domingo, 18 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14159: Bom ou mau tempo na bolanha (84): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (24) (Tony Borié)

Octogésimo terceiro e último episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Dia 16 de Julho de 2014

Companheiros de viagem, este é o resumo dos vigésimo sexto e vigésimo sétimo dias, portanto o final da “aventura”. Nestes dois últimos dias, continuámos usando o mesmo trajecto de ida para o Alaska, só que agora era em direcção ao sul e de oeste para leste.
Já explicámos a história das povoações e estados por onde passámos, mas é sempre bom lembrar alguns pormenores.

Era perto da meia-noite, não eram “quatro da madrugada, como quando o passarinho cantou”, 27 dias antes e, nos acordou para iniciarmos os preparativos da nossa longa jornada, agora seguíamos na mesma estrada, a estrada rápida 95, no estado da Flórida, plana, larga e longas rectas, não mais montanhas, vales, rios, riachos, lagos, precipícios, glaciares, animais selvagens a atravessar a estrada, terra, lama, frio, acidentes, zonas de construção, trânsito parado, esperando o “carro piloto”, neve, nevoeiro, chuva ou sol tórrido, aqui havia noite, não era sempre dia, como depois do “paralelo 48”, lá no norte, no Alaska, em que era quase sempre de dia, agora viajávamos em sentido contrário, estávamos quase a chegar a casa, um pouco cansados, mas felizes, por regressarmos ao nosso ponto de origem.


Muito mais felizes do que os índios “Cherokee”, um povo muito orgulhoso, que por volta do ano de 1838, o governo dos EUA forçou a deslocar-se das suas terras para o estado de Oklahoma, ainda hoje chamam a essa jornada para o exilo, “Trail of Tears”, que quer dizer, “caminho de lágrimas” e que em tempos viveram na área do que hoje é a cidade de Chattanooga, que fica quase na fronteira com o estado da Geórgia. Ainda no estado do Tennessee, cidade que atravessámos depois de ter passado pelos estados de Kentuchy e Illinois, onde tínhamos dormido por algumas horas na cidade de Mt. Vernon, onde no século passado não havia estrada, as pessoas vinham do norte para sul passando por “swamps”, que eram terras alagadiças, mas hoje já tem estradas rápidas.





Dois dias antes, tínhamos deixado a cidade de Hays, no estado do Kansas, onde por volta do ano de 1865, os US Army, construiram o Fort Fletcher, um pouco ao sul do que hoje é a cidade de Hays, para proteger as caravanas de imigrantes ou aventureiros prospectores de ouro que viajavam na “Smoky Hill Trail”, que era um trilho que seguia paralelo às colinas do rio Smoky, em direcção ao oeste e que eram frequentemente atacadas pelos índios “Cheyenes” e “Arapaho”, que viam as suas terras serem invadidas. Tudo isto se passava numa região selvagem, muito próxima do que hoje é a estrada rápida número 70, onde podíamos também viajar a 70 milhas por hora, ouvindo as velhas músicas favoritas, como por exemplo: “King of the Road”, “Hit the Road Jack”, “On the Road Again” ou “Adorei viajar por cada e, todas as estradas”.



Dizem que por razões económicas, o Fort Fletcher encerrou, mas um ano depois, o Exército dos EUA reabriu o Fort Fletcher, desta vez com o objetivo de proteger os trabalhadores da construção do caminho de ferro da “Divisão Leste Union Pacific”, que seguia em direcção ao oeste, paralelo à “Smoky Hill Trail”, desta vez o Exército deu novo nome ao Forte, chamando-lhe Fort Hays, em honra do Brigadeiro General Alexander Hays, que foi morto numa batalha nesta região selvagem durante a Guerra Civil Americana, todavia em junho de 1867, uma inundação severa quase destruiu a fortaleza, matando alguns soldados e civis.

Nestes dois dias, seguimos o mesmo roteiro, percorrendo áreas que já foram descritas nos primeiros dias da nossa aventura, vimos todos aquelas paisagens, onde aqui e ali apareciam algumas quintas com animais, outras abandonadas, transformadas em zona de caça, pastagens com grandes manadas de vacas, plantações de milho, trigo, aveia, soja ou girassóis, poços de petróleo e moinhos energia em funcionamento e pouco mais, além de algumas áreas desertas, próximo e atravessando as cidades de Kansas City, no estado do Kansas, St. Louis, no estado do Missouri e Atlanta, no estado da Geórgia, tivémos alguma dificuldade, pois o trânsito já era intenso, não era estrada deserta, como já estávamos um pouco acostumados.


Por vezes olhávamos para a nossa companheira e esposa por quase cinquenta anos e sorriamos, pois tínhamos viajado atravessando um continente, diferentes estados e países, cidades, vilas ou aldeias, por autoestradas, estradas secundárias e carreiros, conhecendo novas pessoas, novos costumes, com tempo de sol, frio, vento ciclónico, chuva, granizo, neve, planícies com altas temperaturas, montanhas, vales, atravessando rios, ribeiros, terras alagadiças, cozinhando as nossas refeições, dormindo na nossa “caravana”, tomando banho nos rios e lagos, onde se podia beber a água, respirando ar puro e selvagem, pescando em rios selvagens, ao lado de gaivotas, águias de colarinho branco, ursos ou coiotes, céu cinzento ou tempestades, nuvens de mosquitos, lama ou pedras na estrada. Em algumas regiões, logo a seguir, céu limpo, azul, vendo paisagens de montanha, mar, lagos, glacieres, animais selvagens atravessando a estrada, entre outras coisas maravilhosas, com que a natureza nos contemplou.

Quando éramos jovens, dizíamos que nunca poderíamos fazer isto, viajando ao redor, vivendo num pequeno espaço, não tendo residência permanente e estar longe da família e dos amigos. Estou certo de que tanto eu como a minha companheira e esposa, às vezes encontramos momentos em que nos sentimos assim e pensámos que não devíamos ser tão aventureiros, mas no geral, também estamos certos de que nos iremos tornar em pessoas melhores quando voltarmos para junto da família e amigos, indo provavelmente sentir que deveriamos ter começado isto antes, conhecer o modo de vida puro, das pessoas, não das atrações que aparecem nos cartazes da estrada, nos anúncios de revistas e na televisão, onde só nos mostram o que “eles” na verdade querem.

No regresso, parámos muitas vezes para comprar gasolina, café, pão, água e alguns vegetais. Percorremos 1560 milhas, com o preço da gasolina a variar entre $3.51 e $3.58 o galão, que são aproximadamente 4 litros e, com tudo sujo e desarrumado, dentro Jeep e da Caravana, que deixámos em frente da casa, mas felizes e sem dores, desejosos de um refrescante banho e alguma comida e, mesmo antes de abrir a porta de casa, ainda tivémos tempo de verificar o contador do Jeep, que marcava mais 14.626 milhas (23.538 Km), do que quando saímos, quase um mês antes.

Até qualquer dia, de novo em viajem, ou na guerra.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14139: Bom ou mau tempo na bolanha (83): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (23) (Tony Borié)

4 comentários:

Anónimo disse...

Camarada e quase conterrâneo Tony Borié

No fim desta desgastante viagem, os parabéns pelas tuas narrativas, que também servem para dar a conhecer "outros mundos", que não os da Guiné.

Abraços
JPicado

Manuel Carvalho disse...

Caro Tony

Gostei de acompanhar a tua viagem através desta narrativa muito bem feita.Fiquei com mais conhecimentos desse país enorme e como todos com virtudes e defeitos. Que continues com saúde para poderes contunuar a passear.
Um grande abraço.

Manuel Carvalho

Luís Graça disse...

(...) "Quando éramos jovens, dizíamos que nunca poderíamos fazer isto, viajando ao redor, vivendo num pequeno espaço, não tendo residência permanente e estar longe da família e dos amigos. Estou certo de que tanto eu como a minha companheira e esposa, às vezes encontramos momentos em que nos sentimos assim e pensámos que não devíamos ser tão aventureiros, mas no geral, também estamos certos de que nos iremos tornar em pessoas melhores quando voltarmos para junto da família e amigos, indo provavelmente sentir que deveriamos ter começado isto antes, conhecer o modo de vida puro, das pessoas, não das atrações que aparecem nos cartazes da estrada, nos anúncios de revistas e na televisão, onde só nos mostram o que “eles” na verdade querem." (...)

Tony, parabéns a ti e à tua companheira!... Temos orgulho em vocês!... Continua a desafiar-nos e dar-nos notícias.

Luís Graça

admor disse...

Caro Tony Borié,

Muito obrigado por teres partilhado connosco as tuas aventurosas viagens, dando-nos a conhecer em mais pormenor o continente norte americano e falando-nos das terras dos índios nossos velhos conhecidos das revistas aos quadradinhos que tanto apreciávamos.
Desejo-te muita saúde a ti e à tua companheira e espero que continues a brindar-nos com as tuas narrativas.
Um grande abraço.

Adriano Moreira