sábado, 24 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14182: Casos: a verdade sobre... (5): Soldados metropolitanos "desaparecidos" ou torturados, depois da sua captura pelo inimigo... (José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)

1. Mensagem de José Belo [,ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70; cap inf ref, é jurista, vive Suécia há quase 4 décadas, e onde formou família: e, ultimamente, reparte o seu tempo com os EUA, em Kew West, Florida, aonde família tem negócios; autor do blogue Lapland Near Key West]:

Data: 20 de janeiro de 2015 às 16:18
Assunto: Prisioneiros de guerra.

Caro Luís Graça.

Tenho verificado que,  nos inúmeros postes publicados no blogue (*),  näo existem referências a sevícias exercidas pelos guerrilheiros do PAIGC sobre militares metropolitanos (e chamo a atenção para o adjetivo "metropolitanos"),  aquando de capturas efectuadas em combate, ou sobre elementos que desertaram,  entregando-se ao inimigo.

Näo terão sido muitos os casos, mas suficientes para a existência de um grupo de prisioneiros em Conacri.

Näo se poderá esquecer que, em todas as guerras, no calor e ressaca imediatas do combate, dão-se explosões, difíceis de controlar, de ódio, vingança, raiva e frustração  perante os corpos de amigos e camaradas mortos ou estropiados.

Mas sevícias "a frio" depois de os prisioneiros terem sido retirados das zonas dos combates,.  pouco ou nada à referido quanto ao PAIGC.

As normas e directivas estabelecidas pelo programa do PAIGC estavam bem explícitas nos detalhes quanto ao uso dos prisioneiros em acções de propaganda a nível internacional.

A nossa deontologia a este respeito näo seria diferente.

Muitos dos que estiveram colocados em zonas de contacto frequente com os guerrilheiros poderão referenciar casos de elementos inimigos "apanhados à mäo" que,  depois de entregues à polícia política local [PIDE]... desapareciam.

Os números de tais "desaparecimentos" não são dispiciendos,  pois as histórias contadas á volta deles säo inúmeras.

Nas situações extremas em que nos encontrávamos,  pouco tempo, vontade ou paciência haveria para aprofundar tais conjecturas. Obviamente as nossas preocupações eram dominadas por tantos outros acontecimentos envolventes e,não seria então (também!) muito "saudável" questionar a polícia política local.

Meio século passou e... muitas destas perguntas  não têm respostas documentais. Não somos de modo algum únicos nestes silêncios."Desaparecimentos" têm sido uma constante necessária (?) em todas as guerras do tipo da travada na Guiné.

 Mas a pergunta aqui levantada não se situa à volta de ontologias bélicas universais mas simplesmente sobre o número de soldados metropolitanos "desaparecidos" ou torturados, depois da sua captura pelo inimigo.

Como foi referido em comentário ao poste P14160 (*) : "Excluindo a situação aparentemente (!) atípica que levou ao bárbaro e desnecessário assassinato dos [3] Majores e [1] Alferes (no chão Manjaco), aquando do encontro onde se iria discutir a PAZ, em aparente represália-exemplo espelhando as profundas divergências político-militares internas então existentes no PAIGC".

Todos sabemos o que se passava em relação a muitos elementos das milícias, ou soldados africanos, aquando da sua captura pelo inimigo durante todo o período da guerra. Estão também bem documentados os fuzilamentos e sevícias que foram exercidas nos anos posteriores à independência sobre ex-militares que tinham servido no Exército colonial.

Mas, quanto aos soldados metropolitanos capturados... algo falta.

Um grande abraco do
José Belo.
___________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14160: Casos: a verdade sobre... (4): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte IV: "Guerra é guerra, meu irmão", dizia-me em 2008 o antigo guerrilheiro Braima Cassamá que reencontrei em Guileje (José Teixeira)

5 comentários:

Torcato Mendonca disse...


Olá José Belo, manhã de domingo e arrumo o sotão de minhas "ideias"...só com mais um café...mas, bons olhos te leiam e tudo de bom aí nos states ou na Suécia. O frio ,dessas terras, matou o Decartes que, muito cedo, talvez com os primeiros alvores da madrugada, atravessava uma Praça enorme para dar aulas a uma Rainha. Não me lembro o nome...

Li o texto. Seremos capazes de plasmar aqui a guerra??? Recordo uma frase do angolano Águalusa: - "de quantas mentiras é feita uma verdade..."
Há tanto para contar, para, de uma vez por todas, colocar na afirmação com prova do acto e facto provado. Depois que que não esqueçamos que essa guerra, qualquer guerra tem mais do que a visão dos contentores. Nós e aparece aqui por vezes,parece termos vergonha, digamos vergonha, de lá ter estado e combatido. Aparece o militar x que deu uma bofetada no prisioneiro...malandro do militar. Mata-se o militar português, africano, metropolitano e quase parece a normalidade. Talvez a Fundação, o "intelectual x ou y", alguns fizeram a guerra em suissas ou gálias, assim o provem em folhas que se leiem ou discursos que se ouvem.

Depois da "Mar Verde" os prisioneiros libertados tiveram que fazer o voto do silencio.
Os meus camaradas africanos fuzilados pós Abril...bem eu páro aqui.

O meu abraço e espero notas e comentários ao teu texto.

Abraço, Torcato

Luís Graça disse...

... E os tiros de misericórdia ? Houve-os de um lado e de outro...

(...) "Reparei que, embora o sangue saísse em golfadas pela boca, ainda estava vivo. Em agonia. Para bem dele e para lhe acabar o sofrimento foi aí que lidei mais de perto com a morte. Para alguns isso será assassínio, para mim foi misericórdia. Um tiro de misericórdia." (...)

15 DE NOVEMBRO DE 2006

Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2006/11/mednes-caboiana.html


(...) 6.A emboscada poderá ter demorado “15 a 20 minutos”… O IN teve tempo para tudo: meio escondido, a uns 50 metros já da viatura sinistrada e dos camaradas feridos, viu uns gajos "brancos", “cubanos”, a falar espanhol, a saltar para a estrada… Já não pode precisar quantos eram, mas eram sobretudo “brancos”, poucos negros… Falavam em voz alta, e diziam qualquer coisa, em espanhol, como “condutor morto, condutor morto”… Completamente impotente, sem poder intervir, viu com os seus próprios olhos o espectáculo macabro, os tiros de misericórdia que acabaram com a vida dos camaradas moribundos, tiros na nuca ou na boca. Confirma o que já tínhamos dito antes: os corpos foram depois retalhados, por rajadas de Kalash (...)

7 DE ABRIL DE 2011

Guiné 63/74 - P8061: (De)Caras (7): Reconstituição da emboscada do dia 14/6/73, a 3 Km de Piche, pelo sold cond auto Florimundo Rocha (CCAÇ 3546, Piche e Ponte Caium, 1972/74), o único sobrevivente do Unimog 411

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/04/guine-6374-p8061-decaras-7.html


17 de Abril de 1972 foi uma data fatídica para uma série de camaradas nossos [, da CCAÇ 3490,. Salltinho,. 1972/74] que nos deixaram de forma abrupta e traiçoeira.


(...) Nesse dia o [António da Silva] Batista, deitado no chão após o enorme rebentamento das granadas de "bazooka" que íam pousadas dentro da GMC onde ele se tinha empoleirado, viu aproximar-se um "turra" e deitar-lhe a mão ao cano da espingarda para ver se estava quente ou frio.

Felizmente estava frio pois o terror tinha-o paralizado... estava salvo por agora. O tiro de misericórdia que lhe estava destinado ficou reservado para outros que se contorciam com dores no chão. (...)

23 DE NOVEMBRO DE 2014

Guiné 63/74 - P13933: (Ex)citações (251): Nunca é demais recordar: a tragédia do Quirafo... foi há mais de 42 anos (Álvaro Basto)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2014/11/guine-6374-p13933-excitacoes-251-nunca.html

Luís Graça disse...

Em 14/6/73, na estrada de Piche, e em 17/4/1972, no Quirafo, houve camaradas nossos, metropolitanos, feridos, que foram "executados" pelo IN... Qual a diferença entre o "tiro de misericórdia" e a execução a frio ? É verdade, o António da Silva Baptista, o nosso querido "morto-vivo", foi feito prisioneiro... Se estivesse ferido, tê-lo-iam executado...

Não sei quais eram as instruções do Partido, nestes casos... Cabral ainda era vivo aquando da emboascada do Quirafo... Em Piche,em 14/6/73, ele já tinha sido assassiando havia 5 meses... Há muita raiva (patológica) na maneira como os cadáveres dos nossos infelizes camaradas da Ponmte Caium são retalhados a tiro de Kalash...

Anónimo disse...

Caros Camaradas.

A minha busca de documentacäo para completar um dossiê relacionado com prisioneiros nossos (e do PAIGC) está centrada nos factos passados posteriormente aos momentos de combate e quando estes já teriam sido transferidos(!) para outras localidades.
Os mortos na picada,ou em outras situacöes de combate, estäo já amplamente documentados fora desta busca documental.
Um abraco.

Manuel Carvalho disse...

Como diz o camarada José Belo havia diferença no tratamento dado aos prisioneiros entre nós e o PAIGC, mas não tinha nada a haver com nós sermos maus e eles bons.Eles não precisavam de interrogar e muito menos torturar os prisioneiros, porque eles sabiam praticamente tudo sobre nós, onde ficavam os quarteis, quantos lá estavam o armamento quase tudo, excepto transmissões e criptos mas isso também pouca falta lhes fazia.Ao contrario nós quriamos saber onde ficavam os acampamentos, quem lá estava o armamento e até guias para nos levar lá e não era facil po-los a falar.Pelo que sabemos eles tratavam de evitar prisioneiros logo no mato e os poucos que ficavam poderiam ter algum interesse para negociar, político ou diplomático.Sem duvida que nós tivemos muito mais prisioneiros que o PAIGC que tiveram vários destinos tendo até alguns passado a combater ao nosso lado como o contrário parece que também aconteceu.
Um abraço
Manuel Carvalho