domingo, 15 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15370: Libertando-me (Tony Borié) (43): Pois, se não viste, vê!

Quadragésimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 10 de Novembro de 2015.




...Pois se não viste, vê! 

Já lá vão mais de trinta anos, muito perto dos quarenta, recebemos uma mensagem daí de Portugal, a dizer que o pai Tónio estava doente, depressa fizemos tudo para o ir ver, sobretudo, mostrá-lo ao nosso filho, pois em todas as conversas que tínhamos sobre ele, sempre falávamos dele como um “heroi”, não sabia ler ou escrever, assinava de cruz, mais tarde, desenhava o seu nome, criou a sua família, alimentando-a à base de uma agricultura artesanal, deixou os filhos irem à escola do Adro, em Águeda, tinha coragem para ser do “contra”, fazia favores aos vizinhos, por vezes dava o último bocado de broa a um cigano ou qualquer pobre que por lá passava, sempre com um sorriso naquele rosto com a pele morena e encorrilhada, do sol ou chuva que recebia, pegando numa enxada o dia inteiro, onde aquela boina preta, que encobria um olhar de sofrimento, lhe dava um ar de pessoa honesta e amargurada, sobrevivendo numa sociedade complicada, sempre contrariado quando descia à vila de Águeda, onde alguns invejavam a sua coragem e outros o desprezavam, porque eram beneficiados pelo tal sistema e viam naquela simples personagem, uma negação às benesses com que eram contemplados.

Portanto, depois de tudo o que lhe dizíamos, no pensamento do nosso filho, ele, o pai Tónio, era um “herói”. Na nossa viajem “à pressa”, levámos o nosso filho a ver o avô Tónio, o seu “herói”, fomos os dois, ia pela nossa mão, desembarcámos em Lisboa, tomámos um táxi para a estação de Santa Apolónia, trajecto que conhecíamos do serviço militar, lá indo no comboio rumo ao norte, era depois da Revolução do 25 de Abril, em todo o lugar por onde passávamos viam-se cartazes retratando um militar com uma multidão a apoiá-lo, ao ponto de o nosso filho nos questionar se a figura representada no cartaz, era o avô Tónio, o seu “heroi”. Em Águeda, além da família, convivemos com muitas pessoas e um companheiro que tinha sido nosso amigo, mas agora era “representante do povo”. Ao ver-nos, sabendo que éramos emigrantes nos EUA, logo nos questionou:
- Então, estás nos Estados Unidos, de lá, no sul, existe algum local onde se pode ver a ilha de Cuba?

E, com uma expressão que não enganava, pois era mesmo provocativa, rematou:
- Tu já viste, pois se não viste, vê, é lá, naquela ilha, naquele líder que está o futuro.

Nós ouvimos, lembrámo-nos de que não respondemos, pensando que aquelas palavras, vindo da boca de um amigo, que naquele momento, parecia se ter tornado num inimigo feroz, valiam o que podiam valer, no entanto muitos anos passaram, quis o destino que viéssemos viver aqui para a Flórida, portanto, talvez seguindo a recomendação do nosso amigo, que parecia ser nosso inimigo, “representante do povo” e, segundo viemos a saber, não exerceu por muito tempo a tal “representação”, pois pouco tempo depois abandonou o mandato, emigrando “a salto” para França, talvez desolado por todas as manhãs ao sair de casa ver que a sua rua continuava com o mesmo aspecto. Disse-nos mais tarde a mãe Joana que queria exercer o tal poder, mas em seu benefício, pois das primeiras decisões que quis tomar, após a sua eleição, foi querer alargar a rua em frente à sua casa, roubando o terreno dos seus vizinhos, alargando e beneficiando a frente da sua casa, o que não conseguiu, pois o tal “seu povo”, não concordou.
Enfim, pequenas “coisas da revolução” que podem ser consideradas normais, em qualquer revolução, em qualquer país, mas vamos em frente, contando coisas daqui.

Como dizíamos, talvez seguindo a sua “recomendação”, um dia pela madrugada, um pequeno farnel na caixa frigorífica, eis-nos na estrada rápida número 95, no sentido sul, em direcção à área das “Florida Keys”, que é um conjunto de ilhas ligadas por pontes, algumas com quilómetros de extensão, que começa na ilha de Key Largo, passando por muitas outras mais pequenas, onde as principais são as ilhas de Islamorada e de Marathon, terminando na de Key West.

Levámos as canas de pesca, fomos parando aqui e ali, vendo vestígios de tempestades, em alguns locais o mar parecendo um rio, em outros, correntes fortes saindo Golfo, levando areia e ramagem em direcção ao sul, até que chegando ao nosso destino, parámos na ponta final, na ilha de Key West, onde além de muitas outras atracções existe um marco histórico identificando o local como que estando a 90 milhas, (140 Km) de Cuba, onde alguns naturais dizem que com o tempo limpo, com o auxílio de uns potentes binóculos se pode ver uma nuvem, que é a ilha de Cuba.

Mas Key West é uma ilha cujas dimensões têm mais ou menos 6,5 Km de comprimento por 1,5 de largura, onde a Duval Street é a típica “main street”, ou seja a rua principal, com quase 2 quilómetros, atravessando 14 pequenas ruas que vêm do Golfo, onde a água é calma e quente, até ao oceano Atlântico, onde a água se caracteriza pela sua cor azul, com muitas zonas onde existe vegetação submarina, com algas a saírem à superfície, desprendendo-se do fundo do oceano, vindo dar à praia.


Nestas 14 pequenas ruas, assim como na avenida principal, existe todo o tipo de atracções, desde as casas de personagens famosos que por aqui viveram em determinado momento da sua vida, como os antigos presidentes dos USA, Harry Truman, Franklin D. Rosevelt, Dwight D. Eisenhover ou John F. Kennedy. Um lugar bastante visitado é o que foi a residência de Ernest Hemingway, onde viveu e escreveu o famoso livro “Farewell to Arms”, onde contam as mais mirabolantes histórias deste famoso escritor que adorava visitar o bar da esquina, que ainda se chama ”Sloppy Joe’s Bar”, onde ainda se serve uma bebida composta de rum e coca-cola, ou seja a união do continente USA com as Caraíbas! O pôr-do-sol é muito apreciado nesta área, proporcionando excelentes fotos, onde as palmeiras e outras ramagens tropicais servem de fundo, em contraste com com a cor avermelhada do horizonte, principalmente para o lado da ilha de Cuba. Também por aqui existe um razoável porto de mar, onde o primeiro navio de cruzeiro, que se chamava “Sunward”, aqui atracou no ano 1969 e onde hoje fazem regular visita as companhias de cruzeiros: Royal Caribbean, Magesty of the Seas ou a Carnival Fascination.

O local mais visitado, e onde se tiram mais fotos, onde em alguns dias a fila se prolonga por algum tempo, principalmente quando chegam barcos de cruzeiro, é o marco histórico assinalando as 90 milhas de Cuba, erguido em 1983, pintado com cores distintas e com os dizeres já famosos, que são: “Southernmost Point Continental USA”, ou seja, ponto mais ao sul do território do Estados Unidos. Outras atrações podem-se considerar única e simplesmente admirar as casas, os seus telhados, no histórico distrito, onde as estruturas de casas de madeira, com um ou um e meio andares, com datas de 1886, se distinguem por serem construídas sobre estacas de tronco de árvores, sobre a água, com varandas e passeios em frente das casas, que nos fazem lembrar um quadro pintado.

Embora indo um pouco longe na dimensão do texto, não queremos terminar o mesmo sem vos dizer que esta ilha em tempos pré-colombianos, era habitada pelo povo “Calusa”, que foi um povo que entrou no que é hoje a Florida há alguns milhares de anos, onde o clima tinha alcançado as condições actuais e o mar tinha subido para perto do que é hoje o seu nível actual e as pessoas começaram a viver em aldeias perto de zonas húmidas, locais favorecidos, que provavelmente foram ocupados por várias gerações, onde as pessoas apreciavam viver, ocupando ambas as zonas húmidas, mas com água doce e salgada, onde por séculos, a sua dieta ficou dependente, principalmente de peixe, marisco ou aves, vivendo em grandes aldeias, com montes de terraplanagem, construídos de propósito, às vezes formando pequenas ilhas, onde além de outras ocupações, começaram a criar a cerâmica queimada no fogo, onde se foi desenvolvendo uma cultura regional muito distinta.

Tudo isto até que por aqui chegou a primeiro europeu, que foi Juan Ponce de Leon, por volta do ano de 1521, tornando-se imediatamente num território espanhol, como uma aldeia de pescadores e de salvamento, com uma pequena guarnição para sua defesa. “Cayo Hueso” foi o seu nome original em espanhol e as pessoas de língua espanhola ainda hoje usam este termo para se referir à ilha de Key West. Este nome significa literalmente “ilhota óssea”, mas na verdade é uma ilha baixa, com alguns recifes, dizendo-se hoje que a ilha estava coberta com os restos de ossos de habitantes nativos anteriores, que usavam a ilha como um cemitério comunal. Um pormenor importante é que esta ilha, naquele tempo, foi por muitos anos a Key (em inglês chave), portanto a chave ocidental, como um suprimento confiável de água.

Em 1763, quando a Grã-Bretanha assumiu o controle da Florida, a comunidade de espanhóis e nativos americanos que aqui viviam, foram transferidos para a aldeia ou porto de Havana, na ilha de Cuba, mas a Flórida retornou ao controle Espanhol 20 anos mais tarde, no entanto já não houve reassentamento oficial da ilha, pois informalmente esta foi usada pelos pescadores de Cuba, Britânicos e mais tarde os USA, após a sua independência, o que quer dizer que enquanto reivindicada a sua soberania pela Espanha, nenhuma outra nação exerceu o controlo sobre esta comunidade, por algum tempo.

Voltando ao tempo de hoje, também existe a parte moderna, já com centros comerciais, restaurantes e hotéis “temáticos”, onde nós, na nossa infinita ignorância, perguntámos o preço de uma dormida e, talvez por ser à última hora, sem marcação prévia, nos disseram que estavam superlotados, mas por sermos seniores e talvez “boas pessoas”, nos arranjariam um confortável quarto, pagando somente à volta quatro centenas de dólares por uma noite.

Companheiros, depois de terem a pachorra de lerem tudo isto, talvez já se estivessem esquecido se o pai Tónio sobreviveu, sim, sobreviveu e mais tarde veio aqui ver-nos, andou por Nova Iorque com a mesma boina na cabeça, viu a Broadway, foi ao cimo das torres gémeas, tirou fotos na Manhattan Bridge, comparou o rio Hudson ao rio Águeda, queria descalçar as botas, pois estava muito calor e queria refrescar-se. Entrando no lago que existe no Central Park, e apesar de levarmos as canas de pesca, não tivemos lá muita sorte na “pescaria”, e claro, da próxima vez que pensarmos em ir a Key West, vamos levar a caravana, pois derivado ao elevado preço que se pratica lá, viemos dormir à cidade de Miami, por os normais $69.99, com direito ao pequeno almoço.

Até qualquer dia, de novo em viagem.
Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15340: Libertando-me (Tony Borié) (42): As Regras da Escola

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