segunda-feira, 30 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18584: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (13): 124 inscritos até agora... Últimas inscrições até à meia-noite!

Foto de família

XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande: Monte Real, sábado, 5 de maio de 2018 > Últimas inscrições até à meia-noite de hoje.

Camaradas e amigos, temos um total de 124 inscritos, até às 18h... e o prazo termina hoje à meia-noite.

Os indecisos ainda têm umas poucas horas para pensar...


Diversos camaradas e amigos, lamentaram não poder comparecer  (uns pela primeira vez, outras mais uma vez) por diversas situações:

(i) situações de doença do próprio ou familiar;
(ii) outros compromissos familiares ou sociais nesse dia;
(iii) dificuldades de acesso ou transporte;
(iv) viagens, férias;
(v) outros convívios...

De qualquer modo, para o ano haverá mais: vamos já marcar o XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, para abril ou maio de 2019, ano em que Tabanca Grande fará 15 anos de vida...

No próximo sábado, dia 5, vai haver grande "ronco" em Monte Real: vamos celebrar a vida, a amizade e a camaradagem, com a Guiné a servir-nos de traço de união.

Últimas inscrições a cargo de Carlos Vinhal:

telem: 916 032 220
email: carlos.vinhal@gmail.com


Para saber mais clicar aqui.
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Guiné 61/74 - P18583: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 45 e 46: como te disse, eles aqui fazem a festa do Fanado, que é para fazer umas coisas às mulheres que eu, quando for de férias, te explicarei.




Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > 1973 > Bajudas

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*)

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalahou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é avô e está a animar o projeto "Bosque dos Avós", na Serra do Marão, em Amarante;

(ix) é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.


Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vi) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vii) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(viii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(ix) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(x) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(xi) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogram as por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(xii) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xiii) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xiv) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xv) começa a colaborar no jornal da unidade (dirirido pelo alf mil Jor Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xvi) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. capº 34º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xvii) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda: manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada;

(xviii) em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xix) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas;

(xx) em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 45 e 46




[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]



45º Capítulo > O FANADO

A principal carta sobre sexo que escrevi data do dia 18 de Março [DE 1973]. Nela, falo de masturbação e explico porque a esponja dos colchões das camas estão furadas em certos locais. Mas, se querem saber mais, tirem o cavalinho da chuva, nunca divulgarei uma carta tão íntima.

A máquina de tirar café chegou no dia 19 de Março. No dia 20 escrevia mais uma das minhas burrices. Eis a descrição letra a letra:

“Neste mês realizam-se aqui umas festas em que não pode entrar homem nenhum, nem branco nem preto e que se chama O Fanado. Duram cerca de um mês, essas festas que fazem parte da religião dos Muçulmanos. O povo aqui é todo Muçulmano e o Deus deles chama-se Alá e como te disse eles fazem a festa do Fanado, que é para fazer umas coisas às mulheres que eu quando for de férias te explicarei. Ora como a festa é só para as mulheres elas este mês não trabalham de maneira que durante um mês vou ter de lavar a minha roupa o que para ser franco não me agrada nada.

(Apetece-me, por um momento, dar um grito de raiva, perante a clamorosa estupidez duma religião que não é mais do que um grotesco ritual, e um grito ainda mais forte contra governantes arcaicos que cometem o crime de mutilação genital feminina em jovens como as da foto que reproduzo. Penso que, por essa ignomínia, talvez nenhuma delas seja viva. A foto tem 44 anos. Acresce ainda o facto de que, em 2016, em Portugal, se conheceram cerca de 100 casos de mutilação genital feminina).

Quero também que saibas que o governador da Guiné, General Spínola, elogiou a nossa companhia por causa dos “turras” e armas que capturamos. Diz o meu capitão que a continuarmos assim a apanhar armas e “turras” somos de facto capazes de sair mais cedo daqui e irmos para Bissau onde não há guerra. Vamos ver no que isto vai dar”.

Pelo que me lembro sem ler mais, não deu em nada, porque a comissão foi toda em Fulacunda.


46º Capítulo > UM POUCO DE MÚSICA

Não vou sublinhar o que vos digo a seguir pois quero intercalar mais que um tema. Começo por uma encomenda que recebi no dia 22 de Março [de 1973]. Trazia vinho verde e chouriços para o dia de Páscoa. Essa encomenda foi a que menos tempo demorou; exactamente 17 dias. Foi uma agradável surpresa vir tão rapidamente; normalmente demoravam um mês.

O primo da Amélia ia regressar à metrópole por terminar a comissão mas já vinha para cá o Ferreira. Era sempre assim: uns a ir e outros a vir. Dizia eu que também o meu dia de regressar haveria de chegar.

Nesta altura, resolvi caiar a cantina, (isso é o que escrevi), mas não me lembro de o ter feito. Também por estes dias algumas coisas correram mal. Os dois geradores eléctricos avariaram em simultâneo e, embora eu me referisse a que os “turras” não se vinham meter na boca do lobo e tentar atacar-nos a coberto da escuridão, a verdade é que denotava bastante preocupação e, além disso, deixei de tomar banho pois, sem luz, não havia água. Em breve, iria cheirar mais a catinga que os próprios negros.

Também tive de pagar, nesse período, a viagem que tinha decidido fazer à metrópole, em gozo de férias, e, como não tinha poupado dinheiro suficiente para tal, a minha avó ia ter de mandar-me o resto.

Na carta seguinte, não fiz comentários. Decidi enchê-la de frases de amor e pétalas de flores das árvores de Fulacunda, até porque era um domingo.

Dediquei o resto do dia a ouvir música, juntamente com o Silva. Nessa semana, tinha recebido duas cassetes com os álbuns “Déjà Vu” de Crosby Stils Nash Young. O Abraxas de Santana. Onde estavam também incluídas mÚsicas de Melanie Safka etc. Escutem-nas.
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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de abril de 2018 Guiné 61/74 - P18565: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 43 ("A minha úlcera") e 44 ("Biafadas ou balantas ?")

Guiné 61/74 - P18582: Notas de leitura (1062): Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi; editado por Gallimard (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Já tinha ouvido falar da obra no contexto dos grandes documentos que acompanharam a ascensão da luta anticolonial, mas nunca encontrei estes ensaios de Albert Memmi. Dei por ele num escaparate numa livraria de Bruxelas, foi atraído pela imagem, parecia-me uma reprodução de um quadro de Joaquim Rodrigo, e era mesmo. O preço também era convidativo, imagine-se um livro recém saído ao preço de 5 euros! E depois foi ler de uma empreitada e voltar a ler para digerir melhor.
Jean-Paul Sartre diz que no livro está o fundamental do colonialismo, do colono e do oprimido e em rigor não está. É um trabalho de meados da década de 1950, de alguém que se quer compreender melhor a si próprio, um tunisino a fazer carreira universitária em França, preso pelos homens, assumidamente inserido na cultura francesa. Nem tudo foi assim entre colonizados e colonizadores, ditará o conhecimento histórico posterior. Mas os grandes pilares dos comportamentos, e a relação fundamental do que condiciona o colonizador e colonizado pode ler-se aqui, com todo o rigor e seriedade.
Um documento cuja leitura se recomenda a toda a gente.

Um abraço do
Mário


Reler um clássico do colonialismo: 
Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi (1) 

Beja Santos 

A conceituada editora Gallimard acaba de reeditar uma das obras mais relevantes da década de 1950 no tocante ao debate sobre o colonialismo, o "Retrato do colonizado e o retrato do colonizador", de Albert Memmi, professor honorário da Universidade de Paris, nascido em Tunes, conheceu os campos de trabalho na ocupação alemã.

Estes dois ensaios foram escritos antes da guerra da Argélia, procuravam descrever a fisionomia e a conduta do colonizador e do colonizado, passar a pente fino o que os unia. Os seus postulados eram rigorosos e concluía-se que não havia saída para a colonização, tudo passaria pela independência dos colonizados. Tratava-se de uma solução que muitos consideravam radical, houve até muita boa gente de esquerda que duvidou de que tal seria viável. Depois os acontecimentos precipitaram-se na Argélia e por toda a África, e o que Albert Memmi descrevia revelava-se mais do que premonitório. A obra de Memmi é hoje estudada nas faculdades africanas. Gente de todo o mundo identificou-se com estes escritos, e uma firmação ficou lendária: “A colonização fabrica colonizados do mesmo modo que fabrica os colonizadores”.

As edições sucederam-se. Em 1966, Memmi preparou para uma nova edição um longo prefácio. Recordou que tinha escrito um romance “A estátua de sal”, a história de um casamento misto, que culminava num rotundo insucesso. O autor constatava que o mundo sobre o qual escrevia era o da colonização e para compreender os insucessos da sua prosa era preciso compreender o colonizador e o colonizado. Ele, um tunisino e também um colonizado. A sua vida não fora fácil na Sorbonne. E foi assim que se lançou num inventário na condição de colonizado para se compreender e identificar o seu lugar no meio dos outros homens. Acabou por concluir que todos os colonizados e todos os oprimidos se assemelham. Em vários pontos do globo explodiam contestações, reclamavam-se direitos humanos: havia as independências asiáticas, os norte-americanos negros reivindicavam direitos e leis não discriminatórias, o Norte de África reclamava a sua independência, de uma ponta à outra. Outras verificações ocupavam-lhe o espírito: o viver quotidiano do colonizador e do colonizado em que a humilhação do colonizado não é meramente económica, mesmo o mais pobre do colonizador considerava-se superior ao colonizado, isto ditava o privilégio colonial. Memmi considerava igualmente que a psicanálise tal como o marxismo não dispunham de formulação teórica e equipamento prático para explicar todos os sentimentos, todos os sofrimentos da relação entre o colonizador e o colonizado. E assumia corajosamente a sua identidade: um indígena, próximo da cultura muçulmana e igualmente apaixonado por muitos traços da cultura francesa; do que via e do que sentia, estava em querer que o retrato do colonizador em parte do seu. Enquanto autor, pedia ao leitor que não tratasse este livro como um objeto de escândalo, mas que fosse crítico para os dois retratos apresentados, tendo em mente que este livro poderia ser útil quer para o colonizador quer para o colonizado.

É nesta edição que se inclui um artigo que Jean-Paul Sartre escrevera em Les Temps Modernes, ao tempo uma das mais conceituadas revistas de produção ideológica. O Prémio Nobel da Literatura procura enquadrar a máquina colonial que começara a ser construída no fim do II Império e se aperfeiçoara na III República: a colónia vende barato as suas matérias-primas, compra caro à metrópole os produtos manufaturados. O subproletariado agrícola colonial não pode contar com qualquer apoio dos europeus. E dava um exemplo concreto: o rendimento médio de um francês na Argélia era 10 vezes superior ao de um muçulmano. Não o surpreendia as manifestações de violência dos oprimidos, até porque o colonialismo manifestamente recusava os direitos humanos a que submetera por violência. E desta constatação partia para a análise da obra, reconhecendo as verdades avançados pelo autor: não há nem bons nem maus colonos, há colonialistas. O colono autoabsolve-se, é predominantemente conservador; quanto maior fora dimensão do subproletariado mais será a subexploração. O sistema colonial é uma forma em movimento perpétuo, nascida em meados do século XIX e que irá produzir a sua própria destruição, não havia que ter ilusões sobre o destino da Argélia.

Entramos agora no retrato do colonizador, os mitos sobre a sua imagem. O que acima de tudo distingue o colonizador é a casta dos seus privilégios, a relação frutuosa que estabeleceu com os seus negócios, os benefícios que extrai do estatuto de adquiriu, o reconhecimento que o sistema colonial lhe oferece. Em caso algum ele vê a legitimidade no acervo das leis que o servem e que acabam por o tornar um usurpador. Observa que há várias mistificações na colonização, colonizados por um lado colonizadores por outro com diferentes fisionomias de grupos humanos. Pode haver candidatos à assimilação, pode haver assimilados de fresca data, a comunidade europeia pode ter negociantes de várias nacionalidades.

É de questionar se existe um colonizador de boa vontade, aquele que se assume como respeitador tanto dos direitos humanos e que até se compadece com a condição dos mendigos, das crianças subalimentadas, daqueles que exibem pela rua as suas horríveis doenças tropicais, e que se indignam e que procuram ajudar os grupos carenciados. De um modo geral, essa corrente de protesto é considerada como romantismo humanitarista pelas pessoas da colónia, a pessoa de boa vontade acabará por se integrar na corrente principal do colonizador, converte-se, e para esbater as contradições fará o reconhecimento que há outros costumes, que o colonizado precisa de tempo para se incorporar noutra onda de civilização – são estes os colonizadores de boa vontade. Memmi observa que simplesmente não se pode viver toda a vida a olhar candidamente o pitoresco, o colonizador não pode renunciar a criar um qualquer tipo de identificação com o colonizado. É no âmbito desta análise que Memmi faz uma longa e polémica leitura do quadro do nacionalismo africano e como é que este é encarado pelos homens da esquerda e, o que é mais grave é que uns e outros acabam na prática, por serem escolhidos do movimento de libertação colonial: assim como não há colonizadores de esquerda, a esquerda europeia passa a desconfiar daquele nacionalismo que em caso algum tem a ver com a sua prática ideológica, tal como ele a conhece no seu país de origem.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18568: Notas de leitura (1061): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (32) (Mário Beja Santos)

domingo, 29 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18581: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (12): Saudação a todos os nossos grã-tabaqueiros (Paulo Salgado, ex-alf mil cav, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/7


O Paulo e a Conceição Salgado na Guiné-Bissau, como cooperantes, em 1991.Foto de perfil, na página do Facebook, do nosso camarada Paulo Salgado. Ambos são membros da nossa Tabanca Grande.

Foto (e legenda): © Paulo Salgado (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 26 do corrnte, do nosso camarada Paulo Salgado [ex-Alf Mil Op Esp da CAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72);

Camaradas,

É, para mim, a expressão que encerra, com elevada dignidade, o que une quem partilhou dificuldades, contrariedades, mas também momentos de solidariedade, de companheirismo e de convívio na caserna e no mato e na bolanha e nas picadas... Assim trato "quem lá esteve".


É para mim uma honra pertencer à Tabanca Pequena de Matosinhos, embora não seja um frequentador assíduo, por razões familiares e profissionais. E, naturalmente, à Tabanca Grande, que é  a "mãe de todas as tabancas"...

 Já passei por Monte Real, o que engrandeceu o meu percurso. Todos os anos, estou, com a minha companheira [, Conceição Salgado,], no encontro da minha companhia [, a CCAV 2721].

Sinto que a ida à Guiné me proporcionou muita tristeza e muita alegria. Comprova isto a minha escrita sobre esta passagem, em diversos momentos.

Uma saudação aos camaradas, com a promessa de voltar ao blogue e às escritas.

Paulo Salgado
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Nota do editor:

Último poste da série de 29 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18579: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (11): Fazer uma centena de quilómetros ao volante já é obra para alguns de nós (José Botelho Colaço)... Não vou dia 5 a Monte Real, mas vou dia 19, à Lourinhã... e talvez encontre alguns dinossauros (José Nascimento)

Guiné 61/74 - P18580: Blogpoesia (564): "Depois das cataratas...", "Dos confins dos tempos...", e "Por sebes e veredas...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Depois das cataratas… 

Depois das cataratas, aquele tombo colossal, 
Mais parecia o fim do mundo, 
Aquele estendal de espuma, 
Onde não havia sobrevivência, 
Eis que a paz voltou, na serenidade da planície. 
Onde as águas tumultuosas sossegaram, 
Num paraíso de paz e de harmonia. 
Vieram de novo os peixes. 
Se tingiram de verde as margens e os campos contíguo ao rio, 
Reverdeceram na abundância. 
Foram embora, por evaporação, os males das águas paradas, 
Tudo ficou puro e vivificante. 
Abençoadas cachoeiras e aquele trambolhão, parecia mortal. 
Afinal, não. 
Foi assim um novo começo. 
De novo, tudo mudou para melhor… 

Ouvindo Hauser e Petri Çeku ao violoncelo
Berlim, 22 de Abril de 2018 
7h8m 
Jlmg

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Dos confins dos tempos… 

A história humana marcha em passadas seculares desde os confins dos tempos. 
Caminhos sinuosos. Abruptos, por vezes. 
Outras, benignos. 
Onde vicejaram as páginas mais eloquentes. 
Houve reinados de glória. 
Onde a justiça e a paz foram rainhas. 
Outros houve negros de sangue e carnificina. 
Choveram bênçãos grandiosas. 
Se difundiram crenças e religiões de muitos matizes. 
Todos unidos, voltados para o mesmo Oriente. 
Não se sabe quem vai à frente. 
Há bons sinais no horizonte. 
Uma vontade magistral de implantar a paz. 
Mas também trevas onde serpenteiam a maldade e a desorientação. 
Haja esperança e fé em quem tudo move… 

Ouvindo Vaughan Williams, sinfonia n.º 3
Berlin, 25 de Abril de 2018
6h51m
Jlmg

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Por sebes e veredas… 

Por sebes e veredas circundantes, 
Se sobe ainda, ao cimo dos castros megalíticos. 
Lugarejos e refúgios das gentes primitivas. 
Abrigos contra as chuvas e as neves regeladas. 
Aonde, nem as feras, mais atrevidas, 
Não ousavam. 
Impávidos, como os castelos, 
Resistiram aos tempos através das eras, 
E, hoje, são santuários, 
Dos espíritos. 
Cujos corpos sepultaram. 
Ali sobem, vagabundas e curiosas, 
De perto e longe, 
As gentes hodiernas, como a um museu, 
De arquitectura, sempre aberto, 
E que o tempo não fechou. 

Berlim, 27 de Abril de 2018 
6h39m 
Ouvindo Adagieto de Gustavo Mahler, sinfonia n.º 5 
Dia de sol
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18549: Blogpoesia (563): "As borboletas", "Pressurosos, bem alinhados...", e "Como será o paraíso...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18579: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (11): Fazer uma centena de quilómetros ao volante já é obra para alguns de nós (José Botelho Colaço)... Não vou dia 5 a Monte Real, mas vou dia 19, à Lourinhã... e talvez encontre alguns dinossauros (José Nascimento)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca> Xime >  Enxalé > CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) > O José Nascimento na margem direita do Geba...

Foto (e legenda): © José Nascimento (2017). Todos os direitos resevados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário (*) de José Nascimento ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) 


Água do Geba nunca bebi, mas dei uns bons mergulhos nele, quando me atirava do cais do Xime. Não vou dia 5 a Monte Real, mas espero ir dia 19 de Maio à Lourinhã conviver com os meus camaradas da CART 2520, talvez com alguns dinossauros.

Um abraço para todos, José Nascimento.



2. Comentário (*) do José [Botelho] Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):



Luís,  a casa, a Tabanca Grande, em Monte Real,  a meio gás ou meio petróleo... parece-me que um dos maiores motivos não será a crise mas sim os entas dos tertulianos e as dificuldades na deslocação.

 Eu por mim digo,  muitos sentem já uma certa dificuldade em aguentar uma centena ou mais de quilómetros,. ao volante. Alguns já nem carta têm.  (**)

Um alfa bravo. José Botelho Colaço. 

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Guiné 61/74 - P18578: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (10): por que é que eu, que fui assíduo ao longo de 10 anos, deixei de poder ir a Monte Real (Raul Albino, ex-alf mil, CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70)


Monte Real, Palace Hotel > 4 de Junho de 2011 > VI Encontro Nacional da Tabanca Grande > ; Dois homens do Oio, que vão estar ausentes em 2018, com muita pena nossa:

(i) Raul Albino ( ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, ,Mansabá e Olossato, 1968/70);

(ii) e Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67). 

Em 2011 tive finalmente a oportunidade de conhecer, em carne e osso, o Rui (e a esposa, Regina Teresa), que vive em Santa Maria da Feira... O Raul, por sua vez, é de Vila Nova de Azeitão, e também veio acompanhado da esposa, Rolina. Raul, antigo quadro técnico da IBM, falou comigo sobre a necessidade de encontrar ou explorar novas soluções informáticas para um blogue que cresceu muito, demasiado até, sobretudo a partir de 2008... Não tenho podido ouvir os seus bons conselhos desde o X Encontro Nacional (2015). Vou tentar telefonar-lhe

Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem,. com data de 26 do corrente, enviada pelo Raul Albino (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70)

Amigo Vinhal,

A minha ausência nos dois anos anteriores tem uma explicação que vos devo comunicar, depois de uma presença regular de 10 anos seguidos.

Tinha de ser uma razão de peso, de saúde, evidentemente. Não é uma doença mortal, mas é uma doença incapacitante que me leva a alegria de viver e parece não ter solução médica, nem grande alivio para as dores. Estou a falar de problema da coluna vertebral com afetação do nervo ciático. 

O médico operador não lhe quer tocar após ter analisado uma Ressonância Magnética. Como as medicações existentes não produzem qualquer efeito aceitável, o médico cirurgião nem me receitou qualquer medicação, porque os efeitos adversos são enormes, sem que causem alivio assinalável. 

Já nem posso arriscar a conduzir o automóvel por distâncias superiores a 50 kms. Alguns dias as dores são toleráveis, mas não sei quais são, só sei que são raros. Dizem que, por vezes, o tempo resolve o assunto. Se isso algum dia acontecer, solicitarei a alguém que me dê uma boleia, sempre sujeita a cancelamento muito perto da viagem.

Que o vosso convívio corra pelo melhor. O relógio devia retroceder, mas sabemos que isso é impossível e a vida está-nos a abandonar aos poucos, afetando o quorum dos convívios. Um grande abraço para ti, para a Dina, para o Luís Graça e restantes tabanqueiros. Passem bem.

Raul Albino

2. Comentário do Carlos Vinhal:

Amigo Raul

Tenhamos esperança em dias melhores. Se a idade já não vai dando tréguas, o tempo resolve, às vezes, problemas que julgamos insanáveis.

De certeza que um dia te vais inscrever com a tua companheira Rolina, melhores dias virão.

As melhoras para ti e um beijinho meu e da Dina para a Rolina. Sois pessoas de quem falamos muitas vezes e de quem já temos alguma saudade.

Abraço grande do camarada e amigo
Carlos
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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18577: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (9): por que é que eu, este ano, e mais uma vez, não poderei estar presente nesse maravilhoso convívio, em Monte Real (Valentim Oliveira, ex-sold comd, CCAV 489 / BCAV 490, Como, Guidaje e Farim, 1963/65)

Guiné 61/74 - P18577: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (9): por que é que eu, este ano, e mais uma vez, não poderei estar presente nesse maravilhoso convívio, em Monte Real (Valentim Oliveira, ex-sold cond, CCAV 489 / BCAV 490, Como, Guidaje e Farim, 1963/65)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012 > O Valentim Oliveira e a neta Cyndia, então com 19 anos > 

O nosso camarada, que vive em Viseu, estava desolado por duas razões:

(i) o Rui Alexandrino, por motivos de saúde, não pôde comparecer à última hora. ele que tem sido uma presença frequente nos nos encontros; 

(ii) o Virgínio Briote e a Maria Irene desta vez também falharam... 

O Valentim, um bravo da Ilha do Como, fez nesse ano, em 2012,  em 5 de janeiro, a bonita idade de 70 anos... Recorde-se que ele foi Soldado Condutor da CCav 489/BCav 490, e portanto camarada do nosso coeditor Virgínio Briote (mesma companhia). Estava desolado por ser o único representante do batalhão... 

A Cyndia, por sua vez, tinham estado na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, no IV Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 20 de Junho de 2009, com a mãe da Maria Irene e sogra do Virgínio, a senhora dona Irene Fleming (hoje com 100 anos!). Por outro lado, o Valentim estava orgulhoso da sua neta que, além de já ter carta de condução, é estudante de marketing, no Instituto Superior Politécnico de Viseu (e sabemos que já acabou, entretanto, o curso). 

Ficámos muito felizes por rever, em 2012 mas também em 2013,  nosso camarada e a sua neta.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Valentim Oliveira (ex-Soldado Condutor da CCAV 489/BCAV 490, Como, Guidaje e Farim, 1963/65), com residência em Viseu:

Data: sábado, 28/04/2018 à(s) 13:02


Assunto: Não me é possivel estar presente nesse maravilhoso convivio

Camarigo Carlos, e todos os outros que de uma maneira ou outra partilhamos os bons e maus momentos naquela terra agreste chamada Guiné.

Neste momento sinto saudade de algo de bom que por lá passei, mas também com a idade que tenho, ainda sinto em mim alguma amargura pelas atrocidades por lá vividas.

Enfim "dizem que o tempo cura as feridas", mas muitos de nós acabam por partir sempre com algo amargo, ou seja, a saber a fel .

Não tenho comparticipado nos nossos últimos encontros em Monte Real.

Este ano mais uma vez vou falhar por motivos de saúde. Já há muito tempo que ando um pouco abalado, mas não é de estranhar porque a idade não perdoa .

Dia 10 de Maio vou baixar ao Hospital da CUF em Viseu para mais um operação ...

Por eu não estar presente,  desejo a todos os que estiverem presentes que confraternizem em perfeita harmonia e bebam mais um trago por mim .

Um grande abraço para todos.


Valentim Oliveira
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Guiné 61/74 - P18576: Efemérides (279): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte IV




Cabeçalho de panfleto do PCP (m-l)  (Partido Comunista de Portugal, marxista-leninista) com a palavra de ordem "Nem mais um só soldado para as colónias"...  Data: 26 de abril de 1974. 

Fonte: com a devida vénia ao Gualberto Freitas: 1969 Revolução Ressaca [documentos para a história de uma revolução]



Lisboa > Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na Rua Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda [do Marquês], e, enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da Força Aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem: 'Nem mais um soldado para o ultramar'…  Manifestações e palavras de ordem como estas (*) começaram a ter um efeito psicológico negativo no moral das nossas tropas que estavam a milhares de quilómetros de casa, como se pode depreender do aerograma que abaixo se transcreve.

Foto (e legenda): © José Corceiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




Imagem da primeira parte do aerograma, datado de Bissau, 4/5/74.



Desta vez o aerograma é dirigido à mesma pessoa, a esposa do Jorge Gameiro, Ana Paula Gameiro, mas com outro endereço postal: Rua Sampaio Bruno, 8, 3º Esq, Lisboa 3, em Campo de Ourique [ Código postal atual: 1350-283 Lisboa;  pertence à freguesia de Santo Condestável]. 



Remetente: Jorge Gameiro, ACAP, SPM 0348


1. Continuação da publicação dos aerogramas de Jorge Gameiro [ militar colocado na REP / ACP / QG /CC, Bissau, 1974], relativos aos acontecimentos pós-25 de abril...

Cópias desses aerogramas foram-nos enviadas pelo leitor (e futuro membro da Tabanca Grande, Carlos Mota Ribeiro, engenheiro, residente na Maia, filho do nosso querido amigo, camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; estes documentos foram comprados por ele há 5 ou 6 anos no OLX).

Os aerogramas (o primeiro datado de Bissau, 30/4/1974) (**) eram dirigidos à esposa do Jorge Gameiro, Ana Paula Gameiro. O casal tinha um filho de tenra idade, Nuno Gameiro, cujo paradeiro o Carlos Mota Ribeiro gostaria de poder descobrir para lhe poder oferecer esta correspondência que ele provavelmente nunca terá lido. A Ana Paula Gameiro aparece com duas moradas: uma na Av Mouzinho de Albuquerque, 5-5- Esq, Lisboa-1, freguesia de Penha de França; e outra na Rua Sampaio Bruno, 8, 3º Esq, Lisboa 3, em Campo de Ourique, freguesia de Santo Condestável. Não sabemos ao certo onde é que o casal vivia. Nem sabemos como os aerogramas foram parar ao OLX: uma hipótese é a separação do casal; ou a  morte de um dos correspondentes...

Também não sabemos, até agora, quem é (ou foi) o Jorge Gameiro, a não ser que: (i) estava colocado, no QG/CC, na Amura, na Repartição ACAP - Assuntos Civis e Apoio à População; e (ii) em maio de 1974 estava a 4 meses de acabar a comissão... Especulando, achamos que podia ser arquitecto, na vida civil, ou estudante de arquitetura ou de engenharia ou coisa assim parecida. Devia ser miliciano, mas desconhecemos o seu posto e especialidade.

Como nos explicou o Carlos Mota Ribeiro [, foto atual acima, à direita]:

(...) Em relação aos aerogramas comprei-os a alguém no OLX, já foi há uns 5 ou 6 anos e não me recordo do nome da pessoa que mos vendeu, lembro-me que os comprei por terem o sentido histórico do 25 de Abril de 74 e os achei muito interessantes.

Como tenho um colega britânico que se interessa pela Revolução dos Cravos, enviei-lhe as fotos dos aerogramas com a tradução em inglês para ele dar uma leitura e compreender o sentimento que alguns jovens tinham naquela época e naqueles dias conturbados.


Quando estava a transcrever o mencionado aerograma, fiquei a pensar no Nuninho (Nuno Gameiro) do aerograma e do carinho daquele pai pelo filho. Por isso entrei em contacto contigo para tentar encontrar o tal Nuninho e lhe fazer chegar a meia dúzia de aerogramas que tenho, enviados pelo seu pai, da Guiné Portuguesa para a Metrópole.

É claro que apenas lhos vou oferecer, se o Nuno Gameiro quiser esta recordação dos pais, pode nem querer saber deste assunto ou não dar qualquer valor sentimental aos aerogramas, mas como para mim este tipo de itens tem muito valor e são documentos que considero históricos, guardo-os religiosamente na minha coleção particular sobre o Ultramar Português. [...]


 Do aerograma do dia 4 de maio, que transcrevemos a seguir, só temos a primeira parte. segundo informação prestada pelo nosso coeditor Magalhães Ribeiro, que está a digitalizar estes documentos.

 2. Transcrição do aerograma de 4 de maio de 1974

Bissau 04.05.74
Minha Paula, meu amor:

Recebi hoje a tua cartinha do dia 28 [, de abril, de 1974], a qual me deixou muito feliz por te achar tão calma e feliz, calma essa que é contagiante e que para mim foi um bem, pois também eu com esta tua tão preciosa ajuda fiquei mais calmo, que é coisa que não consigo ter de há uns dias a esta parte.

A nossa situação aqui no ultramar continua sem ser definida, não há meio de se pronunciarem, mas pelos vistos as coisas em relação ao ultramar as mudanças serão muito significativas pois soube que ontem saiu um contingente de tropas, do qual a população pelos vistos não gostou muito pois até foram raptados 10 militares, mesmo do estilo “sacados” à mão do aeroporto. [***]

É claro e bem sei que isto não pode ser resolvido de um dia para o outro, e por isso penso que a atitude dessas pessoas até foi inconsciente, pois enquanto não houver nada resolvido,  as tropas terão de continuar a vir. E não é parar com as mobilizações que se podem resolver as coisas, pois assim os únicos prejudicados seriamos nós, aqueles que estão a terminar a comissão, não tendo rendição não nos poderíamos ir embora, o que não é justo. 

Mas esta espera, sem saber nada, torna a vida angustiante para todos nós os que aqui estamos. Resta-nos a consolação de que, mesmo se a situação aqui continuar a mesma,  quando voltarmos espera-nos um ambiente mais leve, mais puro, onde já não seremos espezinhados como dantes,  seremos livres mais que nunca e isso pelo menos,  apesar de não ser de maneira nenhuma uma compensação para os 2 anos que passamos aqui, já é pelo menos algo positivo e muito bom. 

Outra das coisas pela qual andamos doidos todos os que aqui continuamos,  é não pudermos partilhar mais de perto desses tão grandes momentos que se vêm passando desde o dia 25 [de Abril] até agora,  principalmente desse grandioso 1.º de Maio festa culminante da libertação de um povo dominado por uma ditadura fachista [sic] durante 48 dolorosos anos. E só espero, e o meu grande desejo, é que este grande passo que iniciou uma maravilhosa caminhada ,não seja afundado por minorias de esquerdistas a cometerem atos impensados como aquele que se passou no aeroporto, mas não isto é certamente precipitações dos primeiros dias causados pelos [...] [**]

Continua 
 

Fotos (e legendas): © Carlos Mota Ribeiro (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[Revisão e fixação de texto: Carlos Mota Ribeiro / Luís Graça]


Translation to English:

Bissau 04.05.74

My Paula, my love:

I received today your letter of the 28th, which made me very happy to find you so calm and happy that is contagious and that for me was a good, because I too with this your precious help I am calmer, which is something that I can not get from a few days ago to this part, our situation here overseas is still not defined, there is no way to pronounce, but by the way things in relation to overseas the changes will be very significant because I knew that yesterday left a contingent of troops, of which the population was not very pleased because 10 military personnel were even kidnapped by the airport, of course, and I know that this can not be solved overnight, and so I think the attitude of these people was even unconscious, as long as nothing is resolved the troops will have to continue to come. And it is not to stop with the mobilizations that can solve things, therefore the only losers we would be those who are finishing the commission, not having surrender we could not leave what is not fair. But this waiting without knowing anything makes life anguish for all of us here. There remains the consolation that even if the situation here continues the same when we return, we expect a lighter but cleaner environment where we will not be trampled as before we will be free more than ever and this at least despite not being at all a compensation for the 2 years that we spent here, is already at least something positive and very good. Another of the things we are going crazy about here is that we can not share more closely those great moments that have been happening since the 25th until now, especially on this great May Day, the culminating celebration of the liberation of a people dominated by a fascist dictatorship for 48 painful years and I only hope and my great desire is that this great step that started a wonderful journey is not sunk by minorities of leftists to commit unthinking acts like the one that happened at the airport, but this is certainly not precipitation of the first days caused by

To be continued

[Translation by Carlos Mota Ribeiro]

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Guiné 61/74 - P18575: Parabéns a você (1427): Giselda Pessoa, ex-2.º Sargento Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18566: Parabéns a você (1426): Coronel DFA Ref Hugo Guerra, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 55 (Guiné, 1968/70) e Humberto Nunes, ex-Alf Mil Art, CMDT do 23.º Pel Art (Guiné, 1972/74)

sábado, 28 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18574: Os nossos seres, saberes e lazeres (264): De Estremoz para as Termas de S. Pedro do Sul (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 26 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Saiu-se de Estremoz um tanto de asa murcha, bem se gostaria de ter andado um pouco mais por igrejas e capelas, já que o património é fértil, seguiu-se até Nisa, povoação que encanta pelo espraiamento por fora e o ensimesmamento do casco urbano, há por ali muita beleza ao abandono.
O que vai assombrando durante a viagem são as alterações na fisionomia da paisagem, saiu-se por estradas afogadas vendo montes, planícies e a típica florestação alentejana, mais adiante chegou-se ao território do granito e as primeiras notícias graves das calamidades dos incêndios, enfim, os terrenos pedregosos vão ganhando altura, vislumbra-se, como longo dorso, a Serra da Estrela, e depois é o prazer da aproximação de Monsanto, houvesse uma boa câmara e ter-se-iam registado as imagens, por sucessivas fases, da aproximação. Na ausência da tecnologia, levava-se entusiasmo e um livro que é uma pequena raridade, uma edição dedicada à atribuição do Galo de Prata em 1938 a Monsanto, há ali textos tocantes e fotografias de Tom e Carlos Botelho, e desenhos deste último.
Monsanto é inesquecível, amanhã será visitada em todas as direções, está prometido.

Um abraço do
Mário


De Estremoz para as termas de S. Pedro do Sul (2)

Beja Santos

Sai-se de Estremoz e são quilómetros infindáveis de planície verdejante, gado à solta, sobreiros e azinheiras. Em dado momento, crescem os pedregulhos, encrespam-se os solos, sente-se no ar uma certa aridez e aquele céu translúcido que se experimentou de onde partimos ganha nuvens. E assim se chega a Nisa, está na hora de amesendar, há quem suspire por um queijo de ovelha, de lendária fama, acorda-se em hora e meia para andar por ali ao desafio. O viandante gosta de Nisa, mesmo sentindo melancolia por tanto desfalecimento e abandono, patente em solo urbano. É vila templária, está cercada de importantes vestígios megalíticos, há por ali pontes romanas à volta. O castelo sofreu as consequências da zanga de dois irmãos, um que era rei, e o outro que queria ser, e o outro que queria ser deitou as muralhas do castelo a baixo, felizmente ficaram umas amostras de panos de muralha e há esta fabulosa porta da vila para nos receber.




É muito belo e equilibrado este largo, tem imponência o edifício autárquico, que tem ao lado a Igreja da Misericórdia do séc. XVI, aparece na imagem com as laranjeiras à frente, tem portal de volta perfeita, inserido num alfiz retangular, enquadrado com pilastras, o mínimo que se pode dizer é que é uma fachada com caráter e elegância.



Deambula o viandante sem pressa e sem tino, sabe que ainda há outra porta da vila, que vale a pena bisbilhotar as cantarinhas e bilhas decoradas com pequenas pedras brancas, são um dos ex-líbris de Nisa, tal como as rendas de bilros, é um prazer cirandar pelas ruas sinuosas e apertadas, de belo empedrado, a despeito do manifesto abandono.



A Igreja Matriz, que data do séc. XVIII, tinha as portas fechadas, percorreram-se várias ruas à procura de distintos sinais do tempo e foi-se premiado. Olha-se para o relógio, estuga-se o passo, a fome aperta, sabe-se lá porquê recordou-se passeio anterior ali a cerca de 10 km de Nisa às águas minerais de Fadagosa, bem interessantes como estância termal, são quilómetros uns atrás dos outros num território que parece uma reserva da cultura megalítica. Basta de lembranças, há que comer e partir, o viandante traz de baixo do braço ainda o livro do Património Religioso de Estremoz, ficou um pouco amargado por não ter revisitado a Capela da Rainha Santa Isabel, a igreja e o convento de S. João da Penitência e, mais grave do que tudo, continua a adiar a visita à Igreja de S. Francisco, o que bem lamenta.


Nisa teimou e alcançou, tem cineteatro, agora acrescido, está vivo e recomenda-se, enquanto comia mesmo na sua frente, foi dando nota de filmes e eventos que por ali passam, fizeram um bonito acrescento e há sinais de que a vida cultural não deixou Nisa adormecida. Bom, até à próxima.





O viandante não é bibliófilo mas guarda algumas preciosidades, obras estimáveis, caso do livro sobre Monsanto editado pelo SNI, a propósito da atribuição do Galo de Prata a Monsanto, como “A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”. Fazia parte do regulamento que as aldeias portuguesas do continente comprovassem uma maior resistência oferecida à decomposição e influências estranhas, tivessem um elevado estado de conservação na habitação, mobiliário e alfaia doméstica, trajo, artes e indústrias populares, vertente cultural e lúdica e uma panorâmica de altíssimo valor. Evocando Monsanto, escreveram Cardoso Martha e Adolfo Simões Muller:  

“Quem uma vez visitou a nobre aldeia beiroa, dificilmente a esquecerá. Fechamos os olhos e revemo-la na sua arquitetura de sonho, obra inicial de ciclopes que dispusessem penedos sobre penedos e rasgassem veredas entre fragas. São as suas casas disfarçadas na rocha, como que encapuchadas à maneira das mulheres da região. São as calhas pedregosas apostadas na escalada do monte, como se tivessem aprendido, na lição dos séculos, as manhas das hostes de assédio. São as suas casas solarengas, a sua igreja e as suas capelas; é o seu cemiteriozinho perdido no vale e que parece erguer para o céu as suas mãos verdes. E é sobretudo o seu castelo que a encima orgulhoso, na sua coroa de muralhas”.
Aqui chegámos, e amanhã também é dia de Monsanto. Esta edição foi enriquecida com desenhos de Carlos Botelho, com orgulho aqui se mostra um deles.


Largo do Cruzeiro, Monsanto, Carlos Botelho, 1941
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18547: Os nossos seres, saberes e lazeres (263): De Estremoz para as Termas de S. Pedro do Sul (1) (Mário Beja Santos)