Queridos amigos,
Saiu-se de Estremoz um tanto de asa murcha, bem se gostaria de ter andado um pouco mais por igrejas e capelas, já que o património é fértil, seguiu-se até Nisa, povoação que encanta pelo espraiamento por fora e o ensimesmamento do casco urbano, há por ali muita beleza ao abandono.
O que vai assombrando durante a viagem são as alterações na fisionomia da paisagem, saiu-se por estradas afogadas vendo montes, planícies e a típica florestação alentejana, mais adiante chegou-se ao território do granito e as primeiras notícias graves das calamidades dos incêndios, enfim, os terrenos pedregosos vão ganhando altura, vislumbra-se, como longo dorso, a Serra da Estrela, e depois é o prazer da aproximação de Monsanto, houvesse uma boa câmara e ter-se-iam registado as imagens, por sucessivas fases, da aproximação. Na ausência da tecnologia, levava-se entusiasmo e um livro que é uma pequena raridade, uma edição dedicada à atribuição do Galo de Prata em 1938 a Monsanto, há ali textos tocantes e fotografias de Tom e Carlos Botelho, e desenhos deste último.
Monsanto é inesquecível, amanhã será visitada em todas as direções, está prometido.
Um abraço do
Mário
De Estremoz para as termas de S. Pedro do Sul (2)
Beja Santos
Sai-se de Estremoz e são quilómetros infindáveis de planície verdejante, gado à solta, sobreiros e azinheiras. Em dado momento, crescem os pedregulhos, encrespam-se os solos, sente-se no ar uma certa aridez e aquele céu translúcido que se experimentou de onde partimos ganha nuvens. E assim se chega a Nisa, está na hora de amesendar, há quem suspire por um queijo de ovelha, de lendária fama, acorda-se em hora e meia para andar por ali ao desafio. O viandante gosta de Nisa, mesmo sentindo melancolia por tanto desfalecimento e abandono, patente em solo urbano. É vila templária, está cercada de importantes vestígios megalíticos, há por ali pontes romanas à volta. O castelo sofreu as consequências da zanga de dois irmãos, um que era rei, e o outro que queria ser, e o outro que queria ser deitou as muralhas do castelo a baixo, felizmente ficaram umas amostras de panos de muralha e há esta fabulosa porta da vila para nos receber.
É muito belo e equilibrado este largo, tem imponência o edifício autárquico, que tem ao lado a Igreja da Misericórdia do séc. XVI, aparece na imagem com as laranjeiras à frente, tem portal de volta perfeita, inserido num alfiz retangular, enquadrado com pilastras, o mínimo que se pode dizer é que é uma fachada com caráter e elegância.
Deambula o viandante sem pressa e sem tino, sabe que ainda há outra porta da vila, que vale a pena bisbilhotar as cantarinhas e bilhas decoradas com pequenas pedras brancas, são um dos ex-líbris de Nisa, tal como as rendas de bilros, é um prazer cirandar pelas ruas sinuosas e apertadas, de belo empedrado, a despeito do manifesto abandono.
A Igreja Matriz, que data do séc. XVIII, tinha as portas fechadas, percorreram-se várias ruas à procura de distintos sinais do tempo e foi-se premiado. Olha-se para o relógio, estuga-se o passo, a fome aperta, sabe-se lá porquê recordou-se passeio anterior ali a cerca de 10 km de Nisa às águas minerais de Fadagosa, bem interessantes como estância termal, são quilómetros uns atrás dos outros num território que parece uma reserva da cultura megalítica. Basta de lembranças, há que comer e partir, o viandante traz de baixo do braço ainda o livro do Património Religioso de Estremoz, ficou um pouco amargado por não ter revisitado a Capela da Rainha Santa Isabel, a igreja e o convento de S. João da Penitência e, mais grave do que tudo, continua a adiar a visita à Igreja de S. Francisco, o que bem lamenta.
Nisa teimou e alcançou, tem cineteatro, agora acrescido, está vivo e recomenda-se, enquanto comia mesmo na sua frente, foi dando nota de filmes e eventos que por ali passam, fizeram um bonito acrescento e há sinais de que a vida cultural não deixou Nisa adormecida. Bom, até à próxima.
O viandante não é bibliófilo mas guarda algumas preciosidades, obras estimáveis, caso do livro sobre Monsanto editado pelo SNI, a propósito da atribuição do Galo de Prata a Monsanto, como “A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal”. Fazia parte do regulamento que as aldeias portuguesas do continente comprovassem uma maior resistência oferecida à decomposição e influências estranhas, tivessem um elevado estado de conservação na habitação, mobiliário e alfaia doméstica, trajo, artes e indústrias populares, vertente cultural e lúdica e uma panorâmica de altíssimo valor. Evocando Monsanto, escreveram Cardoso Martha e Adolfo Simões Muller:
“Quem uma vez visitou a nobre aldeia beiroa, dificilmente a esquecerá. Fechamos os olhos e revemo-la na sua arquitetura de sonho, obra inicial de ciclopes que dispusessem penedos sobre penedos e rasgassem veredas entre fragas. São as suas casas disfarçadas na rocha, como que encapuchadas à maneira das mulheres da região. São as calhas pedregosas apostadas na escalada do monte, como se tivessem aprendido, na lição dos séculos, as manhas das hostes de assédio. São as suas casas solarengas, a sua igreja e as suas capelas; é o seu cemiteriozinho perdido no vale e que parece erguer para o céu as suas mãos verdes. E é sobretudo o seu castelo que a encima orgulhoso, na sua coroa de muralhas”.
Aqui chegámos, e amanhã também é dia de Monsanto. Esta edição foi enriquecida com desenhos de Carlos Botelho, com orgulho aqui se mostra um deles.
Largo do Cruzeiro, Monsanto, Carlos Botelho, 1941
____________Nota do editor
Último poste da série de 21 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18547: Os nossos seres, saberes e lazeres (263): De Estremoz para as Termas de S. Pedro do Sul (1) (Mário Beja Santos)
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