1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil de Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 2 de Março de 2010:Caro Vinhal:
Na sexta passada, estive, uma vez mais, de visita a um ex-camarada da CCAÇ 2701 - Saltinho 70/72 -, que a doença tem perseguido ferozmente nesta fase da sua vida (após uma delicadíssima operação cirúrgica ao coração há cerca de dois anos, acabou de ser operado,
in extremis, a um aneurisma na aorta). Chama-se Rui Coelho, é natural de Ermesinde e funcionário da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Dada a minha Especialidade (Informações, lembras-te?...), lidei directamente com o Rui (Cripto), do qual tenho as melhores recordações de amizade e camaradagem.
[...]
Um grande abraço do amigo
Mário Migueis
Como reencontrei Rui Coelho ao fim de 15 anos Agosto de 1986Os meus dois filhos, um com sete, outro com cinco anos de idade, não desistem de me pressionar para a realização urgente de um acampamento com os quatro primos sensivelmente da sua idade, dois deles residentes em Lamego, mas de férias na minha casa, em Esposende.
“Esta agora,… e para onde é que eu vou com esta malta toda? Não posso ir para longe, porque os pais ficam preocupados; não posso ficar muito isolado, porque preciso de ter tudo, ou quase tudo, à mão…”
Pensa daqui, pensa dali, ainda experimentei sugerir o quintal da minha casa, mas levei logo um rotundo “bââaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!”. Então, de repente, tive uma ideia luminosa: o “Camping” da Prelada, no Porto!...
“É isso mesmo, é o parque que preenche todos os requisitos e mais alguns para a finalidade em vista.”
Só lhe conhecia a fachada, virada para a Rua Monte dos Burgos, uma das mais movimentadas da invicta cidade, mas sabia, pelos roteiros, que era, então, um dos melhores “campings" do país, a funcionar num grande e frondoso parque com pequenos lagos, um dos quais com um castelo e patos, cisnes e muito mais. Enfim, cenário para as aventuras que todos desejávamos. Para além do mais, tinha resolvido o problema da noite, após o jantar, que me preocupava sobremaneira, porque imaginava os putos sem sono e desorientados, sem saberem o que fazer até à hora da deita.
“Tinha resolvido o problema como?!...”
Ora, iríamos era comer à Feira Popular, que tinha lugar, ali a dois passos, no Palácio de Cristal e, com todas aquelas diversões ali à mão de semear, ia ser divertidíssimo para os campistas, que haveriam de regressar ao parque arrasados e a cair para o lado com a soneira.
Pois bem, no dia seguinte, por volta das cinco de uma tarde cheia de sol, lá demos entrada no Parque da Prelada, para uma estada provável de dois dias. De saco às costas e aos pinotes de ansiedade, pareciam pequenos pára-quedistas prontos a lançarem-se num espaço fantástico de novas aventuras - nisso era especialista o sétimo puto, então com trinta e tal anitos de idade.
Estava a malta a montar as três tendas, os mais velhinhos – eu, incluído – ensinando os outros a espetar as estacas e a esticar as espias, quando se ouviu uma voz grossa e supostamente irada atrás de nós:
“Que pouca vergonha vem a ser esta?!!...”.
Volto-me, curioso, para identificar o brincalhão e acabo à gargalhada, abraçado ao intruso, por entre aquelas exclamações próprias de quem já se não vê há séculos.
Era, nem mais nem menos, o Rui Coelho, um dos dois 1.ºs Cabos Op. Criptos da CCAÇ 2701, com a qual estive, no Saltinho, de Março/71 a Março/72, altura em que foi rendida pela CCAÇ 3490, do nosso camarada António Batista, “ sócio honorário” da Tabanca de Matosinhos.
Eu e o Rui já não nos víamos desde a altura do seu regresso à metrópole - tinham decorrido apenas cerca de quinze anos -, pela simples razão de que eu ficara ainda pelo Saltinho a amargar mais uns oito mesitos, facto que me fez perder o seu rasto. Deixámos os putos entretidos com a montagem das tendas e fomos até ao bar do parque matar saudades, enquanto degustávamos um bom vinho do Porto, oferecido pelo amável director do “camping”, que era, afinal, ele mesmo, o Rui Coelho.
Ainda hoje fico a pensar na coincidência tão curiosa da minha escolha de um parque que eu não conhecia, a uma distância da minha casa – apenas cerca de 40 kms – que ditariam como altamente improvável a sua escolha para o que quer que fosse, e as circunstâncias em que tudo tinha ocorrido. Contou o Rui que tinha acabado de chegar e, como era habitual, fora dar uma vista de olhos ao livro de entradas no parque, tendo-lhe chamado a atenção um nome – o meu -, que, pesem embora os anos volvidos, ainda lhe era familiar.
A partir daquele memorável “Acampamento dos Sete Putos”, eu e o Rui passámos a rever-nos com alguma frequência, inclusivamente nos convívios anuais, que entretanto a Companhia CCAÇ 2701 passou a realizar.
Ontem mesmo, fui visitá-lo. Só que, desta feita, ao Hospital da Prelada, onde está internado desde Outubro passado. Fora sujeito a uma intervenção cirúrgica de urgência a um aneurisma na aorta, tendo vencido, à rasquinha, mais um dos combates com que a vida o tem confrontado. Acabou de dispensar a cadeira de rodas e já se encontra em plena fase de reabilitação física. A nossa conversa decorreu num dos ginásios daquela casa de saúde, enquanto o Rui se familiarizava de mansinho com os exercícios que lhe vão devolver toda aquela energia que sempre o caracterizou. É que o Rui, para além do trabalho de gabinete – criptografia - , dado, nos mais dos casos, à criação de proeminentes barriguinhas e flacidez muscular , era um excelente desportista, tendo feito parte da equipa de futebol de 6 “Os Infernais”, que era apenas a campeã da CCAÇ, tendo vencido o último campeonato sem empates nem derrotas. Mas, para além de um camarada inteligente, responsável e grande atleta, o Rui Coelho era um tipo muito valente. Baixo e entroncado, ninguém lhe metia medo, fosse alto e espadaúdo, fosse azul ou amarelo - ”era do norte, canudo!... “ Recordo-me muito bem, por exemplo, de uma vez em que me obrigou a meter “uma cunha” ao capitão para que este o autorizasse a participar numa operação, em que as hipóteses de contacto com o IN eram mais que muitas. O Rui foi, sobreviveu e pediu mais. Já agora, uma nota curiosa: o Rui tinha um fraquinho pelo nosso morteiro 10.7, fazendo, voluntariamente, equipa com o grandalhão do Furriel Bernardes, especialista de Armas Pesadas.
"Os Infernais" - Campeões Absolutíssimos de Futebol de 6/SEIS da CCAÇ 2701 - Saltinho 70/72.
De pé, da esquerda para a direita: Mário Migueis, Duarte (Fur Pel Caç Nat 53), Rui Coelho, Sargaço (Cripto) e Simão (Escriturário, já falecido); em baixo, mesma ordem, Remígio, Cruz (Transmissões) e AmadeuPor pequenas/grandes coisas como as referidas, associadas ao facto de trabalharmos juntos diariamente no gabinete de Comando - que acolhia igualmente o Serviço de Informações e, numa saleta contígua, o Centro de Criptografia -, o Rui Coelho era dos meus camaradas mais considerados e amigos. Fez também parte do quarteto da Redacção/Edição/Distribuição do jornal da unidade – o conceituado e independente “Saltitão”, de que hei-de falar a seu tempo – e acompanhou-me, assim como ao outro 1.º Cabo Op. Cripto (Zé Sargaço) e ao Furriel TRMS (Faria), em montes de iniciativas e brincadeiras, tais como entrevistas feitas e gravadas nos postos de sentinela durante as noites de Natal e Ano Novo.
Para ele, os meus votos de um restabelecimento total e com a velocidade de uma “zulu”.
Esposende, 26 de Fevereiro de 2010
Mário Migueis
PS: Como o Rui, alegando já não ter paciência para "as internetes", declinou o meu convite para a nossa tertúlia, cravei-lhe uma cópia das fotos do seu album de combatente para eventual publicação no blogue.
Em anexo, seguem alguns exemplares com a respectiva legenda."
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5733: História de vida (17): António Marques, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), um sobrevivente nato (Mário Miguéis / Luís Graça)Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5822: Estórias avulsas (75): Do Cumeré a Canquelifá (João Adelino Aves Miranda, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73)