segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12250: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (6): Carta de Marga ('Nino' Vieira) a Aristides Pereira, presumivelmente de meados de 1964, em que refere um desembarque das NT em Gampará, que terá provocado a morte de "22 pessoas do povo e umas vintenas de vacas" (sic)

1. Transcrição de mais um documento do Arquivo Amílcar Cabral (*), disponível no portal Casa Comum (projeto ligado à constituição de uma "comunidade de arquivos de língua portuguesa", liderado e desenvolvido pela Fundação Mário Soares).

Trata-se  de um manuscrito, de 5 páginas, não numeradas, sob a forma de carta, entregue por mão própria, assinada por Marga (pseudónimo de 'Nino' Vieira, comandante da Frente Sul,  mais  conhecido, no seio da sua tropa,  por Caby, ou Kabi, seu verdadeiro nome de guerra) (**) em que comunica a Aristides Pereira  (no exterior, em Conacri, com o cargo de secretário-geral adjunto do PAGC) que:

(i) chegou ao chão dos Nalús [, ou seja, o Cantanhez,  região de Tombali],  depois de concluída uma  missão nas outras zonas; (ii) dá conta do desaparecimento do comandante Honório Vaz na Zona 7;  (ii) relata sumariamente  as consequências do ataque  das tropas portuguesas  desembarcadas em Gampará, dias antes de ele chegar à região de Quínara; (iv) fala de queixas do povo contra Malam Sanhá (, comissário político que tinha feito, antes da guerra, trabalho de mobilização de pessoal na região de Fulacunda, sob as ordens diretas de Amílcar Cabral); (v) manda lista de camaradas que têm cometido crimes (sic) contra a população na região  de Quinara (, já antes o problema da violência perpretada contra elementos da população por combatentes do PAIGC, se tinha levantado, no Congresso de Cassacá, realizado de 13 a 17/2/1964, no setor de Quitafine) ; e ainda (vi) refere  ataque das tropas portuguesas à base central [, presume-se. no Cantanhez

Repare-se ainda no trecho da carta em que, depopis da denúncia do Malam Sanhá e de outros camaradas sobre os quais recaem graves acusações, o 'Nino'  manifesta ao Aristides  o seu interesse em falar direta e pessoalmente, sem qualquer intermediário,  "com o Secretário Geral [Amílcar Cabral], a fim de  [expor-lhe] uns certos problemas respeitantes à n[ossa] luta". Não podia ser mais explícito: "Tenho certos assuntos que pretendo pôr ao Secretário face a face". O mesmo é dizer que secretário só há um...

A carta não tem data, mas pertence ao lote da correspondência dos responsáveis da zona sul, relativa aos anos de 1963/64 (algumas  são ainda de 1962, quando já havia ações de sabotagem e escaramuças com as autoridades portuguesas, por exemplo, o ataque, gorado,  á esquadra de polícia de Catió, em que o próprio 'Nino' participa!).

Entretanto, cotejando-a  com outra, de 29/8/1964, [, também dirigida ao Aristides Pereira, escrita com a mesma  letra (perfeitamenet legível, e num português relativamente desenvolto, acima da média da literacia de outros comandantes) e em que Marga (i) se queixa da falta de professores, tendo só um professor, o Areolino,  para tantas alunos, (ii) agradece o relógio que lhe enviaram, e (iii)  requisita  sabão "asepso" (sic), ] não temos dúvidas de que se trata de correspondência datada dessa altura (agosto/setembro de 1964)...


Revisão e fixação de texto: L.G. (*)
____________________

2. De Marga [Nino Vieira,  comandante da frente sul, então com 25 anos, foto à esquerda, disponibilizada por Virgínio Briote (**)] para Aristides Pereira [, secretário geral adjunto do PAIGC, desde 1964,  a viver em Conacri, e então com 40 anos]

Camarada Aristides:

A vossa saúde em companhia dos n[ossos] camaradas, são os meus maiores desejos. Nós bastante bons graças ao Devino [Divino] e ao povo.

Comunico-vos que vim [acabei] de chegar no dia 7 ao [chão dos] Nalus, depois de ter conduzido a missão, que fui confiado a cumprir nas outras zonas. Claro que fiz uma boa viagem, donde contactei face a face com os camaradas e o povo, explicando-lhes a razão que levou o Secretariado a tomar estas decisões, a fim de melhorar a nossa condição de luta no interior.

Passei por diversas bases e tabancas do povo. Demorei um mês para concluir toda essa volta. Não tenho encontrado nenhum obstáculo durante a minha viagem, nem tão pouco tenho visto reservazinhas [sic] da parte dos camaradas. Depois de ter contactado com o povo, manifestaram bastante os seus apoios quanto à luta e à decisão que foi tomada ultimamente para unificação das zonas.

Temos colocado responsáveis dos sectores e de bases em todos os pontos indicados.

O camarada Honório Vaz não se encontra na Z[ona] 7 e ninguém sabe do paradeiro deste. Alguns dizem que está na zona e os outros dizem que foi para o Senegal.

Dias antes de [eu] chegar a Gampará, as tropas portuguesas desembarcaram aí, onde destruíram todos os bens do povo. Mataram 22 pessoas do povo  e umas vintenas de vacas.

Junto [h]ouve pessoas do povo que têm participado queixas contra o Malam Sanhá e outros. Junto segue a lista dos camaradas que têm cometido crimes contra a população na área de Quínara. Junto queria contactar com o Secretário Geral [Amílcar Cabral], a fim de expô-lo [expor-lhe] uns certos problemas respeotantes à n[ossa] luta. Tenho certos assuntos que pretendo pôr ao Secretário face a face.

Da minha ida a Cubisseco, aproveitei de [para] trazer para a base central a camarada Carlota da Silva, afim de auxiliar o Areolino Cruz nas instruções [aulas de alfabetização], porque ele sozinho não pode. Trouxe-a comigo depois de ter trocado com ela algumas impressões, na apresentação do João Tomaz e Guerra. Ela já se encontra na base e deve começar a dar instruções [aulas], dentro destes dias.

O Sadjá Bambé disse para dizer ao Luís [Cabral] de mandar-lhe o seu relógio se já estiver pronto. Agradeço mandar-nos oferecer fardas, porque as que os camaradas tinham, foram destruídas pelos portugueses.

No dia 20 deu-se um grande ataque nos arredores da base. As tropas inimigas avançaram até à base central e destruiram aí [sic]. Tinham com eles um guia que conhece muito bem o caminho.

Agradeço ainda de mandar-me oferecer sabão assép[tico], se possível. As mercadorias ainda não atravessaram a fronteira mas vou fazer tudo com que isso atravesse [sic].

Podem confiar [a]o portador desta [carta] de trazer aqueles materiais para defesa dos rios.

Portanto termino. Desejando-vos a todos um bom sucesso nos vos[sos] afazeres. Marga [Nino Vieira]


Fonte
(s.d.), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39133 (2013-11-3)

Para ampliar o documento clicar aqui:

Casa Comum

Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 04613.065.047Assunto: Comunica que chegou a Nalús depois de concluída a missão nas outras zonas. Desaparecimento de Honório Vaz. Ataque das tropas portuguesas em Gampará. Queixas do povo contra Malam Sanhá; lista de camaradas que têm cometido crimes contra a população na área de Quinara. Ataque das tropas portuguesas à base.

Remetente: Marga (Nino Vieira)

Destinatário: Aristides Pereira

Data: s.d.

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Correspondencia

Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 31 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12229: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (5): Relatório de 22/12/1966, assinado por Brandão Mané, sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá, reportando importantes perdas em homens e material

(**) Sobre o 'Nino' Vieira,  vd. aqui poste de 9 de março de 2009 >  Guiné 63/74 - P4001: Nuvens negras sobre Bissau (19): 'Nino' Vieira (1939-2009): tão bom combatente como mau político (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P12249: Agenda cultural (294): Lançamento do livro "Memórias de Quarenta", de autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), a levar a efeito no próximo dia 16 de Novembro de 2013, pelas 15 horas, no Hotel de Santa Maria, em frente ao Mosteiro de Alcobaça

C O N V I T E

O NOSSO CAMARADA JOSÉ EDUARDO REIS OLIVEIRA (JERO) CONVIDA A TERTÚLIA DESTE BLOGUE, E OS LEITORES EM GERAL, A ESTAREM PRESENTES NA APRESENTAÇÃO DO SEU PRÓXIMO LIVRO, "MEMÓRIAS DE QUARENTA", A LEVAR A EFEITO NO PRÓXIMO DIA 16 DE NOVEMBRO DE 2013, PELAS 15 HORAS, NO HOTEL DE SANTA MARIA, EM FRENTE AO MOSTEIRO DE ALCOBAÇA.
UM DOS ORADORES/APRESENTADORES DA OBRA SERÁ O OUTRO NOSSO CAMARADA VASCO DA GAMA


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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12225: Agenda cultural (293): Estreia do filme da jovem realizadora portuguesa Catarina Laranjeiro, "Pavia de Ahos", sobre memórias guineenses da guerra de libertação / guerra colonial. Doclisboa'13, hoje, 5ª feira, 31/10/2013, 17h00, Cinema São Jorge, Sala 3

Guiné 63/74 - P12248: Notas de leitura (531): "Cambança Final", contos de Alberto Branquinho (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2013:

Queridos amigos,
É do melhor que eu tenho lido, e maior é a satisfação por ele ser um de nós, na confraria.
Alberto Branquinho diz que a cambança é uma passagem para um outro lado de um rio. Por vezes uma fuga ou uma mudança. Pode ser uma partida ou um regresso. Cambança é uma memória, uma viagem que ele capta primorosamente nos seus contos. Ainda bem que aqueles lugares aparecem descontextualizados, como o rio Galola, o novo quartel de Cufia, ou a outra margem do rio Chalarol. Assim, tudo ganha em universalidade naquele mundo pequeno, concentracionário, dentro do arame farpado.
Estamos todos lá. Leio e releio, esta cambança é de um grande mestre.
Vou esperar por mais, pelo menos deste altíssimo nível.
Obrigado pelo teu talento, Alberto Branquinho.

Um abraço do
Mário


Cambança Final, contos de Alberto Branquinho

Beja Santos

O confrade Alberto Branquinho reservou-me uma das mais agradáveis surpresas da primeira metade de 2013: “Cambança Final”, Edição Vírgula, deste ano, é mais do que um livro da maturidade da escrita, revela uma grande mestria na linha do conto e no saber dedilhar as teclas dos sentimentos humanos no contexto de uma guerra. E aquela guerra foi a nossa, estamos todos lá, do atirador ao condutor, do cripto ao enfermeiro. Fez bem em descontextualizar onde decorre aquela guerra, qual aquele rio de amplas margens, que designações reais tinham aquele batalhão e aquelas companhias. Regista, com hábil concisão, como atua o informador, o jogador de lerpa, o furriel de origem cabo-verdiana. Nada de pieguices quando há explosões onde os corpos se desfazem, até porque a natureza se encarrega de limpar a destruição, como escreve magistralmente no conto “Despojos”: “Ia recomeçar a andar e olhou para o chão. Viu, junto ao tronco de uma árvore, três ou quatro formigas grandes, pretas que, com as pinças da cabeça cravadas, tentavam arrastar um pedaço de carne, ainda com um farrapo de farda camuflada agarrado. Com raiva, elevou o pé para esmagar as formigas (e, ao mesmo tempo, o pedaço de carne), mas susteve o pé no ar, com a perna fletida e acabou por dar um passo mais largo, passando adiante. Voltou-se para observar melhor e verificou que havia mais pedaços de carne. Pairava, cérebro vazio…”.

Mata virgem e lama, água e o céu estrelado, chuvas diluvianas, frases em crioulo e a propósito, a linguagem de caserna na justa conta, o caminhar noturno, a solidão mesmo quando temos muita gente à volta. E uma enorme capacidade de trazer a pilhéria e o tom zombeteiro que obriga a uma boa gargalhada. Por exemplo: “Ao fim da tarde, quando retiraram para o quartel, ao passarem próximo do poilão situado no entroncamento, alguns soldados notaram a existência de um cartão pendurado no tronco, batido pelo sol poente. Um furriel tentou aproximar-se do poilão. – Cuidado. Pode estar armadilhado. Estacou. De longe, a coberto da vegetação, tentou apurar a visão baixando com a mão esquerda a pala do quico, tapando o sol. Então leu: PESSOAL TURRA CUNVIDA CAPTÃO DE CUTOL PA BIBE 1 UISQUE NA MATA”.

Não é para todos esta capacidade de relevar o pícaro quando se marcha a arrastar o corpo, no auge do sofrimento. É um dom saber descrever um acontecimento corrente para um soldado branco que assusta o africano, tomando-o por feitiçaria, anda por ali o abismo cultural. Porque Alberto Branquinho, como na montanha russa, traça uma atmosfera de pânico, põe ali todos os traços da brutalidade e finaliza com um toque de facécia. O plausível diverte e comove. O furriel Melo vai tomar banho, avista uma cobra, foge espavorido a tapar as pudendas, não para de gritar e alguém comenta: “Acho que a gaja deu uma dentada na picha do furriel cripto”. O conto “Arroz Especial” é a profundidade do insólito, com nojo toda aquela gente vai descobrir que andou a comer arroz de jagudi, o impensável. O vagomestre e o cozinheiro têm uma enorme densidade que atravessa estes contos, são mal vistos, são detestados e, no entanto, são convocados para o prodígio de alimentar na mais extrema das monotonias, mesmo quando a cozinha é periodicamente escavacada e brio profissional sobrepõe-se à virtude militar: “Algumas vezes, mal atirava o fósforo e a lenha começava a arder, era um repente: PUM!!! Uma bazucada e ia toda a cozinha pelos ares. Logo a seguir, rebentava o tiroteio, de fora e de dentro do aquartelamento, acompanhado do fogo dos morteiros de ambos os lados. Quando acabava, o cozinheiro saía do seu buraco e berrava para além do arame farpado: 
- Cabrões! Filhos da puta! Escangalharam outra vez tudo! Um dia vou aí e fodo-vos a todos!

Era uma raiva muito grande, mas só de dois ou três minutos, porque depois entrava no abrigo privado e desatava a chorar”.

Em todas as circunstâncias, o Alberto Branquinho hílare é plausível e pela graça da escrita desconcerta e diverte fundo, é o caso daquele cabo Abel que nunca tinha estado em Bissau, agora está à espera de embarcar para a metrópole, ainda se sente a viver nos fundos das matas, na convivência das tabancas e é nisto que vai com a sua companhia fazer um cerco a um bairro periférico de Bissau: “Era já manhã. O pessoal que fazia o cerco sentava-se no chão, com a G3 entaladas entre os joelhos ou em cima das coxas, em atitude descontraída, que, em nada, se assemelhava às situações de tensão que, em circunstâncias idênticas tinham sido vividas em emboscadas ou cercos no interior da Guiné. De entre as casas, caminhado por uma vereda que passava ao pé do grupo de militares em que estava o cabo Abel, surgia uma rapariga negra, que vestia uma bata impecavelmente branca, trazendo consigo os livros escolares, agarrados contra o peito. O cabo Abel levantou-se e com a G3 a tiracolo, segurou o cigarro com a mão esquerda e com a direita barrou-lhe o caminho: 
- Bajuda, bô cá pude passa!

A moça que teria catorze ou quinze anos, parou por um momento, encarou o cabo Abel nos olhos e perguntou-lhe: 
- Porquê você não fala comigo português direito! E, contornando-o, continuou o seu caminho para Bissau.

O cabo, apalermado, ficou com o braço levantado, a vê-la passar”.

Momentos há em que o gargalhar acaba por comover tal a dor que provoca o desencontro entre quem está na guerra e espera ternura da retaguarda, escrito num aerograma, aqui o autor excede-se, criativo: “O Fabiano recebeu um aerograma e afastou-se, com o coração aos pulos. Sentou-se contra uma parede e, ao abri-lo quase o rasgou. Começou a ler: «Tu dizes que sais para batidas, patrulhas, operações e emboscadas. Ainda sais, dás uns passeios. Eu para aqui estou sozinha e é só de casa para o trabalho do trabalho para casa. Passear não posso é só missa aos domingos e…» Triste, amarrotou o aerograma e ficou muito tempo a olhar as biqueiras das botas.
Nunca mais escreveu para casa”.

Esgrimindo equívocos, tirando o máximo partido dos imprevistos, alcandorando a nobreza dos princípios e dos valores, posicionando numa grande angular os militares dentro dos destacamentos lá no ermo, Alberto Branquinho deixa um legado assombroso de contos intemporais sobre aquela guerra da Guiné, escritos com mão de mestre, porque a guerra foi aquilo tudo que ele arquitetou, entre as picadas e os rebentamentos, entre os mal-entendidos que a mata favorece, e a memória reaviva, numa explosão de luz, tudo o que por lá passamos.

É melhor ficarmos atentos a tudo o que ele ainda vai escrever, para nosso gáudio e para o (dele) dever de memória.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE NOVEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12231: Notas de leitura (530): "Atlântida", por João Augusto da Silva (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12247: Memória dos lugares (248): Em Gampará, sítio desolador, o dia mais feliz era quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau... (Amílcar Mendes, ex-1º cabo comando, 38ª CCmds, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá) > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gampará > Gampará >  1972 > Monumento da CART 3417 (Magalas de Gampará),  assinalando a passagem  por Gampará (e Ganjauará) da 38ª CCmds e de outars tropas especiais. Vê-se que por ali também passaram, ao serviço do COP 7 (Bafatá), vários DFE - Destacamentos de Fuzileiros Especiais (4, 8, 13, 21, 22), a CCP 121/BCP 12, a 2ª CCA - Companhia de Comandos Africanos, o 29º Pel Art e o Pel Mil 331.




Guiné > Zona Leste > COP 7 (Bafatá)  > Margem esquerda do Rio Corubal > Península de Gamapará >  Gampará > 38ª Companhia de Comandos > 1972 > O Comando Amílcar Mendes, hoje taxista na praça de Lisboa, e membro sénior da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.

1. No nosso blogue, temos 12 referências (ou marcadores) sobre Gampará e 3 sobre Gaujauará. Temos falado pouco sob esta pensínsula de Gampará, correspondente à margem esquerda do Rio Corubal e durante muito tempo um "santuário" do PAIGC. Era "chão beafada"... Já a Ponta do Inglês, com 23 referências, em frente a Gampará, na Foz do Corubal, mas na margem direita do rio,  tem tido mais "tempo de antena", uma vez que fazia parte do subsetor do Xime (Setor L1, Bambadinca)...

Nos últimos anos da da guerra (1972/74) passaram por lá, pela pensínsula de Gampará, de acordo com os nossos registos bloguísticos,  a 38ª CCmds e CCAÇ 4142 (*).  Mas houve mais tropa nossa, ao tempo em que Spínola fez uma grande ofensiva contra as chamadas regiões libertadas do PAIGC (por exemplo, o Cantanhez, embora já no fim do ano de 1972).

Está na altura de revisitar um poste antigo, do Amílcar Mendes, da 38ª CCmds, que conheceu o resort de Gampará (**), antes da malta da CCAÇ 4142. Quem tem trágicas memórias de Gampará e o nosso Victor Tavares e os seus camarasas da CCP 121 / BCP 12 que, uns meses antes, em 4/3/1972, sofreram 6 mortos e 12 feridos, no decurso da Op Pato Azul (***).


2. Memória dos lugares >  Gampará (38ª CCmds, agosto/dezembro de 1972)

por Amílcar Mendes [, foto atual, à esquerda]


(i) A cerveja de marca Mijo

Em Gampará não existe gerador. As noites são mesmo noite e, tirando umas chamas improvisadas nas garrafas de Cristal, nada se vê. No arame farpado duplo, os sentinelas esfregam os olhos para tentar distinguir vultos junto ao arame farpado. Pendem do arame centenas de garrafas de cerveja vazias que são o último grito em tecnologia de alarme. Nesta terra do nada, nada há. Temos uns bidões vazios, fizemos umas caleiras em chapa para apanhar a água da chuva e é dessa água que enchemos os cantis e nos lavamos.

A população beafada, embora seja muito hospitaleira, é muito ciosa das suas coisas e não abre mão dos animais, somos então obrigados a ir ao desenrasca até porque já atingimos a saturação dos petiscos de Gampará: cubos de marmelada com bianda, bacalhau liofilizado com bianda, chouriço intragável com bianda e tudo acompanhado por cerveja com temperatura ao nível do mijo...

Dizia-se então em Gampará,  quando os hélis vinham trazer mantimentos, que vinham entregar cerveja marca Mijo. Assim se vive em Gampará!


(ii) Feliz Natal e um Ano Novo cheio de 'propriedades'...

Todas as noites,  e sempre à mesma hora, na ausência de música, ficamos entretidos a tentar contar as morteiradas que brindam o destacamento do Xime! Ficamos à espera quando acaba lá e os tubos sejam virados para o nosso lado... Nunca na Guiné atingi um estado de magreza igual. Nunca na Guiné as condições de vida foram tão miseráveis.

Entramos no mês de Outubro [de 1972]  e vei o cá uma equipa da Emissora Nacional para gravar as mensagens de Natal para a nossa família. Não foi fácil. Todos íamos para um canto repetir vezes sem conta: Queridos Pais, irmãos e irmãs e restante família, desejamos um Natal feliz e um Ano cheio de 'propriedades'!... Esta ultima palavra era emendada mil vezes, que isto com os nervos e emoção não é fácil !

E como a ladainha era igual para todos, só muito depois é que muitos se lembravam que só tinham irmão ou irmãs, mas isso não era problema. Estavam presentes as Senhoras do Movimento Nacional Feminino. Animavam-nos porque a meio da mensagem muitos desatavam a chorar. Uma das Senhoras era de uma simpatia sem igual.(Só anos mais tarde soube que era a Cilinha!) .

(iii) O dia mais feliz: quando chegava a LDG com as 'meninas' de Bissau...

Em Gampará um dia verdadeiramente feliz para os militares era quando chegava a LDG e vinham as meninas de Bissau, trazidas pelo Patrão, e que tinham por missão aliviar o stress do pessoal.

As meninas chegavam, instalavam-se numa tabanca, o pessoal passava pelo posto de enfermagem (?), recebia o sabão asséptico, o tubo da pomada para meter pelo coiso acima a seguir ao acto... Entretanto formava-se a bicha e trocavam-se larachas para matar o tempo, do tipo Quando chegar a minha vez com tanta gente, 'aquilo' parece o arco da Rua Augusto!.

A seguir era rezar para que o esquenta não aparecesse...

(iv) O nosso regresso a Bissau

19 de Outubro de 1972.  Soubemos hoje que metade da 38ª CCmds regressa amanhã e outra metade irá permanecer aqui a fim de dar o treino operacional à CCAÇ 4142 até 3 de Novembro de 1972. O meu Grupo de Combate será um dos que regressa.

Gampará, com todas as privações, teve o mérito de reforçar ainda mais os laços de amizade e confiança da 38ª CCmds. Aprendemos na privação a dar valor às pequenas coisas que a vida nos dá. A amizade entre os praças, sargentos e oficiais é,  na 38ª CCmds, visível  a quem observa a Companhia de fora. Essa amizade irá refletir-se em diversas ocasiões e irá levar a Companhia a muitos sucessos na actividade operacional.

20 de Outubro de 1972. Pela MSG imediata 3831/c , a 38ª CCmds regressa a Bissau, donde segue para Mansoa [, CAOP1,] para um período de descanço, ficando apenas a realizar segurança imediata ao Aquartelamto. (Esse período de descanso só durou três dias, logo aseguir correram connosco para Teixeira Pinto, de tão má memória para a 38ª CCmds). (****)

Amílcar Mendes
1º Cabo Comando
38ª CCmds
Guiné 72-74

2. Comentários do editor:

A CART 3417  foi mobilizada pelo RAL 3. Partiu para o TO da Guiné em 26/6/1971 e regressou a 24//9/1973. Teve 4 comandantes, sendo o 1º o cap art António Ângelo de Almeida Faria...Esteve Mansabá, Bissau, Ganjauará, Quinhamel, Bissau e Quinhamel

A CCAÇ 4142/72 foi mobilizada pelo RI 1. Partiu para o TO da Guiné em 16/9/1972 e regressou a 25/8/1974. Comandante_ cap mil cav Fernando da Costa Duarte. Esteve sempre sediada em Ganjauará.
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Notas do editor:

Vd. poste de

(*) 3 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

(**) Vd 19 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2775: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (3): Nem só de guerra vive um militar

Vd. postes anteriores. desta série:

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador

(...) 15 de Agosto de 1972 - Pelas 09H30 do dia 15 de Agosto 1972, a 38ª CCmds segue via fluvial na LDG Alfange com destino a Gampará nos termos da mensagem Confidencial Imediata 3054/c, de 9 de Agosto de 1972, do COMCHEFE (REPOPER). Chega pelas 14h30 deste dia fazendo a sua apresentação e, passando a reforçar o COP-7 [Zona Leste, Bafatá], rendendo a 2ª Companhia de Comandos Africanos. (...)

(...) Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe. (...)

16 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1956: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (2): Passa-se fome, muita fome

 (...) 2ª quinzena de Agosto de 1972

Passa-se fome, mesmo muita fome. Saímos em patrulhamentos ofensivos dia sim dia não, para as regiões de Campana, Nhala, Guebambol, Ganjaurá, Sama, Gambachicha, etc. etc.

Dormimos em colchões pneumáticos mas já há muito que não tenho esse luxo porque as formigas roeram-me o colchão por baixo e estou a dormir no chão. A luz vem de candeeiros improvisados: uma garrafa de cerveja com gásoleo e com corda a servir de pavio.

Come-se muito mal, a não ser algum cabrito roubado ou alguns papagaios que se matam e o resto é bianda com marmelada, bianda com chouriço, bolachas com bianda e assim se vai vivendo. Perdi cerca de 10 kg até agora.

Tivemos problemas sérios com a população. O 1º cabo Simão (que meses mais tarde viria a morrer na estrada Teixeira Pinto -Cacheu) roubou um porco que se matou e assou no forno do padeiro para melhorar um pouco a diete do pessoal. Só que, e sabe-se lá como, o Homem Grande da tabanca descobriu e foi-se queixar ao comandante. Fomos obrigados a pagar o porco e de castigo fomos p'rá mata. (...)

(***) Vd. postes de:


9 de março de 2011 > Guiné 63/74 - P7916: Efemérides (61): 4 de Março de 1972, uma data trágica para a família pára-quedista: 6 mortos e 12 feridos, em Gampará, na margem esquerda do Rio Corubal (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)

(...) Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia, resultaram seis mortes, Alf Mil Pára-quedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa, 2 feridos graves e nove com menos gravidade, Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira, Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço, de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE" (...).

domingo, 3 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12246: O Nosso Livro de Visitas (168): Elisabete Gonçalves, filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe que pertenceu à CCAÇ 4142 (Ganjauará, 1972/74)

1. Mensagem de Elisabete Gonçalves (filha do nosso camarada Victor Gonçalves, Sargento-Chefe de Inf que fez parte da CCAÇ 4142, Ganjauará, 1972/74), com data de 22 de Outubro de 2013:

Caros Senhores,

Tenho vindo a publicar vários textos com memórias do meu pai, tendo sido bem aceites por camaradas e grupos do facebook. Se o achar digno de publicação no seu blogue, disponha.

Um abraço.
Elisabete Gonçalves



Guiné - Região de Quínara - Mapa de Fulacunda (1955) / Escala 1 por 50 mil - Posição relativa da Península Gampará e do destacamento de Ganjauará à guarda da CCAÇ 4142.

Ainda hoje, no desespero com que nos obriga a comer a última folhinha de alface da terrina da salada, eu sei que é verdade que nos 730 dias que passou em Gampará, aturdido em trincheira com o quase permanente arraial dos tiros de canhão sem recuo e mísseis (soviéticos?) dos “turras”, a beber água de um poço profundíssimo que entupia o sorvedouro com rãs e tão pouca que apenas dava para o rancho, em que o banho era tomado debaixo do pingante do telhado de zinco, esperando de sabão e toalha na mão que viesse a chuvada depois do aviso do trovão ao longe... que os parcos legumes frescos que comeu se contam pelos dedos da mão.

Sei-o na raiva com que não deixa ficar nada que seja verde no prato, mesmo que esteja já satisfeito... que é verdade!

Gampará ficava apenas a 60 km de Bissau e facilmente alcançável rio Geba acima, tal como fez o navegador Diogo Gomes no ano de 1456, numa planura que faz sentir à altura de 6 metros as marés do Atlântico. Um dos rios que são dele afluentes, o Corubal, faz no subir de maré alta o estranhíssimo “macaréu”, que ao fazer uma onda de quase três metros rio acima, obriga a saltar das pirogas os navegantes de “água-que-deveria-ser -doce", (...mas é apenas salgada e barrenta!) em verdadeiro pânico. A gigantesca onda varre tudo à sua passagem, galgando margens até se desfazer vencida por uma cota mais alta.

Do outro lado do rio,  mesmo em frente da península de Gampará.  fica Porto Gole, onde em "zebros" foram buscar gatos bravos, que os esfarraparam de arranhadelas na renitência de se verem metidos em sacos de serapilheira que antes estavam cheios de batatas, para debelarem a praga de ratos que assolou a península dos “Herdeiros de Gampará”... e a preciosa despensa da Companhia.

Durante dois anos, apenas interrompidos por uma breve visita à Metrópole que mal deu para afogar as saudades, a Companhia de Caçadores 4142 sobreviveu e resistiu, em surdez colectiva ao tiroteio cerrado, à escassez de alimentos frescos, ao racionamento da água potável, aos mosquitos e ratazanas, ao paludismo, ao calor húmido e abafado dos trópicos, ao macaréu... sucumbindo apenas às intermináveis barrigas de "lutador de Sumô” que lhes fazia a cerveja, mesmo no contragosto de quem nada mais tem de fresco para beber. Nas fotos que enviava, quase sempre em tronco nu, calções e grande bigode, invariavelmente a legenda dizia, depois dos beijos e saudades: “Pareço o Gungunhana!”

O 25 de Abril apanhou-o de surpresa em Bissau enquanto saia do Banco, fardado e de maleta preta com o dinheiro para pagar à Companhia, que preparava o tão ansiado regresso.

Às pauladas que o puseram como Cristo, a “esguichar sangue” cara abaixo, que lhe deu a turba eufórica de Guineenses que festejava a “queda do Império”, reagiu calado e aceitou-as sem se defender em troca de proteger a mala contra o peito... com o único “passaporte” que lhes garantiria o regresso.

Depois de dias a fio com músculos retesados da vigília, noites de sonos interrompidos e nunca silenciosos no medo de ter a garganta cortada à catanada, encontro agora explicação para os saltos de pânico que ainda hoje, volvidos tantos anos, dá em grito de “Que foi isto?!, quando no silêncio de uma casa na hora de almoço... se deixa cair um garfo estridente, na tijoleira da cozinha.

Chama-se a isto, sei-o agora, “Síndrome de Guerra”!
(Com Victor Gonçalves, Sargento Chefe de Infantaria, meu Pai).

Elisabete Gonçalves

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Sobre a CCAÇ 4142/72

Unidade Mobilizadora: RI 1 (Amadora)
CMDT: Cap Mil Cav Fernando da Costa Duarte
Partida: 16SET72
Regresso: 25AGO74


Síntese da actividade operacional:

Após realização da IAO, de 20SET72 a 17OUT72, no CMI, em Cumeré, seguiu em 18OUT72 para Ganjauará, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CART 3417.

Em 15NOV72, assumiu a responsabilidade do subsector de Ganjauará, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 7 e depois do BART 6562/72, tendo orientado a sua actividade para a redução do esforço inimigo na região e coordenação dos trabalhos de reordenamento das populações.

Em 01AGO74, foi rendida no subsector de Ganjauará pela 2.ª Companhia do BCAÇ 4612/72, recolhendo a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

(Pág. 413 da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - 7.º Volume - Fichas das Unidades-  Tomo II - Guiné)

OBS:- Emblema da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11873: O Nosso Livro de Visitas (167): Francisco Maria Magalhães Batista, ex-Alf Mil, integrado na CART 2732 em Setembro de 1971 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P12245: In Memoriam (167): Manuel Leitão Silvério, ex-alf mil, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje e Barro, 1968/70), mais tarde despromovido a 2º srgt mil, CCAÇ 2382 ( Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70) (Adriano Moreira, ex-fur mil enf, CART 2412)

1. Comentário,  ao poste P12241 (*), por parte do Adriano Moreira [, foto à direita, ao tempo da CART 2412, 1968/70]:  

Caros Camaradas,

O nosso malogrado camarada Manuel Leitão Silvério era o Comandante do 1º Grupo de Combate da CArt 2412 [Bigene, Binta, Guidaje e Barro, 1968/70] e, para que fique bem claro,  eu vou contar o acontecimento que motivou a sua despromoção.

Terá sido em Maio ou Junho de 1969,  estávamos nós em Barro e o Alferes Silvério recebeu a ordem de se deslocar com o seu Grupo de Combate até ao marco 133 ou 134 na fronteira do Senegal. 

Depois de reunido o seu Grupo,  chegou à conclusão que com ele os furrieis e praças somavam 14 ou 15 efectivos, pelo que foi falar com o Comandante da Companhia,  dizendo-lhe que achava um efectivo demasiado exíguo para a missão que lhe estava a ser atribuída.

Como o Comandante da Companhia não foi da mesma opinião, deu-lhe um prazo de uma hora para ele resolver se ia ou não.

Eu acho que todos os Camaradas falaram com ele para o demoverem daquela ideia. Eu falei com ele duas vezes,  chegando a dizer-lhe para ele sair fazendo só metade ou um terço do percurso, mas ele não se deixou influenciar persistindo na sua ideia inicial, pelo que o Comandante participou a ocorrência originando um processo que levou à sua despromoção.

Se se tivesse recusado a tomar parte numa operação,  possivelmente despromoviam-no a 1º Cabo.
Tenho muita pena que tudo isto tenha acontecido, principalmente a sua morte, pois ainda em Setembro passado fiz todos os esforços para ele vir à nossa reunião de graduados da Cart 2412, mas ele tinha sido precisamente internado nessa semana.

Lamento profundamente a sua morte, e à Família, Camaradas e Amigos apresento os meus sentidos pêsames.

Um grande abraço para todos.
Adriano Moreira
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Nota do editor: 


(...) Estava a minha Companhia sediada em Nova Lamego (2.º semestre de 1969), e por onde passava muita gente daquela zona do Gabú. Por lá, entre tantos, havia de passar o Manuel Silvério, provindo não sei donde, com destino a Bissau. Relembro que nos encontrámos na messe de oficiais, vinha fardado o alferes Silvério, e só esperava oportunidade de ter ingresso numa aeronave.

Passados alguns dias, porventura menos de uma semana, estando sentado no quartel à sombra de um poilão, ouço um cumprimento militar. Tentando indagar da sua proveniência, qual o meu espanto ao reconhecer o Silvério, mas na qualidade de 2.º sargento. Procurando tomar conhecimento da trama que lhe acontecera, foi lacónico, só me referindo que fora sujeito a um processo por indisciplina, e que o Comandante-Chefe o punira daquela forma. 


Do seu destino próximo, nunca mais tive qualquer conhecimento. Um dia, nos finais da década de 70, numa das principais ruas da cidade de Coimbra, casualmente encontro o Silvério. Tinha-se radicado nesta cidade, onde exercia as funções de delegado de informação médica.

Poucas vezes mais nos havíamos de reencontrar, e por escusa sua, nunca me deu a conhecer o que então lhe aconteceu na Guiné. Referiu-me já se ter esquecido desses tempos. (...)

Guiné 63/74 - P12244: Convívios (548): Uma festa em cheio, na sessão de lançamento do livro do José Saúde: Lisboa, Casa do Alentejo, 26/10/2013 (Parte II): Eis por que um alentejano nunca canta sozinho...


Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde, "Guiné-Bissau, as minhas memórias de Gabu, 1973/74" (Beja: CCA - Cooperativa Editorial Alentejana, 170 pp. + c. 50 fotos) (Preço de capa: 10 €) > O José Saúde vendeu e autografou dezenas de livros.

Em segundo plano, a filha Rita e o marido. A Rita é fisioterapeuta e é seguramente responsável, em boa parte, pela incrível recuperação  que o pai conseguiu fazer, das sequelas do AVC que sofreu há 7 anos atrás...



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > Dois alentejanos e camaradas do nosso blogue, o Fernando Calado (de camisola vermelha) e o Ismael Augusto.(Ambos foram alf mil da CCS/BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70).



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > Aspeto parcial da assistência. Em primeiro plano, o Fernando Calado e a esposa Rosa Calado, da direção da Casa do Alentejo (pelouro da cultura e património). Em segundo o plano, o Ismael Augusto e a esposa.


Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde >  Da esquerda para a direita, o José Saúde, o Mnauel Joaquim e o Fernando Calado. Infelizmente, não temos fotos de outros camaradas que compareceram à sessão, como o Pedro Neves (e esposa) e o José Vermelho.



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > No restaurante, o José Saúde, a dra. Rosa Calado e uma empregada da Casa do Alentejo, guineense, fula do Gabu!... A Casa do Alentejo tem cerca de 50 funcionários. E é um dos sítios de Lisboa onde vale a pena fazer, por exemplo, um convívio a nível de companhia. Tem todas as condições para isso. Fica aqui a sugestão. 





Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > No restaurante. Da direita para a esquerda, as esposas dos nossos grã-tabanqueiros Fernando Calado, Ismael Augusto e Luís Graça.



Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde > Atuação do grupo musical "Cruzeiro", de Vila Nova de São Bento, concelho de Serpa, e terra natal do nosso camarada Zé. (Infelizmente, não temos nenhum registo em vídeo da atuação deste grupo que se quis também associar à festa do nosso Zé. É possível, no entanto, encontrar, no You Tube, vídeos como este).






Vídeo (3' 22''). Alojado em You Tube > Nhabijoes


 Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de outubro de 2013 > Sessão de lançamento do livro do José Saúde... Depois da sua atuação, o  grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, não conseguiu manter-se calado...  Antes de regressarem a casa, ainda nos brindaram com a lindíssima canção tradicional  "Serpa de Guadalupe", cuja letra se reproduz a seguir... São quatro vozes magníficas do cante alentejano, que merecem ser divulgadas mesmo em condições acústicas más, com muito ruído ambiental... É um privilégio encontrar e comhecer, em Lisboa, gente de Serpa que canta assim... E ainda mais vinda de propósito a Lisboa para abrilhantar a festa de um amigo!... Zé, és um sortudo, apesar das partidas que a vida já te pregou...

Vídeo, fotos e legendas : © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados

Serpa de Guadalupe

Senti assim que cheguei
Apertar-me o coração,
Cantando p'ra ti chorei,
Tal é a minha paixão.

Oh! Serpa de Guadalupe,
Das muralhas, casas brancas,
Dos poetas e pastores,
Dos cantes até às tantas.

Não se cansam as gargantas
Dos teus filhos a cantar,
São preces à santa mãe,
Ao teu encanto sem par.

Senhora de Guadalupe,
Cantando te vou rogar
Esse milagre tão lindo
A Serpa um dia voltar.

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Nota do editor:

Três últimos postes da série >

29 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12219: Convívios (545): Uma festa em cheio, na sessão de lançamento do livro do José Saúde: Lisboa, Casa do Alentejo, 26/10/2013 (Parte I): Atuação do grupo musical "Os Alentejanos", de Serpa, que nos emocionaram, com a moda "Lá vai uma embarcação / Por esses mares fora, / Por aqueles que lá vão / Há muita gente que chora"

31 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12228: Convívios (546): XX Almoço/Convívio de ex-combatentes, promovido pelo Núcleo de Lagoa/Portimão da Liga dos Combatentes, que teve lugar no passado dia 20 (Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P12243: Parabéns a você (647): Ten-General António Martins de Matos, ex-Tenente Pilav da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12230: Parabéns a você (646): José Carlos Gabriel, ex-1.º Cabo Op Cripto do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)

sábado, 2 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12242: Blogpoesia (358): Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, / mas nunca com a saudade que temos dele (Juvenal Amado)


1. Mensagem do Juvenal Amado, com data de ontem:


Luis , Carlos, Virginio, Eduardo:  escrevi em memória do meu pai mas,  não querendo ultrapassar os limites em que cada um preste homenagem aos seus, dedico este texto a todos os nossos ausentes, Juvenal Amado.
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Nesta altura das nossas vidas em que  colecionamos retratos do passado, cumpre-se um ritual de ausência e saudade. Hoje é dia dos nossos que já partiram, mas que nunca poderemos esquecer.

Transmitir aos outros os nossos sentimentos,  sem pudor e sem reservas, é prolongar as memórias e não permitir que a sua passagem pelas nossas vidas se perca para sempre debaixo dos desafios do futuro.


Ali está para sempre  imóvel no meio de nós. 
Olhamo-nos numa pergunta muda, como é possível?
Esta dor indescritível, 
esta ausência que se anuncia, 
este vazio, 
este silêncio quase já sem lágrimas,
era o prelúdio da vida inteira sem ele.

Na casa ainda dele, 
arrancaram-se as portas dos lemes, 
subiram-no a pulso pelas escadas íngremes 
para que se cumprisse a sua última vontade. 
Velamos o seu corpo, 
na sua casa e no meio dos seus.

Dezenas de amigos passaram as portas escancaradas, 
subiram as escadas naquela noite fria de Janeiro, 
olharam o meu pai 
e cada um de nós 
como tudo se passasse de forma irreal, 
como se fosse uma pantomina trágica, 
em que cada um ocupava o lugar deixado vago 
com a sua partida desta vida.

Quantas conversas ficaram por acabar?
-Foi melhor assim! -
diziam-nos à laia de consolo.

Cada abraço que recebíamos 
era como uma prensa, 
esmagava-nos com a realidade, 
porque não há,  e nunca pode haver, 
conforto para o irremediável.

Tínhamos assistido ao último acto heroico daquele homem.

Conhecíamos as lutas, 
os seus sacrifícios, 
o seu amor, 
o seu profissionalismo, 
o seu acreditar inabalável, 
a sua enorme capacidade de pôr os outros primeiros, 
e acabamos por conhecer a sua capacidade de partir 
sem uma queixa, 
sem uma revolta, 
sereno 
e com a altivez de quem sabia há muito 
que aquele era um tempo que findava 
e sem retorno.

Estava com ele quando o médico desenrolou o verídico. 
Recebeu a terrível notícia como quem já sabia 
e, a sós, disse-me “isto fica entre nós”, 
como se fosse possível eu calar-me 
e carregar sozinho o peso da enorme desgraça 
que se abatia sobre nós.

Nós ainda tínhamos esperança, 
ele queria que nós a tivessemos 
e nunca estivemos tão unidos.

Ele ensinou-nos a viver a sua ausência, 
mas nunca com a saudade que temos dele.

Juvenal Amado 

[Fixação de texto: L.G.]
_________

Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12241: In Memoriam (166): Manuel Silvério, ex-2.º Sargento Miliciano da CCAÇ 2382 (Idálio Reis)

1. Mensagem do nosso camarada Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69), com data de 1 de Novembro de 2013:

Já é muito raro, não deixar de ler diariamente o “Diário de Coimbra”. O do dia de hoje, na parte dedicada à necrologia, refere a notícia do falecimento do Manuel Silvério.

Mas de quem se trata? Para além de tudo, a de um ex-combatente da Guiné, que vim a conhecer em circunstâncias bastante fortuitas e que só a guerra sabia gerar.

Estava a minha Companhia sediada em Nova Lamego (2.º semestre de 1969), e por onde passava muita gente daquela zona do Gabú. Por lá, entre tantos, havia de passar o Manuel Silvério, provindo não sei donde, com destino a Bissau. Relembro que nos encontrámos na messe de oficiais, vinha fardado o alferes Silvério, e só esperava oportunidade de ter ingresso numa aeronave.

Passados alguns dias, porventura menos de uma semana, estando sentado no quartel à sombra de um poilão, ouço um cumprimento militar. Tentando indagar da sua proveniência, qual o meu espanto ao reconhecer o Silvério, mas na qualidade de 2.º sargento. Procurando tomar conhecimento da trama que lhe acontecera, foi lacónico, só me referindo que fora sujeito a um processo por indisciplina, e que o Comandante-Chefe o punira daquela forma.

Do seu destino próximo, nunca mais tive qualquer conhecimento.

Um dia, nos finais da década de 70, numa das principais ruas da cidade de Coimbra, casualmente encontro o Silvério. Tinha-se radicado nesta cidade, onde exercia as funções de delegado de informação médica.

Poucas vezes mais nos havíamos de reencontrar, e por escusa sua, nunca me deu a conhecer o que então lhe aconteceu na Guiné. Referiu-me já se ter esquecido desses tempos.

No Blogue, constato que o José M. Cancela, da CCaç 2382 (P6184 de 18 de Abril de 2010) procurava o paradeiro de antigos companheiros, entre os quais mencionava o 2.º Sargento Manuel Leitão Silvério, que fora substituir o Furriel Joaquim Gonçalo, ferido gravemente num ataque ao aquartelamento de Buba. Curiosamente, este Gonçalo é natural e vive no meu concelho - Cantanhede -, e que muito alegremente viria a reencontrar nessa Buba, onde a minha Companhia permaneceria de 8 de Fevereiro a 14 de Maio de 1969.

O tear da vida tecendo um destino, faz desaparecer prematuramente o Silvério. Nesta sua partida, talvez alguns de nós saibam aportar mais alguns pormenores deste seu fadado itinerário militar.

Notícia triste quanto brutal. Eis que uma folha de Outono tomba para sempre, deixando-nos mais pobres, pois a perda de um amigo é sempre uma fatalidade pesarosa. Curvo-me em silêncio à perenidade da sua memória.

Até sempre.
Idálio Reis
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12223: In Memoriam (165): Sargento-Chefe na Reforma Fernando dos Santos Rodrigues, ex-2.º Sargento "Gato Preto" (José Martins / Arménio Estorninho)

Guiné 63/74 - P12240: Blogpoesia (357): Bendito sejas, meu paizinho (J. L. Mendes Gomes)


A Ti lembro…

por J.L. Mendes Gomes

[foto à esquerda, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado]


De quem me havia eu lembrar
Senão daquele que um dia
Me deu meu ser.
Me pegou pela mão
E me ensinou a caminhar.

Me explicou o que era isto tudo
Neste mundo que se me abria.

Uma coisa linda!...

Foi sua mensagem.
Ficou-me gravada
E vive sempre até morrer.

Bendito sejas,  meu paizinho.
A força que me dás,
Ainda é fogueira acesa,
Sem apagar.
Que me aquece.
Neste hora de tanto gelo.
Tanto fumo negro…
Onde meus olhos
Ficam quase cegos.

Ouvindo Ó Mio Bambino caro [, de Giacomo Puccini], por Carmen Monarca [cantora lírica brasileira, n. 1979]

Berlim, 18 de Fevereiro de 2013 – 6h19m

[Fonte: Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes - Baladas de Berlim. Lisboa: Chiado Editora, 2013, p.224. Coleção Prazeres Poéticos] 

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12131: Blogpoesia (356): Foi no tempo... (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12239: Os nossos seres, saberes e lazeres (59A): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (6) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 19 de Outubro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos o 6.º episódio da narrativa da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América, na companhia de sua esposa.





7000 milhas através dos USA - 6


Dissemos que dormimos em Deadwood, sim, fomos para a cama já passava da meia noite, e dormimos qualquer coisa, quando o barulho das festas e das motas acabou, já era alta madrugada.

O nosso destino a partir daqui era o Mount Rushmore, no mesmo estado de Dakota do Sul, assim tomámos o rumo do sul, atravessando a cidade de Rapid City, no mesmo estado de Dakota do Sul, que lhe chamam a “Gateway to the Black Hills”, ou “City of Presidentes”, onde habitavam os índios da tribo “Lakota Sioux”, antes da cultura do oeste ter chegado aquela área, que inicialmente era o nosso destino, pois estrategicamente situava-se quase no centro de todos os nossos locais de visita, e dizem que devido à sua localização, recebe milhares de turistas ao ano que se dirigem para Deadwood, Crazy Horse Memorial, Mount Rushmore, Devils Tower ou mesmo as Badlands.


Umas milhas mais, e chegámos ao Mount Rushmore National Memorial, que está localizado em Keystone, no estado da Dakota do Sul, e é uma montanha onde estão esculpidos os rostos de quatro presidentes dos Estados Unidos, sendo eles, George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Rosevelt e Abraham Lincoln, a ideia do pintor e escultor Gutzon Borglum, inicialmente, era para ser feito apenas um busto, mas houve muita indecisão em relação a qual deveria ser construído. Após a decisão do primeiro busto a ser construído, foram montados os primeiros andaimes em 1927, tendo demorado 15 anos para a obra ser terminada. O monumento é uma das atracções turísticas mais conhecidas do mundo, rendendo ao estado de Dakota do Sul, o cognome de “The Mount Rushmore State”, os gigantes rostos, medem de 15 a 21 metros de altura, e foram construídos com modernos instrumentos de engenharia, dinamite e martelos mecânicos, tudo isto a 150 metros de altura, na região de “Black Hills”.


Tem na frente da base da montanha uma pequena praça, com pilares e as bandeiras de todos os estados dos Estados Unidos, assim como salas onde é exibido filmes explicando a obra, museu das peças de ferramenta usadas na escultura e outras atracções.

Antes de entrar no Mount Rushmore National Memorial, atravessamos uma pequena ponte, considerada uma obra de arte, pois a sua construção é em madeira, mas com um arco gigante, que desperta a atenção do visitante.


O Crazy Horse Memorial, não fica muito distante, é na mesma área, com o GPS ligado, em pouco tempo estávamos no local. O Memorial consiste numa escultura na pedra da montanha, em homenagem ao famoso índio “Crazy Horse”, quando terminarem vai ser um monumento gigante, com planos para uma grande vila ou cidade na sua base, o autor da escultura Korczak Ziolkowski, que trabalhou na escultura de Mount Rushmore, depois de chegar ao entendimento com a pessoa que lhe sugeriu a escultura que era o chefe em vida dos índios Sioux, que sempre quis que a escultura fosse feita nas “Black Hills”, terra sagrada de Lakota, começou a escultura por volta de 1948, morreu em 1982, a sua esposa e os seus filhos continuaram a obra, vai com algum avanço. Dizem que todo o dinheiro realizado nas visitas e venda no local de artigos de artesanato são em favor da construção da escultura, neste local existem mesmo algumas oficinas de artesanato, onde algumas pessoas, oriundas de diferentes tribos de índios, vindas de outras regiões com por exemplo, do estado do Texas, do Arizona, do Novo México, do Nevada, do Wyoming, até de Montana, que ali trabalham, construindo objectos, fazendo esculturas, pintando quadros, com motivos que essas tribos usavam no dia a dia, centenas de anos atrás.



Ninguém sabe quando esta grandiosa escultura e toda a base, que será uma vila ou cidade acabará, mas prevêem mais de trinta, quarenta ou cinquenta anos, até ficar completa.

É uma visita que o Tony recomenda.


Ainda era de tarde, o sol ia alto, rumámos em direcção ao leste, a caminho do Atlântico, pela estrada número 90, parando no “Badlands National Park”, onde encontrámos pessoas que connosco se cruzavam em Mount Rushmore, no Crazy Horse ou até em Deadwood, e que tinham vindo de diferentes estados, já nos conhecíamos, e claro, falávamos palavras de circunstância, pedindo para tirar fotos juntos, e qual o melhor trajecto para chegar ao lugar tal, o que por ali havia mais para ver e outras coisas, que quem viaja gosta de saber. Aqui percorremos o parque, onde a terra tem uma dupla origem, por um lado o povo Lakota, chamava de “más terras”, e os caçadores franceses que habitavam a região diziam que “eram terras difíceis de atravessar”, estas terras são formadas por áreas raras mas intensas chuvas e escassa vegetação, que é uma perfeita receita para a erosão devastadora.


A paisagem é caracterizada por encostas inclinadas, terra solta e argila, facto que impede viajar confortavelmente por elas.

Continuámos rumo ao leste, viajando umas centenas de milhas, parando e dormindo na cidade de Mitchell, ainda em Dakota do Sul, onde havia dificuldade em arranjar hotel, onde a amizade criada em viajem com as tais pessoas conhecidas, e encontradas por diversas vezes nos mesmos locais, nos facilitou a informação para alojamento e comida, pois estando os hotéis, naquela cidade totalmente cheios, um desses casais, que viajavam naquelas potentes motos, e que já tinham reserva num hotel, para eles e para uns tantos casais companheiros, acomodaram-se como puderam em alguns quartos, cedendo-nos um desses quartos, que para eles estava reservado.

Boas pessoas, o pessoal das motos, regressavam a Chicago, partilhámos muita informação, comemos carne de búfalo grelhada e bebemos cerveja juntos, chamavam-nos de “Floridians”, porque éramos oriundos da Flórida, e nós depois de saber que eram oriundos da região de Chicago, chamávamos a essas simpáticas pessoas, “Al Capones”, e eles riam-se de contentes.

Tony Borie, Agosto de 2013.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE OUTUBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12169: Os nossos seres, saberes e lazeres (58): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (5) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12238: Estórias cabralianas (82): Quando cabeças e rabos não são equivalentes, e nem sempre dois mais dois são igual a quatro: O Sitafá, as fracções e as sardinhas (Jorge Cabral)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > Um bando de estômagos esfomeadas e sedentos para saciar...


Foto: © Jorge Cabral (2006) . Todos os direitos reservados [Edição de L.G.]


1. O alfero Cabral está quase a fazer anos!... A seis corrente...

E em vez de ser eu a dar-lhe uma prenda, foi ele quem, antecipando-se, ma deu a mim e a todos os demais leitores, seus fãs. E sempre foi a assim, desde que o conheço: generoso, desmedido perdulário, capaz de dar o corpinho a uma bajuda e ficar de tanga [, como se comprova na foto  à direita, retirada do seu álbum de recordações da vida castrense].

E já que faz anos, espero bem que este não seja mais um annus horribilis,  que é coisa que ele deveras não merece de todo... E que no próximo, finalmente, ele (e com ele todos nós) possa  ver a famigerada  luz ao fundo do tonel (ou, melhor, da garrafa)... Sim, por que quem viveu em Finete e em Missirá, a medida de todas coisas só podia a ser a garrafa (ou o bidão): a garrafa de uísque com água de Vichy ou de Perrier (nos bares seletos de Bambadinca) ou com a  água do Geba em bidão  (nas tascas do Cuor)... E quem não bebeu a água do Geba, nunca poderá entender a vida, o conteúdo e o continente das estórias cabralianas.

Pela minha parte, já tenho um prefácio, escrito há quatro anos, à espera que saia o livro das Estórias Cabralianas, tão ou mais desejado que El-Rei Nosso Senhor Dom Sebastião... Percebe-se a ansiedade dos seus fãs: afinal, na Guiné,  Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum!... (LG)


2. Estórias cabralianas > O Sitafá, as Fracções e as Sardinhas
por Jorge Cabral

Em Missirá durante dois meses, estivemos sem abastecimentos. Época das chuvas, o sintex e os dois unimogues avariados .Ainda tínhamos conservas,mas faltavam as batatas, o vinho e o arroz para os africanos.

Um dia porém, o Pechincha (**) conseguiu fazer dos dois burrinhos, um, que andava. Fomos a Bambadinca, deixando a viatura, à beira da bolanha de Finete, que atravessámos até ao rio, o qual cambámos na piroga do Fodé. 

No Batalhão, lá nos abastecemos do essencial, tendo como de costume o Alfero matado a sede, no Bar dos Soldados, no Bar dos Sargentos e no Bar dos Oficiais… 

Pelo fim da tarde quando nos preparávamos para o regresso, apareceu o vaguemestre da CCS com uma oferta para o Alfero. Um petisco, seis sardinhas... Chegados a Missirá, o Alfero chamou o Sitafá (**), puto que vivia connosco desde Fá, entregou-lhe as sardinhas e disse-lhe:
–  Agora é que vou ver se aprendeste as fracções. Somos nove. Quero que todos comam a mesma quantidade. Depois de assadas, repartes  pelos pratos. Mas diz ao Teixeirinha (o cozinheiro), que as sardinhas são um aperitivo, uma entrada. Ele que coza batatas para comer com atum. 

Dito isto, o Alfero retirou-se para o seu abrigo, deitando-se na cama a ver se dissipava “alguns vapores”.  Nem cinco minutos passados, surgiu o Teixeirinha, pois não percebera o recado do Sitafá. 
– As sardinhas eram um aprovativo para comer na entrada? Mas em que entrada?

O Alfero explicou, frisando que deixasse o Sitafá distribuir as sardinhas. Depois adormeceu. Após duas horas de sono, dirigiu-se ao pequeno refeitório, não tendo  já encontrado ninguém, salvo o Sitafá a chorar;
–  Que aconteceu ? – perguntou o Alfero.
– Eu acertei, mas os Cabos começaram a discutir. Disseram que não podia ser,  que duas cabeças não eram iguais a duas barrigas, nem a dois rabos. Estragaram as contas, Alfero! (Ele dividira cada sardinha em três partes,  cabeça, barriga e rabo,  cabendo duas a cada um).
– Deixa lá,   Sitafá! Passaste a prova das fracções. Mas olha que eles também  tinham razão. Cabeças e rabos não são bem a mesma coisa…

Jorge Cabral
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 30 de outubro de  2013 > Guiné 63/74 - P12222: Estórias cabralianas (81): Em Vendas Novas, de ronda, na Tasca das Peidocas (Jorge Cabral)

(...) Em Janeiro de 1969, eis-me garboso aspirante na E.P.A. [Escola Prática de Artilharia], em Vendas Novas. Ao contrário dos outros aspirantes, encarregados da instrução no C.S.M. [, Curso de Sargentos Milicianos], eu fui colocado na Secção de Justiça e na Acção Psicológica, sendo ainda nomeado árbitro de andebol da Região Militar. (...) 

(**) Vd. postes de:

18 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9223: Estórias cabralianas (69): Onde mora o Natal, alfero ? (Jorge Cabral)

(...) Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais.
Dizia um:
– Na minha terra…

E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia… (...)


5  de junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1816: Estórias cabralianas (23): Areia fina ou as conversas de Missirá (Jorge Cabral)

(...) Conheci muito bem o Alferes que esteve em Missirá nos anos de 1970 e 1971. Diziam que estava apanhado, mas penso que não. Era mesmo assim. Quem com ele privou em Mafra e Vendas Novas certamente o recorda, declamando na Tapada:
No alto da Vela
Fui Sentinela
de coisa nenhuma
Quem hei-de guardar
Quem irei matar…(...)