quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15380: Os nossos seres, saberes e lazeres (128): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
O local para onde fui tem um nome pomposo, a Lorena de Gaume, e para que o viajante perceba que está perto de tudo é indicado que estamos a 192 quilómetros de Bruxelas, 64 da cidade do Luxemburgo e 88 de Metz. Paris fica a 300. A verdade é que a região tem muito encantos e quem escolheu por mim escolheu muito bem, Orval e Montmédy. É uma região porosa entre a França e a Bélgica, andam-se 5 quilómetros e passamos da Bélgica para a França. As Ardenas estão por toda a parte.
Amanhã passaremos por Bastogne, ali lutou-se encarniçadamente na última batalha que aconteceu na Frente Ocidental, durante a II Guerra Mundial. Orval ajuda a pensar a monstruosidade da destruição por um qualquer pretexto revolucionário. Já vi estas destruições em muitos pontos de Inglaterra, de onde desapareceram esculturas magníficas e incendiaram-se abadias, igrejas, conventos.
Amanhã, no meio de planícies imensas, desobedecendo a todas as regras da construção dos grandes monumentos religiosos, vou visitar, intrigado e fascinado, a Basílica de Avioth.
Eu depois conto-vos.

Um abraço do
Mário


Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (7)

Beja Santos

À descoberta de Orval


A aldeia onde ficamos chama-se Gérouville, olha-se ao fundo e temos a Lorena francesa, amanhã vamos visitar a primeira localidade que é o ex-libris da região, a Abadia de Orval, até agora, para mim, Orval é o nome de uma bela cerveja fabricada em mosteiros, bem alcoólica por sinal, um gosto de lúpulo incomparável.


O anfitrião fez questão de me mostrar onde nasceu, a escola primária que frequentou, a casa dos avós, e por aí adiante. Gostei da fachada da casa onde ele viveu e de onde partiu para o seminário e mais tarde se fez padre operário. E acho a calçada muito bonita, quando anos terá aquele empedrado?




De Gérouville a Orval são escassos quilómetros, estamos nas Ardenas profundas, a floresta emerge a qualquer momento. Os belgas têm legitimidade em se orgulhar da Abadia de Nossa Senhora de Orval, por aqui andaram os Francos, vieram depois os beneditinos italianos que se instalaram em 1070 e construíram a primeira, a Abadia irá desenvolver-se no tempo de S. Bernardo, em pleno século XII. A velha Abadia não escapou à sanha das tropas revolucionárias que a reduziram a cacos em 1793. Em 1926, os monges trapistas decidiram eleger uma nova Abadia, que é hoje uma casa de meditação, aqui habitam os frades que fazem a cerveja, o queijo e outras iguarias. A visita começa exatamente na nova Abadia de Orval, fixei estas imagens. Depois vimos um filme sobre a longa história de uma abadia que era um referencial da cristandade, uma das jóias da Ordem de Cister. A Abadia conheceu incêndios, que esteve na encruzilhada de guerras até que a Revolução Francesa a prostrou definitivamente. E agora vamos visitar as ruínas dessa abadia beneditina.





Andei por aí a disparar a esmo, selecionei alguma das imagens que vos pode dar conta do que terá sido o esplendor desta arquitetura cisterciense.



Orval tem museu, gostei muito deste contraste entre uma escultura onde pesam os muitos anos e uma fotografia que incita à contemplação, como se o Filho de Deus nos convidasse a meditar e a rezar diante da imagem. Cá fora, em grande despedida uma árvore milenária parece estender braços ao viajante.


A visita ainda não acabou, os cistercienses rezam e trabalham, há que visitar os museus que espelham a sua ciência, a sua devoção.


O dia de viagem ainda não acabou. Depois de umas iguarias, reservam-me algumas surpresas para visitarmos a região que se chama o país da Gaume, há por aqui muito pitoresco, campos lindíssimos, ruínas de castelos, riachos formosos e daqui fomos até ao país de Montmédy.


Atenção, estive em Montmédy, a Basílica que vem abaixo à esquerda é visita especial que faremos amanhã de manhã, chama-se Basílica de Avioth, a chamada Basílica dos Campos, será chave de ouro desta visita em que estamos permanentemente a sair da Bélgica a entrar em França e a regressar à Bélgica, não é surpresa, a Bélgica é um país de formação artificial, esta talhada por onde andamos é bem homogénea, é uma atmosfera francesa, é preciso fazer umas centenas de quilómetros e entrarmos em terras flamengas para perceber que é muito difícil misturar água com azeite… E vamos à última visita do dia, confesso que andei por ali emudecido, é talvez a costela de antigo combatente. Vamos a ver.




A localidade chama-se Belle Fontaine, algo de bizarro aconteceu aqui durante todo o dia, em 22 de Agosto de 1914, mal a guerra tinha começado. Dois contingentes de franceses e alemães confrontaram-se, houve uma pequena carnificina, os franceses consideraram-se vitoriosos. Foi euforia de pouca dura, ali muito perto, um importante exército colonial francês foi praticamente trucidado. Os franceses recuavam, os alemães pareciam vitoriosos, e, tempos depois, todos patinhavam nas trincheiras e de vez em quando matavam-se às centenas de milhar. Comoveu-me a disposição do cemitério, tendo como envolvente um bosque silencioso, os mortos de ambos os lados ali estão a testemunhar o absurdo daquele dia, daquela guerra, a mostrar-nos a vanidade das cobiças, as ramificações do poder guloso. E amanhã as minhas férias vão acabar em beleza, depois da Basílica de Avioth nada me parece valer a pena.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15352: Os nossos seres, saberes e lazeres (127): Entre Antuérpia e as Ardenas, e algo mais (6) (Mário Beja Santos)

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