sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14177: Notas de leitura (673): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2015:

Queridos amigos,
As imagens com guineenses publicadas neste assombroso empreendimento de investigação que dá pelo nome de “O Império da Visão”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, faz-nos meditar sobre as expedições científicas e a surpreendente aliança de políticos nacionalistas portugueses com o credo maometano.
A Guiné tinha um peso específico no imaginário imperial: um surpreendente mosaico étnico num espaço tão exíguo; a fidelidade dos Fulas e dos Mandingas depois das operações de pacificação, que se prorrogou até à independência; e o facto de ter sido a primeira colónia europeia dos tempos modernos. Isto para já não falar do sentimento associado ao derramamento de sangue, tudo custou sangue, dor e doença, basta pensar na construção da Fortaleza de S. José de Bissau.

Um abraço do
Mário


Fotografia no contexto colonial português: o caso da Guiné(*)

Beja Santos

“O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014, é um extraordinário empreendimento historiográfico que coloca a imagem fotográfica em lugar cimeiro das fontes de investigação no nosso tempo. Como se escreve na contracapa: “A fotografia não foi uma mera ilustração das colónias. A fotografia criou experiências coloniais. Os estudos recentes sobre colonialismo reconhecem como, ao lado da documentação escrita, as imagens são determinantes para se compreenderem e estudarem os impérios. É por isso que esta aventura visual sobre o império português permite um ousado entrelaçamento de olhares: a fotografia como um instrumento inseparável dos vários saberes científicos que usaram as colónias como laboratório, da história natural com a antropologia ou à medicina; a fotografia como prova de violência ou de intimidação, afirmando o poder durante as guerras coloniais; a fotografia apropriada pelos sujeitos colonizados, mas também por europeus anticolonialistas, enquanto forma de resistência, no forjar de identidades nacionais”.

Falámos anteriormente da leitura da fotografia vista por pessoas que se combateram durante uma terrível guerra como foi a da Guiné: gente do PAIGC e gente que se pôs debaixo da bandeira portuguesa. Agora pretendem-se duas incursões bem distintas, olhar para fotografias da missão antropológica e etnológica da Guiné (1946-1947) e apreciar imagens de guineenses ou de muçulmanos que passaram por Portugal a pretexto de exposições coloniais, de prémios ou de viagens de muçulmanos a Meca.

O professor Mendes Corrêa era um dos mentores de uma antropologia que hoje está totalmente desacreditada. Ele escreveu um livro que teve sucesso no tempo, Raças do Império, que foi divulgado pela Editora Portucalense em fascículos colecionáveis, num total de 625 páginas, entre 1943 e 1945. Mendes Corrêa acreditava no caráter distintivo das raças e não escondia a sua convicção na superioridade dos brancos. Ele chega à Guiné num período científico febricitante: a missão Geo-Hidrográfica, Zoológica, Antropológica e Etnológica da Guiné, entre 1944 e 1946. Bissau acolhera a Semana do Império, em 1943, o V Centenário dos Descobrimentos da Guiné tiveram o seu epicentro em Lisboa mas comemoraram-se com distinção em Bissau, em 1946; a 2.ª Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, em 1947, são algumas dessas manifestações. Isto para significar que quando Mendes Corrêa chega à Guiné havia investigação e divulgação científica, contactos com organismos internacionais, e aspirava-se à constituição do Museu da Guiné Portuguesa. Da sua viagem à Guiné publicou-se um livro Uma jornada científica na Guiné Portuguesa, onde ele fala do estudo das etnias locais, recorreu a equipamento antropométrico transportado de Lisboa. O cientista pretendia realizar investigações de Pré-História, também. O resultado final foram clichés ilustrando indivíduos, masculinos e femininos, em duas poses invariáveis (frontal e de perfil), imagens estáticas. Como observa o autor do artigo, estas fotografias assumem, perigosamente, uma dimensão cenográfica passível de interpretações erróneas, o que limita a leitura do que efetivamente se pretendia captar.

Missão de Mendes Corrêa em Canhabaque, Bijagós, 1946

Os guineenses começam por ser acontecimento noticiado na I Exposição Colonial do Porto, em 1934. Aparecerão no Parque Eduardo VII poucos anos depois e desfilarão em 1947 na avenida da Liberdade no cortejo dos municípios, surgem escoltando o “Carro do Império”. O régulo Baró Baldé dirigiu-se ao Ministro das Colónias, capitão Teófilo Duarte, em nome dos régulos e teria dito: “Somos pretos da Guiné mas bons portugueses” e o Ministro das Colónias concluiu estar “em presença dos representantes das elites negras da Guiné, dos homens que são auxiliares preciosos da nossa tarefa civilizadora”. As elites negras a que o ministro aludia eram Fulas e Mandingas, procurava-se no fundo de uma aliança com os amigos dos portugueses que eram muçulmanos, outros políticos já tinham referido que os muçulmanos negros possuíam uma certa superioridade relativamente aos outros negros. Em 28 de Abril de 1953, Salazar concede uma receção aos muçulmanos da Guiné. E o jornal O Século escrevia que “Salazar apertou a mão e falou a todos eles, interessando-se por conhecer os seus nomes e indagando acerca das localidades onde desempenham as suas funções de direção de importantes aglomerados populacionais”.

Salazar cumprimenta régulos da Guiné em 28 de Abril de 1953

O autor do artigo refere que desde finais dos anos de 1950 que a política do Estado colonial se orientava para os muçulmanos da Guiné e assentava em duas práticas de “conquista das populações”: o financiamento da construção e da restauração de locais de culto e o patrocínio de peregrinações a Meca. A cobertura oficial destas últimas teve início em 1959 e até 1972 elas realizaram-se de forma regular todos os anos. Não há, evidentemente, ilusões dos intuitos de apoio a estas peregrinações, havia que mostrar ao mundo a realidade ecuménica da Guiné portuguesa. Estas peregrinações tinham um caráter turístico, havia que criar uma imagem de uma certa portugalidade: “Em 15 de Janeiro de 1971 partiu para Meca, via Lisboa, um grupo de 38 muçulmanos que ali vão em peregrinação. O grupo voltará a Lisboa em meados de Fevereiro, visitando na Metrópole os locais de maior interesse histórico e turístico, a convite da Agência Geral do Ultramar”.

Peregrinos guineenses a Meca junto da Torre de Belém, 1970

A lógica imperial há muito que firmara o conceito, de simbiose identitária que foi igualmente uma das retóricas desenvolvidas na nossa preparação militar, parecia um facto consumado: “Do Minho a Timor, homens de raças e crenças diversas comungam o mesmo sentimento de júbilo nacional, todos conscientes de que é do esforço comum que se obtém o êxito nacional”. A imagem da Guiné pesava muito: a pacificação e o sentido da ordem e daí o prémio em se ter transformado numa colónia modelo; a carga de exotismo, ver aqueles régulos como cavaleiros aprumados, na dianteira do Carro do Império, no Cortejo dos Munícipios, empunhando espadas erguidas na vertical. E aliança tácita que se estabelecerá entre o poder político, estruturalmente católico, e as etnias de pendor islâmico, tratava-se de uma aliança crucial, uma imagem de propaganda que se tinha que dar ao mundo naqueles tempos em que Portugal estava orgulhosamente só.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 19 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14163: Notas de leitura (671): “O Império da Visão, fotografia no contexto colonial português (1860-1960)”, com organização de Filipa Lowndes Vicente, Edições 70, 2014 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

Guiné 63/74 - P14176: Historiografia da presença portuguesa em África (53): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte V (Mário Vasconcelos): 4 firmas de Bissau: Benjamim Correia (fundada em 1913), NOSOCO (francesa), Augusto Pinto Lda, e C. J. Matoso (talho moderno)








Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Continuação da publicação de anúncios de casas comerciais, da Guiné. Reproduzidos, com a devida vénia, da em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*). Tem inegável interesse documental.

São uma gentileza do nosso camarada Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita] que descobriu um exemplar, já raro, deste edição, no espólio do seu falecido pai.

E, a propósito, faz hoje 52 anos que se iniciou, oficial ou oficiosamente, a guerra colonial na Guiné, com o ataque a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963. Tenhamos um pensamento de homenagem a todas as vítimas desta guerra, civis e miliaters,  de ambos os lados.


2. Numa destas firmas, a NOSOCO - Nouvclle Société Commerciale Africaine [e não Africane, mais uma gralha], com sucursais em Bafatá, Farim, Bolama, Bissorã, Sonaco e Nova Lamego, trabalharam camaradas nossos como o Mário Dias [. ex-srgt comando, reformado], bem como o pai do nosso amigo Herbert Lopes, mas também conhecidos militantes do PAIGC, como o João Rosa, que guarda-livros...

A NOSOCO era então uma das principais firmas da Guiné, na opinião (qualificada) do nosso amigo e camarada Mário Dias, a propósito dos acontecimentos de 3 de agosto de 1959, no cais do Pidjuiguiti: "as principais casas comerciais da Guiné (vou designá-las pelo nome abreviado como eram conhecidas, Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita, tinham ao seu serviço frotas de lanchas - umas à vela e outras a motor - que utilizavam no serviço de cabotagem transportando mercadorias para os seus estabelecimentos comerciais e, no regresso, traziam para Bissau os produtos da terra, principalmente mancarra e arroz. A maioria deste tráfego era pelo rio Geba, até Bafatá e, para o Sul, até Catió e Cacine."

Segundo Carlos Domingos Gomes. Cadogo Pai, as empresas francesas sediadas na Guiné (SCOA, NOSOCO,  CFAO) começaram a ter problemas de liberdade comercial, face à posição monopolista da Casa Gouveia, ligada ao grupo CUF. O Luís Cabral, meio irmão de Amílcar Cabral, era empregado da Casa Gouveia, guarda-livros. As casas comerciais de Bissau, tal como o futebol e o 1º curso de sargentos milicianos, de 1959, deram fornadas de gente... ao PAIGC!


Guiné > Bissalanca > c. 1958/59 > Fotografia tirada na despedida do gerente da NOSOCO, Monsieur Boris, que nesse dia regressava a Paris (está ao centro de fato e gravata). O João [da Silva] Rosa, o guarda-livros, [e que foi um dos fundadores do MLG - Movimento de Libertação da Guiné e um dos primeiros contactos políticos de Amílcar Cabral, tendo feito reuniões clandestinas, na sua casa, com o próprio Amílcar Cabral e outros nacionalistas guineenses, segundo informação do Leopoldo Amado, e que morreu em 1961, no hospital, na sequência da sua prisão pela PIDE], está na segunda fila à direita; à sua frente, o 2º da direita é o Toi Cabral. Os restantes elementos da foto são alguns (quase todos) dos empregados do escritório da NOSOCO em Bissau (MD)

O terceiro elemento do grupo, a contar da esquerda, é Armando Duarte Lopes, o pai do nosso amigo Nelson Herbert, e velha glória do futebol guineense... (Esteve em 1943 no Mindelo, sua terra natal, integrado numa força expedicionária, vinda do continente, que veio reforçar o sistema de defesa da Ilha de São Vicente durante a II Guerra Mundial; viveu depois, trabalhou e casou em Bissau.

Como nos relembrou o Nelson, o pai era então "um jovem, robusto, futebolista conhecido na Guiné (Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor de futebolista da UDIB, do Benfica de Bissau, internacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa..). Foi encarregado, por muitos anos, do porto fluvial de Bambadinca, e ainda se lembra de episódios do djunda djunda (braço de ferro) entre a JAPG (Junta Autónoma dos Portos da Guine) e a tropa, relativamente a um batelão, propriedade do primeiro e que fazia regularmente o trajecto Bambadinca-Bissau, mas que a tropa insistia em açambarcar... para revolta das população da zona leste, já que dessa boleia dependia o escoamento da produção local (caprinos e produtos hortícolas) para os mercados de Bissau... (Seria o BOR?).

O apelido Herbert vem de outro lado, de um avô materno francês, que foi o representante local, na Guiné, da CFAO - Compagnie Française de l'Afrique Occidentale, fundada em 1887, e que continua a ser um importante grupo económico, líder da distribuição especializada em África e nos territórios franceses do Ultramar.

Foto: © Mário Dias (2006) . Todos os direitos reservado

2. Temos inúmeros postes sobre a cidade de Bissau. Alguns de nós fizemos lá comissão, tendo por isso um conhecimento das suas ruas, praças, monumentos,  restaurantes, esplanadas, casas comerciais, etc.  É o caso por exemplo do nosso camarada Carlos Pinheiro (ex-1.º cabo  trms op msg, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70):

Vd. poste de 20 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

Outros camaradas viveram lá antes e depois da tropa, acompanhando o progresso da cidade, nos anos 50/60, como foi o caso do Mário Dias (ex-srgt comando, ref, trabalhou e viveu em Bissau na sua aolescência e juventude, tendo frequentado em 1959 o 1º curso de sargentos milicianos que se realizou no CTIG):


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Guiné 63/74 - P14175: Parabéns a você (850): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14172: Parabéns a você (849): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67)

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14174: Humor de caserna (39): A minha primeira viagem no Batelão Anita (José Brás)

1. Em mensagem datada de 20 de Janeiro de 2015, o nosso camarada José Brás (ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68) enviou-nos esta humorada história passada a bordo do Batelão Anita, aquando da sua ida para Meja após o regresso de férias da metrópole.

Uma pequena nota para saudar o nosso camarada José Brás que nos presenteia sempre com textos de elevada qualidade.


A MINHA PRIMEIRA VIAGEM NO ANITA

Bem!
E se teve uma primeira, terá de ter tido, pelo menos, uma segunda, dirão amigos que lerem isto.
E eu direi que talvez... que talvez tenha lógica o pensamento que os levará a reagir assim, ainda que também possam ser levados a erro de conclusão precipitada.

Imaginem que, fazendo uso do poder que tem sempre quem conta um conto, avance eu na conversa e esclareça que… “na minha primeira e última viagem no Anita”… e tal, uma espécie de xico-espertice despropositada, é certo, mas possível, e lá se vai a lógica da vossa conclusão borda-fora.
Mas não. Não será assim e estarão vocês certos, porque foram duas as viagens que fiz no batelão Anita, uma de Bissau a Gadamael-Porto, em Agosto de 67, e outra de Catió a Bissau, aí por fim de Abril ou início de Maio de 68.

Essa fotografia, aliás, foi tirada na primeira das viagens, no Rio Cacine, muito perto da localidade que dá o nome ao rio e antes de entrar no Rio Sapo um dos braços em que se multiplica e nos levava a Gadamael.

O Batelão Anita subindo o Rio Cacine
Foto: © José Brás

E tem uma história, esta foto, como de histórias estão cheias as duas viagens de que vos falo, picaresca esta, fonte de gargalhada, então, do pessoal que se vê esparramado nas tábuas do barco como se andasse ali por andar e sem pensar no Gadamael, nas emboscadas e nos fornilhos da estrada até Guiledje e Medjo, nas flagelações aos quartéis de cada um, nas bernardas no Corredor da Morte, no prato escasso à hora do almoço e do jantar… e mais picaresca ainda, uma outra história vivida em Catió, como se constatará se eu vier a contá-la aqui e vocês a lê-la… mais duras as outras histórias, sérias e bem sofridas mas sem fotos que as comprovem para além das que me restam na película da memória e juro serem tão verdadeiras e objectivas como eu próprio que aqui estou, ainda, não afiançando, contudo, que coincidissem tim-tim por tim-tim, se as ouvissem contadas por outros que também as viveram.

Mas peguemos nesta porque tem foto e que por tê-la e me ter chegado às mãos nas voltas que de vez em quando dou à caixa onde a guardo com outras, me reclamou o contar-vos.

Seguia eu de Bissau para Medjo na última etapa do meu mês de férias no puto, embarcado ao cair de uma noite no batelão Anita com companheiros de desditas, militares brancos de Gadamael, de Guiledje e de Medjo, talvez até de Cabedu, soldados locais de alguns desses lugares desse tempo como se vê na foto, não me lembro se algum civil também de regresso do Bissau.

Depois da partida, furando a noite já funda, desaba sobre o barquinho uma dessas bátegas habituais por ali em tal tempo. O barco tem apenas aquela espécie de barraca como protecção do piloto e o resto é campo aberto às grossas e intensas cordas da água que cai. O poço do porão vem carregado de farinha para os quartéis, tapada por um estrado de ripas e um encerado numa cobertura em duas águas.
No meio daquele quadro e já bem encharcados, chegou-nos à imaginação, a mim e ao Serra, de nos esgueirarmos para debaixo da cobertura e passar ali o tempo da bátega. Choveu noite dentro e quando saímos para a luz da manhã, toda a gente ria da figura que fazíamos. A farda, a cara e as mãos eram a imagem de um padeiro desajeitado depois de uma noite de amassar e tender. Sobre os sacos de farinha, com roupa molhada e secando no corpo, ganháramos farda nova na imaculada brancura marinheira, na pasta branca e já seca do calor do interior da protecção.

Tirámos a roupa, lavámo-la debruçados na amurada, estendemo-la a secar, mergulhámos para lavar, pele, cabelo, ouvidos, olhos… cueca e meias, e fizemos a última parte do trajecto para Gadamael no estado que se vê na foto, como lagartos esparramados ao Sol, beneficiando da benesse de um PAIGC ausente naquela vez nas curvas da água.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11875: Humor de caserna (38): Estou a fazer voar o meu pensamento (Tony Borié) (11): As ovelhas e a cabra do senhor Aniceto

Guiné 63/74 - P14173: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IV (Mário Vasconcelos): Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá: Jamil Heneni, Toufic Mohamed, Rachid Said, Fouad Faur, Salim Hassan ElAwar e irmão











Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]


1. Mais anúncios de casas comerciais, da Guiné, que foram publicados  em Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*)

Desta vez fizemos uma seleção dos estabelecimentos abertos em Bafatá... Há surpresas curiosas: já havia, na época,  telefone!... Há pelo menos um empresário com telefone, o Fausto da Silva Teixeira, dono de um serração mecânica, fundada em 1928.  Em Bafatá, deveria ter os escritórios e a residência. As serrações deveriam ser em Fá e em Banjara. [Haveremos de descobrir mais tarde que este homem foi deportado, sem julgamento, para a Guiné em 1925, no final da I República. alegadamente por pertencer ao Partido Comunista Português.]

Todas as caixas comercias têm caixa postal e endereço telegráfico. 

Por outro lado, há um comércio diversificado e até especializado: o Abílio Carvalho Vieira, na sua loja, têm uma secção de produtos farmacèuticos, e a pensão e restaurante Bafatá, além dos pratos regionais e cozinha transmontana (!), oferece "os melhores whiskys (sic) e cervejas geladas" no seu serviço de bar...

Há, pelo menos, 6 comerciantes libaneses em Bafatá, em 1956: 

(i) Jamil Heneni, com grandes plantações de arroz em Jabadá [e não Janbanda], na região de Quínara [, mais um imperdoável  gralha!]; 

(ii) Toufic Mohamed [ou não seria Taufic ? Muitos dos anúncios vêm gralhados;: por ex, Bambadinga, em vez de Bambadinca, Bajicunda em vez de Bajocunda; o que quer dizer a toponímica da Guiné era "estranha" aos nossos jornalistas e tipógrafos...];

(iii) Rachid Said

(iv) Salim Hassan ElAwar e irmão (com sede em Bafatá e filial em Cacine, e não Canine, como aparece no anúncio: mais uma gralha tipográfica a juntar-se a muitas outras desta edição especial da revista de Turismo...); há um membro da família, presume-se, Mamud ElAwar, que era um conceituado comerciante de Bissau;

(v) Fouad Faur, com lojas também em  Piche (grafado "Pitche"),  Paunca, Bajocunda  (grafad0 "Bajicunda") e Bambadinca.

Outro comerciante de Bafatá, com boa implantação no leste, era o Adelino A. Esteves, com filiais em Canquelifá, Saré Bacar e Cambaju.

Pela quantidade de anúncios publicados neste nº especial da revista, metropolitana, Turismo, dedicado à província portuguesa da Guiné) (*), parece que quase toda a gente quis "aparecer na fotografia".

Não sabemos se as grandes casas como a  Gouveia  e a Ultramarina também aparece neste "mostruário" das "forças vivas" da colónia, e nomeadamente as da esfera económica, constituída por  pequenos comerciantes e empresários, de origem metropolitana, cabo-verdiana e sírio-libanesa.

 Como temos vindo a observar, estes anúncios (que nos chegaram às mãos através do nosso camarada Mário Vasconcelos) são um preciosidade, pelas inesperadas informações que nos trazem de lugares que muitos  de nós conhecemos e cuja prosperidade económica, mesmo que relativa, vai ser posta em causa (e em muitos casos destruída) com o início da guerra, iniciada em Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963, vai fazer amanhã 52 anos!


 [Foto à acima: Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 21 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14169: Historiografia da presença portuguesa em África (48): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte III (Mário Vasconcelos)

Guiné 63/74 - P14172: Parabéns a você (849): Rogério Freire, ex-Alf Mil Art MA da CART 1525 (Guiné, 1966/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 Janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14168: Parabéns a você (848): João Graça, Amigo Grã-Tabanqueiro, Médico e músico que já visitou e trabalhou na Guiné-Bissau

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14171: Memórias de Gabú (José Saúde) (51): Sexo em tempo de guerra, memórias inegáveis. Tabu?

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.

As minhas memórias de Gabu

Sexo em tempo de guerra, memórias inegáveis
Tabu?

Indolente, obesa e com um falar melodioso a mulher grande impunha respeito à plebe que por norma a rodeava. A sua tabanca, simples e despida de preconceitos, situava-se entre o quartel novo, onde estava instalada a CCS do BART 6523, e Nova Lamego. Um passeio noturno da rapaziada levava o pessoal a uma visita espontânea à mulher grande.

Noites que procediam ao recebimento do fresco pré eram, normalmente, sinais evidentes para uma emboscada – sem armas pesadas apontadas ao IN ou de fogo cruzado entre as frentes em combate - dos soldados à porta da idosa senhora.

É do conhecimento geral, e não vamos escamotear a inadiável realidade porque se reconhece que o contraditório de opiniões existentes obedece a uma profunda vénia e consequente reflexão, que o sexo foi sempre uma evidente prática comum entre os seres viventes.

Desde os primórdios da humanidade que o ato se pratica em toda a sua extensão. Segundo relatos primários da Religião Cristã, Adão e Eva assumiram o sexo, ainda que virtualmente escondido sob o paladar de uma maçã, mas que no momento de calor e compaixão uniram os seus órgãos genitais e consumaram uma relação sexual.

Neste contexto, importa assumir o ato com frontalidade e não optar pela surdez, procurando o eventual pecador (?) espontâneo imitar a velha avestruz num austero deserto Australiano: ou seja, esconder a cabeça na areia para passar como um ser imaculado!

Os tempos de guerra, prova-se cientificamente, são propícios a encontros amorosos, embora estes se submetam a um clímax instintivo e de uma ocasião efusiva. A guerra do ex-Ultramar não passou incólume a desvarios praticados e não assumidos. A Guiné não foi um caso à parte.

Em Nova Lamego, independentemente de encontros afetivos debaixo de um silêncio colossal, havia quem fizesse render as aventuras de jovens em plena ascensão sexual a troco de patacão. Os pesos (escudos) na Guiné eram bênçãos divinas.

Na minha conceção, embora discutível, admito que o ato sexual praticado pela mulher não passava exclusivamente por uma mera venda do corpo mas pela maneira mais subtil em realizar uns magros pesos para sustentar inadiáveis compromissos familiares. Aliás, os “Filhos do Vento”, uma temática por mim levantada, sintetiza esta irreversível veracidade que nós muito bem conhecemos.

Negócio? Não! Isso eram compromissos de gentes feitas com o sistema. A mulher grande que eu conheci em Gabu tratava o assunto com uma ligeireza quiçá perversa. “Arranjava” bajudas e a malta despejava os seus espermatozoides em vaginas dilaceradas pelos muitos serviços prestados. Consequências? Tudo era tabu! Há quem se refugie numa mítica opção tentando a todo o custo tapar o sol como uma peneira.

Tímidos e envergonhados alguns camaradas afirmavam que voltaram virgens daquelas longínquas paragens africanas. As mãos arrogaram-se às brincadeiras de putos, advogam os mais incautos . Parafraseando um velho político, num momento áureo da Revolução de Abril, dizia ele para o camarada ao lado: “Olhe que não!”…

Não constringiremos cenas passadas. Verídicas! Assumo que não fui imaculado. Hoje, tal como sempre, dou a cara e falo abertamente de um assunto que tende cair no limbo do esquecimento. Deixo em prosa uma etapa da vida que não me passou ao lado. Pratiquei atos sexuais, sim senhor, como tantos outros camaradas de armas em terras guineenses.

Afirmo, com segurança, que numa noite quente, como era hábito, eu e outro camarada, furriel miliciano da minha Companhia, ousámos desafiar a escuridão da tabanca e fomos parar junto a um casal de idosos que gentilmente nos recebeu propondo-nos, de seguida, uma visita à casa do lado, onde uma bajuda feita a espontâneos favores sexuais nos recebeu. Aceitámos.

Discutimos os custos, acertámos o valor e, isoladamente, lá fomos fazer o respetivo serviço. Depois de pagarmos e no meio de uma franca cavaqueira apareceu-nos a bajuda, aquela que tinha saciado os nossos eternos anseios carnais, com uma deficiência descomunal numa das pernas. Infelizmente era coxa.

Ressalve-se, porém, que a rapariga era de facto bonita mas as contingências da vida carimbou-a com um enorme defeito físico. Olhámos um para o outro e em mansinho comentámos: “A nossa amante foi mesmo esta bajuda? Muito bem, o serviço está feito e nada a comentar”, ficou a experiência.

Chegados ao quartel, como era hábito, tomámos um delicioso banho com água barrenta e introduzimos na uretra do pénis uma milagrosa pomada que, ao que tudo indicava, queimava o mais atrevido intruso verme que, ocasionalmente, procurava poiso numa outra superfície humana até então desconhecida.

Numa outra noite e com a luz ténue de uma lamparina a gasóleo já à meia haste, fui ter com a mulher grande e perguntei-lhe se por acaso havia bajuda nova: a mulher já experiente nestas andanças e com um olhar vazio, olhou-me de alto a baixo e atirou-me com esta: “ei furrie você é comando… manga di mau”.

Sinceramente não me apercebi da sua ligeireza ao detetar no camuflado os dísticos que sempre transportava na farda. Acalmei-a e disse que era na verdade ranger, não comando, mas mau… nunca. Coloquei em solene a minha forma de ser e a cordialidade que sempre marcou a minha amizade para com o próximo. A conversa prolongou-se e às tantas, e num repente, a mulher grande brindou-me com o meu desejo. Ficou a certeza que outros anseios se seguiram.

De outros encontros imaginariamente amorosos ressalta também uma visita ao bairro do Pilão, em Bissau. Vagueando entre a imprevisibilidade de ruelas apertadas de tabancas nada iluminadas, algumas completamente às escuras, acompanhado de um velho amigo, desafiei o imprevisto e fui ao encontro dos imortais desejos sexuais.

Confesso que cheguei a temer a aventura. Passaram por nós homens negros, altos, de túnicas compridas, enfim, silhuetas que a determinada altura nos levaram a duvidar da fartura. Cumprimentávamos e eles, simpaticamente, respondiam. Tudo ok, comentámos.

O Pilão era um bairro dos subúrbios de Bissau onde a malta da metrópole por norma não passeava. A noite tinha um cunho arrojado. A palavra passava e os tropas arrepiavam caminho.

Todavia, ousei desafiar essa perigosidade e encontrei uma jovem mulher de corpo descomunal, a quem me entreguei por alguns momentos de delírio sexual. Paguei e aventura terminou aí. Nunca mais a vi!

Concluindo: Porquê escamotear verdades de jovens entregues a elementares gostos sexuais procurando, nalguns casos, tentar passar isento a constrangimentos entretanto criados? Tabu? Ou consequências lógicas dos nossos verdes anos e de uma guerra entretanto inacabada?

Ficam as perguntas avulsas para uma eventual troca de opiniões.

Resenha final: ASSUMAMOS! Deus fez o homem e a mulher e projetou os dois seres com um fim comum: AMAR E… PROCRIAR.

Um abraço camaradas, 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P14170: Manuscrito(s) (Luís Graça) (43): Um dia hei-de ir a Porto Azzurro

Um dia hei-de ir a Porto Azzurro

por Luís Graça (*)

De Piombino a Porto Azzurro,
no encalce de Napoleão,
o pequeno e genial corso
que ajudou a construir
a Europa das Nações.

Ah!, que ingratos
os tecnocratas de Bruxelas
que alimentam sonhos imperiais,
que nada sabem de história
e que não te puseram na lista dos pais-fundadores,
com direito a pensão vitalícia
e outras mordomias reais!

Que serias tu, bela Itália,
sem o safado parteiro da Europa
e os seus canhões ?
E tu, Garibaldi,
mais os teus descamisados,
e os teus pernetas,
como chegarias a Nápoles e a Palermo,
para conquistar o último Reino das Duas Sicílias ?

Na ilha de Elba, estudo estratégia
que é a arte do general,
do capo,
do condottiere,
do conquistador.
E observo o preclaro voo dos pássaros,
que não têm bússola,
nem GPS,
nem telemóvel,
nem o Google Earth,
e que nunca se perdem
entre o alfa e o ómega,
o norte e o sul,
o leste e o oeste.
Pelo menos não conheço
nenhum brevet de piloto ornitológico.

Nove meses é o tempo suficiente
para se nascer e se morrer,
entre a ilha de Elba e a estação de Waterloo.
É o tempo ontológico,
o do ser e do saber-ser.
E num só dia dei a volta à ilha,
de bicicleta,
um fait-divers que hei-de pôr
no meu currículo hipocrático.

Move, Europe,
mexe-me a merda desse rabo,
levanta o cu do selim,
põe-me essa mama tesa,
pedala, Europa, velha Europa,
anaconda,
eriçada,
anafada,
encastelada,
cercada,
crispada,
na tua feia fortaleza de Schengen.

Em Porto Azzurro
percebi que pode haver dias felizes
na vida dos homens e das mulheres.
Apaixonei-me pela felina Ornella,
a Muti,
a deusa mediterrânica,
que guardava na Ilha de Monte Cristo
os segredos do amor,
o elixir da vida,
que é breve a vida do espadachim
que há em ti
e que há em mim.

Ainda se podia pressentir,
ao pôr do sol na ilha,
na ponta mais além,
a presença encantatória
do Alexandre Dumas,
romântico ma non troppo,
em recorte subtil,
em versão light.
Que a ficção fica sempre aquém
da vida…

Mas do que eu mais gostei
foi de dançar o Dime la verità
com os guardiões da ilha,
os velhos e as velhas de Seccheto,
quiçá os últimos habitantes,
da velha Europa
que eu amo,
ou da bela e pimba,
divina, pérfida, mafiosa Itália
que me repele e me seduz.
Ele há coisas
que os miseráveis tecnoburocratas de Bruxelas
e os seus lacaios
nunca entenderão.

Em Porto Azzurro,
olhando em redor o mare nostrum,
o mar que já foi nosso,
e as ruínas da minha civilização,
ou o esqueleto do vosso projeto europocêntrico,
estudei filosofia,
fui discípulo do Erasmus,
voltei à escola de Salerno,
reli o seu livrinho de cabeceira
sobre a arte de conservar a saúde
e manter o equilíbrio dos quatros humores,
e percebi, mesmo que por breves instantes,
a importância da ontologia,
que é o tratado que trata
mais do ser do que do ter.
Do ser autêntico,
sem jantes
nem implantes.

Luís Graça
v8 21jan2015
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(*) Com o João Graça (**),

Foto de João Graça (2006), em Porto
Azzurro.  Cortesia  do autor
(**) ELBA > A viagem de Piombino, na costa toscana, a Porto Azzurro, em Elba, faz recordar aquilo que terá sido a deportação de Napoleão, em Maio, mas de 1814. Aqui viveu durante 9 meses, onde partiu rumo a Paris para reconquistar o poder. Mas foi derrotado na famosa baltalha de Waterloo em Junho de 1815. Dizia eu que a viagem, aparte o barco hoje movido a motor, faz recuar a esses tempos. Tempos de definição geo-política europeia. Pelas ilhas selvagens, pelos aves que me giravam em torno, pela vegetação verdejante e inóspita.

Em Porto Azzurro passou-nos pela cabeça a ideia mais iluminada destes dias. A de alugar bicicletas para nos deslocarmos ali. Dito e feito. Ao fim da tarde chegamos à outra ponta para um merecido repouso, depois de um longo caminho que terminava com 4 km a subir. Do lado sul da ilha avistava-se a ilha de Monte Cristo, que serviu de inspiração a Alexandre Dumas. Recordo-me de seguir apaixonado a mini-série "O Conde de Monte Cristo",  com Gerard Depardieu e Ornella Muti. E qual o meu espanto, quando a vejo, diante dos meus olhos, ali, vejo a ilha de Monte Cristo.

O dia, no entanto, estava ainda longe de acabar. Apesar do cansaço físico, e mesmo depois de tanta boa disposição, ainda tivemos pedalada para dançar numa festa popular em Secchetto. Nada sabíamos desta festa. Encontrámo-la por mero acaso. Gente dali, daquela terra longe de tudo, mas cheia de hospitalidade. Dançar com os velhotes música pimba é uma experiência que todos nós já passámos, nalgum dia de Agosto da nossa vida quando se volta à terrinha e se encontram os emigrantes (como eu). Mas dançar o "Dime la verità" com os velhotes de Secchetto é único. Juro-vos...

JonnyGrace [João Graça] > arriverdecci portogallo > 1/6/2006 > Elba

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Nota do editor

Guiné 63/74 - P14169: Historiografia da presença portuguesa em África (51): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte III (Mário Vasconcelos)






1. Mais alguns anúncios de casas comerciais, da Guiné, que foram publicados na revista Turismo, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.


Tudo indica que, neste nº especial da revista, dedicado à província portuguesa da Guiné) (*), toda a gente tenha querido "aparecer na fotografia". Referimo-nos às "forças vivas" da colónia, e nomeadamente as da esfera económica, os pequenos comerciantes e demais empresários, portugueses, caboverdianos e libaneses, que operavam na Guiné.

Na amostra de hoje, temos: 

(i) o José Zauad (que, pelo apelido, parece ser libanês),  que tinha estabelecimento comercial em Campeane, na região de Tombali!...

(ii) o Armindo G. Ferreira, estabelecido em Cadique, Catió, também na região de Tombali;

(iii) o José David Doutel, de Cadique. Salancaur, Catió, região de Tombali;

(iv) e, por fim, o António R. Silva Ribeiro, que seria de Bissorã, e não de Comissorã (mais do que provável gralha tipográfica).

Todos se dedicavam ao "comércio geral: compra e venda de produtos da província"... Em 1956, era já "politicamente correto", escrever-se "província" e não "colónia", como mandava a reforma administrativa ultramarina de 1951.

 Como temos vindo a observar, estes anúncios são um preciosidade, pelas inesperadas informações que nos trazem de gentes e de lugares que vão ser varridos pela guerra, oficial ou oficiosamente iniciada em  Tite, região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963...

Refletem, por outro lado,  o clima de relativa tranquilidade e prosperidade em que então se vivia, em 1956... No texto a seguir, apresentam-se alguns dados sobre a economia da época, de acordo com a citada revista Turismo, de jan/fev de 1956. 

O grosso das exportações  (87%, em tonelagem) ía para duas oleaginosas, o amendoim e o coconote. Por outro lado, numa década (1941-1950), as importações passavam de 49 mil contos para 128 mil (um aumento de 260%). As exportações, por sua vez,  passavam, no mesmo período, de  65 mil para 118 mil contos (um aumento de 180%).

[Foto à direita: Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74]


Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

Guiné 63/74 - P14168: Parabéns a você (848): João Graça, Amigo Grã-Tabanqueiro, Médico e músico que já visitou e trabalhou na Guiné-Bissau

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P14161: Parabéns a você (847): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apont de Armas Pesadas do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)