[Cor art ref, ex-alf art na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]
(i) Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excel).
Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribuída pelo embaixador Franco Nogueira:
25 de Agosto de 1965
Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schulz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra».
Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.
E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».
Reparem na última frase.
Foi, portanto, estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.
O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.
(ii) A "manipulação" quantitativa está fora de questão. Nem por doença (adquirida ou agravada em serviço) como foi o caso das hepatites que, a dada altura, obrigaram a criar um "pavilhão" no HM 241, nem por acidente, nem em combate.
O problema resulta da qualificação "em combate",
Há muitos casos de acidente puro, como sempre sucede.
A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?
Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina IN estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...
Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo IN levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o IN deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavamm conforme os casos.
As estimativas não passavam disso mesmo.
Nunca chegámos aos números que o IN apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.
Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.
2. Comentário do Abílio Magro, ex-fur mil amanuense,
(i) Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excel).
Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribuída pelo embaixador Franco Nogueira:
25 de Agosto de 1965
Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schulz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra».
Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.
E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».
Reparem na última frase.
Foi, portanto, estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.
O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.
Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 2716 (1970/72) > Da esquerda para a direita, os fur mil David Guimarães e Joaquim Manuel da Palma Quaresma, sapadores, junto ao abrigo de sargentos. Este último morreu por "acidente", em 20/10/1970. Todas as noites armadilhava a entrada para o quartel, junto à casa de Jamil Nasser, o comerciante libanês. (**)
Foto: © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. ]Edição de LG].
O problema resulta da qualificação "em combate",
Há muitos casos de acidente puro, como sempre sucede.
A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?
Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina IN estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...
Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo IN levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o IN deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavamm conforme os casos.
As estimativas não passavam disso mesmo.
Nunca chegámos aos números que o IN apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.
Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.
CSJD/QG/CTIG (Bissau, 1973/74):
Pelo que me recordo dos meus tempos [de furriel mil amanuense] da CSJD/QG/CTIG [Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné], a caracterização das Doenças, Ferimentos e Mortes está correctamente descrita por um tal "Mendes", num comentário ao "post" do António Duarte.
Quanto à legislação, confesso que nunca a vi, mas acredito que existisse e que fosse com base nela que os advogados da CSJD (Alferes Milicianos) proferiam os seus pareceres que, depois, eram confirmados pelo Chefe (Ten Cor Manuel de Moura) e, seguidamente, despachados pelo Comandante Militar /Brigº Alberto da Silva Banazol).
Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas, isto é: tinham de declarar que juravam por Deus (ou pela sua honra, se não fossem católicos) serem verdadeiras todas as declarações efectuadas (burocracias...)
____________
Nota do editor:
(*) Vd. poste de 17 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15375: Inquérito 'on line' (17): Um maioria relativa (n=13) admite que se fazia batota com as causas das nossas baixas (combate, acidente ou doença)... Num total de 25 respostas, há 10 que respondem não saber ou ter opinião... O prazo termina 5ª feira, 19, ao meio dia.
(**) Vd. poste de 18 de novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2278: Estórias do Xitole (David Guimarães, ex-fur mil, CART 2716, 1970/72) (1): A triste sorte do sapador Quaresma... morto por aquela maldita granada vermelha
O aquartelamento do Xitole estava bem minado em seu redor. Do lado da pista de aviação, tinha eu mesmo montado um poderoso fornilho às ordens do capitão. Esse fornilho era comandado do abrigo dos furriéis (vd. foto onde estou eu sentado em cima de um bidão). De resto todo o terreno à volta estava semeado de minas A/P m/966 (,,,).
Para a protecção total e permanente do aquartelamento no Xitole só faltava um ponto por armadilhar: a estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho... Os ex-combatentes da CCAÇ 12 conheciam-na bem e sabiam onde era a casa de Jamil Nasser, um comerciante libanês que vivia no Xitole (,,,). Pois era exactamente ali, naquela rampazinha que dava acesso ao aquartelamento.
Resolveu-se então que todas as noites essa entrada do quartel fosse armadilhada... Essa operação era sempre feita ao cair do dia. O material era simples: uma granada instantânea e arame de tropeçar, do mesmo tipo daquela granada que um dia matou o macaco.... Lembram-se dessa estória que eu aqui já contei (...)
E lá foi naquele dia o Quaresma, sempre ele, que já tratava por tu essa maldita granada. E como gostava dela, o furriel miliciano Quaresma!
Mais um dia, e novamente o armadilhamento da entrada. Dessa vez ele até foi contrariado, estava a preparar uma galinha para churrasco, lerpou, não comeu…
O quadro é simples: ouve-se um rebentamento, só um. O Quaresma é decapitado (,,,), o Leones fica cego e sem dedos… Ficámos todos em estado de choque:
-Não podia ser!!!
Mas foi: um parte para a eternidade, o outro é evacuado... O Quaresma desta vez tinha falhado, nunca mais armadilharia na vida (...).
8 comentários:
Não deixa de ser significativo que mais de um terço (22 em 59, ou seja, 37%) dos respondentes ao inquérito 'on line' desta semana, tenham optado pela resposta "Não sei / não tenho opinião"...
A questão é técnica e jrudicamente complexa... Poucos de nós, ao fim e ao cabo, lidaram com este problema... Temos, muuitos de nós, a experiência das "baixas", dos camaradas que morreram ou foram feridos... Não sabemos, em muitos casos, como é que o processo burocrático se desenrolou, seguindo os trâmites normais da justiça militar...
A alguns de nós causa estranheza ou provoca até revolta ao vermos, nas listas oficiais dos mortos na guerra do ultramar, camaradas nossos, que cohecemos, como o Quaresmaz, da CART 2716 (Xitole, 1970/72), terem morrido por "acidente"... O Quaresma morreu por estar numa zona de guerra e todos os dias armadilhar e desarmadilhar o engenho explosivo colocado numa das entradas do quartel, para a malta poder dormir "mais descansada"... E quantos casos não houve como o do Quaresma ?! E é preciso que estes casos venham à luz do dia!...
Se houve "batota" não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia CCAÇ2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.
O problema creio que estaria na separação entre... combate e acidente...
Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os Coronéis reformados a dizer que quando eram Capitães (ou Alferes) tinham mentido, tinham feito "batota".
No meu Batalhão houve dois casos complicados. O Alferes Queiroz (CCAÇ2616) Buba, morto a levantar uma mina, junto ao Quartel, creio que foi considerado em combate. Já o Furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na Estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.
Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a Legislação.
Se houve "batota" não tive conhecimento.
Os três mortos da minha Companhia CCAÇ2615, foram todos mortos em combate e todos eles considerados como tal.
O problema creio que estaria na separação entre... combate e acidente...
Não espero, nem faria sentido, aparecerem hoje os Coronéis reformados a dizer que quando eram Capitães (ou Alferes) tinham mentido, tinham feito "batota".
No meu Batalhão houve dois casos complicados. O Alferes Queiroz (CCAÇ2616) Buba, morto a levantar uma mina, junto ao Quartel, creio que foi considerado em combate. Já o Furriel Ferreira, da mesma companhia, morto a levantar uma mina, na Estrada Buba-Nhala, terá sido considerado acidente.
Mas creio que os investigadores dos factos e as testemunhas dos mesmos, agiam sempre de acordo com a Legislação.
Caro Manuel Amaro
No caso das minas, normalmente a diferença entre morto por acidente ou em combate dependia de a mina ser "amiga" ou do IN.
Na minha Companhia, o Alferes de Minas e Armadilhas morreu ao tentar neutralizar uma mina AP inimiga, sendo considerado morto em combate. Naturalmente, diria eu.
Um camarada, por ironia do destino impedido na Messe dos Oficiais, quando se dirigia para um abrigo para entrar de reforço, caiu abaixo do Unimog sendo considerado morto por acidente.
Acho que não haveria muita batota, existiriam por vezes situações dúbias que cada um classificava como queria. Os afogados, por exemplo, mesmo a fugir do IN, eram mortos em combate ou por acidente?
Carlos Vinhal
Fur Mil da 2732
Veja-se mais este caso, infeliz, já aqui abordado no blogue:
7 DE AGOSTO DE 2007
Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2007_08_01_archive.html
(...) 8º VOLUME – Mortos em Campanha
Tomo II
Guiné – Livro 1
1ª Edição (2001) Página 553 (2º registo)
Nome - Guido Ponte Brazão da Silva
Posto - Alferes Miliciano de Cavalaria – Operações Especiais
Numero - 19769668
Unidade - Companhia de Cavalaria n.º 2748
Unidade Mobilizadora - Regimento de Cavalaria n.º 3 – Estremoz
Estado Civil - Solteiro
Pai - Manuel Gonçalves Brazão da Silva
Mãe - Cesária Margarida Maria da Ponte
Freguesia - São Vicente
Concelho São Vicente – Madeira
Local de Operações - Camamelifén [, deve ser gralha: Canquelifá]
Data do Falecimento - 22 de Outubro de 1970, em Canquelifá
Causas da morte - Acidente, com arma de fogo
Local da sepultura - Cemitério da Ajuda – Lisboa
Observações: Accionamento de granada – armadilha IN
Camaradas:
Os processos eram instruídos nas Companhias e, de acordo com o respectivo "instrutor", a caracterização era efectuada na CSJD/QG/CTIG.
Supõe-se que muitos dos "instrutores" nada sabiam das consequências futuras para os militares ou seus familiares, pelo modo pouco rigoroso como era instruído o processo. Por outro lado, outros "instrutores" bem mais preparados e conhecedores destes "meandros" lá conseguiam "dourar a pílula" escondendo habilmente alguns factos e, assim, conseguir algum benefício para o militar atingido ou acometido de doença.
Na CSJD/QG/CTIG, face aos factos constantes do processo (reais ou não)era emitido o respectivo parecer.
Tenho a ideia, não a certeza, que o relato das testemunhas era manuscrito pelo instrutor (Alf. Milº, por norma)e as testemunhas não assinavam, ficando o instrutor responsável por elas. Neste contexto, o processo podia muito bem ser conduzido para o lado mais conveniente, houvesse vontade e engenho para isso.
Para ficarem com uma ideia de como a "coisa" funcionava, quero referir o assédio de que fui alvo, em Setembro de 1974, por parte de alguns Capitães Milicianos, comandantes das Companhias que tinham regressado a Bissau e que aguardavam embarque para a Metrópole.
E o assédio tinha em vista a minha colaboração diária(nocturna e paga)a fim de os ajudar na conclusão dos vários processos pendentes na Unidade, sem o que esta não poderia embarcar, denotando os Capitães Milicianos, portanto, algum desconhecimento da matéria em causa.
Noutras circunstâncias tê-los-ia ajudado com muito gosto e "sem honorários", mas acontecia que eu também estava ansioso para "bazar dali" e, naquela altura, chegava ao fim do dia cansado de tanto queimar papelada e, com o calor das chamas e a fumaça, tinha sempre a garganta seca.
Jorge Cabral
Jorge Cabaral:
Quarta-feira, 18 de Novembro de 2015 15:50
E os suicídios, Luís? Tive um no meu Pelotão [, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71] ,mas desconheço como foi classificado...
Abraço. J.Cabral
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