1. Quadragésimo sexto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 20 de Janeiro de 2013:
DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (46)
O Cifra já não andava envergonhado, pelo contrário, a sua
reputação no aquartelamento agora é grande com respeito a
masculinidade, até já vinham ter com ele amigos de alguns seus
amigos meterem uma “cunha”, para esses amigos, que o Cifra
não conhecia, mas diziam que eram amigos dos amigos dos seus
amigos, que queriam ir com ele para a Tabanca.
Era mais ou
menos como quando o Cifra era criança, e se chamava Tó d”Agar,
e vivia na sua aldeia do vale
do Ninho d”Águia, e alguém
queria meter uma “cunha” ao
senhor “Regedor” ou ao “Guarda
Rios”, para fazer uma represa
nas terras alagadiças do
lameiro, passando por cima de
todos, roubando-lhes a água,
que muita falta lhes fazia às
suas sementeiras, e ficando a
rir-se dos outros, sem tirar a
referida licença. A estes
“amigos”, o Cifra ouvia-os e
depois ficava a rir-se
baixinho, pois as “bajudas” que
o Cifra levava algumas vezes ao
cinema, eram raparigas dignas,
com personalidade, bons
sentimentos, tinham bom
coração, dedicavam-se e eram
carinhosas, mas só para quem confiavam e acreditavam. Tinham
olhos na cara e eram inteligentes, mas derivado ao local onde
viviam, também eram um pouco selvagens, primitivas, tal como
gazelas, primeiro tinham que “cheirar” o corpo e sentirem o
sabor da pele, e só depois, o seu instinto, um pouco selvagem,
aceitava ou não conversa e convivência, e até acreditarem,
confiarem e começarem a ver os sentimentos da pessoa que com
elas falavam, por dezenas e dezenas de vezes, ia uma eternidade. O seu pai o “homem grande”, não deixava ninguém aproximar-se,
sem ser recomendado e verificar muito bem se é de confiança e quais as suas intenções, em outras palavras, era muito difícil o
contacto com essas “bajudas”, e se esse contacto fosse forçado,
era considerado crime, tanto na lei “Balanta”, como na lei de
Portugal.
Depois desta introdução, dizendo que o Cifra já anda um
pouco de cara levantada, vamos à continuação da história da
menina Teresa, que o Cifra já tinha dado como terminada, pelo
menos na Guiné, e que os antigos combatentes e não só, já devem
de estar fartos de ouvir, e vão dizer, lá vem outra vez com a
história da menina Teresa, que eu já não posso ouvir, e é
verdade, o Cifra também não. A menina Teresa, é de mais, sufoca,
e por mais voltas que dê,
não sai de cima de mim. Mas vamos
continuar, pois o
Cifra tem que
desabafar com alguém e
as vítimas são vocês
todos que têm pachorra
para lerem estes
escritos. Continuando. Finalmente foi encontrado quem
executasse o objecto
que a menina Teresa tinha encomendado ao
Cifra, e que os amigos
antigos combatentes e
não só, já sabem do que
se trata, mas para os
que só agora estão a ler a história, era um “Falo”, ou seja um
“Phallus”, ou mais propriamente um “Pénis” em madeira de ébano
preta, que a menina Teresa, uma solteirona que já tinha passado
dos “cinquentas”, e dizia que era para lhe dar melhor sorte na
vida, queria que o Cifra lhe levasse da Guiné, pois tinha visto
numa revista francesa, quando ia à cabeleireira na vila, fazer a
permanente e pôr um produto, que os antigos combatentes, também
já sabem de outros textos, onde ela é a protagonista, produto
este, que até cheirava mal, que também vinha de França, mas lhe
fazia desaparecer o bigode por uns tempos.
Ora o Cifra já tinha o objecto em seu poder e querendo, mais uma vez,
tirar este peso, que é a menina Teresa, de cima de mim, manda dizer num aerograma, que mandou para a mãe Joana, para
dizer à menina Teresa que já tinha arranjado, e tinha em seu
poder, a sua encomenda. Pronto, logo na próxima carta da mãe
Joana, lá vinha uma nota, bem visível num canto, a dizer
mais ou menos isto:
- “Tó d’Agar, não calculas a minha alegria. És um bom
menino, diz-lá, é grande? É jeitoso? É assim uma coisa que se
veja? Por favor manda-me a fotografia”!
O Cifra não teve outra solução, pegou na máquina, tirou uma
foto ao objecto mas como a máquina não tinha “flash”, que é
aquele clarão de luz, para tirar fotos dentro de casa, trouxe o
objecto cá para fora, onde havia sol, portanto sujeitou-se mais
uma vez aos comentários impertinentes do costume, quando o viam
com o objecto na mão, a ajeitá-lo, para o colocar em posição de
apanhar melhor luz, e também quando o amigo Braga, que lhe
revelava as fotos, de “borla”, nos Serviços Cartográficos do
Exército, na capital da província, viu a foto, também lhe mandou
um comentário não muito abonatório, mas vamos em frente. Mandou
a foto dentro de uma carta, com um selo dos grandes, tipo
losango, com a imagem de animais, que comprou nos correios da
vila.
A mãe Joana, quando o senhor Ezequiel, o carteiro, que
andava a fazer a distribuição das cartas de porta em porta, com
uma bicicleta, que tinha uma placa que dizia, “Propriedade do
Estado”, com uma bolsa de cabedal pendurada no guiador, que por
sua vez, também tinha fama de “galdério”, que na linguagem do
povo era andar a trás de tudo o que fosse saia, e era o marido da
dona Manuela, por sinal uma das maiores coscuvilheiras da vila,
que até diziam que já tinha ido ao posto da GNR, por diversas
vezes, por levantar “falsos testemunhos” e algumas “más
línguas”, até chegavam a dizer “que os punha”, que na linguagem
também do povo, que não era uma esposa fiel ao senhor
Ezequiel, pois andava
metida com o senhor Jaime
da Serração, pelo menos da
fama não se livrava. Continuando, a mãe Joana,
ao receber a carta, apalpa-a e vendo-a com
algum volume, viu logo que
devia ser fotografias. Pediu ao senhor Ezequiel, carteiro, que
tinha fama de “galdério”,
se a podia abrir e ler para saber novidades do
seu querido filho, que
andava a dar o corpo às
balas, lá na Guiné.
Resultado, na próxima
carta que o Cifra recebeu
da mãe Joana, vinha lá
tudo explicado mais ou
menos, com o escândalo
que se passou, quando o
senhor Ezequiel, o carteiro “galdério”, abriu a carta com a foto do “Pénis” de madeira de ébano preta, com a legenda, "menina Teresa, veja se gosta".
E vocês antigos combatentes, e
não só, agora vejam o resultado, a mãe Joana devia de pôr as
mãos na cabeça dizendo que o filho era um “mal educado”, pois
insultava a menina Teresa, a quem devia tantos favores, dizendo
aquelas palavras, daquele modo, com fotografia e tudo, e logo
assim secamente, “veja se gosta”. O senhor Ezequiel, o carteiro
“galdério”, ficou logo a saber que a menina Teresa procurava um
“objecto dos grandes”, com toda a certeza que contou à esposa
dona Manuela, que era a maior coscuvilheira da vila, e que diziam que andava metida com o senhor Jaime da Serração, enfim,
por algum tempo, a menina Teresa, que apesar de ser uma grande
desenvergonhada, pelo menos ainda não andava nas bocas do povo,
mas talvez com vergonha, não devia de ter vindo à vila fazer a
permanente, e o seu bigode, já se devia de
parecer com o do senhor Marechal Carmona, que
não tem culpa nenhuma de ser para aqui
chamado, mas de quem o Cifra, com todo o respeito, mostra a fotografia, só para exemplificar
o bigode.
O senhor Marechal Carmona até devia de ser muito boa pessoa, pois
quando morreu deu dois ou três feriados ao
Cifra, que nessa altura se chamava Tó d’Agar,
pois em sinal de luto, e a bem da Nação, não
houve aulas na escola na vila.
Se a menina Teresa, por qualquer outra razão,
continuar a ser um peso e não sair de cima do Cifra, ele tem que
desabafar, e todos vocês vão ser as vítimas, mas se ela lhe der
um pouco de descanso, quando o Cifra regressar a Portugal, vão
saber a desenvergonhada, que afinal ela era.
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Vd. último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2013 >
Guiné 63/74 - P10963: Do Ninho D'Águia até África (45): Os meus galões (Tony Borié)