terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15375: Inquérito 'on line' (17): Um maioria relativa (n=13) admite que se fazia batota com as causas das nossas baixas (combate, acidente ou doença)... Num total de 25 respostas, há 10 que respondem não saber ou ter opinião... O prazo termina 5ª feira, 19, ao meio dia.

I. A questão, pertinente e oportuna, foi levantada pelo António Duarte, a propósito das baixas do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (*)...


[Manuela Castelo, viúva de um oficial pilav, morto em combate: julgamos tratar-se do cap pilav Fernando José dos Santos Castelo, piloto de heli AL III, morto em Moçambique, em 7 de Março de 1974. Foto da rodagem do filme "Quem vai à guerra", de Marta Pessoa, Portugal, 2011. Cortesia da realizadora. Vd. poste P8288].


Na CCAÇ 12, por exemplo, também se chegou a usar o truque de "mascarar" erros ou desastres nossos para "limpar" a honra da caserna ou escamotear a responsabilidade de graduados... O primeiro morto que teve a CCAÇ 12, "em combate", foi o sold Iero Jaló, no decurso da Op Pato Rufia, em 8/9/1969... No relatório da operação, lê-se em síntese o seguinte:

(...) quando o Dest A [, CCAÇ 12,] tinha iniciava a progressão en linha em direção ao acampamento IN, foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme, começando as NT a ser batidas imeditamente por fogo de lança-rockets e armas automáticas a que reagiram prontamente. Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané (...) e o Soldado Iero Jaló (...) que o conduzia e que teve morte quase instantânea. Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (...) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia [do Xime]. (...)

Técnica e legalmente, esta baixa foi "em combate". Mas a  causa (material) da morte do Iero Jaló (e dos ferimentos graves no prisioneiro Malan Mané) foi o nosso dilagrama e não o fogo IN... E o que o relatório não diz é que, quem empunhava o dilagrama, não era o seu habitual apontador, mas um graduado...

Prafraseando o ditado popular, "erros de médico e calceteiro, a terra os cobre"... Neste caso, com a ajuda do cronista que fez a história da CCAÇ 12...

Achamos que, em geral, não manipulávamos os números das baixas... Das "nossas" baixas... Era preciso ter lata de mais para esconder mortos e feridos... Já quanto ao número das baixas infligidas ao IN (guerrilheiros e elementos pop), aí podia haver alguma fanfarronice e arbitrariedade... Havia a distinção entre baixas (mortos e feridos) "confirmadas" e "estimadas"... Exageravam-se os "indícios"...

O PAIGC, por seu turno, também usava e abusava dos números... Em qualquer guerra, todos os comandantes querem ficar bem na fotografia... O capitão quer chegar a major, o major a tenente coronel, o tenente coronel a coronel... E havia milicianos também a fazer "batota", quando se substituíam ao capitão...

Já na contabilidade dos feridos (graves ou ligeiros), podia também haver alguma "batota"... A apreciação da gravidade podia ser sujetiva, não havendo a maior parte das vezes um médico ali ao lado. De um modo geral, um ferido grave tinha de ser evacuado para o HM 241, em Bissau. De heli, evacuação Ypsilon...

Por outro lado ainda, havia a tropa de primeira e a de segunda (classe)... Um milícia nosso ou do PAIGC não era a mesma coisa para efeitos de contabilidade final... Ou um assalariado civil, utilizado pelas NT (carregadores, guias, etc.).

Mas o problema, nalguns relatórios de operações e histórias de unidades, são as causas das baixas: casos de presumível suicídio e homicídio eram sempre tratados como "acidentes com arma de fogo"... Era preciso salvar a honra (e o moral) da tropa...

A doença, por seu turno, não tem nada a ver com a guerra... A doença é sempre "por causas naturais"... Tal como o acidente, que tende a ser  visto de maneira redutora: "falha técnica" ou "erro humano"...

Julgamos que os critérios eram ambíguos nos outros casos: o que era um morto ou ferido em combate ?... E os desaparecidos ? E os "retidos" pelo IN ?

Percebe-se que a questão levantada pelo António Duarte, e já aqui debatida por alguns camaradas, dá "pano para mangas"... Mas temos que ser cautelosos: nada de generalizações abusivas... Como em tudo, houve casos e casos...

II. Há um camarada que só assina por Mendes, e que pode ter pertencido à FAP, que escreveu o seguinte comentário ao poste do António Duarte (*):

(...) Estava legislado que: "Morte em Combate" é a que ocorre por acção directa ou indirecta do inimigo. Vamos a exemplos concretos:

- acidente de viatura deslocando-se ou não para zona de operações: morte por acidente;

- morte ao manipular a arma individual: morte por acidente;

- morte ao montar uma mina: morte por acidente;

- morte ao levantar mina IN: morte em combate;

- afogamento no decurso ou não de uma operação: morte por acidente:

- morte provocada por fogo directo ou indirecto IN, independentemente do lugar onde se registou: morte em combate;

- morte provocada por fogo amigo reagindo a contacto IN: morte em combate (...)


Era bom  tentares saber qual era essa legislação, meu caro Mendes...


III. A resposta ao inquérito de opinião pode ser dada, pelos nossos camaradas, até 5ª feira, dia 19, até ao meio dia.. Podem responder, diretamente, no canto superior esquerdo do blogue, antes de irem ao almocinho da Tabanca da Linha, que é nesse dia... 

Esperamos que se tenham inscrito a tempo... os de Lisboa e arredores, incluindo o Juvenal Amado que agora vem mais vezes à capital: neste caso, para tratar e começar a falar do seu livro, a ser apresentado oficialmente em 23/1/2016 (tem por sugestívo título "A tropa vai fazer de ti um homem", e vai ser publicado pela Chiado Editora).

Um abraço fraterno para todos/as.

Os editores, Luís Graça e Carlos Vinhal


IV. Seleção de mais dois comentários ao poste P15355 (*):


(i) António J. Pereira da Costa:

(...) A História do BArt 38753, ao qual pertenci, está escrita com certa fantasia. Há várias imprecisões entre as quais a data da minha apresentação no Xime que surge dois meses depois de ser ter efectivado. Não será importante, mas dá uma ideia da "ligeireza" com que foi escrita. 

Não sei quem "escreveu" a História da Unidade, mas sei que, às vezes, não havia intenção de branquear nada, mas antes o querer despachar "aquele dever" chato e sem interesse. No fundo quem viesse atrás que fechasse a porta que nós embarcamos para a semana. No fundo, que importava se o tipo morreu em combate ou por acidente. Morreu e pronto. 

Lembro que a CArt 3494 teve um morto em combate e três por acidente no Rio Geba. Tenho ideia que ninguém morreu, por doença, mas que houve vários feridos ligeiros na emboscada na Ponta Coli, em abril de 72.

Morreu, além disso,  um milícia no Enxalé, em combate, durante um ataque com armas pesadas. (...)

(iii) José Marcelino Martins:

Sobre a guerra, a morte e as suas causas, muito há, ainda, para contar.Infelizmente.

V. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"

1/2.Sempre ou quase sempre / Muitas vezes  > 9 (36,0%)

3. Algumas vezes  > 4 (16,0%)

4/5. Poucas vezes /5. Nunca ou raramente > 2 (8,0%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 10 (40,0%)

Votos apurados: 25 

Encerramento: 5ª feira, dia 19, às 12h25

____________

Notas do editor:

(*) Vd, poste de 12  de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15355: Direito à indignação (13): "Estou a escrever este texto atabalhoado e a sentir raiva pela forma manipuladora da síntese das baixas do meu batalhão" (António Duarte, ex- fur mil, CART 3493 / BART 387 3, e CCAÇ 12, 
1971/74)

(...) Perguntas-me se o BART 3873 só teve, efetivamente, dois mortos em combate, sendo um deles milícia..... Esta "manipulação" dos números é curiosa. Efetivamente convinha apresentar um baixo número de mortos em combate. (...)

(...) da CART 3493, que inicialmente esteve em Mansambo e depois foi para Cobumba, situação que melhor conheço, por ser a minha primeira companhia, há quatro baixas. (...)  O alf António Jorge Abrantes, deslocado para as companhias africanas, foi nomeado comandante de um pelotão independente. Fruto de uma discussão com um soldado africano, foi "varrido" com uma rajada de G3. (...). Em outubro de 73, morrem em Cobumba dois elementos. Um soldado que não me recordo o nome e o furriel Francisco Galiano, de Évora, vítimas do rebentamento de uma mina anticarro, levantada de manhã e que por acidente rebentou na arrecadação. A versão oficial era que a mina teria dispositivos retardadores. Provavelmente treta. O rebentamento ocorreu porque alguém fez algo que não devia. 

Por último já em janeiro de 74, morre o furriel Manuel João Roque Trindade ,em Bissau, vítima de uma manobra pouca prudente com uma camioneta, por parte de um condutor. Estava a companhia nessa altura a fazer segurança nos arredores de Bissau. Curiosamente foi ele que levantou a mina que estoirou em outubro e matou dois camaradas. Era de operações especiais, do 1º turno de 71, corajoso, generoso e o campeão dos levantamentos de minas (pessoais e anticarro).

Enfim, sabemos que a estatística é uma ciência "elástica" que dá para tudo. O correto era fazer uma síntese, arrumando as baixas do batalhão com as causas associadas e assim tudo seria mais transparente. Destas quatro mortes, só uma é por acidente de viação, mas claramente em serviço. (...)

(**) Último poste da série> 7 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15338: Inquérito 'on line' (16): Para 42% dos respondentes (num total de 69), "100 pesos" era de facto dinheiro, era bastante patacão... Segundo a Companhia Seguros Douro, que oferecia na época um "seguro militar", cobrindo o risco de morte ou de incapacidade (total ou parcial) em teatro de guerra, cem contos (pouco mais de 28 mil euros, hoje) era quanto podia valer a vida de um herói!

4 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Sobre a manipulação dos números, quero afirmar que tal não se deve à acção ou omissão dos vivos que com os feridos ou mortos lidaram. O problema residia na concepção economicista da guerra e na "necessidade" de a gerir com números de merceeiro (hoje diríamos folha de excell).
Ainda recentemente encontrei no blog "A Bigorna" uma frase do Salazar que lhe é atribúida pelo embaixador Franco Nogueira:

25 de Agosto de 1965

Trabalho no Forte do Estoril com o chefe do governo. Conversámos e conversámos sobre o problema ultramarino e a nossa posição internacional. Sobre a luta em África, diz Salazar: «A verdade é que os nossos militares não se têm batido completamente bem, salvo excepções, é claro. Não. Talvez apenas o Schultz na Guiné. Aí tem havido muita pancada. Mas em Moçambique ainda não se meteram bem dentro do assunto. E em Angola andam muito de um lado para o outro, estão sempre a contar as tropas, mas não se atiram aonde o inimigo se encontra». Sobre a situação política interna: «As oposições, está claro, fazem o jogo americano. É o dinheiro, são os whiskies americanos. Mas há pessoas isentas, de responsabilidade e até da situação, que também vão nas mesmas ideias. Dizem que tudo se resolveria se proferisse uma palavra, uma palavrinha mágica: a de que oportunamente encararíamos a independência de Angola e Moçambique. Se disséssemos isso, tudo se resolveria. Pois têm razão: tudo se resolveria, na verdade, por perda e abandono. Mas tenho receio, temos de caminhar mais depressa. Tenho medo que aqui se perca a paciência.
E temos que baratear a guerra, senão esgotamo-nos, e não aguentamos. E aqui dentro não se teria paciência».

Reparem na última frase.
Foi, portanto estabelecido o conceito de morte em combate ou por acidente em serviço ou fora dele. A diferença não é clara, às vezes. Creio que as NEP da 1ª Rep/QG/CTIG ou as do COMCHEFE - PesLog devem ter estes conceitos discriminados.
O embaratecer da guerra levava a que se tentasse reduzir o dispêndio com o pagamento de pensões.

Um Ab.
António J. P. Costa

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... citando:
– «Na guerra, a verdade é a primeira vítima.»
(Ésquilo)

E no pós-guerra, a cada qual sua perspectiva.

Cpts,
JCAS

Anónimo disse...

António José Pereira da Costa
Data: 17 de novembro de 2015 às 19:48
Assunto: Inquérito de opinião termina na 5ª feira: "“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"


Olá Camarada

A "manipulação" quantitativa está fora de questão. Nem por doença (adquirida ou agravada em serviço) como foi o caso das hepatites que, a dada altura, obrigaram a criar um "pavilhão" no HM 241, nem por acidente, nem em combate.~

O problema resulta da qualificação "em combate".

Há muitos casos de acidente puro como sempre sucede.

A doença poderia ser devida a uma situação de campanha que a agravava ou que a iniciava. Seria um caso de doença em campanha, sendo que ninguém adoece devido ao combate.
Todavia persistem dúvidas como por exemplo os mortos/feridos a montar minas. Estavam a combater ou tiveram um acidente com arma de fogo?

Não me restam dúvidas de que um sapador morto/ferido com uma mina In estava a combater, mas há quem queira considerar que teria havido "erro humano" na manipulação do engenho...

Já a contagem dos mortos/feridos sofridos pelo In levanta dúvidas. Por isso, a dada altura ainda nos anos 60 só contavam os mortos que o In deixava e por isso ele procurava lavá-los ou os feridos que se traziam ou evacuavam conforme os casos.

As estimativas não passavam disso mesmo.

Nunca chegámos aos números que o In apregoa(va) e que levavam a uma verdadeira carnificina.
Creio que o que está em causa e poderemos questionar é a relação dos ferimentos/mortes com o combate e campanha.

Creio que as NEP do QG/CTIG-1ª REP definiam explicitamente esta situação ao falarem de baixas devidas ou não devidas ao combate. Aí tudo passava para o relatante e para o que efectivamente tinha sucedido.

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Abílio Magro

Data: 17 de novembro de 2015 às 17:47

Assunto: Inquérito de opinião termina na 5ª feira: "“FAZIA-SE BATOTA COM AS CAUSAS DAS NOSSAS BAIXAS (COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA)"


Camarada Carlos Vinhal:

Pelo que me recordo dos meus tempos [de furriel mil amanuense] da CSJD/QG/CTIG [Chefia do Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné], a caracterização das Doenças, Ferimentos e Mortes está correctamente descrita por um tal "Mendes", num comentário ao "post" do António Duarte.

Quanto à legislação, confesso que nunca a vi, mas acredito que existisse e que fosse com base nela que os advogados da CSJD (Alferes Milicianos) proferiam os seus pareceres que, depois, eram confirmados pelo Chefe - Ten Cor. Manuel de Moura e, seguidamente, despachados pelo Comandante Militar - Brigº Alberto da Silva Banazol.

Teria de haver sempre duas testemunhas que confirmassem os factos ocorridos e cujas declarações tinham de ser devidamente ajuramentadas, isto é: tinham de declarar que juravam por Deus (ou pela sua honra se não fossem católicos) serem verdadeiras todas as declarações efectuadas (borucracias...)

Abraço

Abilio Magro