CCAÇ 13 comandada por João Bacar Djaló. Penetram no tarrafe, o Albino procura esquivá-los aos lugares onde os guerrilheiros estão emboscados. Uma sentinela é apeada do ponto de vigia, com um corte das carótidas. Viajam dentro de um túnel vegetal, desembocam numa cratera aberta por bomba de avião. Temos aqui páginas que poderão constar em qualquer antologia da literatura de guerra: 

 “Penetrámos numa galeria formado por mucibis e por poilões de grande porte, árvores abantesmas, nunca dantes imaginadas, os caules a interpenetrar-se e os troncos com ferimentos recentes, de estilhaços de outras bombas tugas, talvez das granadas de artilharia dos obuses instalados nos aquartelamentos de Cufar ou Bedanda, que não as desfolharam nem obstaram de manter sobre as nossas cabeças um tecto de verde luxuriante, infiltrado dos raios dourados do sol. Desembocava num pequeno trilho, exclusivo, com indícios ténues de circulação humana, começamos a palmilha-lo e deixamos de ouvir qualquer bulício, denunciador de aves, bichos ou turras. Então, começamos a ouvir o zunir dos motores dos bombardeiros T6, em aproximação à nossa retaguarda; da nossa frente começaram a chegar-nos, esbatidos pela distância ou pela elevada densidade florestal, o cacarejar intermitente das galinhas e os uivos dos cães. Lancei outro passa-palavra e o calafrio repetiu-se, ao confirmar-se a quebra, em permanência, do elo da nossa ligação pessoal à Companhia; estuguei o passo ao Albino e pusemo-nos o ciciar o ponto da situação.

A densidade florestal da Guiné opunha-se à propagação das ondas hertzianas. Procurei uma posição mais aberta e insistia a ciciar à minha “banana” alô, alô, cavaleiro 1, daqui cavaleiro 4; diga se me ouve, escuto! Senti o sangue a gelar, ao certificar-me que as nossas ligações etéreas não estavam perdidas, estavam cortadas (…) Lancei o passa palavra para o abandono imediato do conforto da cratera e dos abrigos disponibilizados pelos tugas, seguindo os vestígios de um pequeno trilho (…) Continuamos a progredir por essa amostra de trilho, que os turras teriam criado para seu uso exclusivo, envolvido por árvores de grande porte, que nos obrigavam a reconhecimentos redobrados, por oferecerem excelente proteção aos disparos, ou excelente obstáculo a eles, consoante o ponto de vista (…) Na tentativa de obstar aos disparos do armamento pesado dos turras, agi em tempo real no exercício do dever de comando, dando sinal ao bazuqueiro, a paliçada voou logo pelos ares, por uma granada-foguete, e pela voz “ao assalto!”
. Um após outro desataram em correria, curvados e aos ziguezagues, pelos espaços franqueados daquela tabanca, a disparar sobre tudo o que mexia e a lançar granadas de mão ofensivas sobre tudo o que configurasse obstáculo. Gerou-se um turbilhão infernal nos espaços abertos entre moranças, misturas e alternância de explosões e tiros, a cadência dos nossos a superar largamente os dos defensores, um desvario de crianças e mulheres a gritar, num redemoinho de pó – gentes, cães, galinhas, porcos, cabras, a atropelar-se, numa roda viva. Um bode avantajado, em porte e chifres, saltou a terreiro, a cabrear, muito excitado e arremeteu à marrada contra o soldado à minha direita, seguindo-se um salto mortal, com uma bala metida na base dos ditos, a estatelar-se junto às vacas já tombadas, já alvos privilegiados dos impactos”.

É esta a descrição que Manuel Lomba nos dá da sua primeira arremetida na área do Cantanhez.

(Continua)
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Nota de CV

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10546: Notas de leitura (420): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10553: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (4): Os cheiros de Lisboa, Parte I: a feira popular (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)









Lisboa > Tejo: Rio e Ponte > 29 de maio de 2012 > Paisagens...
Fotos: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


A. Continuação da nova série do nosso camarada e amigo J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil da CCAÇ 728, (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), jurista da Caixa Geral de Depósitos, reformado [, foto atual à direita].


[ Esta nova série evoca a figura e narra a história alf mil Mário Sasso, da CCAÇ 728 - Os Palmeirins -, nascido na Beira, em Moçambique, de uma família de origem eslovena, os Sasso; o Mário Sasso foi morto em combate no Cantanhez, em 5 de dezembro de 1965].

B. Ficou um palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os Cheiros de Lisboa


4.1. A Feira Popular


Estava-se em fins de Setembro. Ainda se via sinais de Verão, por todo o lado. Ele vira, do Uíge, à beira rio, do lado de Lisboa, uma larga faixa alourada, com toldos coloridos, às listas de cima a baixo, esqueletos de pau, de barracas e corpos espalhados, ligeiramente, desnudados. Os fatos de banho davam até ao joelho e protegiam bem o peito e as costas …das constipações… todo o cuidado era pouco.

A praga da tuberculose não perdoava… Além disso, a nudez era coisa mais própria dos animais…pensava a gente, púdica, por formação e pregação…

Quando chegaram a casa, ali ao pé de Algés, ainda foram dar um mergulho nas águas, tão azuis, tão limpinhas e calmas, do rio Tejo, sem jacarés, mas com golfinhos, ali mesmo, depois de passarem a linha pachorrenta do comboio de Cascais.

Os vales suaves da ribeira viva de Algés, cheios de hortas e pomares, a encosta densa da mata extensa de Monsanto, bem penteada, de toucado verde, bem aparado e de fino corte, as colinas arredondadas e sensuais, ali pràs bandas de Linda-a-Velha e Alfragide, com os cumes altos da serra de Sintra, espreitando, lá ao longe.

Também era bonita a natureza, aqui em Lisboa. Menos carregada de folhedo, concerteza, sem onças ou pacaças, mas mais leve e suave, como a vida que se vivia, então.
– E se fôssemos à Feira Popular? … – uma voz de puto, atrevida, lançou a bisca para o ar, a ver se pegava…

A magia daquela feira, frondosa e colorida, instalada na cerca duma casa senhorial, do centro da Lisboa, ali p’ra São Sebastião da Pedreira, doutras eras…

Com tanta vida, brinquedos sem conta, barracas de farturas e tantas guloseimas, o poço da morte, a roda das cadeirinhas, os aviões, os carrinhos eléctricos, com volante a valer, o temeroso carrocel oito, o cherinho a sardinhas, a maçaroca de açucar branco que nunca mais acabava; a alegria dos pais e dos avós espelhada nos rostos vermelhuscos da sangria, com vinho bom, as laranjadas e os pirolitos, com rolha de vidro, os rebuçados embrulhados de papel, um a um, à mão, eu sei lá, era o ponto mais alto da magia, prós putos daquele tempo.
– Se passares nos exames…se te portares bem…se…se…,  havemos de ir à feira…– era a inocente e sadia chantagem que todos os pais, de todas as classes, usavam, para segurarem a trela curta da pequenada.
– Está bem. Está cá o Mário, Vamos lá… – exclamou, bonacheiro, o pai dos Sassos, de Lisboa.

Cá para nós, ele também, já tinha saudades da Feira Popular…

Ó que alegria!…O Mário nunca mais se esqueceu daquela recepção. Não podia ter sido melhor. Naquela noite, no largo quarto onde dormiu com primos, ninguém pregou olho, a reviver a feira popular…

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10500: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (3): No N/M Uíge, com Lisboa à vista (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

domingo, 21 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10552: O nosso livro de visitas (149): Vanda Silva, madrinha de guerra, procura o paradeiro do ex- alf mil António Augusto Oliveira Marques, CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69)


Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Destacamento de Cassolol  >  "Deixamos lá este pequeno monumento dedicado à nossa Companhia,  "Pantera 1684", com os nomes dos nossos mortos" (Domingos Santos).


uiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Susana > Na casa do casal José Valente e Helena > "Aqui estamos no seu terraço a comer um petisco. Ao fundo, penso ser a sua filha, que segundo sei será hoje a senhora que tem a residencial Chez Helène em Varela" (Domingos Santos).


Guiné > Região do Cacheu > CCAÇ 1684 (Susana e Varela, 1967/69) > Susana > 1968 >  O Domingos Santos, ao meio, entre lutadores felupes e mais dois militares da CCAÇ 1684, por ocasião da festa do fanado. O Domingos Santos era amigo do João Uloma, que será mais tarde alferes comando graduado da 1ª Companhia de Comandos Africanos.

Fotos: © Domingos Santos (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem da nossa leitora Vanda Silva


De: Vanda Silva [ myspym@gmail.com]
Data: 16 de Outubro de 2012 09:28
Assunto: Pedido de informações


É de louvar a criação do blogue para que a memória desse tempo perdure para as gentes vindouras que ficaram livres "daquilo". 

Fui correspondente ou madrinha de guerra (eu prefiro chamar-me apenas "uma amiga") do Alferes Miliciano dos Comandos que esteve colocado em Suzana de 1967 a 1968 e pertencia, salvo erro,  aos "Os Panteras" CCAÇ 1684 [ / BCAÇ 1912, Susana e Varela, 1967/68]

Gostaria de saber mais coisas sobre ele e, se alguém o conheceu , ficaria muito grata se me pudesse elucidar. 

O meu email é myspym@gmail.com e o meu nome Vanda Silva. 


PS - Por lapso, não escrevi o nome do Alferes: António Augusto Oliveira Marques. As minhas desculpas. 

2. Comentário de L.G.:

Vanda, obrigado pela visita e pelas suas amáveis palavras.  Gostaríamos que nos falasse mais desse seu papel de madrinha de guerra ou de amiga de um combatente da Guiné, nosso camarada. Tem o nosso blogue à sua disposição. 

Quanto ao António Augusto Oliveira Marques, não temos nenhuma pista que nos leve ao seu paradeiro. Ou melhor, temos um representante da CCAÇ 1684 no blogue,  o Domingos Santos.

O Manuel Domingos Santos, ex-Furriel Miliciano, esteve em Susana e Varela, na CCAÇ 1684/BCAÇ 1912, entre maio de 1967 e maio de 1969. Seguramente que ele conheceu o seu antigo correspondente e deve encontrar-se com ele nos convívios anuais da companhia. Veja se reconhece o seu amigo nas fotos do álbum do Domingos. Ele pertence a esta grande família, que é a Tabanca Grande, desde 7 de maio de 2011. Aqui tem o e-mail: domingossantos44@gmail.com

Desejo-lhe boa sorte nas suas pesquisas.  Saudações bloguísticas dos editores.
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10539: O nosso livro de visitas (148): Alfredo João Matias da Silva, ex-Fur Mil do Pel Rec Fox 3115 (Gadamael e Guileje, 1972/74) procura camaradas de armas

Guiné 63/74 - P10551: Parabéns a você (486): Manuel Moreira de Castro, ex-Soldado da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968/69)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10550: Parabéns a você (485): Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643/BART 645 (Guiné, 1964/66)

sábado, 20 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10550: Parabéns a você (485): Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643/BART 645 (Guiné, 1964/66)

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Notas de CV:

Com o meu pedido de desculpas ao camarada Rogério Cardoso, publico agora o seu poste de aniversário. Em seu lugar apareceu indevidamente o camarada Inácio Silva que não está interessado em festejar o seu aniversário duas vezes no mesmo ano.
O meu muito obrigado ao camarada Manuel Marinho, que mais uma vez me alertou para o meu lapso.

Vd. último poste da série de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10548: Parabéns a você (484): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74)

Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)

1. Décimo nono episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (19)

Furriel Roger, o herói!



Lisboa, 10 de Junho de 1966 > Na foto, o Fur Mil Rogério Cardoso*, na fila de trás, assinalado com o círculo, antes de ser condecorado com a Cruz de Guerra. Em primeiro plano, à esquerda, também assinalado com um círculo, o seu Comandante, o Coronel Braamcamp Sobral.
Foto de Rogério Cardoso. Legenda de Carlos Vinhal


O carro dos doentes, como é conhecido no aquartelamento, vai ao hospital, que fica na capital da província, uma vez por semana.

Mais propriamente à sexta-feira.

A viatura é igual a outras que já aqui descrevemos. Quatro bancos corridos descobertos. Se chove, pouca diferença faz, até refresca.

Os doentes, são aqueles que necessitam de tratamento periódico, ou adoecem mesmo, com qualquer enxaqueca, e vão à consulta, previamente marcada. Se for ferimento grave, ou qualquer outra causa de emergência, são evacuados de helicóptero. Pelo menos é o que tem acontecido.

Sempre acompanha a viatura, uma secção de combate, que normalmente viaja em dois jeeps, um atrás e outro na frente. Desta vez, os militares vão mais confiantes, pois quem comanda esta secção de combate é o furriel miliciano “Roger”, era por este nome que era conhecido, um bom guerreiro e líder, entre os militares de acção, e está estacionado num aquartelamento onde quase tudo é improvisado, numa povoação mais a oeste, em plena zona de combate. Neste momento, vai com a G3 numa mão, de pé, em cima do jeep, seguro com a outra mão, a apanhar a aragem fresca no corpo, como de uma dádiva se tratasse.

O Cifra lembra-se, não só pelas mensagens, que na altura lhe passaram pelas mãos, mas o que era voz corrente entre militares de acção, pois este bravo militar, que pertencia a uma companhia do batalhão, cujo comando, estava estacionado no aquartelamento de Mansoa, se não estou em erro era o Batalhão de Artilharia 645, mais tarde, foi considerado um herói, pois foi evacuado, ainda vivo, da zona de combate, com as pernas bastante danificadas, pois uma granada, atingiu-o, não explodiu, e ele ferido com o impacto, ainda teve coragem de arremessar a granada para longe, com receio que explodisse e ferisse os seus colegas, que angustiados e desesperados debaixo de fogo intenso, enquanto tivessem munições, usavam “puta da G3”, alguns gritando, com os olhos vermelhos de fúria e alguma raiva, outros protegendo-se, tentando sobreviver, sem pensarem em mais nada, que não fosse manterem-se vivos.

O furriel Roger foi um dos militares que ficaram no pensamento de muitos, a sua fotografia foi colocada no quadro de honra, que existia no aquartelamento em frente às instalações do comando a que o Cifra pertencia, para exemplo de todos, e em especial de tropas novas, e a sua história faria páginas e páginas. Até foi motivo de uma certa rivalidade, em mensagens trocadas com o comando territorial na capital da província, pois ambos os comandantes, tanto o do comando a que o Cifra pertencia, como o do seu batalhão, o queriam apresentar como sendo seu militar.

A guerra para ele acabou, começou outra guerra, que era a sua possível reabilitação. Depois de tratado, com os meios que na altura havia no hospital da capital da província, foi evacuado para a Metrópole, como então se dizia, de onde andou de hospital em hospital. Mais tarde, depois dessas rivalidades entre comandantes, o comandante do Cifra, propôs uma cruz de guerra ao Roger, que recebeu mais tarde, por altura do dia 10 de Junho, em Lisboa. O furriel Roger, além de ser uma pessoa alegre, e popular, pois tinha uma alegria e entusiasmo contagiantes, era decidido e corajoso, e fazia parte de um grupo que “ia a todas”.

Fotografia do Roger, tirada em plena zona de guerra, na região do Oio, sempre sorridente, sentado numa viatura auto, com o registo MG-21-29. Foto tirada na estrada, rodeada de matas, que naquela altura não era mais que um carreiro, entre Bissorã e o Olossato.

Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue.

Felizmente, ainda está vivo, e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.
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Notas de CV:

(*) Rogério Cardoso foi Fur Mil na CART 643/BART 645 que esteve em Bissorã nos anos de 1964 a 1966

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10548: Parabéns a você (484): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10545: Parabéns a você (483): Carlos Filipe, ex- Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10547: Blogpoesia (308): Lisboa é um cofre forte, suíço... (Luís Graça)




Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade). Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira, e pode ser considerado o primeiro hospital mundial da era da globalização, inaugurada pelos portugueses, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia.


Lisboa é um cofre forte suíço


(poema dedicado aos meus amigos kaluandas 
Elisabete Pinto, Jorge Lima, 
Paulo e São Salgado, 
Raúl Feio e Rui Pinto, 
pela sua sabedoria, 
pela sua hospitalidade,
pelo seu exemplo de interculturalidade

... mas também a uma jovem e sofrida poetisa do Huambo,
que foi minha formanda, Yelisa Visimilo, de seu nome literário,
e que teve a gentileza de me oferecer um exemplar autografado do seu primeiro livro de poemas)

Lisboa é um cofre forte,
uma casamata,
um bunker.
É linda de morrer,
... mas à distância de um tiro de canhão,
diz Braun, em 1593.

Para quem vem do norte
negociar as especiarias da Índia,
na Rua do Bem Formoso,
Lisboa é irrisão,
é uma miragem,
é o vento Suão,
é Seca e Meca, 
é torre de Babel,
é um ponto de reunião de meridianos, 
ou um simples lugar de passagem, 
com doces enlevos e puros enganos.
 
Do Palácio dos Estaus,
onde os santos oficiantes do Santo Ofício 
se reúnem em concílio,
ao Hospital Real de Todos os Santos,
o primeiro hospital da era da globalização,
vai um tiro de mosquete,
enquanto o mouro cai do minarete
e o pobre do rei do Congo morre no exílio.
Para lá do horizonte, a liberdade,
para cá da ponte,
a saudade.

Ah!, e há a embaixada 
da Sereníssima República da Suíça, 
com as suas grades nas janelas, 
de alto a baixo. 
E a ética protestante calvinista, 
afixada à porta.
Do Brasil virão canários e araras 
que em vez de alpista 
comerão papas da Nestlé, 
enquanto partem caravelas p’ra Guiné, 
terra de azenegues e de negros.
No tempo em que ainda não havia negócios da China.
 
A Suíça é burguesa, 
trepadora,
alpinista.
É um eldorado 
onde os cãocidadãos são levados pelas trelas 
dos donos 
e não mijam no chão. 
Dizem que lá o céu não é azul, 
é forrado a ouro.

Lisboa, essa, é de cor branco, sujo,
com cadáveres de escravos 
a boiar no Tejo imundo. 
Lisboa é o poço dos mouros e dos negros. 
Lisboa é a chusma de pedintes 
às portas das igrejas barrocas. 
E dos condomínios de jardins de luxo, 
e que luxos!, ai!, 
que luxos,
com buxos, 
até ao pescoço dos ricos, 
suspensos sob um céu de chumbo.

Não sei por que é que o pobre e o rico,  
gostam, em Lisboa, 
cidade,
púdica,
do risco
da exposição pública.
E também não sei, ai!,
por que é que se nasce suíço,
num cofre forte como maternidade.

Sigo hoje no voo da TAAG Luanda-Dubai.

Angola, Ilha de Luanda, 14-18 out 2012

(com um kandandu para os amigos e camaradas da Guiné, 
se a Internet ajudar)
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10540: Blogpoesia (307): Àguas Paradas (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P10546: Notas de leitura (420): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Teixeira da Mota consegue uma síntese meritória sobre a história da presença portuguesa na Guiné. Possui, mais do que qualquer outro historiador do seu tempo, informação sobre o que escreve: as viagens do século XV, as viagens pelos rios e através dos emissários que chegam ao interior profundo de África; o enfraquecimento da presença portuguesa devido a piratas e corsários franceses que só de 1500 a 1531 capturaram cerca de 300 navios; domina com mestria a literatura de viagens, a presença dos missionários, as sucessivas campanhas militares em busca da pacificação.
A sua monografia continua em muitos pontos a manter a exigência da leitura do estudioso ou do curioso.
Pasma como não se tenha voltado a reeditar esta obra incontornável.

Um abraço do
Mário


“Guiné Portuguesa”, por Avelino Teixeira da Mota (2) 

Beja Santos

O segundo volume da monografia de Teixeira da Mota arranca com a história da ação portuguesa na região, as descobertas da costa africana para sul do Bojador. De um modo geral, estas viagens acabavam em contactos no litoral, só muito excecionalmente se subiam os rios ou se procediam viagens por terra. Ficaram relatos de viagens até ao reino de Tombuctu. Algumas dessas viagens e explorações só virão a ser repetidas por outros europeus no século XIX. E procura um enquadramento: “A história dos portugueses na África Ocidental, pelo menos na sua fase inicial, tem de ser encarada em conjunto. Por todos os meios os reis portugueses procuraram assegurar-se do monopólio da ocupação e comércio da região, baseando-se na prioridade de descobrimento. Os outros Estados europeus não o reconheceram, pelo que se desenrolou uma ativa rivalidade que veio a resultar, nos fins do século VXI na perda efetiva de tal monopólio”. E tece considerações sobre os três núcleos de ocupação em Cabo Verde, Guiné e São Tomé. No que toca aos Rios de Guiné do Cabo Verde, os reis arrendavam o seu trato a um ou mais particulares. Eram os habitantes do arquipélago de Cabo Verde os únicos autorizados a comerciar nesta zona. Não houve quem defendesse a primazia do interesse em ocupar a Guiné. O clima era devastador.

Recorde-se que quando os ingleses iniciaram, em finais do século XVIII o povoamento da Serra Leoa, a mortalidade foi tal que se passou a chamar a esta parte de África “cemitério dos brancos”. Uma das razões explicativas para o povoamento da Guiné foi a sua ligação com o arquipélago de Cabo Verde. O proselitismo religioso encontrou todos os obstáculos relacionados com o clima e o islamismo. No início do século XVII, os jesuítas lançaram-se na atividade missionária na região de Senegâmbia, mas o projeto não teve continuidade. A meio do mesmo século, os franciscanos lançaram-se nos Rios da Guiné de Cabo Verde, empreendimento também sem sucesso. A fixação de portugueses foi na zona das rias, eram fundamentalmente os lançados ou tangomaos, como Teixeira da Mota explica: “O nome veio-lhes de andarem lançados pelo meio dos indígenas, vivendo e cruzando-se com eles. Se por um lado contribuíram para irradiar a influência portuguesa, por o outro facilitaram a ação dos franceses e ingleses, a quem de preferência vendiam os produtos no sertão. A sua penetração para o interior não ultrapassava normalmente o limite das marés, o que mostra o carácter predominantemente comercial de tal povoamento, em ligação com as condições de navegação. Data de 1588 a primeira fortificação na região, mais propriamente no Cacheu. No Rio Grande de Buba havia também várias povoações portuguesas, algumas fortificadas. O comércio fazia-se sobretudo nos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba. Em 1675, é criada a companhia de Cacheu e em 1687 iniciou-se a construção de uma fortaleza em Bissau. O ano de 1792 marca o início de uma época em que a posição portuguesa na Guiné esteve prestes a perder-se. É naquela data que os ingleses Beaver e Dalrymple desembarcaram na ilha de Bolama, à testa de uma expedição de 570 pessoas, sofreram tantas baixas que foram forçados a regressar a Inglaterra. Em 1810, no tratado com a Inglaterra, Portugal comprometia-se a cooperar com o seu aliado na abolição gradual do comércio de escravos. Tais acordos permitiram aos ingleses, à sombra da fiscalização da navegação, a imiscuírem-se nos assuntos da Guiné- em simultâneo, os franceses punham em ação um plano para se apoderarem do território onde os portugueses estavam presentes. E o oficial da marinha faz o doloroso reparo: “A marinha brilha pela sua ausência na Guiné. No século XVIII ela permitira-nos defender os nossos direitos no Casamansa perante os franceses, e ajudara na construção do forte de Bissau. No século XIX, tirando os últimos decénios, não há navios de guerra portugueses na Guiné. Os marinheiros franceses e ingleses exercem à vontade o direito de visita aos navios mercantes portugueses, levam a cabo brilhantemente um novo e mais rigoroso levantamento hidrográfico da costa, por toda a parte impõem o prestígio da força aos indígenas, obtêm destes inúmeros contratos de venda de terrenos, protegem eficazmente as feitorias comerciais, etc.”. E paulatinamente vão fixando-se na foz do Casamansa e em Boké, no rio Nuno. Aos poucos Ziguinchor foi sendo cercada pela presença francesa. O autor elenca depois as cenas lamentáveis que se foram vivendo na primeira metade do século XIX: revoltas de guarnições; lutas políticas entre fações opostas, transportando-se para o Ultramar as divisões vividas na metrópole, e assim escreve: “Assiste-se ao cúmulo de uma das partes solicitar o apoio de franceses e ingleses contra a outra, e são navios de guerra estrangeiros que por vezes asseguram a defesa dos habitantes de Bissau contra os Papéis”. Descreve igualmente a ação de Honório Pereira Barreto para dignificar a administração e defender a integridade do território.

Findo o regime da escravatura procurou-se nova situação económica na mancarra, a partir de meados do século XIX aparecem os “ponteiros”, agricultores e comerciantes que vão estimular os autóctones para a cultura da oleaginosa; foi em Bolama e nas margens do Rio Grande de Buba que se iniciou o ciclo da mancarra, estabelecendo-se aí numerosas feitorias. Porém, as relações mercantis com o exterior eram feitas praticamente só para o estrangeiro, e por casas francesas, alemãs e francesas que montavam na Guiné as suas filiais. E o autor lamenta: “A Guiné, celebrizada na Europa pelo seu mau clima, foi considerada uma simples colónia-feitoria pelos homens públicos do século passado, que entendiam que a ação portuguesa se devia limitar à conservação das posições nas rias. Não se vislumbra assim o mais pequeno interesse pelo interior. É significativo que não tenha havido um único explorador português nesta parte de África durante o século XIX, e que a Guiné tenha servido de ponto de partida ou de chegada a exploradores franceses”. Em 1878 dá-se a autonomia administrativa da Guiné, ficou desligada de Cabo Verde. Depois do desastre militar de Bolor, em 1878, tornava-se imperativo ocupa o território, reorganizar os serviços públicos e criar postos militares. Inicia-se um período de guerras, que não abrandou com a convenção luso-francesa de 1886, que definiu os limites da Guiné Portuguesa. E assim conclui a sua digressão pela história da ação portuguesa: “Na Guiné é raro o ano em que não há operações militares, que por vezes se têm de repetir várias vezes contra as mesmas populações. É o caso dos Papéis (1891 e 1894) que mantêm em Bissau em permanente estado de cerco. No interior é Mussá Molô, que foi mais fácil de bater (1892); no Gabu os Fulas submeteram-se sem operações. Em 1897, inicia-se a primeira campanha do Oio. Em 1904, há uma nova campanha do Churo. Em 1907 e 1908, o governador Muzanty leva a cabo uma brilhante ação na área do Geba.

Em 1913, o governador Carlos Pereira manda demolir a muralha que protegia a povoação de Bissau, mas os Papéis serão os últimos indígenas a submeter-se. Cabe a Teixeira Pinto a glória de o fazer, em 1915, depois de duas campanhas brilhantes no Oio. A pacificação completava-se finalmente, embora depois ainda houvesse operações contra Abdul Indjai e os Bijagós de Canhabaque.

À fase de ocupação militar, que tão duros e longos sacrifícios custou, seguiu-se a fase da ocupação administrativa. Os resultados que estes conseguiram em curto espaço de tempo, são o fruto de uma das mais notáveis obras levadas a cabo no Ultramar, durante este século, pelo quadro administrativo”.

A monografia depois espraia-se por tópicos como o desenvolvimento urbano, a saúde e a educação. Adiante, expõe os fundamentos económicos da valorização portuguesa com bastante pormenor. É neste ponto que se deve articular a leitura de Teixeira da Mota com a investigação de René Pélissier, de cujo trabalho já aqui se deixou recensão.
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Notas de CV:

Vd. primeira parte no poste de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

Vd. ultimo poste da série de 17 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P10545: Parabéns a você (483): Carlos Filipe, ex- Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10518: Parabéns a você (482): Jovem amiga Cátia Félix

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício

 

1. Adivinha-se o fim desta série que o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) tem mantido com tanta regularidade.

Este episódio chegou até nós no dia 16 de Outubro de 2012:



Viagem à volta das minhas memórias (57)

Bula – Minas, fim do suplício! 

Vista parcial de Bula
Foto: © Victor Garcia. Todos os direitos reservados


Bubáque e “Peluda” à vista ?!

Os dias certamente pareceriam querer ficar cada vez mais longos e penosos, como que a querer resistir a um final de comissão de data marcada que se ia avizinhando.

Para além das actividades atribuídas e como sinal de final de comissão próximo, o Pessoal ia-se entretendo a fazer os caixotes em madeiras diversas mais ou menos valiosas e com volumetrias condicentes com a carga prevista, por norma grande. Desde gravuras, estatuetas, peles, panos, artesanato, roupas, rádios, máquinas, ventoinhas e sei lá que mais,… “coca-cola” verdadeira, “Perrier”… até peças de mobiliário nacarado asiático… tudo era encaixotado para ser despachado via marítima para a Metrópole. Claro, não podiam ser esquecidas as garrafas - distribuídas a pagantes e acumuladas ao longo dos meses - de uísques e licores, por vezes às dezenas e alguns de gabarito! Havia até negócio à conta das ditas, do tipo duas por uma ou até venda inflacionada devido à já inexistência ou à escassez de abastecimento em tempo útil. Depois de despachada, creio que pela Companhia, a caixotaria seria levantada em Alcântara (?).

Em data prevista, a CCAÇ 2791 no seu todo ou faseada, já não recordo, arrancou para o Cumeré onde iria aguardar o embarque para a Metrópole, rumo à “peluda”, deixando-me de certo modo “desenquadrado e abandonado ao destino” lá por Bula, ainda no exercício de funções mineiras. Mais tarde e se não protagonizasse um qualquer acidente, ir-me-ia juntar à Rapaziada da minha “FORÇA”.

Em dia que não registei, acabou finalmente o trabalho no campo de minas que havia estropiado uns tantos, demasiados, que deu cabo dos nervos a alguma boa gente que por lá cirandou e até a outra que por lá não tinha sequer posto os pés. Muitos milhares tinham sido levantadas. Tendo o meu contributo sido de mil e trinta e duas, a sensação de alívio, paz, tranquilidade e de certezas num futuro, só sentida se poderá entender!

Era hora de festejar o fim do suplício! Depois… dois ou três dias de recuperação e preparação já que de seguida… Bubaque,- que me tinham contado paradisíaca – se perfilava no horizonte próximo do meu pensamento como destino de uns poucos dias de descanso prometidos e a meu ver merecidamente ganhos. Com alguns “pesos” economizados no bolso iria ser, sonhava, uma pré-peluda à maneira, de “papo ao sol”, águas mornas e límpidas, peixinho fresco grelhado, bebida a contento, na certa boa companhia… enfim uns diazitos a não esquecerem! Seguir-se-ia o reencontro no Cumeré e o ”Boeing” dos TAM para a PELUDA!

Entremeados por bons momentos, aqueles meses tinham sido duros, bastante duros mas o passado já era e como se diz, ”tudo está bem quando acaba bem”. Pelo menos até ao momento assim acontecera comigo que, comparativamente, tinha sido um felizardo. Tirando uns sustos ou melhor, “cagaços” valentes e uma morteirada que mandei e me pôs a mão como uma bola, nem sequer um paludismozito apanhei.

Dizia, antes de começar a divagar (?!), que a data era para festejar e assim foi. Claro que o conceito de festejo, programado ou não, é subjectivo e variável em função do estado de espírito, dos meios e do meio, do momento e outros elementos susceptíveis de o condicionar. Para além dumas cervejolas frescas, não foi programado e foi acontecendo ao sabor dos impulsos e dos ditames mentais no momento, deixando-me em memória uma ou outra situação, se calhar para muitos e à luz de hoje, pouco próprias. Naquele contexto, aconteceram!

 Luís Faria em Bula num momento musical

Terminado o trabalho e chegado ao quartel, talvez uma das primeiras coisas que aconteceram foi tomar uma banhoca. Sim, uma banhoca, já que não resisti ao impulso de me enfiar completamente vestido no bidão de água omnipresente à porta do quarto, talvez perante as bocas de alguns e espanto de outros.

Depois de certamente ter ido ao petisco civil e regressado ao quartel, já pela noite recordo acabar no bar a pedir um “cocktail” especial, composto por uma medida de tudo o que continha o vasilhame exposto nas prateleiras do bar. Em conformidade com o pedido e sob meu controlo, foram entrando no agitador medida após medida de diferentes uísques e licores, de águas-ardentes, brandies, bagaço… até que é dado por terminado. A única medida que não foi considerada foi a do “Elsève Balsam” (?) - champô de ovo. Sob protesto e incredulidade (?!) do “barman”, não recordo o nome, e ante a minha ordem… acabou por ser também incluído na mistura, talvez deva antes dizer… mixórdia! Os passos seguintes foram emborcar a mistela, perante a expectativa dos presentes.

Tempos após e já noite adentro vejo-me meio zig meio zag , em cuecas, a jogar um jogo a céu aberto, em que o objectivo era manter à raquetada uma bola em movimento circular à volta duma haste vertical a que estava ligada por um cordão ou corrente (?).

Claro que a “mixórdia” já fazia os seus efeitos e os rodopios que os falhanços na bola me obrigavam a fazer, levavam-me a por vezes percorrer uns metros em busca do equilíbrio, acabando sentado no chão! Por fim o apelo da cama acabou por ser mais forte.

Ao acordar pela manhã seguinte senti um mal-estar horrível e uma agitação mais que anormal, parecendo-me que as veias iam rebentar. Estou f… é a merda do champô que me anda no sangue, pensei resolvendo ir tomar um banho na tentativa de acalmar. Qual quê, pareceu-me ficar pior… as veias pareciam rebentar… assustei-me de verdade e não recordo se acompanhado ou não dirigi-me para o posto-médico ali próximo. Só lembro que de imediato abri (arrombei?) a porta do médico Alf. Cruz e… acordei fresco e firme como o aço, não sei quanto tempo depois, como se nada tivesse acontecido.

Nova vida estava prestes a começar. Pensamentos secretos de “meter o chico” iriam esperar resolução mais tarde. Iria depender de auto análise mais aprofundada e da situação a encontrar na Metrópole.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"

Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

1. Em mensagem do dia 13 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos mais um episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

4º episódio - Escalas na Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

E em 30 de Agosto de 1964 fui promovido a 1.º Cabo Miliciano, pois então...
Começa aí um percurso agitado, com constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que me valeu para ficar bem a conhecer, algum deste País, que eu julgava ser só o Alto-Alentejo.

1º - Amadora (Regimento de Infantaria 1);
2º - Lamego ( Rangers);
3º - Tancos (Minas e Armadilhas)
4º - Lisboa (Grupo C. Trem Auto)
5º - Abrantes (Regimento Infantaria 2)
6º - Tomar (Regimento Infantaria 15)
7º - GUINÉ.

Peripécias ocorridas:

À Amadora cheguei... nem a almoço tive direito... e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego. Já algo desenrascado, apanho comboios, mais comboios e certo é que às 8h30, entro no novo poiso e, qual não é a minha sorte, que dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, monitor agora, das tropas a preparar.

Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ficámos afilhado e padrinho.
Padrinho que muito ajudou enquanto cursei.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama.
Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor.

Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a calejada epiderme, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento e prolongados, estafantes e só para homens de barba rija.

Foram tempos duros, mas foram uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois.
Ficou-me gravada, a frase "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.

Tancos desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Av de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê.
E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo Miliciano condutor e mandam-me um atirador?

Mas... e há sempre "UM PORREIRO mas"... continuou ele:
- Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi. Turismei...

Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria.. . Madragoa...
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... combóios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao jardim zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- NÃO VOU... NÃO VOU... NÃO VOU... E FUI
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10542: Tabanca Grande (365): Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, com data de 14 de Outubro de 2012:

Prezado editor do blogue
Conheço-o de há longa data (ENSP e congressos de medicina do trabalho), sou admirador sincero da sua postura de cidadania e profissional, navegamos em águas comuns: as condições de prestação do trabalho.

Actualmente sou membro dos corpos gerentes da Associação Portuguesa de Medicina do Trabalho. Não viajo habitualmente por blogues, agora tive conhecimento do vosso através do António Graça de Abreu. Pelo que me apresento:

Em 1973 e 1974 fui o alferes miliciano médico do BCav 8323 - Pirada.

Obviamente tive vivências semelhantes a qualquer dos camaradas que estiveram neste TO.
Do que me ficou ressalto:

- A experiência da intensa solidariedade que se gerou entre os camaradas que vivenciaram juntos o risco de vida de cada um e a permanente entre-ajuda, isto durante largos períodos. Materializa-se actualmente na emoção dos encontros de antigos camaradas (o meu batalhão mantém estes encontros).

- As perturbações na saúde mental de tantos camaradas. Tive a experiência de dois dos nossos que manifestaram psicoses agudas (um militar da CCS e outro da 1ª Companhia - em Bajocunda), ambos felizmente com bom prognóstico após a evacuação.

- A vivência da paz: aqueles almoços entre membros do batalhão e membros do PAIGC, no período que mediou entre o 25 abril e 25 agosto 1974 (regresso a Bissau), durante o período de retração do dispositivo.
Aquele convívio com os ex-inimigos não se esquece, incluindo as conversas respeitantes a ideologia política, um tema então tão apetecido pelos jovens milicianos portugueses.

Junto duas fotos e um texto que conta um episódio da minha vida no batalhão.

Com os meus cumprimentos
Manuel G. Valente Fernandes


Residência do célebre sr. Mário Soares, um dos dois comerciantes instalados em Pirada em 1975. Três dos alferes do Batalhão: Transmissões, Tesoureiro e Médico (eu à direita).


2. A minha história:

URGÊNCIA EM PAUNCA

Alferes miliciano, em 1973 era eu o médico do BCav 8323, em Pirada, mesmo junto ao marco fronteiriço 69.

Um fim de tarde, fui chamado ao bunker dos operadores de rádio, onde recebi um pedido de apoio do maqueiro que se encontrava no destacamento de Paunca, a cerca de vinte quilómetros, destacamento constituído por milícias e integrado no dispositivo do batalhão. Um homem, membro da população, estava com retenção vesical (incapacidade de urinar, apesar da bexiga cheia, provavelmente causada por adenoma da próstata). O procedimento adequado seria efectuar uma algaliação (introduzir na uretra do doente um tubo de borracha, adequada e macia e empurrá-lo até à bexiga) para permitir que a urina saísse e assim aliviar o doente.
O maqueiro nunca tinha realizado, nem sabia como realizar uma algaliação.

Falei com o comandante do batalhão que me confirmou o que eu já sabia: àquela hora não poderia sair um grupo de combate para me levar ao destacamento (não podemos esquecer o tempo que demoraria percorrer aquela distância numa estrada possivelmente minada); àquela hora também não teríamos apoio de helicóptero.

A retenção vesical provoca intenso sofrimento: o doente não poderia ficar à espera da algaliação que eu somente poderia realizar na manhã seguinte.
O meu maqueiro não poderia tentar a algaliação (mesmo com o meu apoio via rádio) por ser muito provável, não só não ter sucesso, como provocar um “falso trajecto” na uretra, com grave prejuízo para o doente.

Somente restava uma solução, provisória, mas com baixo risco para o doente: efectuar uma punção supra-púbica, isto é, perfurar a parede da bexiga do doente com uma agulha grossa, procedimento de baixo risco numa bexiga cheia, porquanto não se perfura o peritoneu, se a picada da agulha for efectuada a “rasar” o bordo do osso que temos sob os pêlos púbicos.

Dei indicação ao maqueiro para trazer o doente para o bunker do operador de rádio de Paunca, onde ficou deitado (os bunkers caracterizavam-se pelo tecto baixo). Disse-lhe para esterilizar uma agulha grossa, pelo método habitual (fervura em água num tacho).

Agulha esterilizada, indiquei ao meu (distante) colaborador que sob minha responsabilidade, iria perfurar a parede da bexiga do doente: Com terminologia pouco científica mas muito explícita, indiquei-lhe exactamente onde deveria perfurar a pele, com a agulha rigorosamente em posição vertical (o grau de sofrimento do doente “dispensava” a anestesia local).

Depois, fiquei ansiosamente à espera de notícias do meu maqueiro. E as notícias (de sucesso) foram um simples comentário, gritado de entusiasmo:
- Doutor, o esguicho de mijo chega ao tecto !!

Manuel Valente Fernandes


3. Comentário de CV:

Caro camarada Valente Fernandes
Não estranhes por ser eu a receber-te na Tabanca Grande. Primeiro porque sou eu que normalmente recebo todos os camaradas que se apresentam, pois sou uma espécie de relações públicas do Blogue; segundo, porque embora te tenhas dirigido directamente ao Luís, ele não poderia responder-te por estar ausente do País, em trabalho.

Outra coisa que não vais estranhar é o tratamento por tu, modo que não implicará uma comunicação menos respeitosa, porque estabelecemos que pessoas que viveram as mesmas dificuldades de guerra, suportaram aquele calor húmido, pisaram aquela terra vermelha, atravessaram as mesmas bolanhas, suportaram aqueles mosquitos e viram morrer ou ficar feridos os seus companheiros, devem deixar do lado de fora da caserna os seus títulos honoríficos (não as profissões), as suas habilitações (úteis para ajudar quem tem mais dificuldade de expressão), as suas antigas (ou actuais) patentes (servem só para identificação e estatística), a sua posição social e até a idade. O tratamento por tu estreita a amizade e a camaradagem, e desinibe.

A tua entrada vem aumentar o número de camaradas Médicos em campanha e outros que se formaram após o serviço militar, que enfileiram a nossa tertúlia. Correndo o risco de esquecer algum, no primeiro grupo estão: Amaral Bernardo, Mário Bravo e Pardete Ferreira; no segundo temos os camaradas: Vítor Junqueira, Francisco Silva, Ernestino Caniço e Caria Martins.
Espero não ter esquecido ninguém.
Tens uma série no Blogue dedicada aos nossos médicos, a que podes aceder a partir daqui:  Os nossos médicos

Dependendo do tempo livre de que dispões, gostaríamos que nos remetesses algumas das tuas memórias (em prosa e fotos), especialmente que nos falasses da tua vivência de jovem médico que teve de improvisar e colmatar a sempre presente falta de meios e de pessoal habilitado. Aliás, a história que hoje nos contas é a melhor prova do que acabei de escrever.
Na minha Companhia (independente) Médico e Padre era coisa rara, situação que se inverteu a partir da altura em que se reactivou o COP6, em Mansabá, que nos permitiu ter médico a tempo inteiro. Tínhamos também a sorte (sem desprimor para os camaradas Fur Mil Enfermeiros formados na tropa) de ter um Furriel Enfermeiro que já exercia a profissão na vida civil, o que nos dava uma certa confiança e era uma mais-valia para os médicos que por lá apareceram para exercer as suas funções humanitárias.

Já agora, uma coincidência engraçada. No passado sábado, no convívio da Tabanca dos Melros, em Fânzeres, conheci o ex-Fur Mil Enf. José Pereira da 2.ª Companhia do BCAV 8323. Lembras-te dele? Julgo que me disse ser de Lamego.

Desviei-me na conversa, mas acho que deixei o essencial. O Luís brevemente entrará em contacto contigo, dando resposta à tua mensagem que fica aqui publicada.

Pela minha parte fico disponível para qualquer esclarecimento.

Resta-me enviar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10478: Tabanca Grande (364): Júlio Madaleno, tocador de guitarra, feicebuqueiro e agora grã-tabanqueiro, nº 582, ex-fur mil, CCAÇ 1685 (Fajonquito) e CCAÇ 2317 (Gandembel) (1967/69)

Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 14 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha recensão relativa ao livro "Guerra de África - Guiné - 1963-74" do coronel Fernando Policarpo.

Com o meus cordiais e amigos cumprimentos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infantaria C.CAÇ. 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (2/2)

Francisco Henriques da Silva

Em 1968, com a saída de Schulz e o advento de Spínola, entra-se numa nova fase da luta que comporta um novo conceito estratégico da parte portuguesa. No que concerne o PAIGC, por um lado, este dispõe, agora, de armamento melhor e mais sofisticado (a introdução de foguetões de 122 mm, os mísseis terra-ar “Strella”, o morteiro de 120, etc.) as suas acções são cada vez mais ousadas e estendem-se na prática à quase totalidade do território e, por outro lado, no plano político-diplomático, desenvolve um conjunto de intensas actividades, em que se destacam a avalização do PAIGC por parte dos demais países africanos como único movimento de libertação representativo do território, uma audiência no Vaticano concedida pelo Papa e, finalmente, a proclamação unilateral da independência com o reconhecimento formal por parte da ONU e da maioria dos países ali representados.
Do lado português, Spínola, constata que se encontra numa “situação completamente degradada” (p. 77). Acossado em 3 frentes (Norte, Sul e Leste) reconhece que a guerra não pode ser vencida militarmente no terreno, mas que têm de se conquistar as populações. Elabora então o conceito “Por uma Guiné melhor” que visa subtrair os guineenses ao controlo do PAIGC participando aqueles activamente na defesa dos seus interesses e no desenvolvimento da sua terra. Não obstante, António de Spínola, não descura, antes pelo contrário, os aspectos operacionais e implementa uma orientação pró-activa (ofensiva), em que as “áreas controladas pelo PAIGC passaram a ser objectivo primordial do Comando-Chefe” (p. 81). Finalmente, começa a ser delineada uma estratégia negocial, intra muros e extra muros, tendo em vista, no primeiro caso, cativar populações e guerrilheiros para a causa portuguesa e, no segundo, trazer o PAIGC à mesa das negociações através de terceiros (Senegal). Esta estratégia negocial nuns casos falha redondamente (é o incidente da morte de 3 majores, um alferes e outros acompanhantes que iam negociar com guerrilheiros no chão manjaco, em Abril, de 1970) e, noutros, é inconclusiva (negociações secretas com o presidente senegalês, Léopold Senghor, no Sul do Senegal), até por falta de cobertura política de Lisboa e, por conseguinte, falha igualmente.

A fim de debilitar a capacidade operacional do PAIGC e de lhe cortar a principal base de apoio externa (a Guiné-Conakry), o Comandante “Alpoim Calvão propôs a Spínola a realização de uma operação para derrubar Sékou Touré “ (p. 95). Spínola tenta, mas falha, uma invasão da Guiné-Conakry, na célebre operação “Mar Verde”, com o objectivo de levar a cabo um golpe de Estado, visando alterar de raiz o regime político daquele país e destruindo as bases da “retaguarda político-logística” do PAIGC, bem como, a respectiva cúpula dirigente. O fiasco foi completo. Efectivamente, como refere Fernando Policarpo, “...a operação “Mar Vede” redundou num enorme fracasso, na medida em que os seus principais objectivos não foram atingidos” (p. 99). O resultado desta malograda operação, como não podia deixar de ser, afectou a credibilidade do governador e comandante-chefe: “deixou o general Spínola bastante fragilizado tanto na frente interna, como na frente externa” (p. 100) e obrigou-o a alterações estratégicas, até porque não dispunha de “luz verde” para prosseguir a titubeante via negocial.

Entretanto, a guerra prosseguia o seu curso, dispondo o PAIGC de mais e melhor armamento e de maior combatividade no terreno. Quando Portugal perde a supremacia aérea, pela introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra. Esta parece entrar então num “point of no return” e o PAIGC passa a dispor de um trunfo fundamental. Como refere – e bem - o autor, “a perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora deixaram de contar com ele durante as operações decisivas. Ciente dessa desorientação, o PAIGC desencadeou fortíssimos ataques contra os aquartelamentos de Guilege, Guidage no Norte e Gadamael no Sul. Desses ataques destacaremos Guilege, que acabou por ter sido abandonado sem preparação. Os outros dois foram mantidos a custo.” (p. 134).

Dois factos fundamentais são realçados o “inesperado assassinato de Amílcar Cabral” (p. 131), cuja autoria material é conhecida, todavia desconhece-se a respectiva autoria moral e a proclamação unilateral da independência (24 de Setembro de 1973). Com alguma prudência, o autor opina.: “não nos parece polémico concluir que, no caso concreto do T.O. da Guiné, a Revolução ocorrida em Portugal, no dia 25 de Abril, foi providencial pois, tendo em conta a progressiva degradação da situação militar, era previsível o colapso do Exército português num período relativamente curto, que poderia oscilar entre seis meses a um ano.” (p. 135).

Do relato do coronel Fernando Policarpo, três pontos merecem referência especial, antes do mais, a criação tardia (1963) de uma mera “Secção de Acção Psicológica, na Repartição de Informações do Estado-maior do Exército, que se revelou insuficiente” ( p. 59), ou seja os altos mandos militares parece não se haverem consciencializado plenamente das características de uma guerra subversiva e, nesse contexto, da importância da criação de um Serviço Nacional de Acção Psicológica que “contudo nunca foi criado” (p.60), mesmo com a evolução do conflito. Em segundo lugar, são de realçar as notórias deficiências na “intelligence”, bem patentes na operação “Mar Verde”, na introdução dos mísseis Strella, etc.

Finalmente, F. Policarpo comete um erro, considerando que os mandingas, a maior etnia constituíam a principal base de apoio e recrutamento do PAIGC. "Foram eles que lançaram a rebelião” (p. 67). Muito embora os mandingas tenham desempenhado um papel relevante na guerrilha, está historicamente comprovado que o grosso da tropa combatente era formada pelos balantas que constituem, de facto, a maior etnia da Guiné-Bissau (cc. de 30% da população total, contra 13% de mandingas – a 4ª etnia do país).

O livro encontra-se profusamente ilustrado com dezenas de fotografias da época e com uma interessante série de quadros explicativos que versam determinados temas específicos abordados genericamente no corpo do texto principal: uns biográficos, maioria (Honório Barreto, Teixeira Pinto, Marcelo Caetano, Amílcar Cabral, “Nino” Vieira, Spínola, Raul Folques, Luís Cabral) outros temáticos (Carta da ONU, Casa Gouveia, Clima e Doenças, Massacre de Pidjiguiti, PAIGC, ONU na Guiné, Berço do MFA).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)