terça-feira, 11 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25632: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte II: Heróis da montanha!


Timor Leste > s/l > 2016 > O Rui e o seu acordeão, levando às montanhas de Liquiçá a alegria, a esperança e a solidariedade das gentes da Malcata/Sabugal,  e de outros lados de Portugal, de Coimbra à Lourinhã. A foto não traz legenda, mas parece-nos o Rui com a família Sobral, em Dili, no bairro 
Ailok Laran.


Uma Escola em Timor

Rui Chamusco, nascido em Malcata, pessoa bem conhecida na nossa aldeia e em todo o concelho do Sabugal e outras terras, juntamente com Gaspar Sobral, este nascido em Timor, quis o destino que constituísse família com Glória, nascida em Malcata. "Uma Escola em Timor" levou-os até Boidau, em Timor Leste, com a missão de construir uma escola para as crianças dessa zona timorense.
De Timor, Rui Chamusco, através da internet, tem-nos enviado notícias a contar como está a desenvolver-se o projecto.
 
Do Jornal Cinco Quinas retirei estas palavras:

"A nossa obrigação como cidadãos do mundo é sermos úteis a quem e aonde precisarem de nós. O projeto 'Uma Escola em Timor' é uma iniciativa de amigos que pretendem contribuir para o progresso e o bem estar do povo de Boidau.

(...) "Enquanto entre nós, em Portugal, se fecham escolas, noutros países como Timor Leste há necessidade de se construírem e abrirem. A nossa obrigação como cidadãos do mundo é sermos úteis a quem e aonde precisarem de nós, fazer o que pudermos para melhorar o mundo. Instruir e educar é um dever de todos, dos estados e de cada um de nós. Poder participar num projeto de solidariedade é uma honra.

"O projeto de solidariedade 'Uma Escola em Timor'  é uma iniciativa de amigos que, motivados por uma grande afeição a Timor, pretendem contribuir para o progresso e o bem estar do povo de Boidau, através da construção e funcionamento dum complexo escolar que inclui duas salas de aula (pré escolar e escolar, 1º ciclo), uma cantina, uma biblioteca e uma capela. 

"Boidau é uma região do interior de Timor Leste que, à semelhança de outras aldeias do interior de qualquer parte do mundo, carece de estruturas e apoios para o seu desenvolvimento. Todas as ações humanitárias com este fim serão sempre uma mais valia no caminho do progresso. Este projeto pretende ser uma resposta a este apelo". (Fonte: http://www.cincoquinas.net/...)

Foto: © Rui Chamusco  (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fundadores: Rui Chamusco,
Glória Sobral e Gaspar Sobral


1. Esta é a segunda viagem e estadia do Rui Chamusco (de 27 de janeiro a 14 de junho de 2018) (*), em Timor Leste, uma missão solidária que culminou com a inauguração da Escola de São Francisco de Assis (ESFA), em 19 de março de 2018, em Boebau, Manati, Liquiçá.


O Rui Chamusco, nosso grão- tabanqueiro nº 886, é professor de música, do ensino secundário, reformado (e homem de sete instrumentos), natural da Malcata, Sabugal, a viver na Lourinhã. 



Rui Chamusco e Gaspar Sobral (2017).
A família Sobral tem um antepassado
comum que foi lurai, régulo,
no tempo dos portugueses.
As insígnias do poder (incluindo a espada)
estão na posse do Gaspar,
que vive em Coimbra. A família Sobral andou 
vários anos pelas montanhas de Luiquiçá, tentando
escapar à tirania dos ocupantes indonésios
Foto: LG (2017).


Tem-se dedicado de alma e coração a um projeto de solidariedade no longínquo território de Timor-Leste (a 3 dias de viagem, por avião, a cerca de 15 km de distância em linha reta). 

É cofundador e líder da ASTIL - Associação dos Amigos Solidários com Timor-Leste, com sede em Coimbra. Juntamente com outros destacadas figuras, como o Gaspar Sobral (nascido em Timor) e a Glória Sobral (natural da Malpaca, Sabugal).

Através da família Sobral, um exemplo de "resistência e resiliência", e das crónicas do Rui, vemos seguramente melhor Timor-Leste, de ontem e de hoje: uma visão macro e micro. Enfim, um privilégio, para os nossos leitores.  E um obrigado ao nosso cronista, 
extensivo ao Gaspar, ao Eustáquio,
 à Aurora, à Adobe e outros protagonistas 
destas histórias luso-timorenses (LG).


II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte II: Os heróis da montanha


18.02.2018, domingo - Grande Abeka!...

José Alves Sobral, entre nós o Abeka, é o quarto dos irmãos Sobral. Pouco mais de trinta quilos, num corpo de pele e osso. Mas nem por isso deixa de ser um verdadeiro Sobral, sendo pai de oito filhos vivos e de dez netos. 

Como muitos outros tem a sua história de resistência cheia de interesse para ser contada. Em 1997 foi capturada à traição. Como ele fazia de correio (levava recados aos combatentes daresistência), houve algúem cujo nome ele bem lembra, que se infiltrou no seu mundo fingindo “comprar-lhe o serviço” e que de seguida o entregou para ser preso. Foi algemado e com um garruço na cabeça foi levado em carro de polécia indonésia porruas e lugares impossível de identificar. Sabia-se na altura que as autoridades indonésias carregavam pessoas em barcos para depois as fazer desaparecer no mar.

Também o Abeka foi embarcado, sempre de cabeça coberta, e segundo ele sempre a pensar que teria esse destino. Para seu bem, ele mais os outros tres prisioneiros tiveram sorte diferente, pois foram distribuídos por várias prisões. 

O Abeka foi levado para Baucau, onde esteve dez meses preso. Conta episódios de arrepiar quanto às condições de vida: alimentação sempre a mesma <supermi”, sem banhos, saída das celas de quatro em quatro dias para fazer as necessidades maiores. Para as menores serviam-se de garrafas. 

Sujeitos a interrogatórios sob pancada, conta o Abeka que quem o salvou das dores foi a oração à Senhora do Desterro que ele por sorte apanhou do chão, porque se tinha desprendido da bota de um dos guardas da prisão. Ainda hoje mostra o papelinho, que é guardado religiosamente na sua pequena carteira. 

Conta também que sujeito a murros no estômago nada lhe doía,como se o agressor batesse em plástico ou outra matéria amortecedora.

Finalmente foi trazido para mais perto da sua morada em Ailok Laran, até que um dia o deixaram junto à ponte aqui perto. Ele sempre com receio de que fosse para lhe darem um tiro e acabassem com ele, quando verificou com surpresa que eramesmo para regressar a casa, onde ninguém sabia do seu paradeiro já havia mais de dez meses.

Com certeza que ele já contou esta peripécia da sua vida várias vezes. Mas eu notei que os irmãos que o ouviam (Gaspar, Mário e Eustáquio) lhe prestavam toda a atenção, e com ele reviviam, a seu modo, a história das suas vidas.

19.02.2018, segunda feira - Preparando  a inauguração da escola

É urgente ir a Boebau para nos certificarmos do estado de construção da escola. Só no local nos daremos conta do que já está e do que faz falta para marcarmos o dia da inauguração. Vamos a ver se hoje conseguimos realizar o nosso desejo. Mas está a ser difícil. Os transportes são o problema principal. Não há disponibilidade de “motores” para fazer a viagem. O Eustáquio tem tudo tentado, através dos amigos, que devem ser para as ocasiões, mas que nem sempre é assim. 

Será que as nossas esperanças vão ser também hoje defraudadas? Há dias em que tudo corre bem, mas há outros que nem vale a pena tentar. Já são onze da manhã e ainda nãoconseguimos resolver o problema.

Entretanto aguardamos, com impaciência, melhores notícias. E mais uma vez nos damos conta de que nada somos, ainda que às vezes pensemos que somos os maiores. Como diz o salmo “ se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham osseus construtores”. Estamos nas suas mãos...


Quem espera sempre alcança


E eis que chega o dia e a hora. De repente, aparece o Bartolomeo com a motorizada.

Até os olhos se me arregalaram! Num ápice, preparei o essencial para irmos à montanha. Era mais ou menos meio dia quando as motas arrancaram de Ailok Laran.

Depois de alguns recados aviados em Dili, lá vamos nós, cabelo ao vento, a caminho da “terra prometida”. Pelas 14.30 estávamos em Liquiçá, em casa do Fernando que é irmão do Bô Zé,  nosso anfitrião em Boebau. Recebidos com toda a gentileza,podemos saborear os produtos da sua agricultura caseira: anona ata, bananas...tudo produtos de alta qualidade biológica. 

Não posso deixar de referir a atitude corajosado senhor Fernando: tem nove filhos aos quais fez sempre questão de proporcionar o ensino escolar. Um já está licenciado e trabalha em Baucau. Diz-nos ele que ainda está com vontade de arranjar outra mulher para ter mais filhos. Grande Homem!

Prontos para recomeçar a aventura, eis o primeiro contratempo: a mota em que eu viajava, precisamente a roda que me suportava, estava vazia. Foi mais uma hora de espera até que o problema se resolvesse. É tudo por Deus! Olha se o furo acontecesse num dos lugares mais críticos do caminho?

Pelas 16.00h lá vamos nós cheios de pica. Eis então que a chuva aparece.

Francamente penseio no pior. Será que conseguiremos chegar ao destino? Mas graças à perícia dos condutores Eustáquio (pai) e Amali ou Zinígio (filho) os obstáculos foram sempre superados, ainda que por vezes tivéssemos de descer das motas para contornar as situações. 

Molhados e cansados, chegamos finalmente ao local da escola. Até os olhos se nos arregalaram ao avistar o edifício! Não imaginam a emoção de, pela primeira vez, entrar nesta escola que é fruto de um projeto de solidariedade do qual todos nós fazemos parte. 

Esta escola não é minha, nem do Gaspar, nem da Glória, nem do João Crisóstomo. Esta escola é nossa, de todos nós que acreditamos e colaboramos na sua edificação. Esta escola é dos timorenses, das pessoas de Boebau/Manati. 

Ficamos impressionados como, em pouco tempo, a obrase ergueu, Demos um grande abraço ao Abílio que é o empreiteiro e ao João Moniz (Eustáquio) que é o nosso braço direito porque ele é tudo (chefe da obra, engenheiro, condutor, contabilista, repórter, etc, etc...) Eles tudo tem feito para que o nosso sonho se concretize.

À noite, em casa do Bô Zé, pusemos as conversas em dia, até que o cansaço e o sono nos permitiram. Amanhã será outro dia.


20.02.2018, terça feira  - A montanha dos heróis

Bem cedo se começa o dia. Então eu que pouco ou nada dormi, não sei se pela emoção se por estranhar a cama e o ambiente natural sonoro (insetos, galos, galinhas, cães, porcos e eu sei lá quantos mais seres vivos ). 

Quase de imediato fomos para a escola onde já estava a trabalhar o Abílio. Ideias e mais ideias para melhorar algumas coisas, preparação da inauguração, datas, entidades, e claro sem esquecer as crianças, que neste momento estão à nossa volta, e que são a razão de ser deste projeto solidário.

Tivemos ainda a oportunidade de nos deslocarmos na floresta, pelas veredas que nos levam ao túmulo onde estão sepultados os ascendentes (avós) do Gaspar. Como eu ia à frente feito herói, não deixava de ouvir o aviso do Gaspar: “ Rui, cuidado com a Samodo!”, uma cobra verde venenosa (há quem diga que é mortal) frequente e disfarçada na luxuriante vegetação por onde passamos. 

Fomos acompanhados por Bô Zé e um guerrilheiro desde 1975, que já no local da campa nos explicava os combates de que ali, a 20 metros de distância, foi protogonista. Sempre de catana na mão, explica que numa noite, das três às seis da manhã, limparam quase todo o batalhão indonésio. Só se safaram uns quarenta. 

Diz que ali, e desenhava no chão com o dedo indicador, era como se fosse o jogo do gato e do rato entre os resistentes e as tropas indonésias. Diz também que uma vez, o soldado Mauquinta foi lá cima à procura de alimentos e que, na volta, o comandante do seu grupo suspeitou que ele tivesse ido a levar informações aos indonésios. Quando o avistou disparou contra ele uma rajada de metralhadora da qual o Mauquinta se conseguiu livrar. O comandante pediu ao que estava a seu lado mais balas, que lhe forneceu então mais uma. Também desta Mauquinta se safou. Foi então que Mauquinta avançou para o comandante e com a catana lhe cortou a cabeça.

Este guerrilheiro, que também foi comandante, há semelhança de outros estão como que abandonados. Nada recebem do Estado, em contradição com aqueles que pouco ou nada fizeram pela independência do país. Dignamente afirma: 

“Eu resigno-me porque sei que lutei pela independência do meu país”. 

Este senhor tem muita coisa para nos contar, e prometeu que quando voltarmos ele e outros antigos guerrilheiros irão ter connosco para que nós saibamos mais pormenores.

Pois é! Estamos no local onde se travaram os grandes combates, muito perto da fronteira com Timor Oeste de domínio indonésio. A vista panorâmica é impressionante, e ouvir em primeira mão, relatos que apontam “ aqui...além...acolá...” deixam-nos sem palavras, com vontade de abraçar estes heróis. 

E assim o fizemos e as fotografias documentam.


De volta a Dili...

Feitas as despedidas, estamos de volta a Ailok Laran. O tempo ajudou, não apanhamos chuva pelo caminho, embora as subidas e os caminhos lamacentos nos metessem em cuidados. Paramos em Liquiçá para falar com o César Bruno que tam bém faz parte da comissão de instalação da esola. Na Cruz Vermelha de Liquiçá, local onde ele trabalha, resolvemos alguns problemas em relação à inauguração da escola. 

Depois seguimos para Tíbar a fim de dar um abraço aos irmão capuchinhos que aqui têm uma das suas fraternidades em Timor. Recebidos fraternalmente pelos irmão presentes, falamos de pessoas, locais, projetos, e claro está do grande abraço que trouxemos de Portugal, particularmente do Provincial dos Capuchinhos Frei

Fernando, que já tem dez ou onze anos de vida em Timor. Obrigado, manos!...

Chegamos a casa por volta das 18.00h, onde a alegria e a algazarra das crianças se fez logo ouvir: “Boa tardi, Ti Rui!...Confesso que nunca na minha vida tinha ouvidotanto a saudação “Boa tardi!..., pois a crianças que ao longo do caminho fomos encontrando de regresso das suas escolas foram tantas, que é impossível ficar indiferente. E eu a lembrar-me da frase que há tantos anos eu decorei “ Cada criança que nasce é sinal de que Deus ainda não está zangado com a humanidade”.


23.02.2018, sexta feira  - O anúncio esperado...

Está tomada a decisão: a escola construída em Boebau será inaugurada o dia 19 de Março, e terá o nome “Escola de São Francisco de Assis - Paz e Bem ”. 

O César Bruno ficou responsável por fazer os convites às entidades oficiais. Já assim foi na instalação da primeira pedra. O Laurindo, residente em Boebau e chefe da aldeia vai reunir e ensaiar as crianças. O Rui ensaiará as crianças de Ailok Laran. Vai ser uma grande festa com rituais e anções timorenses, com músicas e canções portuguesas, e quem sabe até algumas danças de Portugal. As crianças, em Ailok Laran, adoram cantar e dançar o malhão e o vira.

Possivelmente ainda hoje eu e o Eustáquio vamos a Dili encontrar um alfaiate que faça “as fardas” para os alunos, que a minha afilhada Adobe desenhou.

Estamos em pulgas, como soe dizer-se, com a preparação deste acontecimento, e queremos que seja marcante para a região e para as nossas vidas. Sabemos que uma inauguração não é o mais importante, mas é o primeiro passo. Depois virá o andarnormal de modo a podermos caminhar de cabeça erguida. 

Claro que muitos desafios nos esperam, sobretudo a garantia de funcionamento, mais concretamente de professores que nos permitam continuar. Temos confiança em Deus e nos homensque este problema se irá resolver. Para já, e devido a este ano escolar já estar em andamento, a escola irá funcionar experimentalmente (ano zero se quiserem) com uma sala de mais ou menos trinta alunos, nas valências de Tetum, Português e Música. Diz-nos o Laurindo que, se houver ensino da Música vai haver muitos alunos, porque deve ser a primeira escola onde se ensina música. Muita gente toca e canta em Timor, mas poucos sabem ler e interpretar uma pauta. 

Veremos o que podemos fazer. Mas se formos por aqui, talvez sejamos mesmo uma escola de referência.


Data da Inauguração da Escola



A escola, em 2018:
os últimos retoques...
Está decidido: será no dia 19 de Março. Os convites estão a ser elaborados, as músicas e canções estão a ser ensaiadas, as “fardas” já foram encomendadas. Hoje também tivemos de comprar cadeiras (mais de 50), porque o equipamento escolarangariado em Portugal com destino à nossa escola está retido nos contentores do barco Hoksolok, que infelizmente nunca mais arranca dos estaleiros de Figueira da Foz. Será que ninguém tem solução para este problema? Valha-nos Deus!...

Entretanto, esperamos com alguma ansiedade a chegada do nosso amigo                                                                                          e colega do projeto de solidariedade João Crisóstomo e do seu amigo Ralph Niemeyer, que participarão na inauguração da escola e noutros atos de referência da sociedade timorense. A data da inauguração foi decidida tendo em conta as suas presenças em território timorense.

No próximo dia 7 de Março eu e o Gaspar iremos ser recebidos na Embaixada de Portugal, onde esperamos dar a conhecer o nosso projeto e angariar alguns apoios, particularmente no destacamento de professores. Sabemos que vai ser muito difícilencontrar professores disponíveis para lecionar em Boebau, devido às dificuldades de transporte e outras. Mas a Deus nada é impossível. E acreditamos que apareçaalguém que pode e quer entregar-se a esta nobre missão de servir os maisnecessitados. Que Deus nos ajude!...


Ida ao Hospital Guido Valadares

Já não foi a primeira vez que aqui me desloquei, não para tratar da minha saúde mas da saúde dos outros. Hoje vim com o Eustáquio que, devido à falta de prevenção, aocortar uma barra de zinco com a reverbadora, ficou com duas ou três limalhas noolho direito. Foi observado e tratado. Felizmente está tudo bem.

Desta vez, à luz do dia, dei-me conta do que da outra vez durante a noite não me apercebi. Guido Valadares é o hospital público de Dili, onde tudo e todos vêm parar.

Enquanto esperava pelo Eustáquio, chegou um pequeno grupo de quatro pessoas, creio que uma senhora doente acompanhada de família e uma senhora, médica comcerteza, que falava espanhol (cubano) e que tentava que alguém traduzisse o quedizia à doente. “No pudes comer fritos!...) Felizmente passou uma enfermeira que lhe fez a tradução. Não intervi porque, embora perceba e me expresse com facilidade em espanhol (estudei em Espanha), o meu tétum ainda não me permitefazer-me entender. 

Mas este episódio fez-me pensar no que já me disseram: “Se não fizermos nada pela promoção da língua portuguesa, o espanhol vai passar-lhe à frente, porque há pessoas que, por necessidade de entenderem os médicoscubanos, desejam aprender o espanhol”.

Mais uma vez me dei conta da importância que o sorriso tem para esta gente. É compensador passares por uma multidão de pessoas e que, sem te conhecerem, esboçam sorrisos. Fazem-nos sentir bem...


24.022018, sábado - O concerto das cigarras...

Segundo consta, as cigarras levam a vida a cantar, que tem sido mais ou menos o meu lema, enquanto a formiga se mata a trabalhar. É assim em todo o mundo. Mashoje, ao ouvir cantar as cigarras do local, lembrei-me da viagem de regresso deBoebau, do percurso que por necessidade tive de fazer a pé. O barulho era ensurdecedor. Tanto que perguntei ao Eustáquio que ruído era aquele. Primeiro respondeu-me que eram as moto serras que ali perto trabalhavam. Depois, perante a minha incredulidade e fazendo-o ouvir os mesmos sons, decididamente me disse que eram as cigarras. 

Podem crer, num cenário inimaginável, com as Madre-Cacau (árvores com mais de 50 metros) e os caféeiros a servirem de tapete, assisti a um dos concertos mais potentes da minha vida, tal era o volume do som.

Até nisto convém estar atentos, para não perdermos estas oportunidades únicas.

Falando de música e de sons, hoje foi dia de ensaio das crianças de Ailok Laran, em preparação da cerimónia de inauguração da escola São Francisco de Assis em Boebau. Também por coincidência, eu mais o Amali fomos comprar duas guitarraspara a nova escola, e que nos servirão desde já para os ensaios. Pois é! Viajar no “motor”duas pessoas e duas guitarras não é nada fácil. Passar rés vés nas ruas desta cidade que tanta movimentação tem, com medo de partir a cabeça ou o braço das novas guitarras meteu-me em cuidados. 

Felizmente chegamos sem incidentes, e prontos para apresentar e cuidar destas lindas meninas...


25.02.2018, domingo  - Um encontro desejado

Há muito tempo que o D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau [ 1950- 2021, foto à esquerda, cortesia da Agência Ecclesia] , e eu, que fomos colegas de trabalho no princípio da década de 80 na equipa pastoral da Comunidade de Gentilly nos arredores de Paris (França) não nos encontrávamos para jantar e conversarcomo hoje fizemos. Depois de muitos emails e telefonemas lá conseguimos dar o abraço do reencontro e pôr a conversa em dia. Recordações, projetos, atualizaçõestudo isto nos ocupou algumas horas. Connosco esteve também o amigo Gaspar que, como sempre, falou muito e muito bem. Não seja ele timorense de primeira linha,com capacidades cerebrais e emocionais incomuns.

Claro que nos encontraremos mais vezes, porque há projetos comuns que a isso nos obrigam e porque, entre amigos, “os amigos são para as ocasiões”. Porque somossolidários, esperamos que a nossa ação se estenda também ao território  (zonas mais carenciadas ) da sua jurisdição pastoral. É com prazer que verificamos, através de conversas cruzadas que nos chegam, que o amigo D. Basílio é neste momento uma das pessoas mais acreditadas e respeitadas em Timor Leste. E é uma honra que, depois de tantos anos em que estivemos “longe da vista”, o Basílio,  como eu lhe chamo, ainda me tenha no grupo dos seus amigos. 

Espero que a nossa amizade se mantenha e fortifique, aproveitando a ocasião da minha permanência em Timor Leste e a possibilidade de mais encontros que aí virão. Obrigado, Basílio!


26.02.2018, segunda feira  - “Nobreza a quanto nos obrigas!...”

Vem isto a propósito da preparação do dia da inauguração da escola. O César Bruno, um dos elementos da comissão instaladora veio de Liquiçá até nós a fim deprepararmos o ato inaugural. Fiquei atónito com tanta minuciosidade. “Há queseguir o protocolo”; “Temos que convidar este e aquele”; “ Qual a hierarquia na utlização da palavra”; “Quem corta a fita”; etc,etc... Ou seja a complexidade em vez da simplicidade. Mas dizem eles que em Timor tem de ser assim, temos de respeitar e cumprir o protocolo. E quem sou para contestar este modo de ser? Bem me custa, mas terei de aceitar.

Vim assim a saber que a sequência da importância vai do mais pequeno ao maior. O mais importante é sempre o último a falar. “ Os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros”. E assim, por mais paradoxal que pareça, o representante da igreja católica falará em último. 

Eu sei a importância, a consideração e a veneração que a Igreja Católica tem em Timor. Mas, para quem teve formação franciscana, não cai nada bem esta atitude. O Tau, que é um símbolo franciscano (S. Francisco subscrevia os seus escritos com o Tau por ser a última letra do alfabeto grego,indicando assim que cada irmão se devia considerar como o mais humilde e o mais pequenino de todos) e é também símbolo da escola, faz-nos lembrar que ser o primeiro ou ser o último é uma questão insignificante para o desenrolar da cerimónia.

Desculpem estas minhas considerações que mais parecem revestidas de falsa humildade. São um desabafo... O importante é que a escola está construída, vai ser inaugurada no dia 19 e estará ao serviço das crianças e da comunidade de Boebau/Manati.


Niki, a criatura amaldiçoada

Pteropus vampyrus , "Niki" (em Timor).
Cortesia de Wikimedia Commons

Cada dia que passa em Ailok Laran, estando sentados na pequena esplanada da casa do Eustáquio, temos como horizonte um grande mangueira (árvore com mais de 5metros de altura). Desde há mais de uma semana que temos vindo a acompanhar a maturação de uma manga situada mesmo lá no cimo, e que agradavelmenta para o nosso paladar, já nos acenava como que a dizer “ daqui a pouco estou pronta para ser comida”. 

Pois é! Hoje a olhar para ela demo-nos conta de que ela já não estva inteira. Uma criatura qualquer já a tinha provado. Foi então que o Eustáquio atalhou convencido: “Foi o Niki!...”

E eu sem saber quem era o Niki, pedi de imediato explicação. Então o Niki é o morcego, que em Timor é uma criatura maldita porque é a única que vira as costas (melhor, o rabo) a Deus, uma vez que dorme de cabeça para baixo.

E vamos lá entender todas estas crendices!... Mas que têm lógica, lá isso têm...

Nota de LG: Vd. Wikipedia > Pteropus vampyrus ou raposa voadora: A pteropus vampyrus ou raposa-voadora é uma espécie de morcego gigante do gênero Pteropus; é considerada o maior espécie de morcego: o  corpo pode ter  mais de 30 centímetros de comprimento;  é duma espécie frugívora, natural do sudeste asiático (incluindo Timor Leste); pesa mais de 2 kg e tem cerca de 2 metros de envergadura.


27.02.2018, terça feira  - “A melhor papaia do mundo...”

Há momentos em que tudo nos sabe bem. Gostar de papaia é coisa comum, até porque anunciam que faz bem a isto e àquilo, ao intestino (dizem por aqui que as sementes nem á para mastigar mas sim para engolir inteiras), ao estômago e não seiquantas coisas mais. É uma fruta muito abundante por aqui, e qual é o quintal que, na sua variedade botânica, não inclui umas quantas papaieiras? Tudo se consome nesta bendita planta: folhas, flores, fruta verde, fruta madura. Mas a mim o que maisme deleita é o seu fruto bem maduro. 

Hoje eu e o Gaspar (claro está os privilegiados dos presentes), num ápice devoramos uma papaia, com certeza bem perto de um quilo. Foi colhida agora mesmo e a sua apresentação enche-nos os olhos e aguça o palato. Tanta gula que até acho ser pecado. Mas pronto, já está nas nossas entranhas e nada mais há a fazer que agradecer a quem nos proporcionou tão agradável momento.

Mãe há só uma...

Logo cedo, o Gaspar recebeu uma chamada do Painô, eletricista da casa Ramos Horta, na Areia Branca, para lhe comunicar que a mãe do seu amigo (estudaram juntos) Ramos Horta tinha falecido, e que o seu corpo estava em velório em ....

O funeral serã no dia 27. Claro que a notícia correu já Timor, se não o mundo. E as conjunturas começam a aparecer: quem irá ao funeral; muitos grandes estrão lá; quem de nós quer ir; etc...etc... 

Eu que já por duas vezes estive com este importante senhor (Prémio Nobel da Paz, Presidente da República, ministro dos Negócios Estrangeiros e muitas coisas mais) manifestei-me de imediato: “ eu não vou “. Sei que mãe há só uma, mas por toda a consideração que eu tenho pelo Ramos Horta e pela mulher que é sua mãe, não me apetece ir para ver... ver navios talvez. Que Deus a tenha no seu descanso e que rogue por nós enquanto por aqui andarmos. R.I.P.


28.02.2018, quarta feira  - Expresso Boebau

Não. Não é autocarro, comboio ou avião. Hoje tivemos de alugar uma carreta para que nos leve alguns materiais necessários ao acabamento da escola. Ontem, eu e o Eustáquio andamos às compras, e hoje vão a caminho do seu destino. A pouco epouco a obra está erguida. Vamos esperar que até ao dia 19 do próximo mês tudo esteja pronto. Com certeza que mais viajens serão necessárias. Mas, qualquer que seja o meio de transporte para nós será sempre “expresso para Boebau”. Está tudo pronto, a carga está acondicionada e o motor já trabalha. É uma questão de arrancar, e boa viajem!...

Ramiro... Ramiro...

Ramiro é um jovem com 19 anos, natural de Ilurhau, uma aldeia na vertente montanhosa do outro lado da ribeira de Laoeli. Nada me levaria a escrever sobre ele se alguns acontecimentos a seu respeito não me despertassem a atenção.

 A saber, Ramiro é irmão do empreiteiro da escola construida em Boebau que trabalhou na obra até que um dia, na fase da cobertura do telhado, deslizou pelas chapas molhadas e veio estatelar-se cá em baixo. Ficou inanimado, sem poder mexer-se durante algumas horas, até que a ambulância vinda de Dili o foi buscar rumo ao hospital Guido Valente. 

Imaginem a nossa apreensão e preocupação quando fomos informados do acidente. A todo o momento esperávamos as informações do Eustáquio, e sempre a pensar no pior. Sei que o Gaspar, a Glória e eu pusemos a nossa confiança nas mãos de Deus e dos seus médicos, mas os momentos de afliçãoprevaleciam. 

Dia após dia, íamos sendo informados do resultado dos exames. E, para nossa tranquilidade, ao fim de uma semana internado, foi dada alta do hospital porque o Ramiro não apresentava qualquer lesão corporal. Graças a Deus! Passou mais alguns dias na casa do Eustáquio, mas a sua vontade era sempre de voltar a trabalhar na obra da escola. Ramiro vai ser pai dentro de dois meses. No entanto,talvez porque ainda é muito jovem, tem a inocência e a simplicidade de uma criança.

Estes dias apareceu por aqui e por cá ficou. Muito serviçal e alegre, mas também muito ingénuo nas suas crenças. Vou relatar algumas, e em particular as que me dizem respeito.

Anteontem à noite, estando ele, o Gaspar e o Eustáquio em conversa, o Eustáquio trouxe à baila o assunto da crença nos antepassados, que é assunto sagrado aqui emTimor. E então disse que eles estão sempre vendo o que faz cada um dos viventes.

Que castigam os que fazem o mal, e que aqueles que roubaram os sacos de cimento e o ferro na obra da escola irão receber o seu castigo. (Conversa psicológica do Eustáquio ou, quem sabe, também crença sua!?). 

Foi então que o Ramiro reagiu,todo atrapalhado, comentando: “Oh! Então qundo eu caí foi castigo...” E o Eustáquio perguntou: “Então tu também roubaste?” "Não!", retorquiu o Ramiro, "mas colaborei"... "Eu vi o roubo, e eles deram-me dinheiro para que não dissesse nada”. 

Em conclusão, ali se soube, informalmente, quem roubou o quê.

Também é crença, sobretudo entre os timorenses da montanha, de que o “malai”, o branco estrangeiro, de noite se transforma em serpente para voltar à sua terra, neste caso a Portugal. O rapaz olhava para mim e estudava a minha reação. Quando eu me ria,  ele desconfiava da conversa, mas quando eu me mantinha sério o Ramiro dizia: “Tenho medo”. Medo tenho eu que algum dia de tecem em mim a serpente e a tentem matar... 

Já durante a outra estadia, na montanha em Boebau, me relataram algo parecido. Como eu me ausentei por alguns minutos, falavam entre eles que tinha ido a ter com a serpente, e que se transformaria na mesma para depois ir até à ribeira, encontrar um tronco e embarcar até Portugal. Boatos e crendices que nos vão ocupando o tempo e divertindo.


01.03.2018, quinta feira  - Presença indonésia

“Não há males que não venham por bem”, ou então, “Deus escreve direito por linhas tortas”. Vem isto a propósito da forte influência indonésia que se faz sentir em Timor Leste. É a comunidade estrangeira mais numerosa, mas a sua presença não é só física. É sobretudo a nível da língua, do bahassa, que é a mais falada a seguir ao tetum. Nem o inglês, nem o português, nem o espanhol (cubano) lhe chegam aos pés. Basta frequentar casas comerciais, mercados, escolas e outros lugares mais comuns para nos darmos conta desta realidade. Tudo o mais poderá ser folclore. 

E, se é certo que os anos de ocupação indonésia deixaram marcas indeléveis pela negativa nas vidas e mentes destas gentes ( morreram mais de 200 mil pessoas num universo de 700 mil), também não podemos ignorar as coisas positivas que fizeram e ainda perduram, a saber: uma considerável rede escolar, vias de acesso razoáveis, particularmente caminhos rurais, que hoje estão deteriorados (veja-se o caminhopara Boebau), estabelecimentos comerciais com abundância, uma língua de comunicação, e outras coisas mais. 

Aqui fala-se bahassa em casa, na rua, no trabalho em todo o lado. A televisão que se vê são programas daos canais indonésios que atétêm boa cobertura.

Claro que a independência de Timor Leste foi a melhor coisa que aconteceu aos timorenses, porque por ela lutaram e tantos deram a vida. Claro que o governo timorense ter decidido adoptar a língua portuguesa como segunda língua oficial é muito prestigioso para Portugal, para os portugueses mas temos que ser realistas.

Neste momento, entender e falar o portugês é um privilégio: embora conste no currículo do ministério da educação timorense, os esforços que se têm feito por parte dos governos e entidades responsáveis pouco se têm feito notar. 

Eu diria mais. Será necessário investir muito mais em prol desta segunda língua oficial, e de preferência do ministério de Educação de Portugal, se quisermos que a nossa língua seja utilizada pelos timorenses: sim, porque a prática de uma língua não se pode resumir à aprendizagem e utilização de umas quamtas palavras ensinadas por professores que têm diiculdades de se expressarem em português corrente. 

É urgente haver mais escolas de referência; é urgente promover e realizar estágios e intercâmbios linguísticos; é urgente que as pessoas compreendam e falem oprotuguês. É a segunda língua oficial!...

O paradoxo é que os timorenses têm uma incrível afeição pelos portugueses ( e não é só por causa do futebol), talvez fruto dos longos anos de presença (entenda-se colonização). E daqui a justificação para empreender ações neste território ou emterritório lusófono que garantam e reforcem o ensino e a aprendizagem do nosso idioma.


02.03.2018, sexta feira  - “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos...”

Hoje, à noite, ouvia-se chorar fortemente em casa. Nada mais nada menos que a

Adobe minha afilhada, num pranto de suor e lágrimas, agarrada ao braço da sua irmã Eza, solicitando-lhe perdão. E como a Eza, que é mais velha, se recusava a perdoar-lhe uma pequena ofensa, porque respondeu à irmã de uma forma nãoconveniente e fora da regulação familiar. Literalmente a Adobe mais parecia a Maria Madalena lavando com o seu choro os pés de Cristo. Mas como o tempo tudo resolve, ao fim de uma dezena de minutos a Eza anuiu e concedeu-lhe o perdão.

Acabaram as lamentações e a Adobe já ria e fazia a sua vida normal junto de nós. Relato esta episódio para dar a conhecer o valor do perdão neste povo. Disseram-me que este espírito se incute nas crianças desde muito pequenas. A Adobe já sabia quenão devia responder à irmã e que, o seu choro incessante de devia a que ela pensava que, quando for grande pode-lhe acontecer o mesmo (quase em jeito de castigo) emrelação aos seus filhos. 

Já nas primeiras crónicas contei também um caso de perdão impressionante. Bartolomeo. Um senhor que vive aqui à nossa frente e que nestemomento até é o chefe da aldeia, foi agredido à catanada em diversas partes docorpo, com maior incidência na cabeça e nos braços, facto que e levou a estar emcoma ae a passar alguns meses no hospital. O agressor foi condenado a dois anos de prisão, mas o Bartolomeo, logo que lhe foi possível, foi à cadeia dar-lhe um abraço

de perdão. A justificação que ele nos dá para tal atitude é sempre a mesma: “Se Jesus perdoou a quem o matou e perdoa a todo a a gente porque é que eu não devo também perdoar?” Hoje são grandes amigos e até compadres.

Quem puder entender que entenda...


03.03.2018, sábado - Longe da vista,perto do coração


Hoje de manhã, durante um ato rotineiro - limpeza dos óculos - dou comigo a pensar, a 25 mil quilómetros de distância, no amigo Rui Coutinho, proprietário da Ótica Coutinho na Lourinhã de que sou cliente há muitos anos. 

Bastante antes do regresso a Timor,  passando por lá, e contando as aventuras da primeira estadia, pedi ao Rui que me desse algumas armações já sem venda comercial para serem trazidas e oferecer a estas gentes. Foi-me entregue um saco com umas quantas unidades doproduto solicitado, que religiosamente trouxe comigo. 

Já em Ailok Laran, não se imaginam a alegria desta gente em experimentar estas novas armações, algumas mesmo sem lentes. Todos viam muito bem com ou sem graduação e sem receita médica. O novo visual era confirmado num pequeno espelho que, sem esforçonenhum esforço, refletia a imagem narcisíaca de cada um.

Ora aqui está. Pequenas coisas que fazem a diferença. Mesmo que o ditado “longe da vista, perto do coração” seja verdade, eu direi que mesmo vendo mal, pordeficiência visual ou por distância quilométrica, um pequeno objeto poderá desfazero ditado e levar-nos a dizer “longe da vista, perto do coração”.

 “E Deus providenciará...”

Se há algum problema que nos preocupa neste momento, sobretudo a mim e ao Gaspar, relacionado com a escola é a constituição do corpo docente. E nem a nossa disponibilidade para exercer tal munus pelo menos durante os primeiros tempos nos deixa tranquilos. 

Assim, têm-se multiplicado esforços no sentido de contactar entidades e pessoas que nos possam valer. Sobretudo o Gaspar, que é um grande conhecedor desta sociedade timorense e que é conhecido de todo o mundo (eu sou testemunha do que afirmo), tem tudo tentado na resolução deste problema; cartas,emails, telefonemas, encontros..., alguns de difícil concretização. Por exemplo ocontacto com o Ministério da Educação Timorense que depois de muitas tentativas nunca responderam a nada.

Hoje de tarde, em jeito de amizade, fomos ao aeroporto de Dili esperar dois casais portugueses que vêm passar alguns dias em Timor. Não sabendo nem o número de voo nem a hora de chegada, aproximamo-nos da porta de chegada e aí esperávamos impacientemente que eles aparecessem. Foi então que me dei conta do regozijo do Gaspar ao abraçar uma senhora, duas a três vezes mais forte que ele.

Ambos contentes, perguntando “há quanto tempo a gente não se encontra?!”

Chegou a minha vez, e o Gaspar apresentou-ma à sua amiga, dizem que ainda de família, nada mais nada menos que a senhora Lurdes Bessa, vice ministra da Educação no governo de Timor. Claro que logo a seguir aos cumprimentos o Gaspar pô-la ao corrente do nosso projeto e tentou envolvê-la em ajudar-nos a resolver o problema que nos aflige. Facilitou-nos os contactos e pensamos que Deus a colocou no nosso caminho para nos ajudar. Pelo menos assim desejamos.

“E Deus providenciará”...


04.03.2018, domingo  - Chegada do amigo João Crisóstomo

A meio da tarde soou o meu telemóvel. Era o amigo João Crisóstomo dizendo: “Já estou em Timor. Acabo de chegar!” Fiquei perplexo e perguntei: “ mas então a tua chegada não estava marcada para amanhã?” Respondeu: “vindes a ter comigo que depois conto tudo”. Claro que a sua chegada era por nós esperada com ansiedade, pois o João é um elemento fundamental no projeto de solidariedade que temos em mãos. Ele dinamiza tudo e todos. E nem os anos que já tem lhe retiram essa capacidade de mobilização. 

Homem de causas, com êxitos internacionalmente reconhecidos, concretamente no apoio aos timorenses durante a luta pela independência, encontrou no nosso projeto de construção de uma escola em Boebau um exemplo e um começo da sua visão sobre o problema da educação em Timor Leste: criação de escolas nas zonas de montanha mais carenciadas. 

Por isso nos tem apoiado desde o primeiro momento; por isso integra a comissão de construção; por isso chegou hoje a Timor para, de entre outras coisas importantes que pretende fazer durante a sua estadia, estar presente na inauguração da escola que será no dia 19 de Março. 

O João é um fisicamente um homem pequeno mas com um enorme coração. Para além da nossa amizade e cumplicidade ele merece onosso respeito e gratidão. Por isso estamos aqui, de braços abertos para o receber e conviver, embora que, por troca de horários, não tivéssemos estado no aeroporto à sua chegada.

À noite, eu, o Gaspar e o Eustáquio fomos ter com o João e partilhamos abraços, conversas, programas, e até o jantar. Foram momentos que, só quem está longe do seu país, sabe e pode apreciar. Obrigado, João. E que todas as tuas expetativas tenham o desenvolvimento desejado...

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25617: II Viagem a Timor: janeiro / junho de 2018 (Rui Chamusco, ASTIL) - Parte I: "E as crianças, meu Deus, porque lhes dais tanta dor?!"

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25617-ii-viagem-timor.html

Guiné 61/74 - P25631: Humor de caserna (65): Afinal, Deus não gosta dos mais velhos, diz o nosso Cherno Baldé...


Foto nº 38



Foto nº 39 

Guiné > Região de Tombali > s/l (Guileje ?) > c. 1969 > Foto de um grupo de adolescentes . A bajuda do lado direito (foto nº 38) usa relógio de pulso e a rádio portátil, transistorizado... Acrescenta o Cherno Baldé: "Uma familia cristã, crioula, assimilada, provavelmente, de origem cabo-verdiana ou das praças de Cacheu, Bissau, Bolama ou Geba".

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P25624 (*).


(i) Luís Graça

Obrigado, Cherno, tens um "olho de lince", como se diz aqui nossa terra. Vês mais longe e mais fundo, sentado junto ao tronco do poilão da Tabanca Grande do que os "tugas" todos juntos, lá no alto das suas cátedras...

Pois, claro, aqueles jovens das fotos nº 38 e 39 não podiam ser futa-fulas, mas "assimilados" (não gosto do termo"), "grumetes" ou "cabo-verdianos"... Enfim, jovens de famílias cristãs... As raparigas por certo que trazem fios ao peito com o crucifixo (não dá para ver bem...).

Talvez fossem de Cufar: antes da guerra, havia grandes armazéns de arroz, de um conhecido comerciante, velho colono, que veio de Cabo Verde, e apoiante (discreto) da causa nacionalista: escapa-me o nome, Benjamim Correia ? Ou qualquer coisa Barbosa ?

Julgo que a grande pista de Cufar (800 metros...), a "Bissalanca do sul", foi feita em terras dele... Está para aí escrito algures, num dos nossos quase 26 mil postes...

10 de junho de 2024 às 10:51

(ii) Cherno Baldé:  

Essa do Poilão foi boa, fartei-me de rir em boas gargalhadas, sozinho, sentado debaixo da sombra de um enorme poilão em Catió, ao lado da administração da mesma região, onde me encontro nestes dias em missão de serviço.

Você é um homem dotado de muita sabedoria e bom humor, que Deus, Alláh e os Irãs te concedam saúde e resiliência para nos continuar a formar, informar e divertir através deste Blogue de veteranos, antigos combatentes da Guiné que, infelizmente, são cada vez menos.

Eu não sou nenhum sábio, não faço qualquer esforço suplementar de memória, simplesmente vivi e, "malgré moi,  acompanhei a Guiné nos últimos 60 anos. Como se diz na nossa lingua: Deus não gosta dos mais velhos, simplesmente já convivem há muito tempo, facto que lhe empresta alguns conhecimentos por experiência própria.

10 de junho de 2024 às 20:14

2. Comentário de LG:

Obrigado, Cherno, pela tua amabilidade e pachorra para continuar a aturar estes velhos combatentes, últimos soldados do império, naufragados e  perdidos lá pelas bolanhas, rias e braços de mar da tua querida terra que, por uma qualquer maldição dos irãs, eles não conseguem esquecer...

Não sei se Deus gosta ou não dos velhos (ou dos mais velhos),  confesso que já  não converso com Ele desde os meus 15 anos, não podendo por isso saber a sua divina opinião... O que eu sei (e que é pouco, também não me arrogo, como tu,  o privilégio da sabedoria), é que, citando a sabedoria popular portuguesa  (que é, afinal, universal),  "perde-se o velho por não poder e o novo por não saber"...

Já vou no km 77 da picada da vida e tu, ainda "djubi", com os teus viçosos 60. Nunca mais me apanhas, mas eu gosto de poder continuar a  conversar contigo. Sentados, os dois, à sombra do nosso mágico, frondoso, secular, fraterno poilão da Tabanca Grande. 

Que Deus, Alá e os bons irãs te protejam e te deem saúde e longa vida... O que também quer dizer... "dormir o q.b.... Lembra-te sempre que "quatro horas dorme um santo, cinco o que não é santo, seis o estudante, sete o caminhante, oito o porco e nove... o morto" (***).

PS - Ah, e mando-nos um "postalinho" de Catió!

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Notas do editor:


(**) Último poste da série > 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25622-humor-de-caserna-64-o.html

(***) Vd. poste de 1 DE JANEIRO DE 2024

Guiné 61/74 - P25026: Manuscrito(s) (Luís Graça) (243): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles? - Parte Va: 'Pés quentes, cabeça fria, cu aberto, boa urina - Merda para a medicina' 1. A arte de bem conservar a saúde

Guiné 61/74 - P25630: Elementos para a história do Pel Caç Nat 51 - Parte IV: um 1º cabo trms, José Maria Martins da Costa (Guileje e Cufar, 1968/70), que sabia latim e grego




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 2316 (1967/68) > Foto aérea do aquartelamento e tabanca


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > O 2º sargento José Neto (que exercia as funções de 1º sargento da companhia) junto a um abrigo e a uma viatura do Pel Rec Fox 1165, que era comandado pelo alf mil cav Michael Winston Schnitzer da Silva.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 > 1968> Aspectos da construção de uma abrigo-caserna...
 


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613  (1967/68) >  1968 > Bajuda... Fotos do álbum do cap SGE, reformado, o saudoso José Neto (1929-2007), durante os primeiros anos do blogue "o nosso mais velho".


Fotos (e legendas): © José Neto   (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro, "O Silva
da Granada", de José Maria
Martins Costa, Lisboa,
Chiado Books, 2021. Gostaríamos
de ver o autor, nosso antigo
camarada de armas, a integrar 
 a Tabanca Grande.



"É mesmo uma surpresa, um cultor do classicismo andou por Guileje e paragens limítrofes, entre 1968 e 1970, creio que se disfarça no primeiro-cabo Martins, das Transmissões, são memórias onde não faltam referências a Horácio, Virgílio, Dante, Camões, há a preocupação de resistir à tentação de passar ao crivo a história da Guiné ou martelar as vias sinuosas da luta pela independência, é um livro cheiro de olhares, alguém que reza o terço, que se comove com a inocência das crianças, vê partir colunas de abastecimento e sente um remorso por nelas não participar. Já chegou a hora da primeira flagelação, muito mais se seguirá, o tomo memorial ultrapassa as quinhentas páginas, foi editado pela Chiado Books recentemente, faz hoje parte do Grupo Atlântico Editorial."


1. É assim que o nosso crítico literário, Mário Beja Santos, saudou o aparecimento deste livro, publicado ainda em 2021, em tempo de pandemia. Referimo-nos a "O Silvo da Granada", do José Maria Martins da Costa, ex-1º cabo trms, do Pel Caç Nat 51 
(Guileje e Cufar, maio de 1968/ julho de70).

Sobre o autor sabemos que:

(i) é natural do concelho de Santo Tirso; 

(ii) depois da escola, entrou num seminário beneditino; 

(iii) foi até ao sétimo ano (que não deve ter completado); 

 (iv) foi chamado para a tropa, passou por Tavira e Lisboa, e foi mobilizado para a Guiné; 

(v) no regresso à "peluda",  tirou "o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra";



(vii) fixou residência no Porto, casou, foi jornalista e professor.

A referência ao classicismo greco-latino tem a ver com 
a sua formação seminarística. O autor frequentou o CSM (Curso de Sargentos Milicianos), em Tavira, por qualquer razão que não quer esclarecer, no  livro, chumbou ou apanhou uma "porrada", indo parar ao contingente geral.

E na qualidade de 1º cabo de transmissões de infantaria, de rendição individual, que o vemos integrar o Pel Caç Nat 51, passando por Guileje e Cufar, de maio de 1968 a julho de 1970.

2. Não tendo (ainda)  lido o livro, vamo-nos limitar aqui à recolha de alguns apontamentos que podem ajudar a conhecer um pouco melhor a história desta subunidade e também as "andanças", pelo sul da Guiné,  deste nosso camarada que gostaríamos de passar a ver ao nosso lado, sentado sob o poilão da Tabanca Grande.  

Vamos, naturalmente, socorrer-nos de algumas das notas, mais factuais, do nosso crítico literário (**): 

(i) chegado a Bissau, o 1º cabo trms Martins ruma a sul, em comboio fluvial, seguindo de
"batelão", numa primeira etapa até Bolama, depois Cacine e finalmente Gadamael (o comboio traz mantimentos para Cacine e Cameconde);

(ii) segue em coluna auto para Guileje: provavelmente ainda aqui apanhou a CART 1613, do nosso saudoso Zé Neto, (cuja comissão em Guileje foi de junho de 1967 a maio de 1968), sendo depois rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969);

(iii) aqui dá-se conta do drama dos vizinhos de Gandembel (a 10 km mais a nordeste, e ainda mais perto da fronteira), mas também do ponto fraco do aquartelamento de Guileje, aparentremente inexpugnável: todos os dias é preciso garantir o abastecimento de água na fonte que fica a 2/3 km;

(iv) trabalha por turnos no abrigo das transmissões e cedo começa a habituar-se aos ataques e flagelações;

(v) Spínola visita Guileje e Gandembel ainda nesse mês de maio de 1968;

(vi) o Martins diz que os primeiros-cabos do Pelotão são todos nortenhos, de Entre Douro e Minho;

(vii) os brancos do Pelotão têm um abrigo próprio;

(viii) que o Martins ajuda um soldado da companhia local (CCAÇ 2316, presume-se) a escrever cartas à madrinha de guerra;


(ix) Ganbembel e Mejo são abandonados em 28 de janeiro de 1969; Guileje passa a ser reforçada por mais uma subunidade, o Pel Caç Nat 67;

(x) refere a morte de um alferes e um furriel, do pelotão de artilharia , que são ceifados por uma canhonada vinda da Guiné Conacri;

(xi) "o novo comandante de Companhia parece não gostar do Martins e das suas estadias na tabanca" (onde faz amizades entre a população civil e por cujos usos e costumes se interessa como estudioso);

(xii) Cecília Supico Pinto visita Guileje;

(xiii) o Martins vai a Bissau a uma consulta de oftalmologia; após 3 semanas, regressa via Gadamael cujos abrigos lhe parecem toscos e precários, comparados com Guileje;

(xiv) o abrigo do pelotão em Guileje é atingido em cheio por uma canhoada; tem de ser reparado e reforçado;

(xv) "de março para abril (de 1969), deram-se mudanças de vulto de Pel Caç Nat 51", é referido quem sai e quem chega (e um dos que chegam é o Armindo Batata: não sabemos se no livro há referências explícitas ao novo comandante do Pelotão) ;

(xvi) Spínola volta a Guileje em meados de 1969;

(xvi) em junho de 1969, a CCAÇ 2316 é rendida pela CART 2410,  "Os Dráculas";

(xvii) "em novembro e chega a notícia da transferência do Pel Caç Nat 51, tal como o Pel Caç Nat 67, vão para Cufar, no termo de Catió";

(xix) "não irão por estrada, a única forma de lá chegar é alcançar Gadamael, descer o rio Cacine até à sua foz, percorrer um estreito canal, rio chamado Cagopere, aproar ao rio Cumbijã e subir boa parte do seu curso inferior, meter talvez ainda por um afluente deste e depois por terra fazer os últimos quilómetros até Cufar" 

(xx) "despedida,  com enorme saudade dos seus amigos da tabanca";

(xxi) coluna apeada até Gadamael, sem novidade; e breve viagem de Gadamael a Cacine;

(xxii) o Martins ffca "surpreendido de aqui encontrar laranjeiras e tangerinas, observa que Cacine é menos sacrificada que Guileje ou Gadamael";

(xxiii) "o comboio de navios passa pelo Canal do Melo, ali perto é Cabedu, Cufar não é longe, temos ainda o Cumbijã e as suas duas alongadas curvas, estão já na aldeia Cantone, 3 km à frente espera-os Cufar, no meio Mato Farroba, área sossegada";

(xxiv) "o Martins lá vai para o posto de rádio";

(xxv)  regista dois acidentes mortais no Pel Caç Nat 51;

(xxvi) chega-se ao Natal e depois ao Ano Novo;

(xxvii) "pega-se com um furriel, deita umas palavras desabridas, apanha como castigo sete noites seguidas, na trincheira, em Mato Farroba";

(xxviii) "vai ao médico a Catió, apraz-lhe a limpeza e o asseio das ruas, o muito arvoredo que as sobreia e ornamenta, acha-la muito limpa a agradável para viver";

(xxix) chega a Páscoa, e depois já "estamos em julho de 1970, chove a cântaros, os amigos vêem-no partir num Dakota";

(xxx) ... e fim da comissão do Martins.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS / BART 1913 (1967/69) > Um aspeto parcial do quartel. Foto do ábum  do Victor Condeço (1943/2010)

Foto (e legenda); © Victor Condeço (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


8 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/04/guine-6174-p23152-notas-de-leitura-1435.html

(**)  Vd. poste de 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)

Vd. também postes de:

 9 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25622: Humor de caserna (64): O anedotário da Spinolândia (XII): o "caco" que foi parar ao caldeirão da cozinha de Guileje...

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25629: Os 50 anos do 25 de Abril (28): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 9º (e último) episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)

 RTP > "A Conspiração", série documental de nove episódios, que passaram semanalmente entre 24 de abril  (1º episódio) e 10 de junho de 2024 (9º e último episódio). Trailer oficial: 0:46

Cortesia de RTP (2024) / You Tube RTP (2024) / You Tube 


1. O cineasta e escritor português António-Pedro Vasconcelos, que morreu no passado dia 5 de março, em véspera de completar os 85 anos, já não pôde infelizmente assistir à estreia da sua série documental, "A Conspiração", na RTP, a 24 de abril de 2024.

Trata-se de um produção televisiva que tem por fio condutor o processo conspirativo dos Capitães de Abril (como ficaram conhecidos na História), e que durou quase um ano. Como se sabe, tudo começou com a contestação dos Decretos-Leis 353/73 e 409/73, de Julho e Agosto de 1973, que vieram alterar as regras de acesso ao quadro permanente de oficiais do exército. 

De uma luta inicialmente corporativa, assistimos à crescente radicalização e politização dos jovens capitães, muitos deles endurecidos pela experiência da interminável guerra em África. O percurso conspirativo  fica bem documentada,  nesta série,  que reconstitui, nomeadamente,  com base em exaustivas entrevistas aos protagonistas ainda vivos,   e  recurso a fontes, de arquivo, nomeadamente com registos de memórias de outros militares já falecidos, os longos e incertos meses de reuniões clandestinas, que irão culminar na saída para a rua de cerca de 30 unidades militares, na madrugada do 25 de Abril de 1974 (Op Viragem Histórica). 

A série é um verdeiro trabalho de investigação, minucioso, exaustivo, objetivo, distanciado, que nos honra a todos. Uma peça fundamental para o conhecimento da nossa história contemporânea. 

A Comissão Comemorativa 50 anos do 25 de Abril, sob a tutela do Ministério da Cultura, foi uma das entidades que apoiou a produção desta série, onde o realizador se empenhou de alma e coração, quer como artista como português. Ele e a sua equipa. A série foi produzida pela Thrust Media em parceria com  a  nossa televisão pública. 

Os primeiros episódios ainda são narrados por António-Pedro Vasconcelos, entretanto substituído pelo jornalista e radialista Adelino Gomes, hoje com 79 anos. Ambos estavam no Largo do Carmo, no 25 de Abril de 1974.

A RTP1 dá hoje o último episódio.
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 RTP > Programas > A Conspiração > Episódio n.º 9 > Hoje na RTP1, 10 de junho de 2024, às 21: 01 >

Episódio 9 de 9 | Sinopse:

Após o golpe falhado de 16 de março (episódio nº 8), tudo parecia perdido. No entanto, o movimento não desiste e entra em total clandestinidade preparando o golpe que derrubaria o Estado Novo e devolveria a liberdade aos portugueses, em 25 de Abril de 1974.

Elenco: Adelino Gomes

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Próximas emissões:

10 Jun 2024 21:01 RTP1 | 10 Jun 2024 21:01 RTP Internacional | 13 Jun 2024 02:35 |
RTP Internacional América | 13 Jun 2024 15:15 RTP Internacional Ásia

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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25621: Os 50 anos do 25 de Abril (27): "A Academia Militar, os Seus Militares e a Revolução dos Cravos", Exposição relativa aos 50 anos do 25 de Abril na Academia Militar

Vd. também:

3 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25598: Os 50 anos do 25 de Abril (25): Hoje, na RTP1, às 21:01, o 8º (e penúltimo) episódio da série documental, "A Conspiração", do realizador António-Pedro Vasconcelos (1939-2024)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/06/guine-6174-p25598-os-50-anos-do-25-de.html

Guiné 61/74 - P25628: Notas de leitura (1699): Kangalutas, por Abdulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2018 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Abdulai Sila mergulha-nos num mundo de recônditas, inconfessáveis vicissitudes, há reveses bem guardados que o arrependimento daquele militar que deixou mulher amada e filha na Guiné vem até à boca de cena e põe três mulheres a multiplicarem as dúvidas, as desconfianças, até, com total surpresa, e depois de algumas tropelias, se chegar a uma vitória eleitoral, estrondosa, floresce a esperança numa Guiné mais justa, e quem veio de Portugal exclusivamente para fazer a vontade ao defunto marido irá mergulhar na causa de acordar um país entorpecido, um país que perdera o sentido, numa causa em que o país se reconcilia consigo próprio e se supera do seu passado colonial e de todas aquelas feridas de um país em estado de injustiça. Parábola, alegoria, qual é a essência da mensagem didática que nos deixa um dos mais conceituados escritores guineenses? Ao leitor cabe resolver, é uma peça de teatro magnífica.

Um abraço do
Mário



Aprender com as feridas do passado, descobrir o fundo da amizade luso-guineense

Mário Beja Santos

É uma peça de teatro, o seu autor é um dos mais renomados escritores da Guiné-Bissau, engenheiro eletrotécnico, empreendedor, associativista dinâmico. As suas tramas centram-se no quadro colonial, nas sanhas do poder (tem uma peça onde alude a Macbeth e os triunfos sanguinários para ganhar o trono) e nunca se escusa a dizer que escreve sobre um país à procura de si próprio.


"Kangalutas", por Abdulai Sila, Ku Si Mon Editora, 2018, põe em cena três mulheres, uma delas vem de Portugal à procura da filha guineense do seu falecido marido que não a esqueceu no testamento; as outras duas, a filha do branco e a mulher repudiada pelo branco, que por ele fora muito amada, vão terças armas, desconfiadas ou mesmo desinteressadas daquela generosidade da última hora. Não é uma tragicomédia, mesmo que haja, como há, apontamentos dignos de farsa; é uma dramaturgia lírica, tem três mulheres em cena, entre lágrimas e suspiros vão barafustando entre si até se chegar a um desfecho desconcertante: aquela Guiné que procura a democracia, o desenvolvimento e a justiça leva à mobilização daquelas três mulheres, a causa delas não será uma herança baseada numa história do passado colonial, mas o futuro da liberdade daquele país em permanente tormenta, desorientado e sem mobilização coletiva.

O título prende-se com as vicissitudes do amor, a multiplicidade dos reveses, os danos por reparar. A branca chama-se Mariana, veio até à Guiné dar cumprimento a um desejo do falecido marido; a filha chama-se Mbissalangani, acha que pai é uma coisa que não existe, diz sentir-se muito bem no seu país, desconfia de tal herança, não aceita que a tratem por ingrata, parece estar literalmente nas tintas para a promessa do defunto pai de que Mariana é porta-voz; e temos Mariama, a mãe de Mbissalangani, a mulher amada por Luís, que a repudiou. Bem áspero é o primeiro encontro entre Mariama e Mariana, a guineense está determinada: “A filha é minha, só minha. Cuidei dela sempre sozinha, sem a ajuda de ninguém, e agora que ela criou asas e está pronta para voar sozinha, eis que aparece do nada uma milagreira a reivindicar direitos de propriedade, de paternidade ou lá o raio que o parta!”

Mariama tem os seus trunfos, era contatada pelo Luís, surpreende Mariana. Mãe e filha procuram entender o que na verdade trouxe Mariana à Guiné, a mãe diz à filha que deixou a branca arrelampada, que nem pensasse em tirar-lhe a filha, rogou-lhe pragas, a mãe é insidiosa, diz à filha que peça a Mariana o testamento, que deve mesmo exigir as contas bancárias, o clima de intriga está montado, haverá discussão brava entre Mbissalangani e Mariana, ainda não sabemos o teor do testamento, Mariana quer apressar o regresso e levar a filha de Luís, insiste que é preciso um visto e dá a saber que já bateu à porta do consulado, é nisto que se fala na preparação de uma campanha eleitoral para breve, Mbissalangani tem partido político, irá participar, sonha com um país próspero, justo, onde o precário não seja o pão nosso de cada dia.

Depois, Mbissalangani finge ceder junto da mulher de Luís, mas exige-lhe um contrato, prepara uma chantagem junto do responsável pela máquina eleitoral, a branca será o isco, assim se espera obter a vitória do seu partido, adulterando a contagem dos votos, Mariana será o isco, a sedutora… No final haverá vitória, e nós, leitores ou espectadores, até poderemos questionar se não foi a um preço aviltante. A relação entre aquelas duas rivais que amaram Luís estreita-se, Mariana vai mesmo viver para a casa de Mariama, Mbissalangani, com modos sinceros, começa a estimar aquela rival da sua mãe que pretendia vir buscá-la. O plano para que o tal partido venha a ter acesso a uma adulteração dos dados que lhe permita uma vitória inequívoca e até consensualmente aceite entra em marcha, haverá uma intrusão no computador, lança-se um vírus destinado a sequestrar informação do partido rival, há mesmo promessas de Mbissalangani de oferecer computadores àquelas duas infoexcluídas.

E chega o dia da vitória, a jovem anuncia que a juventude acordou, que o país está heroicamente a renascer das cinzas, o que vai a passar a contar é a competência e a dignidade. Algo de estranho, talvez contraditório se irá passar, Mariama e Mariana anunciam ter tomado uma decisão, nada de ir ao consulado, o visto que se lixe, a herança perdeu sentido, a viagem até Portugal fica para a próxima, quem veio para anunciar, e bem contrafeita vinha, dá a saber que é ali na Guiné que se sente útil, agarrada a uma causa.

São vicissitudes da vida. Luís ter-se-ia arrependido de ter deixado uma filha ao abandono, e queria agora recompensá-la, são kangalutas, o destino virou-se do avesso, quem veio anunciar a herança, e que diz vezes sem fim que está farta daquela terra grita bem alto que se há uma juventude que quer limpar o país da corrupção e do desdém internacional, ela fica, tem uma causa, aquele país precisa dela.

Será metáfora, alegoria, parábola? A ferida do passado colonial sarou, chegou a hora da reconciliação, na cena teatral aquelas mulheres de dois países mostram ao público que estão de mãos dadas. É esta a bela lição para guineenses e portugueses que o grande escritor Abdulai Sila nos oferece.

Para saber mais, recomenda-se o artigo de Ianes Augusto Cá e Maria Sousa Assis, intitulado “Kangalutas e espinhoso mistidas: estético e político nas peças de Abdulai Sila”: https://repositorio.unilab.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2690/1/1.%20TCC%20-%20Vers%c3%a3o%20Final.%20Ianes.%2014012022.pdf publicado pela UNILAB – Universidade de Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

Imagem da peça de teatro Kangalutas, de Abdulai Sila
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Nota do editor

Último post da série de 7 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25614: Notas de leitura (1698): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1857) (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25627: Efemérides (441): Comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, promovida pelo Núcleo de Matosinhos da LC, em colaboração com a União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, levada a efeito na Freguesia de Leça da Palmeira (LC / Carlos Vinhal)

Realizou-se em Matosinhos - Leça da Palmeira, a cerimónia de comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, promovida pelo Núcleo, em colaboração com a União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira.
Pelas 10H15 iniciou-se a cerimónia com a concentração dos participantes em frente ao edifício da Junta, sendo de seguida içada a Bandeira Nacional pelo Presidente da União de Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira, Sr. Paulo de Carvalho. Ao mesmo tempo que o grupo de sócias e sócios do Núcleo entoava o Hino Nacional, o clarim dos Bombeiros de Matosinhos e Leça da Palmeira, solicitado para o efeito, fez os toques adequados àquela cerimónia.

Pelas 10H30 foi dada continuidade ao programa no cemitério local - Talhão Militar da Liga, onde se encontravam posicionados o porta-guião, o clarim e uma Guarda de Honra composta por sócios combatentes.

Procedeu-se à chamada dos combatentes leceiros mortos na Guerra do Ultramar pelo Vogal da Direção José Oliveira, seguida da deposição de duas coroas de flores no Talhão pelo Presidente do Núcleo e pelo Presidente da União de Freguesias.
A cerimónia continuou com o Toque de Homenagem aos Mortos e foi guardado um minuto de silêncio com cântico de um salmo pelos sócios presentes para o efeito, terminando com a evocação religiosa pelo Rev. Padre Francisco Andrade.
Posteriormente foram feitas pelo Presidente do Núcleo e pelo Presidente da União de Freguesias alocuções alusivas ao ato. Os discursos realçaram a importância de homenagear a memória de todos aqueles que, ao longo da nossa História, tombaram no campo da honra, nomeadamente na Guerra do Ultramar.

Para terminar, foi cantado o Hino da Liga dos Combatentes na presença de dezenas de sócios, seus familiares, combatentes e público em geral que estiveram presentes nesta atividade cívica e patriótica.

Fez-se cumprir pela 16ª vez, a tradição de uma iniciativa de um grupo de combatentes leceiros (que são presentemente sócios da Liga) que, antes da existência do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, a realizavam anualmente em Leça da Palmeira, no dia 10JUN.
A Bandeira Portuguesa hasteada no edifício da Junta de Freguesia de Leça da Palmeira
Sócios da Liga interpretam o Hino Nacional
Guião do Núcleo de Matosinhos da LC e parte da guarda de honra formada pelos Antigos Combatentes
Presidente do Núcleo de Matosinhos da LC e Presidente da União de Freguesias
O Clarim dos Bombeiros Voluntários de Matosinhos-Leça, senhor Francisco, e o Vice-Presidente do Núcleo de Matosinhos da LC, SAj Joaquim Oliveira, que coordenou a cerimónia
Antigos Combatentes presentes
Grupo de sócios interpreta um cântico alusivo ao momento
As individualidades que presidiram à cerimónia, vão proceder à colocação das coroas de flores junto ao Talhão da LC existente do Cemitério n.º 1 de Leça da Palmeira
O senhor Pe. Francisco Andrade durante a evocação religiosa
Tenente Coronel Armando Costa, Presidente do Núcleo de Matosinhos da LC, durante a sua alocução
Paulo de Carvalho, Presidente da União das Freguesias de Matosinhos e Leça da Palmeira. no uso da palavra.


Texto e fotos: Núcleo de Matosinhos da LC
Edição e legendagem das fotos: Carlos Vinhal

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Nota do editor

Último post da série de 10 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25626: Efemérides (440): 10 de junho, "comemorativo da Festa de Portugal", foi fixado em 1929 por decreto da Ditadura Militar

Guiné 61/74 - P25626: Efemérides (440): 10 de junho, "comemorativo da Festa de Portugal", foi fixado em 1929 por decreto da Ditadura Militar

 





Era então presidente do ministério (1º ministro) o gen Artur Ivens Ferraz (1870-1933) e presidente da República, o gen Oscar CarmonaOscar Carmona (1869-1951).

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Nota do editor:

Último poste da série > 10 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25625: Efemérides (439): 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (Excertos de "Em foco", por Ana Rita Carvalho, Jornal do Exército, nº 730, junho de 2023