terça-feira, 6 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

 
Imagem reproduzido, com a devida vénia, de SNS 24 > Transplante de órgãos (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. O nosso querido amigo e colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau) levantou aqui, a propósito do aproveitamento energético dos fornos crematórios na Suécia (*), uma questão muito delicada e sensível mas muito importante, sobre a colheita de órgãos (e tecidos) para transplante em Portugal...


Para que não restem  quaisquer dúvidas sobre a legislação, a ética e a prática da colheita de órgãos (e tecidos), nomeadamente em dador cadáver, aqui fica, a seguir, um pequeno texto de esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação.

Sobre esta questão da colheita e doação de órgãos e tecidos para transplante já houve, de resto, mais inyervenções dos nossos leitores (Valdemar Queiroz, C. Martins, José Belo, entre outros). É uma questão, por outro lado, que nos interessa a todos porque todos somos potenciais dadores, em vida ou post mortem.


2. Comentários de Cherno Baldé:

(i) Caro José Belo,


Uma técnica muito eficiente que corresponde, também, a uma sociedade muito "avançada" e despida de dogmas religiosos.

Tenho um vizinho, antigo emigrante em Portugal, que regressou definitivamente, porque, segundo ele, não queria ser desposado dos seus órgãos internos depois da sua morte. As razões de fundo, a crença na ressurreição após a morte. Diz-me ele:

- No dia da grande chamada, em que estaremos diante do Senhor, não quero apresentar-me deficiente, incompleto, compreendes? Claro que eu o compreendia. O que compreendo menos é a mentalidade do ocidental que, todos os 100 anos muda de filosofia de vida. (*)


(ii) Caro amigo Luís,

Cada vez mais os nossos emigrantes desconfiam que estejam a "roubar" alguns orgãos aos parentes falecidos em hospitais na capital portuguesa com a justificação de fazer autópsias geralmente não solicitadas.


Há uma vaga de medo em crescendo, sobretudo entre os muçulmanos que vivem com o dilema do medo de morrer em Portugal e a falta de condições de tratamento médico no país de origem.

Em relação aos médicos nos tais hospitais com necessidades gritantes de órgãos para transplante, faz lembrar a história da relação entre os vagomestres e os fulas criadores de gado, durante a guerra na Guiné, que eram sempre muito relutantes a vender o seu gado a tropa. Logo nunca matavam para comer e também não vendiam.

Mas, ainda assim, antes roubados do que cremados. (**)

3. Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação sobre o conceito de Dador Cadáver (Reproduzido com a devida vénia) (***)

Dador Cadáver

Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante, desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores. 

(No caso de se tratar de uma pessoa menor de idade ou mentalmente incapaz, é válida a vontade de quem detenha o poder paternal). 

No entanto, para que possa haver doação de órgãos têm que reunir-se um conjunto de circunstâncias:

● o dador tem que falecer num Hospital;

●  depois de se verificar a paragem irreversível das funções cerebrais ou cardio-respiratórias, o corpo tem que ser mantido artificialmente, desde o momento da morte até ao momento da extracção dos órgãos,

● é necessário que se conheça, com exactidão, a causa da morte.

Não são aceites como dadores indivíduos que sejam, na altura da morte, portadores de uma doença infecto-contagiosa, de um tumor maligno ou de uma doença com repercussão nos órgãos a transplantar. 

Também são contra-indicações, embora relativas, para a doação, uma história clínica de Hipertensão Arterial, de Diabetes ou a idade avançada.

No que respeita à idade, os dadores mais desejáveis são os que têm entre 15 e 55 anos, mas a idade é valorizada caso a caso, de acordo com o tipo de órgão a utilizar e com o conhecimento da história clínica do dador.

Uma vez certificada a morte, e se o cadáver tiver características adequadas à doação (ou seja, se os seus órgãos puderem ser úteis para curar ou melhorar a saúde de outras pessoas), o coordenador hospitalar para a transplantação tem a obrigação de se informar, por todos os meios ao seu alcance, sobre a vontade expressa em vida por aquele indivíduo em relação à doação. Para este efeito, são consultados o Registo nacional de Não-Dadores e, sobretudo, os familiares próximos do falecido.

No caso de não existirem objecções, prosseguir-se-á com o procedimento de colheita. O que acontece depois da extracção de órgãos ou tecidos de um cadáver? 

Não há qualquer diferença em relação a outra morte em contexto hospitalar. A extracção de órgãos ou tecidos é feita num Bloco Operatório, em condições de assepsia, e consiste numa intervenção cirúrgica realizada por uma equipa médica e de enfermagem especializada.

O corpo não fica desfigurado e é sempre tratado com o máximo respeito. Depois desta intervenção, o cadáver é transferido para a morgue do hospital, como qualquer outro cadáver. 

Quanto aos órgãos colhidos, são mergulhados num líquido de preservação e enviados para o hospital onde irá ser feito o transplante.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]


4. Segundo notícia do SNS, de 16/7/2020, e com base em d
ados divulgados pelo IPST - Instituto Português do Sangue Transplantação,  "o número de órgãos transplantados atingiu os 878 em 2019, mais 49 (5,9%) face ao ano anterior, tendo o transplante pulmonar registado o maior aumento de sempre". 

(...) “Os resultados da atividade nacional de doação e transplantação de órgãos em 2019 foram globalmente positivos, seguindo a tendência crescente dos últimos cinco anos”, refere o IPST em comunicado.

“A doação de órgãos (total de 430 dadores) manteve a sua tendência ascendente, com uma subida de 3,4%”, adiantam os dados da Coordenação Nacional da Transplantação, adiantando que as causas de morte, no dador falecido, foram em 80% dos casos por doença médica e destas, 82% por acidente vascular cerebral.

O IPST observa que, em 2019, se atingiu um novo limite com o dador mais idoso, com 90 anos, que foi dador de fígado e o órgão foi transplantado com sucesso. (...).

Guiné 61/74 - P21421: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte II

Foto nº 1 > Guiné >  Zona Leste >Região de Bafatá >  Sector L1 > Xime > Madina Colhido >  «Operação Boga Destemida» realizada em 9 de Fevereiro de 1970 pelas CART 2520 (1969/70) e CCAÇ 12 (1969/71). Momento da Heli evacuação de feridos, em Madina Colhido, ocorrência registada no itinerário de regresso ao aquartelamento do Xime. Junto ao Heli pode ver-se, com t-shirt branca e de costas, uma enfermeira paraquedista. [Foto do álbum de Arlindo T. Roda - P19240], com a devida vénia.



Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L5 > Galomaro > CCS/BCAÇ 3872 (1971/74). Equipa de "saúde" em missão de prevenção durante a realização de uma «Operação». [Foto do álbum de Juvenal Amado - P11764], com a devida vénia.



Foto nº 3 > Guiné > - Região do Óio > Mansoa > 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612 (1972/1974). Momento da Heli evacuação de feridos, vítimas da emboscada ocorrida na estrada de Farim-Mansabá-Mansoa, em 15 de Julho de 1973. [Foto do álbum de Jorge Canhão - P11260], com a devida vénia.

 


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue... e já está a preparar o próximo ano letivo, que não vai ser fácil paar ninguém: professores, e demais pessoal da conunidade escolar: pessoal não docente,alunos, pais e encarregados de educação, etc. Espera que este ano lectivo (2020/21) seja o último, antes de se reformar.


MEMÓRIAS CRUZADAS

NAS "MATAS" DA GUINÉ (1963-1974):

RELEMBRANDO OS QUE, POR MISSÃO, TINHAM DE CUIDAR DAS FERIDAS CORPOREAS PROVOCADAS PELA METRALHA DA GUERRA COLONIAL: «OS ENFERMEIROS» 

OS CONTEXTOS DOS "FACTOS E "FEITOS" EM CAMPANHA DOS VINTE E QUATRO CONDECORADOS DO EXÉRCITO COM "CRUZ DE GUERRA", DA ESPECIALIDADE "ENFERMAGEM"

PARTE II

 

► Continuação do P21404 (30.09.20) (*)


1.   - INTRODUÇÃO


A emergência do presente trabalho de investigação surge por indução de um duplo significado. O mais recente, associado à «Expressão Pandémica do Covid-19 (2020)», uma situação de "saúde pública" que não nos preocupa só a nós como, igualmente, à globalidade dos povos dos cinco continentes. O segundo, o mais remoto, por estar a uma distância temporal superior a meio século, vivido pela geração dos ex-combatentes na designada «Guerra Colonial / Guerra do Ultramar / Guerra de África» (1962-1974), cujo nome não é relevante para o caso, procura enfatizar o importante papel desempenhado pelos nossos camaradas da "saúde militar" (e igualmente no apoio a civis e população local) – médicos e enfermeiros/as (as paraquedistas; por exemplo a da foto nº 1) – na nobre missão de socorrer todos os que deles necessitassem, quer em situação de combate, quer noutras ocasiões de menor risco de vida (medicina geral), mas sempre a merecerem atenção e cuidados especiais. [Vd. também fotos nºs 2 e 3}.

Recorda-se, a propósito da estrutura global do trabalho, que este foi/está dividido em partes, onde procuramos descrever cada um dos contextos da "missão", analisando "factos" e "feitos" (os encontrados na literatura) dos seus actores directos "especialistas de enfermagem", onde cada caso acabaria por influenciar a Chefia Militar na argumentação para um "louvor" e que se transformaria, depois, em "condecoração" com «Cruz de Guerra», maioritariamente de 3.ª e 4.ª Classe. Para o efeito, a principal fonte de informação/consulta utilizada foi a documentação oficial do Estado-Maior do Exército, elaborada pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974).


2.   - OS "CASOS" DO ESTUDO


Como referido anteriormente, foram vinte e quatro os militares "condecorados", no TO do CTIG (1963/1974) com a «Cruz de Guerra» pertencentes aos «Serviços de Saúde Militar», três dos quais a «Título Póstumo», distinção justificada por "actos em combate", conforme consta no quadro nominal elaborado por ordem cronológica e divulgado no primeiro fragmento – P21404. (*)

Como complemento demográfico, apresenta-se no ponto abaixo o quadro de distribuição de frequências referente ao universo dos "casos" do estudo, segundo as variáveis: "ano da ocorrência" e o "posto" do militar condecorado, bem como o competente gráfico relacionado com a segunda variável: "posto".


2.1         - QUADRO E GRÁFICO DOS MILITARES DE ENFERMAGEM DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM «CRUZ DE GUERRA» POR "ACTOS EM CAMPANHA (COMBATE) NO CTIG 1963-1974) – (N=24) 





Quadro 1 – Da análise ao quadro supra, verifica-se que o número total de indivíduos do Exército, com formação específica na área dos «Serviços de Saúde Militar», condecorados com medalha de «Cruz de Guerra» por "actos" em combate, e considerados como fazendo parte da população (universo) deste estudo, é de 24 (vinte e quatro), todos eles pertencentes a diferentes Unidades de Quadrícula em missão no TO.


Verifica-se, também, que desse universo, 1 era Alferes médico (4.2%), 4 eram Furriéis enfermeiros (16.6%), 15 eram 1.ºs Cabos Enfermeiros (62.5%), 1 era 1.º Cabo maqueiro, 1 era Soldado auxiliar de enfermagem (4.2%) e 2 eram Soldados maqueiros (8.3%).

É relevante o facto de entre os anos de 1968 e 1971 não ter havido "condecorações" na mesma especialidade do grupo do estudo, assim como no último ano do conflito (1974), uma vez que no 1.º triénio (1963-1965) foram registados 7 casos (29.2%) e no 2.º triénio (1966-1968) os distinguidos foram 15 (62.5%).

É de relevar, ainda, que durante o 1.º sexénio (1963-1968), foram contabilizadas 22 condecorações (92% dos casos), equivalente à soma dos dois primeiros triénios, enquanto no 2.º sexénio (1969-1974) só se verificaram, apenas, duas (8%).


● O que se terá passado nos anos de 1968 a 1971, em relação a condecorações?

 



Gráfico 1 – Representação gráfica da população do estudo agrupada na variável "posto".


3.   - OS CONTEXTOS DOS "FEITOS" EM CAMPANHA DOS MILITARES DO EXÉRCITO CONDECORADOS COM "CRUZ DE GUERRA", NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "ENFERMAGEM" - (n=24)

 

3.3        - MANUEL PIRES MONTEIRO, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CART 565, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 



A terceira ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe, por sinal a primeira e única registada no ano de 1964, foi atribuída pela qualidade do desempenho com que executou as funções de enfermagem até ao momento em que o militar em título sofreu ferimentos graves provocados pelo rebentamento de uma mina anticarro sob a viatura que o transportava, no decurso de uma coluna em Fulacunda, em Agosto de 1964, que determinaram a sua evacuação para a Metrópole.


► Histórico




◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ Portaria de 24 de Maio de 1965:


"Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Exército, condecorar com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento da Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa: O Primeiro-Cabo, auxiliar de enfermeiro, n.º 658/59, Manuel Pires Monteiro, da Companhia de Artilharia 565 [CART 565] – Batalhão de Caçadores 599, Regimento de Infantaria n.º 15."

● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvo o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 658/59, Manuel Pires Monteiro, da CART 565/BCAÇ 599, por se ter revelado, em quaisquer situações, muito cumpridor, desembaraçado, disciplinado, dedicado e competente, encarando com grande entusiasmo as suas funções, salientando-se no entanto a sua actividade no âmbito da acção psicossocial.

Tomando parte em inúmeras acções de combate, em que manteve inalteráveis estas suas qualidades, revelou ainda ser corajoso, indiferente ao perigo, socorrendo todos os seus camaradas em quaisquer circunstâncias e mesmo debaixo de fogo.

Posteriormente, em 27 de Agosto de 1964 [no decurso de uma coluna em Fulacunda], veio a sofrer ferimentos graves em virtude do rebentamento de um fornilho sob a viatura em que o transportava, determinando a sua evacuação para a Metrópole.

Esta praça, pelos serviços prestados e pelas suas qualidades militares, é digna de estima e consideração dos seus camaradas e superiores." (CECA; 5.º Vol; Tomo II, p 434).




CONTEXTUALIZAÇÃO DA OCORRÊNCIA


Para melhor contextualização da ocorrência que originou e fundamentou a atribuição da condecoração ao 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, Manuel Pires Monteiro, socorremo-nos da entrevista dada ao «cmjornal» pelo camarada da mesma Unidade – CART 565 – José Carlos Marques, condutor auto rodas, publicada na edição de 26 de Abril de 2015, com o título: "Mina matou seis dos nossos" – "Fiquei gravemente ferido na explosão de uma mina".


Como testemunha desta ocorrência, por nela ter estado envolvido, José Carlos Marques conta que em Julho de 1964, foi necessário organizar uma coluna auto, a fim de transportar uma força militar [n/n] para uma unidade aquartelada a cerca de trinta km de Fulacunda.




Refere que, "dessa vez não houve problema, mas o pior aconteceu quando fomos buscar os militares, um mês depois. Eu conduzia o Unimog que fechava a coluna de sete viaturas. Eram 16h00 do dia 27 de Agosto de 1964 (5.ª feira). Chovia torrencialmente quando a viatura que eu conduzia pisou uma mina anticarro. Foi um estrondo enorme, a viatura voou e eu fui projectado a mais de 30 metros. Fiquei ferido com gravidade, mas havia colegas em pior estado. Seis dos nossos homens morreram ali, no terreno [foram cinco, como se demonstra no quadro abaixo].


Instintivamente, disparei a G3 para o capim, procurando evitar que o inimigo nos atacasse, o que conseguimos. Naquelas condições meteorológicas, era impossível o helicóptero vir buscar os feridos, pelo que tiveram de ser transportados a pé e depois nas viaturas do resto da coluna. Passei quatro meses a recuperar no Hospital de Bissau (HM 241). Quando tive alta, segui outra vez para Fulacunda, para cumprir mais seis meses de comissão. (…)".


(Fonte: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/mina_matou_seis_dos_nossos), com a devida vénia.




(Fonte: CECA; 8.º Vol., Tomo II, pp 71/73)

 


Foto 4 - Região de Quinara > Fulacunda (1964): Elementos do 4.º GrComb da CART 565; (foto do álbum de José Carlos Marques). [fonte: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/mina_matou_seis_dos _nossos], com a devida vénia.

 

3.3.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 565

= BISSAU - FULACUNDA - NHACRA - SAFIM (1963-1965)


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP2], de Vila Nova de Gaia, a Companhia de Artilharia 565 [CART 565], embarcou em Lisboa, em 12 de Outubro de 1963, sábado, a bordo do N/M «Índia», sob o comando do Capitão de Artilharia Luís Manuel Soares dos Reis Gonçalves, tendo chegado a Bissau seis dias depois.


3.3.2    - SÍNTESES DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 565


Após a sua chegada a Bissau, a Companhia Independente «CART 565» foi atribuída ao BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65; do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], a fim de substituir a CCAÇ 152 [28Jun61-18Out63; do Cap Inf Carlos Alberto Blasco Gonçalves] no dispositivo e manobra de segurança e protecção das instalações e das populações da sua área, estabelecendo a sua sede na Capital.


Em 18Dez63, foi transferida para Fulacunda, rendendo por troca a CCAÇ 274 [28Jan62-17Jan64; do Cap Inf Adérito Augusto Figueira], ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 599 [18Out63-28Ago65; do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], com vista à actuação em patrulhamentos, batidas, emboscadas e segurança das populações naquela zona de acção.


Em 10Ago65, foi substituída no sector de Fulacunda pela CCAÇ 1420 [06Ago65-03Mai67; do Cap Inf Manuel dos Santos Caria (1.º); Cap Inf Herberto Amaro Vieira Nascimento (2.º) e Cap Mil Inf Adolfo Melo Coelho de Moura (3.º)], seguindo para o subsector de Nhacra, com um Gr Comb em Safim, onde rendeu a CART 495 [22Jul63-24Ago65; do Cap Art Ângelo Rafael Leiria Pires, em 12Ago65, ficando então integrada no BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos]. Em 26Out65, foi substituída no subsector de Nhacra pela CCAV 1484 [26Out65-27Jul67; do Cap Cav Rui Manuel Soares Pessoa de Amorim] e seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, ocorrido em 28 de Outubro de 1965, a bordo do N/M «Niassa». (CECA; 7.º Vol; p. 44).


3.4   - JOSÉ SOARES BISCAIA, 1.º CABO AUXILIAR DE ENFERMEIRO DA CCAV 703, CONDECORADO COM A CRUZ DE GUERRA DE 4.ª CLASSE 


A quarta ocorrência a merecer a atribuição de uma condecoração a um elemento dos «Serviços de Saúde» do Exército, esta com medalha de «Cruz de Guerra» de 4.ª Classe, que seria a primeira de quatro distinções contabilizadas durante o ano de 1965, teve origem no desempenho tido pelo militar em título durante os ataques de que a sua Unidade [CCAV 703] foi alvo em Cufar, nos dias 23 e 25 de Janeiro desse ano.


► Histórico



 



◙ Fundamentos relevantes para a atribuição da Condecoração

▬ O.S. n.º 31, de 16 de Abril de 1965, do QG/CTIG:


"Agraciado com a Cruz de Guerra de 4.ª Classe, nos termos do artigo 12.º do Regulamento da Medalha Militar, aprovado pelo Decreto n.º 35667, de 28 de Maio de 1946, por despacho do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, de 19 de Março de 1966: O 1.º Cabo, auxiliar de enfermeiro, n.º 2555/63, José Soares Biscaia, da Companhia de Cavalaria 703 [CCAV 703] – Batalhão de Cavalaria 705, Regimento de Infantaria n.º 7."


● Transcrição do louvor que originou a condecoração:


"Louvo o 1.º Cabo auxiliar de enfermeiro, n.º 2555/63, José Soares Biscaia, da CCav 703, porque sempre mostrou espírito de abnegação no desempenho da sua missão.


Em todas as operações em que tomou parte e principalmente durante os ataques de que a Companhia foi alvo no estacionamento de Cufar, nos dias 23 e 25 de Janeiro [1965], não se poupou a esforços no sentido de estar sempre presente onde eram necessários os seus serviços como enfermeiro.


Sob o fogo Inimigo, transportou feridos de uma zona desabrigada e intensamente batida pelo fogo IN, para o posto de socorros, indiferente a qualquer perigo, regressando imediatamente para junto do seu Pelotão.


Pela ajuda grande e generosa que sempre assegurou a todos que do serviço da sua especialidade necessitaram, tornou-se não só credor da amizade e simpatia de todos os camaradas como, ainda, merecedor de toda a estima a admiração da parte dos seus superiores." (CECA; 5.º Vol; Tomo III, p. 187).


CONTEXTUALIZAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS




De acordo com os fundamentos que estão na origem da condecoração supra, foram vários os contextos onde o 1.º Cabo enfermeiro, José Soares Biscaia, deu provas da sua indiferença pelo perigo, mostrando sempre uma total disponibilidade e entrega à missão que dele era esperada, em particular daqueles que, por efeito da "metralha", necessitaram dos seus serviços de enfermagem.


No quadro das diferentes missões em que esteve envolvido, que validaram o merecimento da distinção, são relevantes os seus desempenhos na «Operação Tomado", realizada na região do Cantanhez, de 19 a 21Set64; na «Operação Base", efectuada na região do Óio, de 04 a 07Out64, e nas «Operação Rescaldo", «Operação Flores» e «Operação Notável», realizadas na região do Morés-Óio, de 04 a 23Nov64, sob o comando directo do BCAV 705. 


Para concluir a lista de ocorrências, merece destaque a actividade desenvolvida na "mata de Cufar Nalu", na região de Catió, entre 19 e 22Dez64, seguida da «Operação Campo», com o objectivo da ocupação e instalação em Cufar da CCAV 703, onde se manteve de 17Jan65 a 18Mar65.


Depois de instalada em Cufar, a Companhia viria a sofrer dois ataques: o primeiro em 23Jan65, sábado, e dois dias após, o segundo, em 25Jan65, 2.ª feira.


Relativamente à última missão do ano de 1964, recupera-se o depoimento do camarada Manuel Luís Lomba, sobre a "batalha" pela ocupação da mata de Cufar Nalu – P10508.


"A primeira surtida da CCav 703 à mata de Cufar Nalu ocorreu em 19 e 20 de Dezembro de 1964, em interacção com aquela unidade e subunidade de quadrícula e fomos três vezes repelidos, não obstante a simultaneidade da acção dos Paraquedistas e os bombardeamentos da aviação mais a Sul, na área de Cafine, a condicionar Nino Vieira ao envio de reforços, acoitados em Quitafine. O capitão Fernando Lacerda estava de licença e não comandou essa operação. Será o comandante da ocupação das ruínas da fábrica de descasque de arroz, a quinta de Cufar e a nomadização da CCAV 703, entre Janeiro e Marco de 1965 – Operação Campo." (Manuel Lomba).


3.4.1    - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAVALARIA 703

= BULA - CUFAR - FULACUNDA - NOVA LAMEGO - BURUNTUMA (1964-1966)


Mobilizada pelo Regimento de Cavalaria 7 [RC7], de Lisboa, a Companhia de Cavalaria 703 [CCAV 703], a segunda unidade de quadrícula do BCAV 705, do Cmdt TCor Cav Manuel Maria Pereira Coutinho Correia de Freitas [1919-2003], embarcou em Lisboa, em 18 de Julho de 1964, sábado, a bordo do N/M «ÍNDIA», sob o comando do Capitão de Cavalaria Fernando Manuel dos Santos Barrigas Lacerda, tendo desembarcado em Bissau em 24 do mesmo mês.


3.4.2    - SÍNTESES DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAV 703



Após a sua chegada a Bissau, a Companhia de Cavalaria 703 [CCAV 703], bem como as suas "irmãs" CCAV 702 e CCAV 704, cumpriram um curto período de treino operacional no sector de Bula, sob orientação do BCAÇ 507, regressaram a Bissau, onde ficaram instaladas com a função de intervenção como reserva do Comando-Chefe.

Nessa condição, foram utilizadas em diversas operações de maior vulto, nomeadamente na «Operação Tomado», realizada na região do Cantanhez, na dependência do «CDMG» [Comando de Defesa Marítima da Guiné], de 19 a 21Set64, na «Operação Base», realizada na região do Óio, na dependência do BART 645, de 04 a 07Out64 e nas Operações «Rescaldo», «Flores» e «Notável», realizadas na região do Morés-Óio sob o comando directo do seu Batalhão, de 04 a 23Nov64.


Depois, como reforço do BCAÇ 507, para intervenção na região de Bula, participou na «Operação Fisga», de 03 a 07Dez64. Seguidamente em reforço do BCAÇ 619, na região de Catió, de 19 a 22Dez64, continuada com a «Operação Campo», com consequente ocupação e instalação em Cufar, onde se manteve de 17Jan65 a 18Mar65, sendo substituída pela CCAÇ 763.

Nesta última data, recolheu a Bissau, dondo seguiram, em 01Abr65 para Bolama, tendo cedido dois Grs Comb ao BCAÇ 513 para operações em Fulacunda. Tomou, ainda, parte na «Operação Razia», na região de Cufar, de 09 a 23Abr65, em reforço do BCAÇ 619, após o que recolheu a Bissau.

Em 28Mai65, foi colocada em Nova Lamego, para intervenção em reforço do BCAÇ 512 e depois do seu Batalhão. Em 24Jun65, rendendo a CART 731, assumiu a responsabilidade do subsector de Buruntuma, igualmente integrada no dispositivo e manobra do seu Batalhão. Em 08Mai66, foi rendida pela CCAÇ 1418, recolhendo a Bissau para embarque de regresso, que ocorreu em 14 de Maio de 1966 a bordo do N/M «UIGE», (CECA; 7.º Vol; pp 256-258).



Foto 5 - Região de Tombali > Cufar > Gr Comb da CCAV 703 (1964-1966), durante um patrulhamento encabeçado pelo fur mil Simas. [foto do álbum de Manuel Luís Lomba – P16580], com a devida vénia.


Continua…

► Fontes consultadas:


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra, 1962-1965; Lisboa (1991).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.


Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

03OUT2020


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Nota do editor:


(*) Último poste da série >  30 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21404: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte I

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21420: Agenda cultural (758): O livro "Madrinhas de Guerra - A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar" da autoria da jornalista Marta Martins Silva; Edições Desassossego e prefácio de Carlos Matos Gomes, estará à venda nas livrarias de todo o país a partir do dia 9 de Outubro


Madrinhas de Guerra - A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar
Autora: Marta Martins Silva
ISBN: 9789898892997
Ano de edição ou reimpressão: 10-2020
Editor: Desassossego
Idioma: Português
Dimensões: 160 x 230 x 18 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 288


À venda a partir do dia a 9 de outubro nas livrarias de todo o país.

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Sinopse:

«Eu sou um militar longe, muito longe da minha terra natal [...] e com a sua ajuda o tempo passava um bocadinho melhor.»
A chegada do correio era o momento mais aguardado pelos militares que combatiam na Guerra Colonial. Em Angola, na Guiné e em Moçambique, milhares de rapazes portugueses viveram o inferno na terra, e as cartas que recebiam da metrópole eram o conforto que precisavam para se sentirem mais perto de casa.
Muitas destas cartas eram escritas por mulheres que eles não conheciam mas que aceitaram o repto do Movimento Nacional Feminino para se corresponderem com os militares e lhes oferecerem um ombro amigo durante a comissão em África: palavras de alento que deram, em muitos casos, lugar a declarações apaixonadas que chegaram ao altar.
Madrinhas de Guerra conta o papel quase esquecido destas mulheres pela voz das próprias, mas também as lutas dos homens a quem escreviam, protagonistas de uma guerra que deixou atrás de si um rasto de sangue e destruição. Por entre histórias de encontros e desencontros - entrelaçados com a História de Portugal dos anos 60 e 70 do século passado -, há lugar aqui para o que de melhor ficou desse tempo tão duro para quem o viveu: o amor.


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Sobre a autora:

Marta Martins Silva nasceu em Aveiro em 1984, numa altura em que o país lidava com a recessão económica e o FMI. Não sabe se foi isso que a afastou dos números e a aproximou das palavras desde que se conhece. Encontrou no jornalismo, que exerce desde 2007 na revista Domingo do Correio da Manhã, a junção de duas das suas grandes paixões: a escrita e as pessoas. Agradam-lhe as histórias reais, pela verdade dos protagonistas que as vivem e porque não há melhor guião do que a vida daqueles com quem todos os dias se cruza. Desde os bancos da escola que se interessa pela História do país, mas nos últimos dez anos, fruto dos contactos frequentes com os ex-combatentes da Guerra Colonial para a revista Domingo, apaixonou-se pelo tema do Ultramar e pelas histórias que a História esconde. Em 2019, assinou na revista Sábado o especial «Os primeiros soldados enviados por Salazar», e edita agora o seu primeiro livro.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21357: Agenda cultural (757): Contos eróticos, "Os Velhotes", de António José Pereira da Costa... na Feira do Livro do Porto, 12 de Setembro de 2020 (Carlos Vinhal)

Guiné 671/74 - P21419: Notas de leitura (1312): “Guerra Colonial", por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes; Porto Editora, 2020 - O mais rigoroso manual de divulgação de toda a guerra colonial (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Outubro de 2020:

Queridos amigos,
Esta nova edição da Guerra Colonial é uma obra de referência para quem quiser ter uma grande angular da guerra, o que motivou o Estado Novo a optar pela guerra alegando mesmo que havia força para a manter intemporal, isto a despeito dos ventos de mudança que tinham refeito novas cumplicidades e introduzido na cena internacional o conceito de auto-determinação. Os autores oferecem-nos agora um manual escrito numa linguagem muito acessível e que abarca o modo de fazer a guerra, a organização das forças terrestres, aéreas e navais, a africanização, o viver quotidiano. Iremos mais tarde apreciar o que eles descrevem e analisam sobre as controversas teses da guerra ganha ou guerra perdida e como, na última cena do ato final, Marcelo Caetano procurou arranjar tentativas para a solução da guerra, quando tudo já estava perdido.
Obra de leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


O mais rigoroso manual de divulgação de toda a guerra colonial (1)

Mário Beja Santos

A dupla Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes obteve um currículo inexcedível na investigação da guerra colonial, são dois comunicadores rigorosos, possuem opinião fundamentada e estão dotados daquela mestria de tornar acessível matéria que poderá ser encarada como árida pela opinião pública curiosa mas leiga. Acaba de sair uma nova edição de Guerra Colonial, Porto Editora, 2020, não é uma remodelação superficial, a sua arrumação permite a quem quer recordar ou iniciar-se sobre políticas, doutrinas, modos de ver, territórios da guerra, organização e manobras táticas das Forças Armadas portuguesas, as populações envolvidas nos conflitos, como era o dia-a-dia dos militares e dos guerrilheiros, como surgiram, se organizaram, evoluíram os movimentos de libertação e conduziram a guerra; e como eram os comportamentos na sociedade portuguesa face ao progredir da guerra, procede-se ao balanço, o que se passou após o fim do conflito, quais os protagonistas considerados com papéis mais marcantes. Enfim, uma obra de estrutura inédita entre o roteiro, o manual e o breviário.

“A guerra que Portugal travou em África entre 1961 e 1974, e que contribuiu de forma decisiva para o 25 de Abril, é o acontecimento mais marcante da nossa história na segunda metade do século XX. Este trabalho pretende contribuir para um melhor conhecimento do que foi esse conflito, das condições em que ele se desencadeou e das suas consequências”.

Abre toda esta digressão com o mapa da guerra, o cenário do mato, passa-se para a doutrina militar de contraguerrilha assente no manual O Exército na Guerra Subversiva, uma verdadeira bíblia para as forças terrestres. Elencam-se as forças portuguesas perante a guerrilha, a natureza das operações, desde a defesa dos pontos sensíveis, passando pelas minas, os patrulhamentos e os golpes de mão. Com este pano de fundo da guerra e dos atores de âmbito nacional, a digressão é de Portugal na cena internacional, estudos que ficam a cargo de Josep Sanchez Cervelló, a partir de 1960 nos areópagos internacionais a política colonial portuguesa era maioritariamente contestada. Ficamos igualmente a conhecer o que era o Exército Português nas vésperas da guerra colonial.

Adriano de Moreira dá-nos um magnífico ensaio sobre Salazar, um homem só num mundo em mudança, é de leitura obrigatória, aqui fica um parágrafo:
“Extremamente hábil e lúcido com os problemas diplomáticos até ao fim da II Guerra Mundial, não receando medir-se com representantes de qualquer grande potência, num quadro de referência euromundista que permaneceu vigente durante a maior parte da sua vida, a explosão dos fatores internos e a mudança revolucionária do contexto internacional não o encontraram munido de igual capacidade de gestão, porque as solidariedades mundiais eram outras, as lealdades eram diferentes. O mundo, como o país, deixara de ser o conhecido”.

E Adriano Moreira disserta sobre a hierarquia militar e o olhar de Salazar sobre o império.

Estamos agora no primeiro palco de guerra, Angola, descreve-se o meio, os primeiros atos de terror, e depois a reocupação do Norte de Angola, esquematiza-se a emblemática Operação Viriato. Segue-se o quadro em que se movem os atores, os locais, os grupos étnicos, quem é quem nos movimentos de libertação e a resposta das Forças Armadas Portuguesas.

O segundo teatro de operações é a Guiné, releva-se a atuação do líder revolucionário Amílcar Cabral na fundação do PAIGC, dá-se relevo à primeira operação de grande operação, a Operação Tridente, entra-se propriamente no terreno e resume-se o que foi a guerra entre 1963 e 1968, segue-se a era Spínola e faz-se menção aos acontecimentos de 1963, ficamos igualmente a saber os efetivos da Marinha e da Força Aérea, bem como evoluiu o dispositivo militar do Exército na Guiné.

E passamos para a guerra em Moçambique, faz-se uma súmula do território, é descrito o aparecimento e organização da FRELIMO, como se iniciou a guerra, como se caraterizou o avanço da FRELIMO para Sul, entre 1973 e 1974. Faz-se agora um registo das Forças Armadas Portuguesas, primeiro o Exército com as suas diferentes armas, incluindo as Forças Especiais, segue-se a Marinha e por último a Força Aérea. Feita esta contextualização, avança-se para a descrição dos movimentos de libertação e guerra: o MPLA, a UPA/FNLA, a UNITA, o PAIGC e a FRELIMO, dá-se mesmo o quadro dos armamentos e equipamentos dos movimentos de libertação. Procura-se uma descrição dinâmica da evolução política destes movimentos de libertação, primeiro o MPLA, depois a FNLA, segue-se a construção do Estado na Guiné-Bissau, o papel de Samora Machel na FRELIMO e as contribuições da organização da Unidade Africana em suporte dos movimentos de libertação.

Em capítulo distinto é-nos dado um quadro referencial da manobra militar das Forças Portuguesas: o seu armamento, o desafio da logística, houve que requisitar paquetes, transformar a linha aérea imperial e comprar novos aviões, montar sistemas de informações e validar a ação psicológica, a ação psicossocial, construir aldeamentos, fazer recurso da africanização, em 1973 a percentagem das tropas locais no efetivo-geral do Exército mostrava números impressionantes e díspares: 42% em Angola, 20% na Guiné e 54% em Moçambique.

O quotidiano arranca com uma ordem de mobilização, forma-se uma unidade, dá-se instrução, segue-se uma licença de dez dias antes do embarque e para a generalidade a viagem é por navio. Os oficiais seguiam para a 1.ª classe, os sargentos para a 2.ª e as praças para a 3.ª. “À chegada ao porto de destino, procedia-se a uma nova formatura, um desfile e um discurso. Depois, iniciava-se a partida para um campo militar: o Grafanil, em Luanda, ou o Cumeré, em Bissau. Aqueles para quem Moçambique era o destino, prosseguiam viagem de Lourenço Marques para norte até à Beira, Nacala ou Porto Amélia. A partir daqui, seguiam-se os dois anos da comissão”. Os autores referem a importância dos quartéis, como se passavam aqueles dois anos, a importância do correio e os ritos da glorificação, as cerimónias do 10 de Junho e as condecorações. Não são esquecidas as organizações femininas, o papel das mulheres na guerra colonial e as manifestações oposicionistas à guerra. O historiador Luís de Salgado Matos dá-nos um elucidativo estudo sobre a Igreja e a guerra, da colaboração à resistência.

E ficamos hoje por aqui, os autores vão-nos falar depois de três generais com três conceitos distintos, o peso do esforço de guerra, o fim do Império, as feridas que a guerra deixou e inevitavelmente emerge a questão ideológica da guerra perdida ou sustentável, que eles vão documentar com os casos concretos da Guiné, Angola e Moçambique. Bem interessante é a relação que nos dão dos principais protagonistas e é de ter em conta a reflexão final sobre as Forças Armadas. Despedem-se dizendo que esta divulgação lhes pareceu a mais adequada para o maior número de pessoas, tanto para as que estiveram nos teatros de operações como para as gerações mais novas, que da guerra vagamente sabem por ouvir falar.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2020 > Guiné 671/74 - P21400: Notas de leitura (1311): “I Reunião Internacional de História de África - “Relação Europa-África no 3.º Quartel do Século XIX”; Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa 1989 (Mário Beja Santos)