quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14169: Historiografia da presença portuguesa em África (51): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte III (Mário Vasconcelos)






1. Mais alguns anúncios de casas comerciais, da Guiné, que foram publicados na revista Turismo, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2.


Tudo indica que, neste nº especial da revista, dedicado à província portuguesa da Guiné) (*), toda a gente tenha querido "aparecer na fotografia". Referimo-nos às "forças vivas" da colópnia, e nomeadamente as da esfera económica, os pequenos comerciantes e demais empresários, portugueses, caboverdianos e libaneses, que operavam na Guiné.
Na amostra de hoje, temos: 

(i) o José Zauad (que, pelo apelido, parece ser libanês),  que tinha estabelecimento comercial em Campeane, na região de Tombali!...

(ii) o Armindo G. Ferreira, estabelecido em Cadique, Catió, também na região de Tombali;

(iii) o José David Doutel, de Cadique. Salancaur, Catió, região de Tombali;

(iv) e, pro fim, o António R. Silva Ribeiro, que seria de Bissorã, e não de Comissorã (mais do que provável gralha tipográfica).

Todos se dedicavam ao "comércio geral: compra e venda de produtos da província"... Em 1956, era já "politicamente correto", escrever-se "província" e não "colónia", como mandava a reforma administrativa ultramarina de 1951.

 Como temos vindo a observar, estes anúncios são um preciosidade, pelas inesperadas informações que nos trazem de gentes e de lugares que vão ser varridos pela guerra, oficial ou oficiosamente iniciada em  Tite, região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963...

Refletem, por outro lado,  o clima de relativa tranquilidade e prosperidade em que então se vivia, em 1956... No texto a seguir, apresentam-se alguns dados sobre a economia da época, de acordo com a citada revista Turismo, de jan/fev de 1956. 

O grosso das exportações  (87%, em tonelagem) ía para duas oleaginosas, o amendoim e o coconote. Por outro lado, numa década (1941-1950), as importações passavam de 49 mil contos para 128 mil (um aumento de 260%). As exportações, por sua vez,  passavam, no mesmo período, de  65 mil para 118 mil contos (um aumento de 180%).

[Foto à direita: Mário Vasconcelos, ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72, Mansoa, e Cumeré, 1973/74]


Fotos: © Mário Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

9 comentários:

Antº Rosinha disse...

Sobre pequenos comerciantes portugueses, eram aos milhares em África.

Angola e Moçambique principalmente, mas muitíssimos no ex-Congo Belga, Francês e Gabão.

Embora com as fugas dos franceses e belgas devido às convulsões das independências, naquelas colónias francófonas, os comerciantes portugueses continuaram com a protecção das novas autoridades e acarinhados pelos indígenas.

E os indígenas das colónias portuguesas também queriam lá os "comerciantes do mato".

Mas, e aqui entra a porca da política que até chegou virar jovens estudantes/doutores/cantautores, filhos desses mesmos comerciantes (semi-analfabetos), a cantautar contra os próprios pais "exploradores" dos pretinhos coitadinhos.

Lembrar que Mário Vasconcelos quando apresenta aqueles resultados de produção agrícola de 1956, passados 20 anos (1976) com as políticas do agrónomo Amílcar, e do Contabilista Luís Cabral e do poeta Vasco Cabral e do guerrilheiro Nino, essas estatísticas eram mais fácil de fazer.

Era simplesmente ZERO, pois os indígenas negaram-se a trabalhar para os "armazens do povo".

Fome? alguem sabe o que é fome?

Eu pensava que era não ter comida mas não, é ainda pior, é nem poder ir a casa que tem lá crianças inanimadas.

Era aqui que os guineenses se lembravam dos comerciantes do mato que vendiam 1 peso de sal ou 1 peso de arroz.

"paguei para ver" sem aspas!

Anónimo disse...

Estas informações do Mário Vasconcelos, sobre a Guiné de 195, são muito interessantes e acrescentam, de facto, o valioso espólio do nosso blogue. Em 1965 e 66 algumas destas casas comerciais ainda operavam na Guiné, caso da casa Tomé (um dos sócios, julgo era tio do então Tenente Tomé, da PM em Jan 65). Parabéns ao Mário Vasconcelos.
V Briote

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Fico satisfeito por ter visto uma foto de Campeane (no Quitafine) onde nunca fui, mas parece-me que o PAIGC dominava fluentemente. Esta publicação mostra-nos o "tecido empresarial" da Guiné e as suas principais actividades económicas. Turismo? Não se vê na publicação. Quem é que quereria ir fazer para uma terra daquelas. Este documento vale (muito) como descritor de um barril de pólvora que tinha todas as possibilidades de rebentar. As Características sócio-económicas que se deduzem dele levam a concluir que embora tudo corresse bem, as "coisas" estavam a ficar mal.
Um Ab.
António J. P. Costa

Luís Graça disse...

Já agradeci ao Mário Vaconcelos por nos ter enviado todos estes recortes (e são muitos!) da revista Turismo, sobre a Guiné de 1956, quando já sopravam, ameaçadores, os "ventos da história"...

O Mário é um homem atento e de grande sensibilidade no que diz respeito à documentação sobre a Guiné... Afinal, o que é que nós sabíamos sobre aquela terra ?

Repare-se nos dados económicos: a Guiné exportava fundamentalmente duas oleaginosas (amendoim e coconote) que iam direitinhas para as fábricas da CUF no Barreiro... E importava tudo o que era produto manufaturado e se vendia nas tais "casas comerciais" espelhadas pelo mato... O guinéu era obrigado a pagar "imposto de palhota" para entrar na economia mercantil... Para ter dinheiro (pesos) para pagar o imposto, tinha que cultivar e vender mancarra... Isso aconmteceu em todas as colónias (portuguesas, francesas, inglesas, belgas...).

O colonialisnmo europeu funcionava assim: as colónias em África e na Ásia, serviram, na passagem da 1ª para a 2ª revolução industrial para importar matérias primas (da borracha aos minérios,d as madeiras exóticas às oleaginosas) e exportar produtos manuifaturados (dos tecidos às calçado, das máquinas aos produtos químicos...).

Mas repare-se: a Guiné conseguia, até à guerra, exportar arroz!...

Luís Graça disse...

Salancaur, Campeane, Cadique... Alguem sabia que antes da guerra estas terras da Guiné tiveram casas de alvenaria, lojas de comércio, gente provavelmente feliz... ?

Para mim, para nós, eram "buracos" no mato...

É por isso que estes pequenos anúncios (ainda por cima com fotos!) são uma pequena delícia...

LG

António Tavares disse...

Camarigos,
O cabo-verdiano Francisco Augusto Regalla era um conhecido comerciante da Guiné.
Foi vítima de um ataque do PAIGC em Campeane, na região de Tombali, onde perdeu todos os seus bens.
Em Galomaro reiniciou a sua vida. Tinha um café /restaurante, negociava com mancarra, castanha de caju, alugava a sua camioneta às tropas.
Faleceu há cerca de 39 anos. Sua esposa, D. Maria Assaid Regalla, continua com o negócio ainda que em menores proporções.
Abraço.

Luís Graça disse...

José David Doutel... So pode, pelo apelido, ser alguém de uma família de origem judaica sefardita ou cristã-nova...

Numa rapidissima pesquia na Net, encontra-se gente com este apelido em Bragança, no Brasil... Noutros tempos, houve gent6e com este apelio com teve problemas com a inquisição...

O José David Doutel era, em 1956, comerciante em Salancaur, lá no cú de Judas, onde o nosso camarada Josema perdeu as botas e escreveu muitos poemas (que queimou, infelizmente, já no regresso...).


Luís Graça disse...

José Zauad será sírio-libanês de origem ? Encontrei na Net referência a um jovem com esse apelido... LG

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Programa “Gente Como Nós” dedicado a um “fidju” da Guiné-Bissau
26-07-2013
José Zauad é um guineense de Bissau que veio para Portugal há um ano para estudar. Com 27 anos, já assistiu a uma guerra civil, procurou refúgio no Senegal e já foi perseguido por cantar o que pensa sobre a realidade política do país onde nasceu.

No próximo programa, o relato do jovem guineense põe a descoberto os encantos de um povo quente em afetos, que preserva os laços de sangue. Ao mesmo tempo também dá a conhecer os desencantos de um lugar onde a liberdade ainda é utopia.


“Gente Como Nós” é um programa de rádio do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural que procura sensibilizar a opinião pública para as questões de integração e acolhimento. É uma emissão produzida semanalmente pela PGM – Produção de Rádio e Televisão.

O programa resulta da parceria entre o ACIDI, Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, e a Antena1. Este é um projeto financiado pelo Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros.

“Gente Como Nós” - Às sextas-feiras depois das 21h00 com repetição aos domingos depois das 7h00 na Antena1.

http://www.acidi.gov.pt/banco-de-informacao/radio/visualizar-noticia/51f26d7364eb5/programa-gente-como-nos--dedicado-a-um-fidju-da-guine-bissau-

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Os dados aqui apresentados por Mario Vasconcelos mostram que a economia da Guine, dita portuguesa, dos anos 40 e 50 estava na senda do franco crescimento e expansao. A fase da transformacao industrial ja comecava a implantar-se em certas regioes e fileiras de producao.

Mas, como o curso da historia eh sempre moldado pelos Homens, eh importante notar que este periodo coincide com o mandato do Almirante Sarmento Rodrigues (1945-1949), politico do estado novo “liberal” e bastante controverso atraves do projecto de renovacao do sistema imperial portugues e que muito contribuiu para a dinamica do citado progresso economico por meio da implantacao de infra-estruturas urbanas e rurais (rodoviarias), enquanto governador da provincia.

Quanto ao ser ou nao um barril de polvora, eh uma questao de ponto de vista, porquanto a Guine nao era um caso isolado, porque de certa forma, todas as colonias do mundo estavam, cada uma a sua maneira, sob um potencial barril de polvora com o findar da Grande Guerra (1949/45). Pelo que era necessario (re) inovar e democratizar os sistemas em vigor, sob pena de perecer fustigado pelos ventos da historia. Muito poucos conseguiram fazer a leitura mais adequada.

Mudando de assunto, informo que a familia Regalla ainda conta com ilustres descendentes na Guine-Bissau, dos quais o actual ministro da Comunicacao social, Agnelo Regalla, Poeta e politico, assinante da famosa carta dos 121 que deu pontape de saida ao fim do monolitismo politico no pais e o inicio da abertura politica em 1991.

Um abraco amigo,

Cherno AB