

Meu Amigo Carlos Vinhal
Como ao que me apercebo, recuperaste todas as forças (será?) e mais algumas, cá te mando mais um troçozito da minha ”Viagem…”, que não foi antes, nem acoplado ao anterior, por querer inserir a história transcrita por um dos actores na época, em documento que… nunca mais me chega às mãos.
Assim cá vai e depois… se o doc acabar por chegar (tem que chegar, só não sei quando… também o darei a conhecer.
Vistas bem as coisas, naquela vida e idade, um “gajo” ao “mínimo” pretexto aproveitava para… beber uns copos, não seria? Se calhar nem seria preciso outro pretexto do que… estar lá naquela “vidinha” !!
Um abraço para os que vão tendo a paciência de me ir lendo.
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (33)
Teixeira Pinto – Perdidos (2)
Estávamos em retirada, depois de um confronto nas matas do Balanguerez. (vd. Poste 6990*)
O temporal era de fazer medo e à forte chuvada que se misturava com o suor peganhento que nos toldava a vista, juntavam-se relâmpagos que, já a anoitecer, começavam a fazer as matas dançar ao nosso olhar, confundindo-nos as definições e as distâncias do observado.
Com azimute pré-definido, a “bicha de pirilau” avança como usual, ziguezagueando em corta-mato para local escolhido, junto à estrada antiga Teixeira Pinto – Cacheu, onde emboscará para passar a noite. No trajecto damo-nos conta que a ultima meia dúzia de Rapazes tinham ficado para trás, perdidos (vd. P-6990*).
Após uma noite tenebrosa de dilúvio e mordidelas que mais pareciam queimadelas - provocadas por aquela mosquitada pequenina e negra que se entranhava por tudo o que era sítio, se embrenhava pelos cabelos queimando-nos o couro cabeludo e torrando-nos a paciência - o dealbar encontra-me metido na valeta, com água até ao peito e sem que tenha conseguido pregar olho, devido ao aguaceiro caído dos céus e especialmente à mosquitada que não havia meio de se afogar.
Era altura de fazer os tiros de sinalização, a ver se os “perdidos” respondiam. Assim foi feito… respondem de pronto e logo começa a aparecer, um a um, a “Jericada” (como dizia o Castro), saídos da orla da mata. Por fim íamos ficar a saber o que se tinha passado mas, antes havia que levantar arraiais e procurar outro poiso para emboscar… não fosse o diabo tecê-las.
Depois de, na certa, terem ouvido daquelas bocas ”foleiras” em titulo de comentários jocosos, - demonstrativas de proximidade, afinidade e de afecto, - usuais por aquelas paragens e situações, começam a contar, mais coisa menos coisa, que “após uma breve paragem, o bi-grupo recomeça o andamento e o Barros (Alf), que ia nos últimos lugares, pára por momentos para apertar as botas, mijar ou o “car… que o fo…”, sem avisar quem ia à sua frente. Claro que os que íamos atrás também parámos!”…
Já ao anoitecer e com aquele temporal, foi o suficiente para ficarem isolados. Foram seguindo os tiros de localização, mas não responderam por receio que o IN percebesse eventualmente o que se passava.
Continuam : “ouvíamos os tiros e não percebíamos porque não respondíamos e às tantas o Lobo (4.º GCOMB) começa a magicar que o Barros era preto da Guiné e se calhar tinha-se feito perder de propósito (!?) para se poder passar para o outro lado, naquela ocasião em que eles (IN) andavam ali por perto. “
Teixeira Pinto - Sold.Lobo (4.º GCOMB) com MG
Diz o Lobo: “Às tantas parámos e ele (Barros) pega no mapa e na bússola e quer que eu fique com aquilo. Digo-lhe que não percebo nada de mapas nem de bússolas, que não aceito e começo a pensar que afinal o fdp sempre se quer passar e vai-nos deixar aqui no meio da mata. Não, não nos vais f…, não vais conseguir… antes eu mando-te p´ró ca… e logo atrás dele, não o larguei da ponta da arma.”
Esclarece o Barros (Alf do 2. º GCOMB) que foram seguindo os sinais, mas era perigoso responder e que a dada altura começou a pensar : ” F… se somos apanhados… os fdp percebem que sou graduado e são capazes de me limpar o coiro. “
Prossegue: “então quis dar o mapa e a bússola ao Lobo (instrumentos usados pelos graduados) e assim, caso acontecesse, ele até beneficiaria e eu teria mais hipóteses. Mas… vi a reacção, senti o motivo da recusa e disse cá para mim, que se f…., o que tiver que ser… será. Notei que o pessoal tinha ficado um tanto inquieto e apreensivo pelo que lhes expliquei o que me tinha levado a propor aquilo. Ficaram então tranquilos achando até que devia ser levada avante. Não, não aceitei e a progressão continuou até à orla da mata onde passámos aquela tenebrosa noite emboscados, até que ouvimos a sinalização ao amanhecer. Estávamos nas imediações, respondemos.”
(Esta situação, à altura preocupante, dá agora azo a momentos hilariantes quando é recontada pelos intervenientes)
Novamente juntos faltava chegar as viaturas para nos levarem a porto mais seguro…Teixeira Pinto e à nossa bela vivenda, onde certamente se iria fazer uma “cerimónia” de truz.
Luís Faria
__________
Nota de CV:
(*) Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6990: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (32): Teixeira Pinto - Perdidos (1)