quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69

1. Parte XXII de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 18 de Novembro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XXII

1 - Outros horários 

Em frente às vivendas, meia dúzia de escadas acima, ficava a messe dos oficiais do QG, um edifício também só de um piso, sobre o comprido. À entrada, à esquerda, um pequeno bar, bem fornecido, uísques de todas as marcas, Drambuie e outros licores, Gordon’s, chocolates, tudo o que se podia encontrar de melhor. Os lavabos em frente, urinóis em fila e nos cantos, os espelhos do costume, tudo bem limpo logo pela manhã. A sala das refeições era um salão comprido que dava para muita gente e também para alguns que, nas várias repartições do QG, davam o melhor do seu esforço para que nada faltasse às NT espalhadas pelo território. 
Foi lá que tomou o primeiro pequeno-almoço, ainda não eram 9 horas, depois de duas ou três de sono. 
Depois foi por ali fora, como se alguém o empurrasse, com o Capitão Valente e outros, por entre as palmeiras, no empedrado, relva bem tratada nos lados. 
Entrou no edifício do comando, o capitão à frente com vontade em mostra-lhe as instalações, aqui a secretaria, o 1.º sargento tal, os nossos cabos tal e tal, o 314, soldado amanuense, este gabinete passa a ser seu, os lavabos são aqui, o alferes a olhar para aquele barracão grande, zinco no telhado. Agora vamos à cantina, venha ver o seu pelouro. 
O meu capitão quer mesmo amarrar-me aos copos e às garrafas? 
Tem mesmo que ser, não tenho outra opção, isto não custa nada, a voz amigável do velho capitão, pingalim na mão. 

Por que é que tanta malta, aqui no QG, anda de pingalim, não vejo cavalos em lado nenhum!

Esta cantina está bem montada, tem tudo, quando aqui cheguei esta barraca estava a cair de podre, continuava o Capitão Valente. 
Que ar miserável, precário, como os abarracamentos cobertos a zinco que vira nas Lajes, do tempo da 2.ª Guerra, por fora cinzentos-escuros, por dentro muito mais acolhedores que esta frieza. Parecida com a messe de oficiais, onde tomara há pouco o pequeno-almoço, só nos extremos. 
Vamos, o capitão a mostrar tudo, a caminho outra vez do edifício do comando, tabuleta cá fora que o empreendedor capitão mandara o 314 pregar. 


Nasci no Ribatejo, sem pai ao lado, nunca soube quem foi o responsável, a minha mãe foi sempre de pouco falar, na hora em que morreu estava eu em Angola, andei descalço pelo Cartaxo, aos caídos, uma família de lá a quem devo o que sou, meteu-me na Casa Pia. Sou casapiano com muito orgulho, fui para a tropa e fiz a carreira. Tenho uma tertúlia de amigos no Cartaxo que de vez em quando me mandam uns garrafões dos melhores tintos daquelas redondezas. 
Meu capitão, o senhor está mesmo interessado em que eu tome conta das cantinas? 
Nosso alferes, quantas vezes já lhe disse que sim? 

Para não falar de outros, estava com um problema que ainda não tinha conseguido dar a volta. Não tinha sono às horas de agora, há meses que vivia com outros horários, não eram ao contrário destes, mas quase. Passava pelas brasas aí pela meia-noite, os companheiros de quarto a entrarem àquela hora, acordava, uma espertina contínua, as horas a andar para trás, nunca mais chegavam as 6 ou 7, então sim, um tiro, directo até à uma ou duas da tarde, o pessoal a regressar do serviço da manhã, então ainda de cama, não vens almoçar? Um banho, a caminho da messe, o Capitão Valente cá fora com os compagnons, como lhes chamava, ó nosso alferes, algum problema?

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2 - Contas com os fornecedores 

Começava o dia e o serviço sempre à mesma hora, mais minuto menos minuto. Era quase sempre o primeiro a entrar no edifício do comando da CCS a seguir ao almoço, muito antes do Capitão Valente, aliás quando entrava nunca via lá ninguém. 
Um dia, aí pelas duas da tarde, viu o capitão a entrar e a fazer um esforço danado para não arrotar, o bagaço ainda fresco em cima do almoço parecia tê-lo entupido. Amigavelmente perguntou-lhe se andava com algum problema, não satisfeito com a falta de resposta, voltou a perguntar com cara de pau, depois só com os olhos, o alferes calado a ler-lhe o pensamento, este gajo está mesmo a gozar comigo. Quando arriscou dizer-lhe que tinha dificuldade em dormir à noite arrependeu-se logo. O capitão engasgou-se com os arrotos e, aos soluços, saiu do gabinete a murmurar qualquer coisa como quero lá saber que não acorde a horas! 
Às 5 da tarde como o regulamento dizia, os sargentos, os cabos, o 314, o pessoal todo a sair, até amanhã, e ele ainda às voltas com as existências das cantinas, bares, fornecedores, até se fazer noite. 
Naquele final de dia, ao sair voltou a encontrar-se com o Capitão Valente, depois da cena a seguir ao almoço. 
Nosso alferes, você anda a irritar-me! Tenha paciência, faça um esforço, venha de manhã, isto não é um trabalho em part-time! Diga-me lá, o que lhe devo fazer, o que devo fazer para você entrar a horas? 
Eu, se fosse ao meu capitão mandava-me para a metrópole. Se não pudesse, despachava-me para o mato, um Catió qualquer serve. 
Ouça lá, alferes, você quantos anos tem, 24 ou 25, não? A gozar comigo! Ora olhe para mim, tenho idade para ser seu pai! Olhe para mim, porra, está na frente de um casapiano, sabe o que representa isso? Não sabe! 
Olhe, faça as liquidações aos fornecedores amanhã, à hora que lhe der na gana! À hora que lhe der na gana! 

Na manhã seguinte, eram para aí 7 horas quando passou os olhos pela última página do livro, impresso na Tipografia tal na Amadora aos tantos dias do mês tal e tal, a pé antes que se arrependesse, o chuveiro em cima e o companheiro de quarto a protestar com o barulho, que é que te está a dar, pá, que horas são? 
Porta fora, ar fresco, o pequeno-almoço como já não se lembrava, quando acabou estava a oficialada menos jovem a entrar, o Capitão Valente também, os olhos e os óculos arregalados para ele, pareceu-lhe. 
Bom dia, fresco como uma horta acabada de regar, a caminho do edifício do comando da CCS, a prometer um novo horário. 

O motorista não era como alguns guias no mato, conhecia as voltas todas dos fornecedores, começou por o levar à Ultramarina, parou o jeep e não é que quando põe o pé no chão vê a Teresa a bater com o portão, livros e cadernos na mão. 
A farda amarela de terylene dava muito nas vistas, já não deviam chegar a uma dúzia as que ainda andavam pela Guiné toda, há muito que se usavam as fardas verdes, dos periquitos como lhe chamavam agora. 
Para a frente, a outro fornecedor. Deu a volta até ao último, à Casa Gouveia, entrou, o empregado recebeu, recibos no envelope, porta fora, o empregado cabo-verdiano a chamá-lo, um esquecimento qualquer, a devolução do envelope, um minuto, outro envelope, a pasta de mão a ficar gorda de recibos, este envelope está mais grosso, recibos atrasados, deve ser, deixa arranjar melhor, abriu-o, um maço de notas de 50 pesos. 
Ó senhor, há aqui um equívoco qualquer, não me mandaram receber, só pagar, deve ser engano, outra vez para dentro, uns minutos largos, as caras deles a olhar uns para os outros, um mais graduado a vir ter com ele, nada de especial, senhor alferes, apenas o costume para pequenos arranjos na cantina das praças, o senhor capitão tem conhecimento. Ficaram a olhar um para o outro e para o envelope. Decidiu-se pelos bons-dias, embora para a CCS. 

Esbarrou à entrada com um Capitão Valente diferente, sorridente, então que tal? 
Tem aqui os recibos, meu capitão. 
Deixe isso para depois, junte ao relatório do final do mês. 
Meu capitão, tome conta desta papelada toda, tem para aqui recibos que não são da minha gerência. 
No final da tarde, viu o capitão entrar-lhe pelo gabinete, com explicações sobre procedimentos a seguir, outros costumes também que ainda não conhecia, os recibos que vinham dentro dos envelopes, afinal, traziam todos acompanhamento, uma deferência para com a CCS, arranjos na cantina e tal. Boa tarde, meu capitão. 
Uns dias depois alguém conhecido dele, ouvira o Capitão Valente, na roda dos compagnons, explicar como se metia na ordem um gajo rebelde às horas do regulamento. 

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3 - Um mês e meio para o fim 

"A partir de hoje faltam-me 41 dias para o fim da comissão. Nunca mais volto cá, nem depois do Cabral se sentar no Palácio. Vou sem saudades desta terra. 
As veleidades de lutar pela Pátria aqui na Guiné ficam cá, deixei de acreditar. E aqui no QG, muito poucos têm coragem de defender a manutenção da guerra, a defesa disto está a limitar-se, é o que se ouve por todo o lado, à contagem dos dias que faltam para se irem embora. Apenas alguns oficiais, superiores sobretudo, fazem o seu papel, insistem na justiça da luta, mas quase ninguém lhes dá ouvidos. Junto deles, alguns dizem que sim como podiam dizer que sim a qualquer outra coisa, quando os vêem de costas mandam-nos à outra parte. E os que chegam, as primeiras coisas que querem saber é como se pode arranjar colocação no QG. Ainda agora chegou e já está a fazer perguntas dessas? Quem é quem, a ver se os papás, familiares ou amigos dão com a chave que lhes abra a porta para passarem o tempo nos corredores do ar condicionado".

Tinham chegado da metrópole há dias, as caras não enganavam. Camaradas da escola militar, todos tenentes, faziam parte da primeira fornada de subalternos que marchavam para o ultramar, um ano como adjuntos dos comandantes de companhia no mato, para depois regressarem à metrópole, formarem companhias e partirem para Angola, Moçambique e Guiné. Era uma boa ideia, parabéns a quem a teve. 
Encontrou-os, cinco à volta de uma mesa na messe do QG, abriram espaço para mais um, os milicianos a passarem pela mesa a olharem para as caras que os recém-chegados costumam trazer. 
Falaram da vida deles, por onde tinham andado, o que tinham feito, queriam saber coisas, como estava a evoluir a situação militar, um a perguntar-lhe pela ilha do Como, é um tal Nino não é? 
Vocês querem mesmo saber a minha opinião? Esta é uma guerra quase só de milicianos. Não só alferes e furriéis, também cabos e soldados apanhados à mão, com a ajuda dos padres, dos tipos das juntas de freguesia, dos regedores, vai-se arrastando, mas é uma questão de tempo, meia dúzia de anos talvez, não muitos mais. Muitos mortos e estropiados depois, o PAIGC vai-se deitar nas camas onde agora dormimos. Sei que é uma chatice, que talvez preferissem ouvir outras coisas, mas é o que vos posso dizer. E desejar-vos sorte! 
As caras deles, vermelhas do calor, sem troco, a olharem uns para os outros. 
Dias depois deixaram de ser vistos na messe. 


Quase todos os finais de tarde passava pela piscina, depois descia até à cidade, passava pelo quiosque do Bento, mexia nos livros, à procura de novidades, levava um ou outro, mais ao seu gosto, As Vinhas da Ira num dia, O Inverno do Nosso Descontentamento dias depois. 
Na esplanada já encontrava poucas caras conhecidas, via muitos militares, mas quase todos com aspecto de recém-chegados, caras vermelhas, a escorrerem suor, à volta de mesas cheias de copos e garrafas de cerveja. 
Ao Hotel Portugal deixara de ir, outros deveriam ter tomado conta daquelas mesas, quando ocasionalmente por lá passava também só via caras novas. 

Num daqueles dias, ao fim da tarde, dirigiu-se para o quarto, cheio de boas intenções, vestir o fato de banho e ir até à piscina. 
Quando abriu a porta viu o Manaças a sair do quarto de banho e um enorme cheiro a desinfectante. 
Ó Manaças, andas a tomar banho em Old Spice? 
Não é Old Spice, é Tabac, é para disfarçar o DDT que tem um cheiro do caraças!  
DDT? Aqui dentro? Eu julgava que o pessoal da desinfestação andava a matar os mosquitos lá fora. DDT para quê? Uma camada de chatos, desde quando? Então e onde? Há quanto tempo andas com isso? Uma semana? É pá vamos mas é ao hospital, eles têm um líquido que tira isso tudo. 
Tu vais mas é agora ao médico, ao hospital militar. 
Porta fora, directo à messe, o Capitão Valente na mesa do costume, os compagnons à volta, ó nosso alferes, ainda bem que apareceu, preciso de falar consigo, no fim de jantar, estou ali pelo bar, apareça.

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4 - Um Folgado no QG 

Chegou-me um alferes da metrópole, da Administração Militar, vem destinado à companhia, é de uma família minha conhecida de há muitos anos. Vem-me mesmo a calhar, e para si também, que está morto por deixar a gerência das cantinas. Vou entregar-lhe a responsabilidade desse serviço. 
Você já teve a sua conta, tem sido um tipo leal, e eu aprecio muito isso, pode crer, tirando aqueles problemas que tivemos no início. Resolvemos bem o assunto, olhe que eu já o dava perdido. Vou deixar o filho da mãe para aí a comer relva, até ganhar flor! Mas sabe como é, não me canso de dizer, casapiano uma vez, casapiano para toda a vida. Eu tenho muita roda, sabe? Olhe, falta-lhe quê, para aí um mês, um mês e meio? Claro que vai ter que fazer, apareça por lá, todos os dias, dê uma ajuda na papelada, umas assinaturas e tal. 
Amanhã convinha que estivesse no edifício do comando aí pelas nove horas para as apresentações, a seguir leva-o ao pessoal das cantinas, vai-lhe passando a escrita, deixe tudo em ordem, ok?

O alferes miliciano da Administração Militar já tinha chegado. Só podia ser aquele militar que estava à porta do barraco do Capitão Valente, o tal edifício do comando. Caqui muito verde, óculos escuros graduados na pele muito branca. 
Mais um de óculos escuros logo pela manhã! 
Então o nosso capitão ainda não chegou, a mão estendida para o ilustre administrativo.
Chama-se Folgado?1 O nome é bom. Está a gostar de Bissau? Nem por isso? Olhe que esta terra tem muitos encantos, os olhos também ajudam. Mas se anda à procura de paisagens encontra-as, bem lindas, fora de Bissau, no mato.
As merdas que tinha ouvido dos outros já estavam entranhadas. Desculpe, Folgado, com estas coisas não se brinca, esqueça.
Passara o dia todo com o alferes, economista recém-licenciado, casado logo a seguir com uma colega, papeis passados à máquina pelo 314, para um e para o outro, assinaturas dos dois, a do capitão por baixo, gerência passada, trespassada, tudo.
Pronto, é tudo, Folgado, felicidades, que a vida lhe corra bem por aqui.

O companheiro de quarto fora ao hospital, foi atendido por um médico de quem nem o nome fixou, mostrou-lhe as partes baixas, milhões de bichinhos, o doutor de óculos e lupa, de longe, mas são chatos, senhor alferes, são chatos mesmo, estes já nasceram com DDT, quanto mais DDT lhes der mais os gajos engordam, ó nosso sargento prepare aí um frasco daquele líquido para os ácaros aqui do nosso alferes, pode subir as calças, o alferes todo envergonhado, nunca se vira em tal achado. Ficou à espera que lho preparassem o líquido, feito de propósito segundo as regras da farmacopeia militar guineense, habituada também a este tipo de ataques. 
É puro, meu alferes, o frasco vai um pouco mais de meio, enche com água, agita bem, para cima e para baixo, deixa assentar a espuma, toma banho primeiro, seca-se com uma toalha, toalha para dentro de um alguidar, não se esqueça. 
Se não quiser queimar a sua roupa, mergulhe-a em água, lençóis, toalha, toda a roupa em que em tocado, com uma boa quantidade deste líquido e deixe-a num tanque ou em alguidares uns dias. O meu alferes toma banho, deixa-se secar, depois passa o líquido diluído em água por toda a zona genital, atrás também, orifícios não, claro, pelas pernas abaixo, deixe-se estar uns dez minutos, vai sentir um ardorzinho, depois banho outra vez, deixe-se estar outros dez minutos com água por todo o lado, fique a secar, eram uma vez esses chatos, vai ver, o alferes a perder o seguimento, cheio de comichões e já sem paciência para tanta minúcia, sim, sim, claro, nosso sargento, é o que vou fazer. 

É pá, estou à rasca, olha para isto, arde-me isto tudo, olha como está a pele, até os pelos caíram todos. Passei a merda do líquido, se calhar mais concentrado que devia, não enchi o frasco de água até acima para ver se fazia mais efeito. 
Mete-te no chuveiro, água a correr, entra pá, lingrinhas, quem te disse que um matemático tem que ser um bom enfermeiro? 
É pá, a água ainda me faz arder mais! 
Quem te mandou sair da água, não é nada de grave, tem calma, levanta-te, vamos ao hospital. O Manaças tremia todo, quase tanto como o Fiat Necker a descer Santa Luzia abaixo, Associação, Palácio, estrada para Brá, a chiar como nunca, agora até esta chocolateira a ganir nas curvas, rectas e tudo, uma grande travagem, o carro virado ao contrário, que classe, a porta do camarada a dar para as escadas do hospital, só faltaram palmas, poeirada e olhos não. 


Meia hora depois o Manaças desceu as escadas com um ar já mais aliviado e entrou no carro. 
Então, estás melhor ou não? Cheiras a pomada! Queres que te leve ao quarto? Eu vou ficar por aqui, como qualquer coisa no Império, uma sandes de queijo, pãozinho acabado de sair do forno, com uma cerveja em cima. Queres vir? 
Manaças, quanto tempo te falta para acabares a comissão, dezasseis meses ainda? Estás a fazer o teu pé-de-meia para quando chegares à metrópole comprares uma bruta máquina, não? Para o teu curso primeiro, a máquina fica para depois. E então, ora conta lá, os alunos das tuas explicações portam-se bem, aprendem com facilidade? 
Interessados, atentos, bom comportamento, vontade de aprender, não estão ali para brincar, é como quisessem aproveitar um tempo que nunca tiveram. 
Não, não é o caso de serem explicações, de terem que pagar, tenho até dois alunos a quem nem estou a levar nada. Vi que não era fácil eles pagarem, disse-lhes para pagarem quando pudessem. 
Não, não me apercebo de animosidade contra nós, não lhes vejo ódio, sinto-os até amigáveis, há qualquer coisa entre mim e eles, talvez um espaço que ainda não consegui estreitar. Nunca abordei o assunto da guerra com eles, mas penso que não lhes será difícil perceber o que penso. 
Falaram do ambiente da metrópole e muito de Coimbra. Manaças, o companheiro de quarto, tinha vindo de férias há dois meses, estava a juntar dinheiro para ir outra vez, queria ir para a Figueira entre Julho e Agosto, passar as férias ao sol e ao vento, com a namorada, colega dele em Coimbra. 
Gostas dela? 
Nem me fales! 
E não tiveste vergonha de andar para aí a apanhar chatos? 
É pá, não me fales mais nisso, até me sinto fraco! 
Pois deves estar, falta-te peso, milhões de chatos a menos, para aí um quilo, não? 
Sei lá, a gaja meteu-me a camada que viste e deu-me de brinde um escarepe, já viste? 
A brincarem um com o outro, acabaram a rir-se, duas sandes no meio de outras tantas cervejas. 
Sabes como é, desde que vim de férias, sem ver o padeiro, as bajudas que vão aos quartos de Santa Luzia buscar a roupa para lavar, todo o bicho careta se mete com elas, ganharam tanta ou mais resistência que os meus chatos, dali nunca levei nada. 
Uma noite da semana passada, fui até ao Hotel Portugal, estive lá a beber umas cervejas, meti-me num táxi, é pá nunca na tua vida contes isto a alguém, ouviste? 
Disse ao taxista que me apetecia dar uma volta para espairecer, o gajo meteu pelo Cupilão, quase ninguém àquela hora naquelas vielas, até tive receio, veio-me à cabeça aquela história que se conta dos dois gajos que apareceram com as gargantas cortadas, o taxista saiu, voltou passado um bocado, disse-me que eram 20 pesos2, que ela estava à minha espera.
Entrei um pouco desconfiado, olha pá, esqueci-me de tudo quando a vi na cama, de pernas dobradas, de barriga para cima, só com uma camisa de noite curtinha, nunca tinha visto tanto. Tinha ao lado dela na cama um bebé e no chão de terra andavam galinhas e um porco a passear, vê lá tu!
Chatos, escarepe de brinde, galinhas e porcos na assistência, 20 pesos para o taxista. Misérias, Manaças, confissão amanhã na Sé!
Volta à praça, o Palácio do Governador Schulz com as luzes apagadas, direcção ao QG. 
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Notas: 
1 - Nome fictício 
2 - Equivalente a 20$00 (vinte escudos) da Metrópole 

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5 - Vat 69 

Os Homens de guerra de F. Ponthier, de Estalinegrado às terras da Argélia e de Marrocos, o reencontro de dois homens de armas na mão, 35 pesos. Uma agulha no Palheiro do J. Salinger, um jovem burguês expulso de casa a vagabundear por N.Y., drama da juventude, 35 pesos. A Morte do Cavalinho do Bazin, o duelo entre a mãe e o filho pequeno, uma perseguição implacável, a triste conclusão dessa luta, uma recordação da Teresa. O Escândalo Profumo, de três jornalistas, 40 pesos. A Sentença, de M. Gregor, a história da violação de uma jovem de 16 anos por um grupo de soldados americanos, numa cidade alemã ocupada. Chegar é já em si bastante, de José da Câmara Leme, uma série de contos que interligados são histórias de meia dúzia de homens de guerra, mercenários da Legião Estrangeira, passadas na guerra da Argélia, 35 pesos. Uns atrás dos outros, marchava tudo, a boa média a manter-se. 
Começava normalmente pela uma ou duas, os dois comparsas a assobiarem de olhos fechados, o Manaças de papo para o ar, a boca escancarada, é por causa deste corneto, dizia ele. Por aí fora, até às 6 ou 7, o corpo sem posição, braços dormentes, livro no chão, acordava logo, com os barulhos, não podia ficar, metia-se no chuveiro, meio esquisito a sair para o dia alto a caminho da CCS do Capitão Valente. 
À saída da messe encontrou o Manaças com os dois companheiros, então, queres vir dar uma volta, anda daí, meteram-se no carro, janelas abertas, a descer devagar a avenida até à cidade, e de repente todos à gargalhada com a história das aventuras no Cupilon de uma figura militar importante do QG. Uma história descoberta na cama de uma menina, a satisfazer também as necessidades de um camarada mais falador. 
Vamos comer um gelado, o mais periquito e mais calado também para os outros. 
Mesmo bons, é uma casa nova de uma senhora cabo-verdiana, abriu há pouco tempo. 
Este gajo ainda agora chegou e já conhece mais que ele, vai longe! Para onde? 
Benfica, por aí, uma rua para cima, umas escadinhas até à vivenda, uma varanda aberta para a rua, três ou quatro mesas, cadeiras à volta, muita frequência. 
Uma taça de gelado para cada, copo de água a acompanhar, olhos para a rua, uma sirene de ambulância ao longe, um dente a doer-lhe logo à primeira colher, uma dor fininha, que chatice, julgava que isto já estava sossegado, eles a quererem conversa, a mão na cara sem saber para quê, é um dente, não? 
A dor parecia que ia embora, ouvia o que estavam a dizer, colher na boca a medo, aí vinha ela outra vez, mão na bochecha para quê? 
Não posso mais, tenho que me ir embora! Espera um pouco, vamos todos. 

O livro a meio, a dor fininha, intermitente passou a corrente contínua, a latejar, parecia que o sacana do dente queria sair da boca, como se também já tivesse cumprido a comissão. Desvairado no quarto de banho a bochechar com uísque. 
Vodka é melhor, não tens aí vodka, pergunta o Manaças. Vat 69 de serviço, boca abaixo pela garrafa, calor no estômago, na cabeça, parece que isto agora vai. Qual vai, qual carapuça, cama fora, desaustinado, camisa e calças num rápido, sapatos sem cordas nem nada, porta fora, onde vais, pá? 
Meteu-se no VW, se a porta de armas não se abre tão depressa, ia o pau e o militar de sentinela, a acelerar pela avenida de Santa Luzia abaixo, não dava mais o desgraçado, nem chiava nem nada, a lembrança do fim da comissão, que se lixe! Nunca ninguém tinha tido uma dor como esta, a boca, cabeça, tudo a latejar. Farmácia perto da Amura, junto à Ultramarina. Olhe saiu agora isto, Optalidon, é uma coisa nova, leve este tubo. 
Quantos tem, doze, acha que dá? 
Vai dar e sobrar, amigo, tome um agora, se não abrandar, tome outro daqui a 4 horas. 
Tem aí água? Foram logo dois pela boca abaixo, carro outra vez, uma festa numa vivenda e eu aqui com esta dor de dentes. 
A festa dos dentes é que não havia maneira de acabar, isto agora vai começar a abrandar, mais devagar pela avenida acima, o sentinela ao encontro, pau da porta de armas a levantar-se, a chave de mansinho na porta, também não valia a pena, ressonavam como uns porcos. A dor é que nada, só se fosse maior. 
Depois desapareceu, adormeceu. Quando acordou, não havia grandes alterações, os dentes doíam menos, mas doíam, sentia-se era um bocado estranho. Sabes que horas são, pá? Cinco, da tarde!

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Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG

Guiné 63/74 - P15384: Parabéns a você (989): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15372: Parabéns a você (988): José António Viegas, ex-Fur Mil Art do Pel Caç Nat 54 (Guiné, 1966/68)

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15383: Inquérito 'on line' (19): Batota em relação às causas das baixas das NT? Provavelmente não havia... Havia, isso sim, dualidade de critérios e os trâmites normais da burocracia da justiça militar (Abílio Magro / Manuel Amaro / Carlos Vinhal / Luís Graça / José Martins / Jorge Cabral)


Comentários ao poste P15378 (*):
1. Abílio Magro ex-fur mil amanuense,  CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74)

Os processos eram instruídos nas Companhias e, de acordo com o respectivo "instrutor", a caracterização era efectuada na CSJD/QG/CTIG. [CSJD = Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina],

Supõe-se que muitos dos "instrutores" nada sabiam das consequências futuras para os militares ou seus familiares, pelo modo pouco rigoroso como era instruído o processo. Por outro lado, outros "instrutores", bem mais preparados e conhecedores destes "meandros", lá conseguiam "dourar a pílula",  escondendo habilmente alguns factos e, assim, conseguir algum benefício para o militar atingido ou acometido de doença.

Na CSJD/QG/CTIG, face aos factos constantes do processo (reais ou não) era emitido o respectivo parecer.
´
Tenho a ideia, não a certeza, que o relato das testemunhas era manuscrito pelo instrutor (Alf. Mil, por norma) e as testemunhas não assinavam, ficando o instrutor responsável por elas. Neste contexto, o processo podia muito bem ser conduzido para o lado mais conveniente, houvesse vontade e engenho para isso. 

Para ficarem com uma ideia de como a "coisa" funcionava, quero referir o assédio de que fui alvo, em Setembro de 1974, por parte de alguns Capitães Milicianos, comandantes das Companhias que tinham regressado a Bissau e que aguardavam embarque para a Metrópole.

E o assédio tinha em vista a minha colaboração diária (nocturna e paga) a fim de os ajudar na conclusão dos vários processos pendentes na Unidade, sem o que esta não poderia embarcar, denotando os Capitães Milicianos, portanto, algum desconhecimento da matéria em causa.

Noutras circunstâncias tê-los-ia ajudado,  com muito gosto e "sem honorários", mas acontecia que eu também estava ansioso para "bazar dali" e, naquela altura, chegava ao fim do dia cansado de tanto queimar papelada e, com o calor das chamas e a fumaça, tinha sempre a garganta seca.


2. Luís Graça [editor, ex fur mil, arm pes inf, CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71]


Não deixa de ser significativo que mais de um terço (22 em 59, ou seja, 37%) dos respondentes ao inquérito 'on line' desta semana, tenham optado pela resposta "Não sei / não tenho opinião"...

A questão é técnica e juridicamente complexa... Poucos de nós, ao fim e ao cabo, lidaram com este problema... Temos, muitos de nós, a experiência das "baixas", dos camaradas que morreram ou foram feridos... Não sabemos, em muitos casos, como é que o processo burocrático se desenrolou, seguindo os trâmites normais da justiça militar...

A alguns de nós causa estranheza ou provoca até revolta ao vermos, nas listas oficiais dos mortos na guerra do ultramar, camaradas nossos, que conhecemos, como o Quaresma, da CART 2716 (Xitole, 1970/72), terem morrido por "acidente"... 

O Quaresma morreu por estar numa zona de guerra e todos os dias armadilhar e desarmadilhar o engenho explosivo colocado numa das entradas do quartel, para a malta poder dormir "mais descansada"... E quantos casos não houve como o do Quaresma ?! Ora é preciso que estes casos venham à luz do dia!...

3. Manuel Amaro [ex-fur mil enf, CCAÇ 2615 / BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71]

Se houve "batota",  não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia, a CCAÇ 2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.

O problema creio que estaria na separação entre combate e... acidente.

Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os coronéis reformados a dizer que, quando eram capitães (ou alferes),  tinham mentido, tinham feito "batota".

No meu Batalhão houve dois casos complicados. O alferes Queiroz (CCAÇ 2616, Buba),  morto a levantar uma mina, junto ao quartel, creio que foi considerado em combate. Já o furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.

Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a legislação.


4. Carlos Vinhal [, editor, ex-fur mil art MA, CART 2732, Mansabá, abril de 1970/março de 1972] 

No caso das minas, normalmente a diferença entre morto por acidente ou em combate dependia de a mina ser "amiga" ou do IN.

Na minha Companhia, o Alferes de Minas e Armadilhas morreu ao tentar neutralizar uma mina AP inimiga, sendo considerado morto em combate. Naturalmente, diria eu.

Um camarada, por ironia do destino impedido na Messe dos Oficiais, quando se dirigia para um abrigo para entrar de reforço, caiu abaixo do Unimog,  sendo considerado morto por acidente.

Acho que não haveria muita batota, existiriam por vezes situações dúbias que cada um classificava como queria. Os afogados, por exemplo, mesmo a fugir do IN, eram mortos em combate ou por acidente?


5. Luís Graça / José Marcelino Martins:

Veja-se mais este caso, infeliz, já aqui abordado no blogue:

7 de agosto de  2007 >  Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)


(...) 8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)

Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
 (...) Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifén [, deve ser gralha: Canquelifá]
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa

Observações: Accionamento de granada – armadilha IN


6. Jorge Cabral [, ex-alf mil art, cmdt  Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá. 1969/71[

E os suicídios, Luís? 
Tive um no meu Pelotão, mas desconheço como foi classificado...

Abraço.
J.Cabral
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15382: Efemérides (203): Inauguração de um Memorial de Homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, levada a efeito na Freguesia de Candelária, Ilha do Pico, Açores, no passado dia 11 de Outubro (José da Câmara)

Candelária - Pico - Açores - Memorial aos Combatentes de Portugal na Guerra do Ultramar


1. Alertados pelo nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), que nos enviou a respectiva ligação, aqui reproduzimos, com a devida vénia à Liga dos Combatentes e ao seu Núcleo do Pico, a reportagem da cerimónia de inauguração de um Memorial de Homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, levada a efeito na Freguesia de Candelária, no passado dia 11 de Outubro.

No dia 11 do corrente mês de Outubro, o Núcleo da Ilha do Pico, com o apoio dos Combatentes da freguesia da Candelária, levou a efeito uma vez mais o Dia do Combatente do Pico, na citada freguesia da Candelária. Com o apoio do Presidente de Junta daquela Freguesia, ergueu-se um memorial em homenagem aos Combatentes por Portugal na Guerra do Ultramar, realçando o nome do Combatente daquela freguesia que tombou ao serviço da pátria no teatro de guerra da Guiné.

A comemoração iniciou-se pelas 11horas com uma Missa em Sufrágio de todos aqueles que perderam a vida ao serviço da Pátria e dos Combatentes regressados, mas já falecidos.
Terminada a missa, houve a cerimónia de inauguração do memorial, tendo a mesma tido a participação de uma Guarda de Honra, por militares da GNR, tendo os toques regulamentares sido executados por trompetes da Banda Filarmónica Lira de São Mateus, que no inicio da cerimónia prestou homenagem à Bandeira Nacional, tocando o Hino Nacional e a Guarda apresentado arma, na forma regulamentar.

Feito o descerramento da lápide do memorial, usaram da palavra a Presidente do Núcleo da Ilha do Pico da Liga dos Combatentes, o representante do senhor Presidente da Direção Central da Liga, deslocado ao Pico para o efeito e o Presidente da Freguesia da Candelária.
Estiveram presentes na cerimónia para além de várias centenas de populares e Combatentes, diversas autoridades civis e militares, salientando-se, os representantes do Comandante do Comando Operacional dos Açores, do Comandante da Zona Militar e Zona Marítima dos Açores, do Comandante Regional dos Açores da GNR e também um representante do senhor Presidente do Governo Regional dos Açores.
Terminadas as cerimónias houve um almoço de convívio, no qual participaram 440 convivas incluindo as autoridades convidadas.


O discurso do Presidente do Núcleo, foi o seguinte:

Excelentíssimo Senhor Diretor Regional do Ambiente em Representação de sua Excelência o Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores.
Senhor Presidente da Freguesia da Candelária
Senhor Representante do Senhor Presidente da Direção Central da Liga dos Combatentes;
Senhor representante do Senhor Comandante do Comando Operacional dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante da zona Marítima dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante da Zona Militar dos Açores.
Senhor representante do Senhor Comandante Regional da GNR.

Quero agradecer o facto de os comandos aqui invocados, bem como a Direção Central da Liga dos Combatentes, vos ter feito deslocar hoje aqui para participarem neste dia maior dos Combatentes do Pico.

Excelentíssimas demais autoridades militares e civis,
Minhas senhoras e meus senhores!
Combatentes...

Há 27 anos por iniciativa de um pequeno grupo de combatentes efetuava-se o primeiro convívio dos Combatentes do Pico. Convívio que de ano para ano foi crescendo e aumentando o número de participantes, envolvendo familiares, autoridades locais e regionais, de tal modo que hoje é o maior convívio de Combatentes dos Açores e, atrever-me-ia a dizer mesmo do país.

Hoje aqui nesta freguesia da Candelária, no dia que passámos a denominar Dia do Combatente do Pico, estamos inaugurando mais um marco em que se pretende perpetuar a memória dos Combatentes por Portugal, deixando marcado na pedra os nomes daqueles que desta freguesia um dia partiram para servir a Pátria em terras do então ultramar português, tendo somente um deles lá perdido a vida.

Nós que um dia, entre os anos de 1961 e 1974 partimos com destino à guerra e regressámos estamos hoje aqui também para celebrar a amizade e a camaradagem que então se criou em horas, muitas vezes de grande risco.

Comemoramos a vida mas nunca esquecemos aqueles nossos camaradas que como nós um dia partiram e não lograram regressar com vida. Já que perderam a sua ao serviço da Pátria.

Hoje convivemos, mas não esquecemos tantos problemas que a guerra acarretou para as vidas de tantos. Problemas relacionados com a saúde, problemas de ordem psicológica e problemas de ordem familiar.
Passados que foram tantos anos não deixámos de estar marcados;

Marcados muitas vezes pela falta de compreensão daqueles que nos rodeiam, mas também muitas vezes originando sofrimento para os mesmos;

Marcados pelo estigma da guerra. Cujas marcas mais ou menos profundas jamais se apagarão.

Todos nós que sofremos na carne os erros políticos de então, hoje continuamos a padecer dos mesmos, já que os nossos governantes pouco têm feito para minimizar o sofrimento e a injustiça de que muitos Combatentes padecem, por não lhes ser reconhecido que os males de que hoje padecem foram motivados pelo facto de terem participado na guerra.

Cumprimos o nosso dever ao serviço dos considerados interesses vitais do país pelos responsáveis políticos de então. Não seria pois mais que justo o reconhecimento hoje dos sacrifícios então suportados!

Tem sido a Liga dos Combatentes a organizar-se onde tem sido possível para permitir aos Combatentes e às suas famílias um fim de vida mais condigno!

O Núcleo do Pico da Liga dos Combatentes também quer fazer parte dessa rede que se vai montando pelo país fora, através da qual são prestados serviços de apoio médico-psicológico e outros, mas como primeira passo, tem de ter um local onde o possa fazer, o que até ao momento, embora tenham sido feitos vários esforços ainda não se conseguiu. Dentro em breve pensamos que teremos esse local tanto desejado. Já vemos a luz, diria que a meio do túnel!

Para que possamos conseguir este objetivo, precisamos do apoio de todos e esse apoio traduz-se em fazerem-se sócios da Liga dos Combatentes, aqueles que ainda o não são. O pagamento de uma quota de um euro e meio por mês pensamos que não é muito., mas faz toda a diferença. O núcleo não sobrevive sem essa vossa ajuda.

Se formos unidos, poderemos alcançar objetivos que de outra forma serão inatingíveis.

Vivam os Combatentes do Pico.
Vivam todos os Combatentes.
Viva Portugal.

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15247: Efemérides (202): Em cerimónia levada a efeito no passado domingo, em Fânzeres, Gondomar instituiu o dia 11 de Outubro como Dia Municipal do Combatente, coincidente com o dia 11 de Outubro de 1961, quando faleceu em campanha, em Angola, o primeiro gondomarense (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P15381: Blogues da nossa blogosfera (71): BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74)... O próximo encontro do pessoal é em Ponte de Lima, 11 de junho de 2016. Tem 25 mil visualizações de página. Editores: Jaime Ramos e Adalberto Costa Silva, ex-furriéis mil, 3ª companhia


Página principal do blogue do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa,  Buba e Nhala, 1973/74). Contactos: E-mail: batcac4513@gmail.com | Editores (ex-fur mil, 3ª companhia): Adalberto Costa Silva (telem: 965 816 315) | Jaime Joaquim dos Santos Ramos (telem: 917 221 437).

O BCAÇ 4513 tem igualmente uma página no Facebook, mais dinâmica.  Julgo que seja mantida pelo Jaime Ramos (que vive em Avintes, Vila Nova de Gaia). Não há nenhuma referência ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) nem à nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça).




1. O blogue do BCAÇ 4513 foi criado no final de 2010. Tem já mais de 25 mil visitas (ou visualizações de página).   Traz a lista mominal de todo o pessoal do batalhão (nome completo, posto, e subunidade).

 É sobretudo um blogue orientado para os encontros do pessoal.  O 1º foi na Mealhada, em 2009. O próximo, o 8º encontro (2016), está marcado para Ponte de Lima, 11 de junho de 2016. Contactos: Marino Costa (telem 932 917 056) e  Avelino Brito (telem 961 442 380).

Tem algumas fotos do tempo da comissão no TO da Guiné, a maior parte sem legenda nem referência ao autor.  Tomámos a liberdade de selecionar, editar e reproduzir, com a devida vénia, as seguintes (que numerámos de 1 a 5). Lembramos os nossos leitores da importância de identificar a autoria e a proveniência das fotos. Os créditos fotográficos têm de ser acautelados...

Pomos o nosso blogue à disposição do Jaime Ramos, do Adalberto Costa Silva e demais camaradas não para a divulgação de eventos que interessam ao pessoal do batalhão, comio para a partilha de memórias comuns. Como gostamos de dizer, na nossa Tabanca Grande cabemos todos com tudo aquilo nos une e até com aquilo que nos pode separar... Parabéns pelo vosso trabalho. (LG)




Foto nº 1 > Foto s/ legenda nem autor > Julgamos que a  foto documenta os trabalhos da estrada Aldeia Formosa-Buba (1973774)



Foto nº 2 > Foto s/ legenda nem autor > Um grupo de combate possivelmente em Aldeia Formosa



Foto nº 3 > Vista aérea de Aldeia Formosa, janeiro de 1973 Foto de JMV [, José da Mota Vieira, fur mil da 3ª C/BCAÇ 4513]; originalmente publicada, juntamente com mais outras 10 fotos de Aldeia Formosa, do mesmo autor, no portal Prof2000, que tem uma excelente galeria de fotos de antigos combatentes;  o Prof2000 "é  um projecto com serviços de suporte a formação de professores a distância e de apoio às TIC nas escolas",  tendo como público-alvo "Escolas, Centros de Formação, Centros Novas Oportunidades, professores, projectos de escola e comunidade educativa em geral".


Foto nº 4 > O Vicente e o José Mota Vieira, 1973. Foto do JMV. Cortesia do autor e do  portal Prof2000.  O Vicente deve ser o Manuel Gomes Vicente, também fur mil da 3ª companhia.


Foto nº 5 > Vista panorâmica de Nhala > Sem data nem referência ao autor





2. Informação dos editores:

Camaradas do BCAÇ 4513 que nos honram com a sua presença, sob a o poilão da na Tabanca Grande, pedindo desde desculpa se, por lapso, omitimos o nome de mais alguém:


(i) António Manuel Murta Cavaleiro, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) (desde 12/11/2014)

(ii) José Carlos Ramos dos Santos Gabriel, ex-1.º cabo op cripto, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Nhala, 1973/74) (desde16/8/2011)

(iii) Fernando Silva da Costa, ex-fur mil trms, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (desde 25/10/2009)

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Guiné 63/74 - P15380: Os nossos seres, saberes e lazeres (128): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
O local para onde fui tem um nome pomposo, a Lorena de Gaume, e para que o viajante perceba que está perto de tudo é indicado que estamos a 192 quilómetros de Bruxelas, 64 da cidade do Luxemburgo e 88 de Metz. Paris fica a 300. A verdade é que a região tem muito encantos e quem escolheu por mim escolheu muito bem, Orval e Montmédy. É uma região porosa entre a França e a Bélgica, andam-se 5 quilómetros e passamos da Bélgica para a França. As Ardenas estão por toda a parte.
Amanhã passaremos por Bastogne, ali lutou-se encarniçadamente na última batalha que aconteceu na Frente Ocidental, durante a II Guerra Mundial. Orval ajuda a pensar a monstruosidade da destruição por um qualquer pretexto revolucionário. Já vi estas destruições em muitos pontos de Inglaterra, de onde desapareceram esculturas magníficas e incendiaram-se abadias, igrejas, conventos.
Amanhã, no meio de planícies imensas, desobedecendo a todas as regras da construção dos grandes monumentos religiosos, vou visitar, intrigado e fascinado, a Basílica de Avioth.
Eu depois conto-vos.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (7)

Beja Santos

À descoberta de Orval


A aldeia onde ficamos chama-se Gérouville, olha-se ao fundo e temos a Lorena francesa, amanhã vamos visitar a primeira localidade que é o ex-libris da região, a Abadia de Orval, até agora, para mim, Orval é o nome de uma bela cerveja fabricada em mosteiros, bem alcoólica por sinal, um gosto de lúpulo incomparável.


O anfitrião fez questão de me mostrar onde nasceu, a escola primária que frequentou, a casa dos avós, e por aí adiante. Gostei da fachada da casa onde ele viveu e de onde partiu para o seminário e mais tarde se fez padre operário. E acho a calçada muito bonita, quando anos terá aquele empedrado?




De Gérouville a Orval são escassos quilómetros, estamos nas Ardenas profundas, a floresta emerge a qualquer momento. Os belgas têm legitimidade em se orgulhar da Abadia de Nossa Senhora de Orval, por aqui andaram os Francos, vieram depois os beneditinos italianos que se instalaram em 1070 e construíram a primeira, a Abadia irá desenvolver-se no tempo de S. Bernardo, em pleno século XII. A velha Abadia não escapou à sanha das tropas revolucionárias que a reduziram a cacos em 1793. Em 1926, os monges trapistas decidiram eleger uma nova Abadia, que é hoje uma casa de meditação, aqui habitam os frades que fazem a cerveja, o queijo e outras iguarias. A visita começa exatamente na nova Abadia de Orval, fixei estas imagens. Depois vimos um filme sobre a longa história de uma abadia que era um referencial da cristandade, uma das jóias da Ordem de Cister. A Abadia conheceu incêndios, que esteve na encruzilhada de guerras até que a Revolução Francesa a prostrou definitivamente. E agora vamos visitar as ruínas dessa abadia beneditina.





Andei por aí a disparar a esmo, selecionei alguma das imagens que vos pode dar conta do que terá sido o esplendor desta arquitetura cisterciense.



Orval tem museu, gostei muito deste contraste entre uma escultura onde pesam os muitos anos e uma fotografia que incita à contemplação, como se o Filho de Deus nos convidasse a meditar e a rezar diante da imagem. Cá fora, em grande despedida uma árvore milenária parece estender braços ao viajante.


A visita ainda não acabou, os cistercienses rezam e trabalham, há que visitar os museus que espelham a sua ciência, a sua devoção.


O dia de viagem ainda não acabou. Depois de umas iguarias, reservam-me algumas surpresas para visitarmos a região que se chama o país da Gaume, há por aqui muito pitoresco, campos lindíssimos, ruínas de castelos, riachos formosos e daqui fomos até ao país de Montmédy.


Atenção, estive em Montmédy, a Basílica que vem abaixo à esquerda é visita especial que faremos amanhã de manhã, chama-se Basílica de Avioth, a chamada Basílica dos Campos, será chave de ouro desta visita em que estamos permanentemente a sair da Bélgica a entrar em França e a regressar à Bélgica, não é surpresa, a Bélgica é um país de formação artificial, esta talhada por onde andamos é bem homogénea, é uma atmosfera francesa, é preciso fazer umas centenas de quilómetros e entrarmos em terras flamengas para perceber que é muito difícil misturar água com azeite… E vamos à última visita do dia, confesso que andei por ali emudecido, é talvez a costela de antigo combatente. Vamos a ver.




A localidade chama-se Belle Fontaine, algo de bizarro aconteceu aqui durante todo o dia, em 22 de Agosto de 1914, mal a guerra tinha começado. Dois contingentes de franceses e alemães confrontaram-se, houve uma pequena carnificina, os franceses consideraram-se vitoriosos. Foi euforia de pouca dura, ali muito perto, um importante exército colonial francês foi praticamente trucidado. Os franceses recuavam, os alemães pareciam vitoriosos, e, tempos depois, todos patinhavam nas trincheiras e de vez em quando matavam-se às centenas de milhar. Comoveu-me a disposição do cemitério, tendo como envolvente um bosque silencioso, os mortos de ambos os lados ali estão a testemunhar o absurdo daquele dia, daquela guerra, a mostrar-nos a vanidade das cobiças, as ramificações do poder guloso. E amanhã as minhas férias vão acabar em beleza, depois da Basílica de Avioth nada me parece valer a pena.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15352: Os nossos seres, saberes e lazeres (127): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15379: Lembrete (14): Lançamento do livro "O Fedelho Exuberante", da autoria do Mário Beja Santos, dia 18 de Novembro, pelas 18 horas, no Auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha, n.º 1, ao Calhariz, em Lisboa



C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2015:

Queridos amigos, 
No próximo dia 18, quarta-feira, pelas 18 horas, no auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha n.º 1, ao Calhariz, em rua paralela ao elevador da Bica, terá lugar o lançamento do meu livro “O Fedelho Exuberante”
Quem puder chegar às 17 horas, terá uma visita guiada gratuita conduzida pelo diretor do museu, Dr. João Neto. 
Terei a maior das satisfações em contar com a vossa companhia e conversar convosco sobre esta crónica familiar e de costumes de um período a que a historiografia designa por Anos de Chumbo. 

Um agradecimento antecipado e o abraço do 
Mário

Capa do livro "O Fedelho Exuberante"
Clicar na imagem para facilitar a leitura
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15119: Lembrete (13): A apresentação do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", da autoria de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes): amanhã, 5ª feira, dia 17, pelas 15h00, na Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA), av Padre Cruz, Lisboa

Guiné 63/74 - P15378: Inquérito 'on line' (18): Fazia-se 'batota' com as nossas baixas ? (i) "O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões" (António J. Pereira da Costa); (ii) "Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas" (Abílio Magro)

1. Dois comentário de António J. Pereira da Costa sobre o tema objeto, esta semana, de inquérito de opinião no nosso blogue ["Fazia-se batota com  as causas das nossas baixas (combate, acidentem, doença")] 

[Cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art  e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]


(i) Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excel).

Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribuída pelo embaixador Franco Nogueira:

25 de Agosto de 1965

Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schulz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra».

Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.

E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».


Reparem na última frase.

Foi, portanto,  estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.

O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Da esquerda para a direita, os fur mil David Guimarães e Joaquim Manuel da Palma Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos. Este último morreu por "acidente", em 20/10/1970. Todas as noites armadilhava a entrada para o quartel, junto à casa de Jamil Nasser, o comerciante libanês. (**)

Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. ]Edição de LG].

(ii) A "manipulação" quantitativa está fora de questão. Nem por doença (adquirida ou agravada em serviço) como foi o caso das hepatites que, a dada altura, obrigaram a criar um "pavilhão" no HM 241, nem por acidente, nem em combate.

O problema resulta da qualificação "em combate",

Há muitos casos de acidente puro,  como sempre sucede.

A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?

Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina IN estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...

Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo IN levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o IN deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavamm  conforme os casos.

As estimativas não passavam disso mesmo.

Nunca chegámos aos números que o IN apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.

Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.

2. Comentário do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense, 
CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74):

Pelo que me recordo dos meus tempos [de furriel mil amanuense] da CSJD/QG/CTIG [Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné], a caracterização das Doenças, Ferimentos e Mortes está correctamente descrita por um tal "Mendes", num comentário ao "post" do António Duarte.

Quanto à legislação, confesso que nunca a vi, mas acredito que existisse e que fosse com base nela que os advogados da CSJD (Alferes Milicianos) proferiam os seus pareceres que, depois, eram confirmados pelo Chefe (Ten Cor Manuel de Moura) e, seguidamente, despachados pelo Comandante Militar /Brigº Alberto da Silva Banazol).

Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas, isto é: tinham de declarar que juravam por Deus (ou pela sua honra,  se não fossem católicos) serem verdadeiras todas as declarações efectuadas (burocracias...)
____________



(...) Era uma vez um granada instantânea com fio de tropeçar

O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (,,,).

Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (,,,). Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.

Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei (...)

E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!

Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…

O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (,,,), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!

Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (...).

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15377: Agenda Cultural (437): "A Rua Suspensa dos Olhos", ternurenta coletânea de estórias e memórias, de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José A. Paradela): sessão de lançamento, domingo, dia 22, às 16h, na Biblioteca Municipal de Ílhavo



Conviet para o lançamento do livro. Vd. Facebook de Ábio de Lápara




"A Rua Suspena dos Olhos", de Ábio de Lápara (pseudónimo literário de José António Boia Paradela) Capa e ficha técnica.


 


Excerto do livro de estórias e memórias "A Rua Suspensa dos Olhos" (pp. 7-9), de Ábio de Lápara, com a devida vénia. O ivro poderá ser encomendado através do correio eletrónico de José Paradela. As receitas provenientes da venda  dos seus livros têm fins de beneficência.



José A. Paradela. Foto de LG (2007)
1. O meu amigo José António Paradela, arquiteto, vai lançar na Biblioteca Municipal de Ílhavo, no domingo, dia 22, às 16h, mais um dos seus livros. Trata-se de uma edição de autor. A apresentação é do jornalista e escritor Viriato Teles, também ilhavense. E os todos os amigos e conhecidos do José A. Paradela estão convidados.

O José António Paradela é irmão de Tibério Paradela, que se estreou na escrita com o romance "Neste Mar é Sempre Inverno" (ed. autor, Aveiro, agosto de 2014,  262 pp.), e é grande amigo de infância de Valdemar Aveiro, o capitão Aveiro,  um dos míticos capitães da pesca do bacalhau, de quem já aqui publicámos notas de leitura dos seus livros.

Todos os três são por sua vez conterrâneos e amigos  do nosso camarada Jorge Picado. o único de resto  que não andou na pesca do bacalhau. (Em contrapartida, fez um comssão na Guiné como cap mil, CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72).

Um simples olhar de relance pelo índice do livro, de 164 pp., permite advinhar quanto humanidade, ternura, inocência, traquinice, generosidade   e poesia havia na rua suspensa dos olhos...Com a autorização do autor, iremos publicar aqui, no todo ou em parte, o relato da sua viagem de seis meses na safra do bacalhau, nas costas da Terra Nova e da Groenlândia, quando ainda adolescente, aos 16 anos, e dois anos depois de ter frequentado, com boas notas,  a Escola Profissional de Pesca,  em Pedrouços, Lisboa,  é chamado para embarcar e fazer "A Viagem":...

"Corria  [, então, ] o ano de 1954, longe ainda dos tempos da emigração maciça e da guerra colonial" (p. 92). Sim, porque filho de marinheiro ou de pescador, naqueles tempos que não favoreciam nem promoviam a mobilidade social, só podia ser marinheiro ou pescador... Contrariando o estino, perdemos se calhar um mau marinheiro e ganhámos  um promissor escritor,um grande arquiteto, e ainda um melhor amigo...

2. Tenho pena de não poder estar no domingo na sessão do lançamento do livro do Zé António, em Ílhavo, mas reservo-me para a próxima sessão em Lisboa. Aí apresentarei, com todo o gosto, ao vivo, a minha "nota de leitura" desta ternurenta coletânea de estórias que são, ao fim e ao cabo, também as da infância de muitos de nós, sobretudo dos mais velhos, daqueles de nós que nasceram em meados dos anos 30, e fizeram-se homens na dureza das condições de vida e de trabalho das décadas de 1940 e 1950.

De resto, este não é o seu primeiro nem será o último. Se não erro, é o terceiro... E é bom recordar que o Zé António, como bom ilhavense, é, também ele, filho e neto de gente do mar, tendo passado, aos 16 anos, pela pesca do bacalhau, e feito a tal "viagem" que muitos dos seus antepassados fizeram ao longo de 13 séculos (!), desde talvez o séc. VII... Essa viagem foi também a sau tropa, a sua guerra da Guiné... Uma experiência, duríssima, de seis meses, que o marcou para sempre... Homem de múltiplos talentos, escreveu  um primeiro livro, a pensar nos amigos, com o belíssimo título Uma Ilha no Nome: Crónica dos Dias Líquidos, que eu tive a honra e o prazer de prefaciar. (LG)

"A Rua suspensa dos olhos", de Ábio de Lápara (Aveiro, ed. de autor, 2015): 
índice  elaborado por LG