1. No seu bate-estradas do dia 14 de Julho de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos de viagens.
VIAGENS
As viagens dão o prazer dos momentos agradáveis em que são realizadas e deixam na mente do viajante todas as impressões sensoriais e cognitivas que os sentidos recolhem. O viajante que regressa já não é o mesmo que partiu.
As nossas vidas são marcadas pelo movimento. Nos primeiros
meses de vida é quase nulo, mas à medida que os meses passam os nossos membros vão ganhando músculo e nós vamos ganhando autonomia para nos deslocarmos, primeiro de rastos ou de gatas e na fase seguinte começamos a dar os primeiros passos.
Não tarda, com poucos anos de vida vamos correr e saltar como
cabritos endiabrados.
As viagens das nossas vidas estarão prestes a
começar.
Na minha meninice e juventude conheci muitos homens em
Brunhoso que andaram milhares e milhares de quilómetros a maior parte a pé, outros a cavalo, dentro da área de 20 quilómetros quadrados que tinha o termo da aldeia.
Os trabalhos agrícolas sem recurso a máquinas e as várias colheitas, ao serviço deles ou de uns e outros a isso os obrigavam. O mar era uma miragem de que ouviam falar mas onde não tinham pernas para chegar.
Antes dos anos sessenta somente alguns tropas tinham a possibilidade de fazer essa longa viagem até ao litoral, da qual se iriam vangloriar para toda a vida. Tinham visto o mar imenso!
As únicas viagens de lazer que se permitiam fazer, era irem a pé ou a cavalo das "bestas" de quando em quando às feiras de Mogadouro ver sobretudo a feira dos animais, bois, vacas, cavalos, burros, mulas. Nesse tempo a feira do gado, em Mogadouro, estendia-se por vários hectares e era considerada uma das maiores feiras, senão a maior, do Norte, de gado bovino.
Iam também por vezes às romarias das terras próximas, onde muitas vezes tinham parentes.
As minhas viagens fora da povoação começo a fazê-las com a
Alice, uma jovem, "criada" dos meus avós maternos, que tinha o
namorado a fazer a tropa na Índia. Com ele estava outro vizinho meu.
Para Brunhoso as viagens de ida e volta deles foram viagens
épicas. O sentimento das gentes seria um pouco comparado ao que
sentiam os portugueses dos séculos dos descobrimentos quando os seus jovens, comandados pelos grandes navegadores, arriscavam as vidas nessas viagens longínquas. A minha memória de menino transmite-me a impressão que a aldeia festejou o regresso dos dois heróis, que não foram à Lua, pois a Lua em algumas noites parecia tão grande e tão perto da aldeia, só iluminada por ela. Os heróis da terra vinham das Índias, dessas terras do fim do Mundo, depois duma longa viagem de dois meses e depois de uma ausência de três anos. Eram, da terra, mas vinham diferentes, tinham visto os mares imensos, terras
longínquas, homens e mulheres doutras raças, cores e credos. As
pessoas olhavam-nos nos olhos a tentar decifrar toda a sabedoria que
os viajantes trazem das longas viagens por mundos desconhecidos.
As minhas viagens com a Alice, muito próximas da aldeia, eram
para mim, nos meus quatro ou cinco anos de idade, para levar os
cordeiros e as ovelhas paridas para um pasto melhor, viagens muito
importantes e reveladoras. Nunca mais as esqueci.
Através dos nossos anos, dos meus e da Alice, ficámos sempre
amigos, gosto sempre de a encontrar, de ver o brilho dos olhos dela e
o tratamento carinhoso que me dá, quase igual ao de antigamente.
Pouco tempo depois passei a ir com o meu padrinho, que era também meu tio-avô com as vacas e os vitelos para os lameiros. Era solteiro, um bom homem, trazia sempre castanhas piladas nos bolsos que me dava de vez em quando. Éramos ambos um pouco distraídos de tal forma que por vezes chegávamos a casa sem as vacas pois elas tinham-se perdido de nós ou nós delas.
Um pouco mais tarde, não muito, passei a ir sozinho com as vacas
e os vitelos para os lameiros, contava as horas não pelo relógio, que
não tinha, mas pela altura do sol. Para entreter as horas desses dias longos e parados, quando não havia outros vaqueiros por perto, sonhava. Um dia sonhei que todo o lameiro estava coberto de moedas para eu comprar rebuçados e balões. Sonhos de garoto, de garoto guloso.
Com nove anos, antes da escola primária, às 9 horas da manhã,
passei a ter que ir todos os dias a Remondes, quer chovesse, quer
nevasse, aldeia a cerca de 3 quilómetros buscar leite de vaca, pois em
Brunhoso não havia vacas leiteiras e a minha mãe tinha tido uma doença nos peitos e não podia alimentar um menino que tinha nascido. Nessas viagens antes da escola terei andado dois anos ou mais, pois um ano depois desse irmão nasceu uma irmã. Eram seis quilómetros divertidos de caminhada, antes da escola, que fazia na companhia de duas primas e um primo que também tinham irmãos pequenos a precisar desse leite.
Tantas viagens, tantas caminhadas que fiz pelos campos e
florestas de Brunhoso, à azeitona, à cortiça, a lavrar as terras, a
buscar o trigo, a tratar das hortas. Muitas vezes aborrecido e já
cansado, farto dessas actividades monótonas e repetitivas.
Hoje
reflectindo, olhando para trás, penso que se continuasse nessa vida e
não tivesse a tentação dos livros e do conhecimento talvez fosse mais
feliz. Os livros nunca nos dão respostas satisfatórias, quando nos
respondem a uma interrogação, criam logo duas ou três. Pela
curiosidade intelectual nunca atingimos a paz ou o nirvana, pois por
esse método, umas respostas conduzem-nos sempre a outras perguntas.
Será que
Fernando Pessoa, através do seu heterónomo Alberto
Caeiro, o poeta do Guardador de Rebanhos, atingiu a paz que dá a vida simples e dura dos campos. Talvez, no breve tempo em que se
identificou com esse heterónimo, pois Fernando Pessoa era um espírito
inquieto e irrequieto.
Dele e de
Camões, os maiores génios da poesia
portuguesa, ficou-nos, de Camões, entre outras obras "Os Lusíadas",
esse grande hino a esses bravos marinheiros, que fizeram os
descobrimentos, e a todo o povo português e, de Pessoa, entre outras "A Mensagem" esse canto sublime com que saudou esses heróis
planetários que o levou a sonhar, tal como o Padre António Vieira e
outros na realização do Quinto Império de Portugal.
Em termos históricos, depois da Idade Média, já na Idade
Moderna, somos o povo que pela coragem e pelos conhecimentos náuticos adquiridos mais contribuiu para alargar o mundo através das viagens pelos mares imensos para além do "mare nostrum" dos romanos, dos gregos, dos fenícios, dos cartagineses e doutros povos das margens do Mediterrâneo. Nós portugueses mostrámos a este pequeno mundo europeu e mediterrânico, que a terra era grande e os Oceanos navegáveis eram imensos.
Os nossos navegadores, em condições precárias, aventuraram-se
pelo Atlântico, pelo Índico e pelo Pacífico, nessas frágeis caravelas.
Até hoje chegam-nos sobretudo a fama dos vencedores, os que
foram atingindo objectivos, faltam-nos muitas vezes os que morreram ao tentar atingi-los. A história dos descobrimentos, é uma história de
naufrágios, guerras, derrotas, tentativas e sucessos. É a História
Trágico-Marítima, da coragem dum povo que abriu as rotas dos mares a toda a humanidade, é a história de um pequeno povo que para viver e se impor perante as nações teve sempre a coragem de enfrentar a
morte. Povo que sempre soube levantar a sua bandeira bem alto para se defender de todos os domínios das potências estrangeiras e dos
vendilhões da Pátria. Povo que elegeu como seus grandes heróis os
grandes poetas Luís de Camões e Fernando Pessoa, pois sabe que a sua grandeza está na alma das suas gentes e a alma dos poetas é que sabe interpretar o seu sentir colectivo.
A caravela foi uma embarcação criada pelos portugueses e usada durante a época dos descobrimentos nos séculos XV e XVI. Era uma embarcação rápida, de fácil manobra, capaz de bolinar e que, em caso de necessidade, podia ser movida a remos. Com cerca de 25 m de comprimento, 7 m de boca e 3 m de calado deslocava cerca de 50 toneladas, tinha 2 ou 3 mastros, convés único e popa sobrelevada. As velas latinas (triangulares) permitiam-lhe bolinar (navegar em ziguezague contra o vento).
Com a devida vénia a Os Descobrimentos Portugueses
Não podemos esquecer
Fernão Mendes Pinto, o autor dum grande livro muito lido em toda a Europa, nos séculos dezoito e dezanove, "A Peregrinação". O autor faz uma descrição de todas as suas aventuras pelo Oriente e no final tal como o Velho do Restelo dos Lusíadas, prevê a derrocada do Império por corrupção, abusos e vícios vários.
Ontem como hoje tantos pecados que ninguém sabe corrigir.
Esse homem, marinheiro, guerreiro, viajante incansável do mundo quase desconhecido do Oriente, frade, escritor foi um português como
tantos, espalhados pelas cinco parte do Mundo, com o gosto das
viagens, da aventura, do desconhecido.
Para quem ainda não está de todo contaminado pela
música comercial anglo-americana, recomendo o álbum de música
portuguesa do Fausto Bordalo Dias "Por Este Rio Acima" inspirado na
"Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto, que canta tão bem as suas
aventuras e desventuras. Todo o álbum tem letras e músicas que a mim me encantam. Fausto além de ser um grande cantor e músico, também é um grande poeta. Gosto particularmente da canção
"Quando às vezes ponho diante dos olhos" em que o aventureiro, já depois do regresso, parece relembrar, em resumo, toda a sua vida agitada, por esses mares e terras do fim mundo, ao serviço de muitos senhores, de muitas causas e à procura dalgum significado para a sua vida.
Há uma grande nostalgia nesse balanço do passado que ataca
muito os homens quando se aproxima o fim da vida.
De 1961 a 1974 voltou a ser tempo de muitas viagens para a
África do Ocidente e do Oriente. Tantos navios partiram dos cais de
Lisboa carregados com tantos homens que poderiam produzir tanta
riqueza nos campos ou nas fábricas, isto falando como um economista ou um tecnocrata que nunca fui.
Nesses cais de partidas, cais dos lenços brancos de despedidas,
uns diziam adeus à terra, outros diziam adeus à juventude e aos seus
ideais. Alguns com medo, outros com curiosidade de descobrir essa
África quente e misteriosa, todos iriam saber que existe a palavra
saudade e que é bem portuguesa. A grande maioria voltou, alguns
inválidos, outros menos feridos, mas quase todos a lembrar o cheiro da
pólvora, o troar das bombas e com a triste lembrança de alguns
camaradas que por lá caíram, em combate ou em acidentes.
Embarque de militares para África.
Lisboa - Cais da Rocha Conde Óbidos - 18 de Agosto de 1965>
Embarque, no T/T Niassa, do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades
para o TO Guiné.
© Foto: Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados.
Falando em viagens, não posso deixar de falar nas minhas
poucas viagens, mas tão agradáveis, familiares, turísticas e afectivas.
Foi no ano de 2000, estive com a família mais próxima em Nova
Yorque, à porta das Torres Gémeas, a pensar se devíamos subir lá ao
alto ou não. O preço pareceu-nos caro e para nosso desgosto e para a
maior parte da humanidade as Torres foram derrubadas por terroristas assassinos, cerca de um ano depois.
As Torres Gémeas do World Trade Center
Nos quinze dias que estivemos na América, alguns em Richmond, essa antiga capital aristocrática da Virgínia, que foi também capital americana dos Estados Confederados. É uma cidade histórica, dividida por uma ponte sobre um rio que delimita a parte velha e comercial, histórica e mais pobre, e a parte rica das grandes mansões com jardins e relvados enormes a contorná-las. Nessa zona enorme de ricaços brancos, existem inclusive grandes moradias senhoriais que foram compradas na Europa e reconstruídas lá.
Tivemos uma boa guia que morava em Richmond e que teve a amabilidade de nos guiar também por outras terras. O litoral da Virgínia, Washington, Baltimore, Newark e Nova Iorque.
Washington, a capital dos palácios enormes de granito com
muitos arcos, colunas e ogivas, que os americanos construíram para
imitar a antiga Roma Imperial.
Uma cidade grandiosa mas que achei uma cópia demasiado
pomposa dessa Roma antiga e a denunciar os mesmos propósitos
imperiais.
Richmond
Nova Iorque seduziu-me, tão bela, mais bela do que os
filmes, e são tantos que a retratam. Em Nova Iorque senti-me dentro
de um desses filmes. Para mim essa grande cidade pelas suas longas
avenidas, pelos edifícios a rivalizar em altura e elegância, foi a
revelação de um segredo que eu não suspeitava. A moderna arquitectura dos arranha-céus fazem de N. Y. uma cidade moderna e ao mesmo tempo histórica pela beleza e harmonia das suas construções, que muitas cidades têm tentado imitar neste e no século passado.
Nova Iorque pareceu-me a capital do Mundo, uma torre de
Babel moderna, onde todos os povos se cruzam com simpatia cada qual com o seu linguajar próprio.
Paris, outro destino turístico e familiar, tem a beleza das grandes capitais medievais e modernas da velha Europa.
Um dia conduzidos a pé (grande caminhada!) pela nossa guia, que tinha mudado de país, visitámos uma grande parte dos seus
monumentos, pois eles estão situados, não longe do Sena, sobretudo na margem esquerda.
Outros mais afastados ou de visita mais demorada, como o
Louvre, Notre Dame de Paris, Versailles e outros ficaram para outros
dias. Paris pela sua monumentalidade, pela sua história e pelo lugar
central que ocupa, é para mim a capital da Europa, e pela cultura
francesa e latina em que fui criado, continua a ser, para mim, a capital
espiritual e cultural do Mundo.
De Munique que visitamos muitas vezes em viagens
afectivas e donde voltamos sempre enriquecidos com mais conhecimentos de toda a Baviera e até da Áustria, de Munique, cidade, gosto imenso de Marianplatz, a sala de visitas da cidade, sempre com muita gente, bávaros ou turistas de muitas origens. Gosto do rio Isar e das suas margens calmas onde por vezes gosto de fazer umas caminhadas, gosto do English Garten, um parque verde e muito arborizado, enorme, onde corre um ramal de água, desviado do Isar, com um grande caudal.
Gosto muito de um restaurante num 5.º andar, em frente a
Marienplatz onde já fomos por vezes levados pela nossa simpática
guia.
Há ainda outros restaurantes bons, onde fomos todos, de que não
recordo os nomes. Sei que um era indiano.
Perto de Munique, a poucos quilómetros, sessenta talvez,
começam os Alpes Bávaros, com alguns lagos de águas claras e límpidas na sua base. É sempre agradável seja Verão ou Inverno visitar esses lagos de águas azuis e tranquilas, esses montes com escarpas que apontam o céu, com mais ou menos neve, conforme as estações do ano, com tanta beleza que se estende a todos eles quer em Passau, quer em Salzburg, já na Áustria, como a outras localidades.
Salzburg, a terra de Mozart esse grande compositor, é uma
cidade tão bem construída e enquadrada nessa paisagem alpina de picos escarpados, com neve a tentar esconder-lhe a dureza das arestas afiadas da pedra. Para a impressão no viajante atingir o máximo só faltam os acordes de uma
Sinfonia de Mozart a sobrevoar os montes e a entrarem suavemente nos seus ouvidos à medida que pelos olhos vai sentindo o encantamento causado pela paisagem.
Salzburg, a terra de Mozart
Passau, na Baviera, a cidade dos três rios, é diferente de
Zalzburgo, mas não lhe fica atrás em graça e beleza.
A cidade forma uma pequena península comprimida pelos rios
Danúbio dum lado e o Rio Inn do outro, tanto um como o outro rios de
grande caudal. Rios que se vão encontrar e misturar as águas na parte
final da cidade. Por sua vez o rio Ilz, um rio com menos caudal, vai
lançar as suas águas no Danúbio, à vista da cidade, muito pouco antes
dos dois maiores rios se encontrarem.
Com tantos espelhos de água e
com os Alpes carregados de neve a refulgirem e a reflectirem-se também nessas águas imensas, Passau vai deixar sempre marcas que não se apagam na alma de ninguém.
Regensburg uma cidade média com arquitectura mais antiga e
moderna, bem combinada é também banhada pelo grande Danúbio que lá corre com grande caudal, Nuremberg com um centro antigo, medieval e bem conservado, fomos lá num dia muito frio, bebi lá vinho quente com rum que me aqueceu cá dentro o corpo e a alma. Era o tempo das Feiras do Natal.
Este é um resumo possível, que já vai muito longo, de
algumas viagens que fiz com a família, mais ou menos alargada, conforme os dias livres de cada um.
A última viagem que fizemos nos arredores de Munique foi ao castelo de Neuschwanstein, esse castelo erguido em cima de penhascos dos Alpes Bávaros por Luís II da Baviera, esse rei poeta ou louco e megalómano. Construção grande em comprimento e altura do edifício e sobretudo das suas torres. Destaca-se pela beleza arquitectónica bem enquadrada na natureza que o rodeia.
Castelo de Neuschwanstein
Hoje olhamos para esse castelo de lenda e ficamos a pensar nas feiticeiras e fadas, nas bruxas más, nas princesas e belas adormecidas dos nossos contos de meninos, e quase somos levados a acreditar que elas vivem nesse Castelo e que Luís II da Baviera, esse rei que teria tanto de louco como de menino, continua a viver lá com elas.
Boas viagens para todos!
Um abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor
Último poste da série de 19 de julho de 2015 >
Guiné 63/74 - P14898: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (8): Vimeiro, Lourinhã, 17 a 19 de julho de 2015: recriação histórica da batalha do Vimeiro (1808) e mercado oitocentista - Parte I: Com o nosso 1º cabo Eduardo Jorge Ferreira, promovido a sargentos por feitos heroicos em campanha...