1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 22 de Setembro de 2010:
Meu Amigo Carlos Vinhal
Como ao que me apercebo, recuperaste todas as forças (será?) e mais algumas, cá te mando mais um troçozito da minha ”Viagem…”, que não foi antes, nem acoplado ao anterior, por querer inserir a história transcrita por um dos actores na época, em documento que… nunca mais me chega às mãos.
Assim cá vai e depois… se o doc acabar por chegar (tem que chegar, só não sei quando… também o darei a conhecer.
Vistas bem as coisas, naquela vida e idade, um “gajo” ao “mínimo” pretexto aproveitava para… beber uns copos, não seria? Se calhar nem seria preciso outro pretexto do que… estar lá naquela “vidinha” !!
Um abraço para os que vão tendo a paciência de me ir lendo.
Luís Faria
Viagem à volta das minhas memórias (33)
Teixeira Pinto – Perdidos (2)
Estávamos em retirada, depois de um confronto nas matas do Balanguerez. (vd. Poste 6990*)
O temporal era de fazer medo e à forte chuvada que se misturava com o suor peganhento que nos toldava a vista, juntavam-se relâmpagos que, já a anoitecer, começavam a fazer as matas dançar ao nosso olhar, confundindo-nos as definições e as distâncias do observado.
Com azimute pré-definido, a “bicha de pirilau” avança como usual, ziguezagueando em corta-mato para local escolhido, junto à estrada antiga Teixeira Pinto – Cacheu, onde emboscará para passar a noite. No trajecto damo-nos conta que a ultima meia dúzia de Rapazes tinham ficado para trás, perdidos (vd. P-6990*).
Após uma noite tenebrosa de dilúvio e mordidelas que mais pareciam queimadelas - provocadas por aquela mosquitada pequenina e negra que se entranhava por tudo o que era sítio, se embrenhava pelos cabelos queimando-nos o couro cabeludo e torrando-nos a paciência - o dealbar encontra-me metido na valeta, com água até ao peito e sem que tenha conseguido pregar olho, devido ao aguaceiro caído dos céus e especialmente à mosquitada que não havia meio de se afogar.
Era altura de fazer os tiros de sinalização, a ver se os “perdidos” respondiam. Assim foi feito… respondem de pronto e logo começa a aparecer, um a um, a “Jericada” (como dizia o Castro), saídos da orla da mata. Por fim íamos ficar a saber o que se tinha passado mas, antes havia que levantar arraiais e procurar outro poiso para emboscar… não fosse o diabo tecê-las.
Depois de, na certa, terem ouvido daquelas bocas ”foleiras” em titulo de comentários jocosos, - demonstrativas de proximidade, afinidade e de afecto, - usuais por aquelas paragens e situações, começam a contar, mais coisa menos coisa, que “após uma breve paragem, o bi-grupo recomeça o andamento e o Barros (Alf), que ia nos últimos lugares, pára por momentos para apertar as botas, mijar ou o “car… que o fo…”, sem avisar quem ia à sua frente. Claro que os que íamos atrás também parámos!”…
Já ao anoitecer e com aquele temporal, foi o suficiente para ficarem isolados. Foram seguindo os tiros de localização, mas não responderam por receio que o IN percebesse eventualmente o que se passava.
Continuam : “ouvíamos os tiros e não percebíamos porque não respondíamos e às tantas o Lobo (4.º GCOMB) começa a magicar que o Barros era preto da Guiné e se calhar tinha-se feito perder de propósito (!?) para se poder passar para o outro lado, naquela ocasião em que eles (IN) andavam ali por perto. “
Teixeira Pinto - Sold.Lobo (4.º GCOMB) com MG
Diz o Lobo: “Às tantas parámos e ele (Barros) pega no mapa e na bússola e quer que eu fique com aquilo. Digo-lhe que não percebo nada de mapas nem de bússolas, que não aceito e começo a pensar que afinal o fdp sempre se quer passar e vai-nos deixar aqui no meio da mata. Não, não nos vais f…, não vais conseguir… antes eu mando-te p´ró ca… e logo atrás dele, não o larguei da ponta da arma.”
Esclarece o Barros (Alf do 2. º GCOMB) que foram seguindo os sinais, mas era perigoso responder e que a dada altura começou a pensar : ” F… se somos apanhados… os fdp percebem que sou graduado e são capazes de me limpar o coiro. “
Prossegue: “então quis dar o mapa e a bússola ao Lobo (instrumentos usados pelos graduados) e assim, caso acontecesse, ele até beneficiaria e eu teria mais hipóteses. Mas… vi a reacção, senti o motivo da recusa e disse cá para mim, que se f…., o que tiver que ser… será. Notei que o pessoal tinha ficado um tanto inquieto e apreensivo pelo que lhes expliquei o que me tinha levado a propor aquilo. Ficaram então tranquilos achando até que devia ser levada avante. Não, não aceitei e a progressão continuou até à orla da mata onde passámos aquela tenebrosa noite emboscados, até que ouvimos a sinalização ao amanhecer. Estávamos nas imediações, respondemos.”
(Esta situação, à altura preocupante, dá agora azo a momentos hilariantes quando é recontada pelos intervenientes)
Novamente juntos faltava chegar as viaturas para nos levarem a porto mais seguro…Teixeira Pinto e à nossa bela vivenda, onde certamente se iria fazer uma “cerimónia” de truz.
Luís Faria
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Nota de CV:
(*) Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6990: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (32): Teixeira Pinto - Perdidos (1)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7031: Notas de leitura (149): A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa, de António Duarte Silva (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Setembro de 2010:
Queridos amigos,
O que é bom acabou-se. Mas foram umas férias impares, andei por museus e casas senhoriais, vagueei por jardins e até apanhei chuva. O melhor de tudo, como já se vai repetindo, foram os vales de Yorkshire, um dos locais mais aprazíveis que conheço.
Chegou a hora de voltar ao trabalho. Talvez da melhor maneira, começando com o outro livro (também incontornável) desse grande estudioso que é o António Duarte Silva. Ele tinha obrigação de se filiar na tertúlia, não conheço melhor informado sobre a Guiné do que ele.
Um abraço a todos na chegada do Outono,
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (1)
Beja Santos
Se com “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” António E. Duarte Silva escreveu um ensaio memorável da Guiné Portuguesa entre os anos 40 e a luta da libertação (Edições Almedina, 2010), o seu trabalho anterior intitulado “A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa” (Edições Afrontamento, 1997) possui idêntica qualidade, rigor e originalidade. São investigações complementares, nalguns casos cruzam-se e amplificam os elementos de compreensão sobre a vida da colónia, clarificam os alvores do nacionalismo guineense, as estratégias que levaram à declaração unilateral de independência, comentam o comportamento da Guiné-Bissau recém-independente, analisam exaustivamente a formação do Estado e todas as questões inerentes seja o direito à autodeterminação seja o direito da descolonização. Igualmente o acervo bibliográfico é incontornável. Tudo somado, não se conhece na actualidade melhor investigação sobre as últimas décadas da Guiné, desde que se tornou uma colónia modelo, ainda nos anos 40, passando pela via da libertação nacional e as diferentes constituições bissau-guineenses.
É um estudo suficientemente rico para obrigar a sucessivos olhares, etapas e eventos, obrigando a seccionar a recensão. Como segue.
Primeiro, António Duarte Silva regista o que de essencial avulta na visão colonial portuguesa entre os anos 30 e o movimento descolonizador, subsequente à Segunda Guerra Mundial. Aliás, em idêntico sentido procede o historiador Filipe Ribeiro Menezes na sua monumental obra “Salazar, Uma Biografia Política” (Publicações Dom Quixote, 2010). Sem se entender o pensamento de Salazar desde o Acto Colonial até ao anti-colonialismo que explodiu na Ásia e na África, não é compreensível apreender e caracterizar o que movia as organizações independentistas que actuaram na Guiné ao longo da década de 50.
Segundo, o autor releva os acontecimentos inerentes ao massacre do Pidjiguiti, a importante reunião de 19 de Setembro de 1959, considerada determinante na história do PAIGC, a formação do frentismo anti-colonial, a tentativa do perfil ideológico de Cabral e como o seu pensamento se tornou dominante dentro do movimento de libertação e o início da luta armada, dando-se igualmente um quadro da actuação da FLING. Como é evidente, torna-se necessário equacionar a chamada unidade Guiné-Cabo Verde e até encontrar base histórica, sem descurar os símbolos e mitos dessa unidade. Segue-se o período que vai da “batalha do Como”, em 1964, até à nomeação de Spínola, em 1968. É um lugar-comum dizer-se que foi um período crucial, desde 1963 que o PAIGC se tornou preponderante no Sul e Amílcar Cabral destacou-se, ao nível dos movimentos de libertação, como figura de proa. É o tempo do crescendo da guerra que vai obrigar Spínola a redefinir a manobra e a procurar em simultâneo dissuadir a contra-guerrilha e a captar as populações.
Terceiro, analisa-se o contexto da independência, e aqui o autor dá largas à sua formação jurídica, recordando o historial de sucessivas independências unilaterais, a começar pelos Estados Unidos da América. Não querendo repetir o que já foi anotado em “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” é de indiscutível importância perceber o que foi a formação da Guiné-Bissau enquanto Estado africano e as suas singularidades no contexto do Império Colonial Português. Para entender a declaração unilateral da independência, de 24 de Setembro de 1973, é preciso recuar até 1968 e passar em revista a evolução dos acontecimentos no teatro de operações, o significado do relatório da Missão Especial da ONU, em Abril de 1972, os sucessivos triunfos da diplomacia do PAIGC e o seu plano para pôr o Estado em movimento: a eleição da Assembleia Nacional Popular como facto inédito que precede a declaração da independência.
Quarto, o autor descreve a viragem da guerra e os principais eventos de 1973, desde as operações “Amílcar Cabral” e “Nô Pintcha”, o novo plano de encurtamento da área ocupada pelas tropas portuguesas (seguramente o motivo maior que levou ao pedido de demissão de Spínola), o II Congresso do PAIGC e a aprovação da Constituição do Boé. António Duarte Silva analisa pormenorizadamente as repercussões desta declaração de independência, na ONU, no Governo português, nos dois partidos da oposição (Partido Socialista e PCP). Entre 27 de Setembro e 7 de Outubro de 1973, a República da Guiné-Bissau foi imediatamente reconhecida pela grande maioria dos Estados africanos, asiáticos, árabes e comunistas. Numa medida surpreendente, em 2 de Novembro, a Assembleia-Geral da ONU aprovava, por 93 votos, 30 abstenções e 7 votos contra, uma resolução felicitando-se “Pelo recente acesso à independência do povo da Guiné-Bissau, ao criar o Estado soberano que é a República da Guiné-Bissau”. Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau era admitida por unanimidade na Organização da Unidade Africana. Tal como nas independências dos EUA e do Brasil, a guerra prosseguiu mais algum tempo. Os primeiros meses de 1974 viram encarniçados combates, desapareceu a guarnição de Copá, Canquelifá esteve a ferro e fogo, obrigando a uma intervenção do Batalhão de Comandos. Em Março, em reunião secreta, sentaram-se à mesa diplomatas portugueses com uma delegação do PAIGC, com resultados inconclusivos. O representante do Governo português só queria discutir o cessar-fogo para abrir negociações a uma eventual independência da Guiné. A delegação do PAIGC recusou-se a discutir a independência da Guiné sem a complementar com a de Cabo Verde. E assim chegamos ao 25 de Abril de 1974.
(Continua)
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6975: In Memoriam (51): Djassió Soncó, mulher do guia Quebá Soncó (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6966: Notas de leitura (148): Transição Democrática na Guiné-Bissau, por Johannes Augel e Carlos Cardoso (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
O que é bom acabou-se. Mas foram umas férias impares, andei por museus e casas senhoriais, vagueei por jardins e até apanhei chuva. O melhor de tudo, como já se vai repetindo, foram os vales de Yorkshire, um dos locais mais aprazíveis que conheço.
Chegou a hora de voltar ao trabalho. Talvez da melhor maneira, começando com o outro livro (também incontornável) desse grande estudioso que é o António Duarte Silva. Ele tinha obrigação de se filiar na tertúlia, não conheço melhor informado sobre a Guiné do que ele.
Um abraço a todos na chegada do Outono,
Mário
A independência da Guiné-Bissau e a descolonização portuguesa (1)
Beja Santos
Se com “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” António E. Duarte Silva escreveu um ensaio memorável da Guiné Portuguesa entre os anos 40 e a luta da libertação (Edições Almedina, 2010), o seu trabalho anterior intitulado “A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa” (Edições Afrontamento, 1997) possui idêntica qualidade, rigor e originalidade. São investigações complementares, nalguns casos cruzam-se e amplificam os elementos de compreensão sobre a vida da colónia, clarificam os alvores do nacionalismo guineense, as estratégias que levaram à declaração unilateral de independência, comentam o comportamento da Guiné-Bissau recém-independente, analisam exaustivamente a formação do Estado e todas as questões inerentes seja o direito à autodeterminação seja o direito da descolonização. Igualmente o acervo bibliográfico é incontornável. Tudo somado, não se conhece na actualidade melhor investigação sobre as últimas décadas da Guiné, desde que se tornou uma colónia modelo, ainda nos anos 40, passando pela via da libertação nacional e as diferentes constituições bissau-guineenses.
É um estudo suficientemente rico para obrigar a sucessivos olhares, etapas e eventos, obrigando a seccionar a recensão. Como segue.
Primeiro, António Duarte Silva regista o que de essencial avulta na visão colonial portuguesa entre os anos 30 e o movimento descolonizador, subsequente à Segunda Guerra Mundial. Aliás, em idêntico sentido procede o historiador Filipe Ribeiro Menezes na sua monumental obra “Salazar, Uma Biografia Política” (Publicações Dom Quixote, 2010). Sem se entender o pensamento de Salazar desde o Acto Colonial até ao anti-colonialismo que explodiu na Ásia e na África, não é compreensível apreender e caracterizar o que movia as organizações independentistas que actuaram na Guiné ao longo da década de 50.
Segundo, o autor releva os acontecimentos inerentes ao massacre do Pidjiguiti, a importante reunião de 19 de Setembro de 1959, considerada determinante na história do PAIGC, a formação do frentismo anti-colonial, a tentativa do perfil ideológico de Cabral e como o seu pensamento se tornou dominante dentro do movimento de libertação e o início da luta armada, dando-se igualmente um quadro da actuação da FLING. Como é evidente, torna-se necessário equacionar a chamada unidade Guiné-Cabo Verde e até encontrar base histórica, sem descurar os símbolos e mitos dessa unidade. Segue-se o período que vai da “batalha do Como”, em 1964, até à nomeação de Spínola, em 1968. É um lugar-comum dizer-se que foi um período crucial, desde 1963 que o PAIGC se tornou preponderante no Sul e Amílcar Cabral destacou-se, ao nível dos movimentos de libertação, como figura de proa. É o tempo do crescendo da guerra que vai obrigar Spínola a redefinir a manobra e a procurar em simultâneo dissuadir a contra-guerrilha e a captar as populações.
Terceiro, analisa-se o contexto da independência, e aqui o autor dá largas à sua formação jurídica, recordando o historial de sucessivas independências unilaterais, a começar pelos Estados Unidos da América. Não querendo repetir o que já foi anotado em “Invenção e Construção da Guiné-Bissau” é de indiscutível importância perceber o que foi a formação da Guiné-Bissau enquanto Estado africano e as suas singularidades no contexto do Império Colonial Português. Para entender a declaração unilateral da independência, de 24 de Setembro de 1973, é preciso recuar até 1968 e passar em revista a evolução dos acontecimentos no teatro de operações, o significado do relatório da Missão Especial da ONU, em Abril de 1972, os sucessivos triunfos da diplomacia do PAIGC e o seu plano para pôr o Estado em movimento: a eleição da Assembleia Nacional Popular como facto inédito que precede a declaração da independência.
Quarto, o autor descreve a viragem da guerra e os principais eventos de 1973, desde as operações “Amílcar Cabral” e “Nô Pintcha”, o novo plano de encurtamento da área ocupada pelas tropas portuguesas (seguramente o motivo maior que levou ao pedido de demissão de Spínola), o II Congresso do PAIGC e a aprovação da Constituição do Boé. António Duarte Silva analisa pormenorizadamente as repercussões desta declaração de independência, na ONU, no Governo português, nos dois partidos da oposição (Partido Socialista e PCP). Entre 27 de Setembro e 7 de Outubro de 1973, a República da Guiné-Bissau foi imediatamente reconhecida pela grande maioria dos Estados africanos, asiáticos, árabes e comunistas. Numa medida surpreendente, em 2 de Novembro, a Assembleia-Geral da ONU aprovava, por 93 votos, 30 abstenções e 7 votos contra, uma resolução felicitando-se “Pelo recente acesso à independência do povo da Guiné-Bissau, ao criar o Estado soberano que é a República da Guiné-Bissau”. Em 19 de Novembro, a Guiné-Bissau era admitida por unanimidade na Organização da Unidade Africana. Tal como nas independências dos EUA e do Brasil, a guerra prosseguiu mais algum tempo. Os primeiros meses de 1974 viram encarniçados combates, desapareceu a guarnição de Copá, Canquelifá esteve a ferro e fogo, obrigando a uma intervenção do Batalhão de Comandos. Em Março, em reunião secreta, sentaram-se à mesa diplomatas portugueses com uma delegação do PAIGC, com resultados inconclusivos. O representante do Governo português só queria discutir o cessar-fogo para abrir negociações a uma eventual independência da Guiné. A delegação do PAIGC recusou-se a discutir a independência da Guiné sem a complementar com a de Cabo Verde. E assim chegamos ao 25 de Abril de 1974.
(Continua)
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 12 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6975: In Memoriam (51): Djassió Soncó, mulher do guia Quebá Soncó (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6966: Notas de leitura (148): Transição Democrática na Guiné-Bissau, por Johannes Augel e Carlos Cardoso (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P7030: Memória dos lugares (100): O dia em que o RAP2 esteve sob ameaça terrorista (Joaquim Mexia Alves)
1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 21 de Setembro de 2010:
Meus caros camarigos editores
Tenho lido alguns textos fazendo referência às Unidades militares onde alguns camarigos fizeram as suas recrutas ou especialidades, bem como, as que foram Unidades mobilizadoras dos Batalhões e Companhias que rumaram à Guiné.
Achei por bem então, escrever um texto, relembrando uma história engraçada que se passou comigo e com outros, no então RAP 2, na Serra do Pilar, onde formei Batalhão para servir na Guiné.
JMA
O DIA EM QUE O RAP2 ESTEVE SOB AMEAÇA TERRORISTA
Cheguei ao RAP2, (julgo que juntamente com os outros oficiais, (Aspirantes), e sargentos, (Cabos Milicianos que iam formar Batalhão), aí pelo mês de Julho, findas que tinham sido as Especialidades de cada um.
Julgo que começámos a instrução do Batalhão por volta de Outubro de 1971, partindo para a Guiné no dia 21 de Dezembro do mesmo ano, a bordo do Niassa, a partir de Lisboa.
Houve então ali um período, entre Julho e Outubro, em que fizemos sobretudo Oficiais de Piquete e ao que me lembro pouco mais.
Havia então ali, à saída em frente da descida, o Café Mucaba e do outro lado da Ponte Luís I, do lado esquerdo de quem vai para o Porto, o Bar América, (onde umas raparigas de fino porte alegravam as noites), mas isso são outras histórias que talvez um dia conte.
Mas vamos à história, na qual omitirei os nomes, (tirando o meu), por razões óbvias que compreenderão, e que envolve dois Alferes Milicianos que não pertenciam ao Batalhão e julgo nem sequer foram mobilizados para lado nenhum.
Um, (a “vítima” da partida que vou contar), era bom rapaz, mas um pouco lerdo, se é que me faço entender, de tal forma que não podia, por ordens superiores ao que me lembro, ocupar as funções de Oficial de Dia.
Ora como o fruto proibido é o melhor, o homem ansiava por um dia poder andar de pistola à cinta, fazendo de Oficial de Dia.
O outro, o colaborador na partida, era um “gajo porreiro”, que andava por ali a passar o tempo à espera de acabar o tempo da tropa e que obviamente não levava nada daquilo a sério.
Claro que entre ele e mim se estabeleceu uma certa empatia, e se eu já estava apanhado do clima mesmo antes de chegar à Guiné, ele não estaria muito melhor, afectado com certeza pelos ares demasiado “puros” da Serra do Pilar.
Ora um dia em que por coincidência ele está de Oficial de Dia e eu de Oficial de Piquete, depois de uns uísques bebidos na Messe de Oficiais e com certeza de imensos “elogios” à família militar que nos dava cama e mesa naqueles tempos, decidimos concretizar o sonho do outro Alferes acima referido, e que nunca ou quase nunca saía do quartel.
Se bem pensámos, melhor o fizemos, e engendramos o seguinte esquema.
Ao fim do dia, (quando já tivessem saído os Comandantes), depois do jantar, (já noite dentro, para não haver surpresas de oficiais superiores), ele como Oficial de Dia chamaria o outro Alferes à minha frente, Oficial de Piquete, e dir-lhe-ia que tinha um problema grave em casa, e que obrigatoriamente tinha de se ausentar.
E a conversa continuava:
Ele como Oficial de Dia era no momento o Comandante do quartel e como tal investia-o nas funções de Oficial de Dia até que ele pudesse regressar.
Não havia problemas porque ele podia contar com a minha ajuda, etc., etc.
O outro, embora receoso, não cabia em si de contente vendo-se já de “pistola à cinta”!
Fez-se no gabinete do Oficial de Dia uma “cerimónia” de passagem de “testemunho”, com entrega da Bandeira Nacional e tudo!!!
O primeiro Alferes saiu então do quartel, tendo reentrado pouco tempo depois e ficado na Casa da Guarda logo junto ao portão.
Passado pouco tempo eu disse ao “Oficial de Dia” que tinha de inspeccionar qualquer coisa e vim para a Casa da Guarda, sem ele saber.
Daí, (e ele não se apercebeu de onde vinha o telefonema), telefonei para o gabinete do Oficial de Dia, imitando um suposto General Comandante-Chefe da Região do Porto, informando que tinha havido um aviso que um qualquer grupo terrorista iria atacar o RAP2 e como tal ele, Oficial de Dia, tinha que tomar as medidas necessárias à defesa do quartel.
Para tornar mais credível a coisa pedi-lhe para se identificar e sei lá mais o quê!
Claro que logo a seguir vim ter com ele como se nada se passasse!
Encontrei-o em pânico, sem saber o que fazer!
Entretanto e passado pouco tempo chegou o primeiro Alferes, (o Oficial de Dia a sério, que passo a designar como ODV – Oficial de Dia Verdadeiro), e perante a situação, (a coisa já estava combinada comigo), disse que não podia reocupar as funções visto que ele, (a “vitima”) se tinha identificado ao General e como tal teria de levar a coisa até ao fim.
A partir daí foi um crescendo de “asneirada” de tal modo que só a muito custo nos conseguíamos manter sérios, tendo que vir “desopilar” cá fora de quando em vez e até para avisar os oficiais, (Aspirantes), que iam chegando da noite.
“Solenemente” o ODV, comigo como testemunha, entregou a Bandeira Nacional ao ODF, (Oficial de Dia Falso), com o solene compromisso que a devia defender até ao limite da sua vida.
Eu fui incumbido de alertar o Piquete, o que verdadeiramente não fiz, obviamente, bem como avisar as sentinelas, o que também fingi.
Tratou-se então de defender o gabinete do Oficial de Dia, que ficava, salvo o erro, ao lado do bar de oficiais, pelo que, se decidiu instalar uma MG42 em cima da mesa do referido Bar, bem como se distribuíram por aqueles espaços as armas que estavam à mão.
O pessoal, (Aspirantes), que iam chegando, iam ajudando à “festa”!
Já não me lembro bem do que se fez mais, mas a situação era hilariante, com todas as histórias à volta e os avisos de defender o quartel até à morte!
Surge então a ideia mais estapafúrdia que era trazer, sob as ordens do ODF, (aconselhado por nós claro), um Obus 14 que havia no parque exterior e colocá-lo no cimo da rampa que dava acesso à Porta de Armas e apontado a esta!
Não sei se estão a ver a ideia de Obus apontado para baixo!!!!
Com toda a franqueza não me lembro se chegámos a concretizar esta “brilhante ideia”, embora eu pense que sim, (outros do meu Batalhão que ali estivessem se poderão lembrar), mas tenho a noção que, por um daqueles azares que só acontecem nestes momentos, o 1.º ou 2.º Comandantes vieram ao quartel à noite por qualquer razão.
Claro que aquele que veio se deparou com todo este aparato, e houve a necessidade óbvia de explicar o sucedido, o que segundo me lembro, foi recebido com os avisos de “porradas” a aplicar, mas no fundo com um sorriso condescendente e compreensivo, (caramba o pessoal ia para a Guiné), e julgo que não houve consequências de maior.
À distância parece uma coisa talvez sem graça, mas naquela noite “chorámos” a rir, e durante uns tempos foi conversa obrigatória.
Está bom de ver que fizemos as pazes com o “visado”, que sendo boa pessoa, engoliu a partida e tudo ficou “como dantes, quartel-general em Abrantes”.
À vossa consideração, camarigos editores, a publicação desta história.
Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver
Vd. último poste da série de 11 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6969: Estórias avulsas (95): A minha 2ª grande missão ao serviço do Exército Português (António Barbosa)
Meus caros camarigos editores
Tenho lido alguns textos fazendo referência às Unidades militares onde alguns camarigos fizeram as suas recrutas ou especialidades, bem como, as que foram Unidades mobilizadoras dos Batalhões e Companhias que rumaram à Guiné.
Achei por bem então, escrever um texto, relembrando uma história engraçada que se passou comigo e com outros, no então RAP 2, na Serra do Pilar, onde formei Batalhão para servir na Guiné.
JMA
Regimento de Artilharia Pesada N.º 2 localizado na Serra do Pilar em Vila Nova de Gaia
O DIA EM QUE O RAP2 ESTEVE SOB AMEAÇA TERRORISTA
Cheguei ao RAP2, (julgo que juntamente com os outros oficiais, (Aspirantes), e sargentos, (Cabos Milicianos que iam formar Batalhão), aí pelo mês de Julho, findas que tinham sido as Especialidades de cada um.
Julgo que começámos a instrução do Batalhão por volta de Outubro de 1971, partindo para a Guiné no dia 21 de Dezembro do mesmo ano, a bordo do Niassa, a partir de Lisboa.
Houve então ali um período, entre Julho e Outubro, em que fizemos sobretudo Oficiais de Piquete e ao que me lembro pouco mais.
Havia então ali, à saída em frente da descida, o Café Mucaba e do outro lado da Ponte Luís I, do lado esquerdo de quem vai para o Porto, o Bar América, (onde umas raparigas de fino porte alegravam as noites), mas isso são outras histórias que talvez um dia conte.
Mas vamos à história, na qual omitirei os nomes, (tirando o meu), por razões óbvias que compreenderão, e que envolve dois Alferes Milicianos que não pertenciam ao Batalhão e julgo nem sequer foram mobilizados para lado nenhum.
Um, (a “vítima” da partida que vou contar), era bom rapaz, mas um pouco lerdo, se é que me faço entender, de tal forma que não podia, por ordens superiores ao que me lembro, ocupar as funções de Oficial de Dia.
Ora como o fruto proibido é o melhor, o homem ansiava por um dia poder andar de pistola à cinta, fazendo de Oficial de Dia.
O outro, o colaborador na partida, era um “gajo porreiro”, que andava por ali a passar o tempo à espera de acabar o tempo da tropa e que obviamente não levava nada daquilo a sério.
Claro que entre ele e mim se estabeleceu uma certa empatia, e se eu já estava apanhado do clima mesmo antes de chegar à Guiné, ele não estaria muito melhor, afectado com certeza pelos ares demasiado “puros” da Serra do Pilar.
Ora um dia em que por coincidência ele está de Oficial de Dia e eu de Oficial de Piquete, depois de uns uísques bebidos na Messe de Oficiais e com certeza de imensos “elogios” à família militar que nos dava cama e mesa naqueles tempos, decidimos concretizar o sonho do outro Alferes acima referido, e que nunca ou quase nunca saía do quartel.
Se bem pensámos, melhor o fizemos, e engendramos o seguinte esquema.
Ao fim do dia, (quando já tivessem saído os Comandantes), depois do jantar, (já noite dentro, para não haver surpresas de oficiais superiores), ele como Oficial de Dia chamaria o outro Alferes à minha frente, Oficial de Piquete, e dir-lhe-ia que tinha um problema grave em casa, e que obrigatoriamente tinha de se ausentar.
E a conversa continuava:
Ele como Oficial de Dia era no momento o Comandante do quartel e como tal investia-o nas funções de Oficial de Dia até que ele pudesse regressar.
Não havia problemas porque ele podia contar com a minha ajuda, etc., etc.
O outro, embora receoso, não cabia em si de contente vendo-se já de “pistola à cinta”!
Fez-se no gabinete do Oficial de Dia uma “cerimónia” de passagem de “testemunho”, com entrega da Bandeira Nacional e tudo!!!
O primeiro Alferes saiu então do quartel, tendo reentrado pouco tempo depois e ficado na Casa da Guarda logo junto ao portão.
Passado pouco tempo eu disse ao “Oficial de Dia” que tinha de inspeccionar qualquer coisa e vim para a Casa da Guarda, sem ele saber.
Daí, (e ele não se apercebeu de onde vinha o telefonema), telefonei para o gabinete do Oficial de Dia, imitando um suposto General Comandante-Chefe da Região do Porto, informando que tinha havido um aviso que um qualquer grupo terrorista iria atacar o RAP2 e como tal ele, Oficial de Dia, tinha que tomar as medidas necessárias à defesa do quartel.
Para tornar mais credível a coisa pedi-lhe para se identificar e sei lá mais o quê!
Claro que logo a seguir vim ter com ele como se nada se passasse!
Encontrei-o em pânico, sem saber o que fazer!
Entretanto e passado pouco tempo chegou o primeiro Alferes, (o Oficial de Dia a sério, que passo a designar como ODV – Oficial de Dia Verdadeiro), e perante a situação, (a coisa já estava combinada comigo), disse que não podia reocupar as funções visto que ele, (a “vitima”) se tinha identificado ao General e como tal teria de levar a coisa até ao fim.
A partir daí foi um crescendo de “asneirada” de tal modo que só a muito custo nos conseguíamos manter sérios, tendo que vir “desopilar” cá fora de quando em vez e até para avisar os oficiais, (Aspirantes), que iam chegando da noite.
“Solenemente” o ODV, comigo como testemunha, entregou a Bandeira Nacional ao ODF, (Oficial de Dia Falso), com o solene compromisso que a devia defender até ao limite da sua vida.
Eu fui incumbido de alertar o Piquete, o que verdadeiramente não fiz, obviamente, bem como avisar as sentinelas, o que também fingi.
Tratou-se então de defender o gabinete do Oficial de Dia, que ficava, salvo o erro, ao lado do bar de oficiais, pelo que, se decidiu instalar uma MG42 em cima da mesa do referido Bar, bem como se distribuíram por aqueles espaços as armas que estavam à mão.
O pessoal, (Aspirantes), que iam chegando, iam ajudando à “festa”!
Já não me lembro bem do que se fez mais, mas a situação era hilariante, com todas as histórias à volta e os avisos de defender o quartel até à morte!
Surge então a ideia mais estapafúrdia que era trazer, sob as ordens do ODF, (aconselhado por nós claro), um Obus 14 que havia no parque exterior e colocá-lo no cimo da rampa que dava acesso à Porta de Armas e apontado a esta!
Não sei se estão a ver a ideia de Obus apontado para baixo!!!!
Com toda a franqueza não me lembro se chegámos a concretizar esta “brilhante ideia”, embora eu pense que sim, (outros do meu Batalhão que ali estivessem se poderão lembrar), mas tenho a noção que, por um daqueles azares que só acontecem nestes momentos, o 1.º ou 2.º Comandantes vieram ao quartel à noite por qualquer razão.
Claro que aquele que veio se deparou com todo este aparato, e houve a necessidade óbvia de explicar o sucedido, o que segundo me lembro, foi recebido com os avisos de “porradas” a aplicar, mas no fundo com um sorriso condescendente e compreensivo, (caramba o pessoal ia para a Guiné), e julgo que não houve consequências de maior.
À distância parece uma coisa talvez sem graça, mas naquela noite “chorámos” a rir, e durante uns tempos foi conversa obrigatória.
Está bom de ver que fizemos as pazes com o “visado”, que sendo boa pessoa, engoliu a partida e tudo ficou “como dantes, quartel-general em Abrantes”.
À vossa consideração, camarigos editores, a publicação desta história.
Um abraço camarigo para todos do
Joaquim Mexia Alves
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver
Vd. último poste da série de 11 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6969: Estórias avulsas (95): A minha 2ª grande missão ao serviço do Exército Português (António Barbosa)
Guiné 63/74 - P7029: Tabanca Grande (245): António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71)
1. Mensagem de António Branquinho, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 63, Guiné, 1969/71, com data de 20 de Setembro de 2010:
Caro amigo e companheiro
Sou irmão do Alberto Branquinho e como vocês prestei serviço militar na Guiné.
Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).
Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.
O Pelotão era composto, na sua maioria, por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.
Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns wiskys gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias".
Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para todo aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.
O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e, talvez, por uma questão de confiança. Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.
Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.
Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.
Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.
Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal.
Um abraço
António Branquinho
2. Comentário de CV:
Caro António Branquinho, é caso para dizer: que belos padrinhos! Ser irmão do Alberto Branquinho e amigo do Jorge Cabral dá-te muita responsabilidade.
Faz favor de entrar, a Tabanca é toda tua, como soi dizer-se, mas tens de a compartilhar com os outros 448 camaradas e amigos. Note-se que a tua entrada não faz aumentar o número de tertulianos, pois há muito estás na listagem da página.
A tua apresentação está muito completa, porque de uma só penada descreves o quão difícil era ser parte de um Pelotão de Caçadores Nativos. A diferença da língua, dos usos e costumes, eram, para quem chegava de novo, um choque. Bem sei que passado pouco tempo nos apercebíamos de quanta dedicação aqueles homens nos dedicavam. Penso que seria mais difícil acompanhá-los no mato, já que estavam adaptados a um terreno e a um clima, para nós, hostis.
Disto tudo nos vais falar com certeza, baseado na tua experiência de contacto com aqueles bravos homens.
Ficamos assim na expectativa das tuas narrativas e fotos. Já agora, se tiveres por aí uma foto actual, manda para que te possamos conhecer, se nos cruzarmos por aí algures. Obrigado.
Recebe um abraço que te envio em nome da tertúlia.
O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)
Caro amigo e companheiro
Sou irmão do Alberto Branquinho e como vocês prestei serviço militar na Guiné.
Iniciei a Comissão em 23/09/1969 e terminei-a em finais de Outubro de 1971 (não me lembro da data correcta).
Fui em rendição individual, tendo sido colocado no Pel Caç Nat 63, que era comandado pelo ex-alferes miliciano Jorge Cabral, colaborador do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Desde o primeiro dia que somos amigos. Amizade esta que mantemos até à data.
O Pelotão era composto, na sua maioria, por elementos oriundos da própria Guiné, o alferes, furriéis, cabos e alguns soldados adstritos ao Pelotão eram brancos. Por este facto, os chefes militares e outros, por vezes "esqueciam-se" de nós, nomeadamente, no que dizia respeito ao fornecimento atempado de géneros "frescos", sendo os enlatados (fiambre, conservas várias, chouriço, etc.) a base da nossa alimentação.
Durante bastante tempo (muitos meses) estivemos privados de gerador de electricidade e de arca ou frigorífico a petróleo e consequentemente do prazer de uma bebida fresca. Era uma festa quando nos deslocávamos à sede do Batalhão (Bambadinca), bebiam-se umas "bazucas" e uns wiskys gelados, era até cair - tirava-se "a barriga de misérias".
António Branquinho no Enxalé
Quando o Pelotão era mudado para outro Destacamento, o que se verificava frequentemente, era uma carga de trabalhos, uma vez que os soldados do Pelotão tinham consigo as mulheres e filhos, pelo que tinha de se arranjar transporte para todo aquela gente. Além das respectivas famílias, eram as galinhas, os cabritos e toda a traquitana inerente às lides domésticas (tachos, pilões, panelas, cabaças, alguidares, etc.). Era uma confusão! Eu passava-me.
O Jorge Cabral incumbia-me sempre destas missões, dizia que eu tinha uma certa sensibilidade para estas "operações". Tomava esta decisão por ser o furriel mais antigo e, talvez, por uma questão de confiança. Numa das várias mudanças de Destacamento que efectuámos, apareceu-me com uma garrafa de wisky na mão, para festejarmos o fim da instalação do Pelotão. Estava tão desgastado e stressado que lhe tirei a garrafa da mão, mesmo à temperatura ambiente ia bebendo tudo de um só trago. Como era de esperar apanhei tamanha bebedeira, que passei o dia todo a dormir.
Após várias deslocações, estive em vários Destacamentos, na zona de Bambadinca: Fá, Missirá, Bambadinca, Ponte do Rio Udunduma, Nhabijões, Xime, etc.
Durante a minha Comissão, estive adstrito a dois Batalhões, sediados em Bambadinca (Sector L1): BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72.
Terminei a Comissão em beleza, a não ser um senão, incompatibilizei-me com o substituto de Jorge Cabral, em Bafatá. Era uma pequena cidade, mas tinha muitas mordomias de que já há muito não estava habituado.
Escrevi este pequeno texto, como cartão de apresentação, havendo muito mais histórias para contar, desde que haja disponibilidade e pachorra para tal.
Um abraço
António Branquinho
Missirá, 1971 > António Branquinho (de pé) e Amaral
Missirá, 1971 > António Branquinho, Amaral e uma bajuda
Missirá, 1971 > Pires, Branquinho e Amaral
2. Comentário de CV:
Caro António Branquinho, é caso para dizer: que belos padrinhos! Ser irmão do Alberto Branquinho e amigo do Jorge Cabral dá-te muita responsabilidade.
Faz favor de entrar, a Tabanca é toda tua, como soi dizer-se, mas tens de a compartilhar com os outros 448 camaradas e amigos. Note-se que a tua entrada não faz aumentar o número de tertulianos, pois há muito estás na listagem da página.
A tua apresentação está muito completa, porque de uma só penada descreves o quão difícil era ser parte de um Pelotão de Caçadores Nativos. A diferença da língua, dos usos e costumes, eram, para quem chegava de novo, um choque. Bem sei que passado pouco tempo nos apercebíamos de quanta dedicação aqueles homens nos dedicavam. Penso que seria mais difícil acompanhá-los no mato, já que estavam adaptados a um terreno e a um clima, para nós, hostis.
Disto tudo nos vais falar com certeza, baseado na tua experiência de contacto com aqueles bravos homens.
Ficamos assim na expectativa das tuas narrativas e fotos. Já agora, se tiveres por aí uma foto actual, manda para que te possamos conhecer, se nos cruzarmos por aí algures. Obrigado.
Recebe um abraço que te envio em nome da tertúlia.
O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7023: Tabanca Grande (245): Armando Fonseca, ex-Soldado Condutor do Pel Rec Fox 42 (Guiné, 1962/64)
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Guiné 63/74 – P7028: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (34): Memórias de Angola – Uma (longa) noite a conduzir… A morte
1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil Enfº da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 22 de Setembro de 2010:
Camaradas,
Depois de longa ausência envio um texto sobre Angola, respeitante a uma dramática história passada em 5 de Junho de 1963.
Já lá vão 47 anos!
Confirmei alguns dados e sei que a história tem veracidade. Um irmão do Joaquim Mexia Alves - o António - foi Alferes numa Companhia deste Batalhão.
Como vi que no nosso Blogue já existem 70 postagens sobre Angola julgo que a história que te estou a enviar terá cabimento junto dos "testemunhos" da "nossa" Guiné.
Para complemento do texto anexo uma cópia de um mapa militar do Norte de Angola, assinalando Bessa Monteiro e Ambrizete (este mapa foi tirado de uma Edição do EME, 2º.volume do Dispositivo das Nossas Forças – Angola -, 1989).
UMA (LONGA) NOITE A CONDUZIR… A MORTE
De seu nome José Peça Figueiredo foi conhecido nos seus tempos de militar como o “Alcobaça”. Vá-se lá saber porquê!
Foi no dia 5 de Junho de 1963. Passava pouco do meio dia. À distância do tempo recorda esse dia… ao minuto. Era Soldado Condutor (condutor auto rodas) da CCS do Batalhão 400 (BART 400).*
Pediram nessa altura “voluntários” para ir ajudar uma coluna do "392", de Baca, que estava a ser atacada quando vinha a meio caminho em direcção a Bessa Monteiro .
Nesta parte da narrativa o Zé Peça esclarece-me de algumas dúvidas.
Teria que fazer o percurso onde tinha ocorrido o rebentamento da mina e passar por Baca para transportar, para o mesmo destino, os outros mortos.
Quando chegou ao aquartelamento pensava que ia encontrar a malta toda em lágrimas.
JOÃO ANDRELINO VALERIANO CEBOLA Sé e São Pedro Évora 1Cb CArt391/BArt400 09-09-1963 A † Ambrizete
Um grande abraço de Alcobaça
Nota de M.R.:
Recolhi a história que hoje vou contar em diversos tempos…
Num primeiro tempo… hesitei em contá-la pela tremenda carga de dramatismo que contém.
Num segundo tempo – impressionado pela morte recente de uma familiar – telefonei ao Zé Peça, que daqui a pouco mais de um mês vai entrar numa idade ingrata – os 70 menos 1, e disse-lhe:
Eh pá, qualquer dia “deixamos de fumar” e fica por escrever a tal história da tua noite a caminho do Ambrizete…
Falámos ao fim da tarde de hoje, 20 de Setembro de 2010, em casa do Zé.
Somos amigos desde há muitos anos e sei que é… ”boa praça”. Não engana. Discreto, palavroso como profissional (foi um excelente vendedor de automóveis) mas extremamente recatado quando toca a falar de si.
Foi portanto um José Peça Figueiredo tenso e particularmente sério que me (re)contou a história de uma das noites mais longas e dramáticas da sua vida militar.
Foi no dia 5 de Junho de 1963. Passava pouco do meio dia. À distância do tempo recorda esse dia… ao minuto. Era Soldado Condutor (condutor auto rodas) da CCS do Batalhão 400 (BART 400).*
O Zé Peça ficou no quartel sentindo-se na obrigação de me explicar que “na tropa aprendeu cedo que não se devia ser voluntário” para nada. Saiu uma coluna comandada pelo Capitão Moura Borges para "ir dar uma mão" à tropa do "392", ajuda que tinha sido pedida por rádio.
Por volta das 3 da tarde soube o que tinha acontecido.
A cerca de 12 kms. de Bessa Monteiro, num local em que a “picada” estreitava devido a uma “garganta” da montanha a segunda viatura da coluna da CCS rebentou uma mina anti-carro e não tinha conseguido chegar ao local da emboscada da "392". Tinham-se registado diversos mortos e feridos.
Lembra-se dos mortos terem chegado “feitos aos bocados”. Havia a lamentar 3 mortos da CCS, entre os quais o Capitão Borges.
E também havia mortos em Baca da CART 392. Constava que eram 4.
O “Alcobaça” ajudou no que lhe foi possível e ainda assarapantado pela confusão do momento lembra-se de passado algum tempo ter sido chamado pelo Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Alberto Ferreira de Freitas Costa.
“Alcobaça” vai jantar e depois levas os mortos a Ambrizete”.
Destino Ambrizete porquê?
Ambrizete ficava a 200 kms. mas tinha cemitério e uma Igreja, onde se podiam fazer os funerais.
Entre diversos pormenores macabros em relação aos mortos da CCS o Zé Peça lembra-se ainda do que comeu na altura: “bacalhau com batatas”! Porque se lembra deste pormenor? Porque que era um "prato" de que muito gostava e não tinha conseguido "tocar na comida".
Algum tempo depois apresentou-se com a sua “GMC” junto ao Comando e carregaram-lhe, em maca, os 3 mortos.
O Ten. Coronel entregou-lhe os galões do Capitão Borges e disse-lhe em voz baixa que os voltasse a colocar no corpo do Oficial quando tivesse chegado ao seu destino.
- E quem vai comigo, meu Comandante?
- Ninguém.Vais sozinho pois já chega os mortos que tivemos. Se houver outra mina só teremos mais uma baixa e não duas.
O Zé Peça, que sabia que o Comandante de Batalhão tinha estima por si, sentiu um aperto "mitral" mas nada disse e subiu para a viatura. Pôs o motor a trabalhar e arrancou, seguido por duas viaturas com duas(??) secções.Lembra-se que uma das secções era comandada pelo Furriel Tavares.
Eram umas seis da tarde.
Ainda havia luz de dia mas pouco depois começou a escurecer.
O “Alcobaça” não acendeu os faróis mas ligou os “olhos de gato” da “GMC”. Em marcha lenta, pois nalguns troços da “picada” os homens do Furriel Tavares seguiam apeados, chegaram ao local onde tinha rebentado a mina.
Foi muito difícil ultrapassar o "buracão", dificuldades que pouco depois aumentaram quando encontraram duas árvores abatidas na "zona de morte" da emboscada que a malta do "392" tinha sofrido.
Os “abatises” tiverem que ser serrados e removidos para a berma para a pequena coluna continuar o seu caminho.
Foram horas de angústia que se prolongaram pela noite dentro. Chegaram a Baca por volta das 4 da manhã. Aí o Zé lembra-se de ter comido alguma coisa. Uma espécie de pequeno almoço.
Tinham sido precisas cerca de 10 horas para percorrer 22 quilómetros!
Foram carregados os mortos da “392”- eram 3 e não 4 - e a coluna “funerária” seguiu a caminho de Ambrizete.
Só, na sua cabine, nem uma vez o Zé Peça olhou para trás, para a sua”carga”. Sentia um cheiro a morte e um zumbido de moscas… Foram horas e mais horas até Ambrizete. Só, com os seus pensamentos, o Zé Peça olhava para a “picada” atento a qualquer coisa… As sombras da noite foram clareando e quando o amanhecer chegou o seu ânimo melhorou um pouco…
Eram 5 da tarde quando chegaram a Ambrizete.
Tinham passado cerca de 23 horas desde que tinham saído de Bessa Monteiro!
Os corpos começaram a ser descarregados e o “Alcobaça” apressou-se a pôr os galões no cadáver que lhe pareceu ser o do Capitão Borges. Os corpos estavam inchados, cobertos de pó, de moscas e…irreconhecíveis. O Zé Peça teve dúvidas mas… não conseguia olhar mais tempo os mortos.
Perguntei-lhe se os corpos estavam identificados, se tinham as chapas metálicas de identificação que todos os militares traziam ao peito? Em consciência não se lembra… nem sabe responder.
Tinha que sair dali bem depressa e foi para a “Pensão do Moço”. Conhecia o dono e lembra-se que foi para a cama bem cedo. Caiu na cama mas não conseguiu dormir nada de jeito. Teve pesadelos e viu, vezes sem conta, os “seus” mortos numa noite longa… que parecia não ter fim.
No dia seguinte atestaram-lhe a sua GMC com géneros. Carregou sacos de arroz, feijão, grão, batatas, conservas e barris de vinho.
O Zé Peça lembra-se que sentia algum “conforto” com o carrego que ia transportar. Carregava a tonelagem máxima e se “encontrasse” uma mina anti-carro talvez não saltasse muito!
Não houve problemas no regresso a Bessa Monteiro.
Quando chegou ao aquartelamento pensava que ia encontrar a malta toda em lágrimas.
Foi recebido com gritos de satisfação. Olha o “Alcobaça”!
Num grupo tocava-se acordeão e dançava-se…
Parecia que nada de anormal se tinha passado 2 dias antes.
O “Alcobaça” percebeu que a guerra é mesmo assim.
Ai dos que partem!
Quem fica… come, bebe, brinca... convencido que a acontecer alguma coisa de mau acontecerá aos outros.
Fez o relatório verbal ao seu Comandante e não ocultou as dúvidas que teve quando colocou ao galões do Capitão… num corpo que poderia não ser o “certo”.
O seu Ten. Coronel não o recriminou e explicou-lhe as razões da tal ordem cruel:
«Segues sozinho porque já me chegam os mortos que tivemos.»
O Zé Peça compreendeu e seguiu para a sua vida no quartel. Onde fazia tudo… ou quase tudo.
Mal sabia ele que ainda estavam para acontecer outros acontecimentos bem trágicos por ali…
Em 6 de Setembro de 1964 é abatido um pequeno avião de reconhecimento onde seguiam dois oficiais do BArt. 400:
O Ten. Coronel Alberto Ferreira de Freitas Costa e o Capitão Carlos Alberto Boura Ferreira morreram nesse dia aziago.
O Zé Peça termina a sua história com a voz rouca.
Peço-lhe algumas fotografias do seu tempo de Angola que, com a ajuda da sua mulher, encontra passado algum tempo.
Quando me preparava para me despedir o “Alcobaça” conta-me mais um capítulo da sua vida.
…
Dois anos e 65 dias depois de ter rumado a Angola regressou a Portugal e à “nossa” Alcobaça na Primavera de 1965. Empregou-se nas “Termas da Piedade” onde, passado pouco tempo, com a sua habilidade nata para fazer tudo… fazia quase tudo!
Quando alguma coisa urgente o justificava deslocava-se de carro a Alcobaça – a 2 Kms. das Termas – para tratar do que fosse necessário e dava a boleia a quem precisava de vir à vila.
No Verão desse ano de 65 transportou três pessoas e na conversa “de ocasião” uma senhora falou da morte do seu marido,que tinha sido militar em Angola .Quando ouviu falar de Angola o Zé Peça meteu-se na conversa e perguntou qual era patente do militar que tinha morrido. A senhora disse-lhe que o seu marido tinha sido o Comandante do Batalhão 400. O Zé Peça respondeu-lhe de olhos arregalados que esse oficial – o Ten. Coronel Freitas Costa – tinha sido o seu Comandante de Batalhão. Mais contou que tivera com ele uma relação respeitosa mas de muita amizade. E recordou emocionado à senhora (de que não recorda o nome) que o seu Comandante quando esteve de férias em Portugal (em 1964 ??) tinha passado por Alcobaça e lhe tinha levado pêssegos da sua região. Os melhores pêssegos do mundo. Nessa altura dissera ao Zé onde os tinha comprado e "que quem passa por Alcobaça não passa sem lá voltar". Quando esta conversa aconteceu, recorda o Zé Peça, que nem um ano tinha passado sobre a morte do seu Comandante.
A viúva do seu Comandante recordava-se da compra desses pêssegos.
Fez com a senhora uma grande amizade, que recorda com muita saudade.
Como o mundo é pequeno!
Pequeno mas habitado por muita gente.
Com dias aziagos e… noites longas.
Passar uma noite a conduzir… a morte… marcou-lhe a vida.
Para sempre!
Nota final:
Guerra do Ultramar
info: LC123278
Mortos do Batalhão de Artilharia 400 Angola 1962 / 1965
NOME. freg (naturalidade). concelho. Posto. Un. OP. Data. PU. loc sepultura.
Os nomes assinalados a vermelho dizem respeito ao relato do Zé Peça.
13.Março.1963
HORÁCIO DOS SANTOS OLEIRO Arrabalde - Vilar Cadaval Sld CArt393/BArt400 13-03-1963 A † Ajuda (Lx)
5.Julho.1963
1-CARLOS JOSÉ DE MOURA BORGES Campanhã Porto Cap BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † Entre-os-Rios
2-FERNANDO DOS SANTOS BORGES Rio Torto Valpaços 1Cb BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † Ambrizete
3- JOÃO CLÁUDIO FERNANDES Lourinhã Lourinhã Sld BArt400 (CCS) 05-07-1963 A † cemit concelhio
4-JOSÉ FREITAS ESTEVES Cascais Cascais Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † cemit concelhio
5-SERAFIM FRANCISCO RIBEIRO Souto Santa Maria da Feira Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † freg nat
6-VIRGÍLIO FERREIRA Reriz Castro Daire Sld CArt392/BArt400 05-07-1963 A † Ambrizete
15.Agosto.1963
ARTUR FLORIANO COELHO MENDES (???) (???) 1Cb CArt393/BArt400 15-08-1963 A
JOSÉ FERNANDO BARBOSA DE ALMEIDA Rio Tinto Gondomar Sld CArt393/BArt400 15-08-1963 A † Ambriz
9.Setembro.1963
JOSÉ DA MOTA FONSECA Perozelo Penafiel 1Cb CArt391/BArt400 09-09-1963 A † freg nat
9.Novembro.1963
JOSÉ ANTÓNIO DA LUZ Nossa Senhora do Pópulo Caldas da Rainha Sld CArt391/BArt400 09-11-1963 A ‡ ñ rec
28.Novembro.1963
MANUEL ANTÓNIO IGREJAS FERNANDES Angueira Vimioso Sld CArt393/BArt400 28-11-1963 A
6.Setembro.1964
CARLOS ALBERTO BOURA FERREIRA Sanfins do Douro Alijó Cap BArt400 (CCS) 06-09-1964 A † freg nat
ALBERTO FERREIRA DE FREITAS COSTA Sé Nova Coimbra TCor BArt400 06-09-1964 A † Guia (Cascais
24.Fevereiro.1965
ANTÓNIO MANUEL LOPES Padornelo Paredes de Coura Sld BArt400 (CCS) 24-02-1965 A † Alto de São João (Lx)
* OS GATOS (Bessa Monteiro, Baca, Quibala Norte, Ambriz, Ambrizete, Quimbumbe etc)
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
____________
Vd. último poste desta série em:
11 DE JULHO DE 2010 > Guiné 63/74 – P6712:
Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (33): Na Guerra e na Paz… Até ao Fim…
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7027: Convívios (275): Convívio da CCAÇ 2797 – Cufar 1970/72, dia 2 de Outubro de 2010 em Barcelos (Luís de Sousa)
1. O nosso Camarada Luís de Sousa, ex-Sold Trms da CCAÇ 2797 (Cufar 1970-72), enviou-nos uma mensagem solicitando a divulgação da Confraternização Anual da sua Companhia:
Convívio da CCAÇ 2797
Camaradas,
Tal como em ocasiões anteriores, em que tive o melhor acolhimento, venho pedir a divulgação de mais um encontro da C.Caç. 2797, Pelotão de Canhões S/ Recuo 2199 e restantes inúmeros amigos, que este ano se realiza em Barcelos no próximo dia 2 de Outubro (sábado).
A concentração terá lugar no Santuário da Franqueira, para a cavaqueira do costume, seguindo-se o convívio numa quinta da região com a qualidade a que já estamos habituados naquelas paragens.
Preço, vinte e seis “pesos” e meio por pessoa.
O organizador é o Ferreira, contactos: Tlm. 965565424 ou Telef. 252950521
Um abraço e muito obrigado.
Luís de Sousa
Sold Trms da CCAÇ 2797
__________
Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
21 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7019: Convívios (191): Próximo convívio da Tabanca da Linha, dia 2 de Outubro de 2010, no Talho do Diamantino - Quinta do Cortador (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 - P7026: Estórias do Jorge Fontinha (12): Os nossos Enfermeiros
1. Mensagem do nosso camarada Jorge Fontinha* (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 19 de Setembro de 2010:
Carlos Vinhal
Já era mais que tempo.
Aqui vai mais uma Estória. Se a poderes publicar até ao dia 24, ficaria satisfeito.
Aquele abraço
Jorge Fontinha
Estórias do Jorge Fontinha (12)
Os nossos enfermeiros
A CCAÇ 2791- (FORÇA), foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.
Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.
O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.
Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião. Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão, que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias. Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!
O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.
Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.
Perguntei-lhe para que era aquilo tudo, se já tinha decidido não ir à operação. Aí, sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele. Vais à operação ou não? Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!
Hoje digo obrigado Urbano.
No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado. Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de Whisky, duas goladas e a colaboração do Cabo Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.
A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.
Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf.º Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.
Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.
Entretanto eu e o Alferes Gaspar, continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos á mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar. Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.
O Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…
Aos meus bons amigos ex-Furriel Urbano e ao ex-Cabo Silva, o meu abraço eterno.
Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.
Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6999: Convívios (189): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 2791 em Viseu, dia 25 de Setembro de 2010 (Jorge Fontinha)
Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse
Carlos Vinhal
Já era mais que tempo.
Aqui vai mais uma Estória. Se a poderes publicar até ao dia 24, ficaria satisfeito.
Aquele abraço
Jorge Fontinha
Estórias do Jorge Fontinha (12)
Os nossos enfermeiros
A CCAÇ 2791- (FORÇA), foi uma Companhia, cujos Especialistas e não só os Operacionais, foram de verdadeira excelência.
Hoje vou falar da equipa de enfermagem cuja competência e dedicação não tiveram limites. Superiormente liderada pelo Furriel Miliciano Urbano Silva, os Cabos e maqueiros divididos pelos 4 Grupos de Combate, foram uma equipa de respeito.
O Urbano era incomparável, tanto na sua Especialidade como ser humano, voluntarioso, competente e rigoroso. Ninguém escapava às suas seringas nem aos seus comprimidos. Protagonizámos, os dois, muitos episódios, alguns deles já nem sequer os consigo lembrar. Há todavia um que jamais vou esquecer.
Quando a Companhia se reúne em Teixeira Pinto com o nosso 4.º Grupo, alguns dias passados, há uma operação programada para o Balangarez. Na véspera tive uma entorse no pé direito e como nunca me havia baldado em circunstância alguma, fui ter com o Urbano para que ele me desse a sua opinião. Depois de revisto, aconselhou-me a consultar o médico do Batalhão, que me aconselhou a descansar 3 a 4 dias, passando-me uma baixa para 3 dias. Como era da minha obrigação, dei conhecimento ao Alferes Gaspar e dirigi-me ao gabinete do Capitão Mamede, informando-o da situação. Aconteceu o impensável!
O Capitão Mamede acusou-me de caras de ser oportunista e de estar a forjar a situação. Nunca havia sido tratado, por um superior hierárquico, da forma que estava a ser e com a indignação, disse que não ia à operação, bati com a porta e fui para o bar meter uns gins com água tónica pelas goelas abaixo.
Furriel Miliciano Enfermeiro, Urbano Silva
Foi quando apareceu o Urbano. Não o enfermeiro, mas o ser humano que todos nós na Companhia lhe reconhecíamos. Agarrou-me por um braço e convidou-me a ir até à enfermaria pois queria falar comigo. Aí, mandou-me descalçar a bota, fez o seu próprio exame, mexeu, remexeu, massajou durante alguns minutos, com milagrosas pomadas, ligou-me o pé com todo o vigor e obrigou-me a engolir um comprimido, dando-me outro, para ser tomado ao levantar.
Perguntei-lhe para que era aquilo tudo, se já tinha decidido não ir à operação. Aí, sem que nada o fizesse esperar, faz uma pirueta no ar, dá dois ou três passos de dança e diz três ou quatro palhaçadas, provocando um ambiente hilariante e de boa disposição. Foi a táctica dele. Vais à operação ou não? Vou, mas levo a dispensa no bolso. Se tiver de ser evacuado, alguém a vai ver!
Hoje digo obrigado Urbano.
No decorrer da operação senti alguma dor que estoicamente fui ignorando. A dada altura e já no período de emboscada, para passar a noite, comecei a ter tremuras e febre, tendo passado um mau bocado. Valeu-me na altura a minha companheira de emboscada, a inseparável garrafa de Whisky, duas goladas e a colaboração do Cabo Enfermeiro Silva, que com o restante me massajou, pondo-me a transpirar abundantemente. Ao raiar do dia, preparamo-nos para regressar à estrada e sermos recolhidos para voltarmos para Teixeira Pinto.
A febre e as tremuras passaram, o pé ainda bastante dorido, mas felizmente com evidentes melhorias ajudaram o resto.
O Cabo Enf.º Silva assistindo-me durante a Operação
Assisti mais assiduamente às intervenções do Cabo Enf.º Silva. Foi ele que quase em simultâneo assistiu ao acidente que mutilou a perna do Nunes, nosso primeiro ferido de toda a Companhia. Foi também ele que assistiu em primeira mão ao acidente que provocou o primeiro morto do Grupo de Combate e da Companhia, tendo tido a sorte, ele e todos nós, de seguir na viatura que ia à nossa frente e era comandada pelo Furriel Chaves.
Curiosamente, o Chaves esteve também ele ligado ao episódio seguinte, quando em Mato Dingal, o Cabo Silva, foi chamado de urgência á Tabanca para ajudar a um parto difícil. Coincidiu com a hora de almoço mas o Silva interrompeu, veio avisar-nos a nós e preparou-se para ir. O Chaves que era homem para grandes rasgos, também interrompeu o almoço e igualmente,”meteu as mãos nas luvas” e também foi.
Entretanto eu e o Alferes Gaspar, continuamos a almoçar, comer a sobremesa e continuamos á mesa, com os respectivos digestivos, aguardando a chegada de ambos. Assim, o Chaves mal se livra das luvas e se lava, vem para a mesa, acabar de almoçar. Quem estava de frente para a porta de entrada era o Gaspar, que de imediato começa vomitar, provocando-me a mim próprio, igual reacção. O Chaves ao lavar-se, esqueceu-se de mudar a camisa, que vinha ensanguentada e com vestígios da placenta. Resta dizer que o desempenho do Silva, foi exemplar.
O Silva era adorado pelo pessoal daquela Tabanca pois tinha sempre uma seringa mágica que curava toda a gente!…
Aos meus bons amigos ex-Furriel Urbano e ao ex-Cabo Silva, o meu abraço eterno.
Foi apenas mais uma Estória verdadeira, vivida na Guiné.
Aquele abraço para toda a Tertúlia.
Jorge Fontinha
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6999: Convívios (189): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 2791 em Viseu, dia 25 de Setembro de 2010 (Jorge Fontinha)
Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6564: Estórias do Jorge Fontinha (11): Um soldado pediu-me que o matasse
Guiné 63/74 - P7025: (De) Caras (1): PAIGC: Abdu Indjai e os "sete homens" (Luís Graça / João Graça / José Brás / José Teixeira / Mário Fitas)
1.1. Ainda são relativamente raras as fotos, publicadas no nosso blogue, de antigos guerrilheiros do PAIGC, homens (e algumas mulheres) que estavam do outro lado apontando uma arma contra nós...
Algumas (como a do homem que comandou o bigrupo que provocou o massacre do Quirafo, em Abril de 1972) são ainda bem duras de se verem e reverem... (Imagino os sentimentos, contraditórios, de camaradas nossos como o António Baptista, o nosso morto-vivo do Quirafo)...
Há dias descobri a foto do "fuzileiro", nalu, que andou na guerrilha desde o início de 1963, travou combates desde o Como (1964) a Gandembel (1968), até perder uma perna (possivelmente em 1969), numa das nossas minas... lá para os lados do Quebo, Contabane ou Saltinho...
Não sei se se alguma vez nos "cruzámos", perto do Corubal, na região do Xime / Xitole, ele, os seus "sete homens" e a minha CCAÇ 12, no 2º semestre de 1969... É possível... A foto foi tirada pelo João Graça, em Farim do Cantanhez, em 9 de Dezembro de 2009... Gostava de o conhecer pessoalmente. Tem um ar afável e seguramente uma memória prodigiosa. É o pai da Cadi e o avô da Alicinha do Cantanhez...
Luis Graça
Foto: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
1.2. Abdú Indjai: Missões em Medjo, antes de Gandembel, deve ter sido em 67 ou 68. Comandava o grupo "sete homens". Lembro de um ataque a Medjo às 3 da tarde, após bombardeamento aéreo de Salancaur, em que ficámos a ver os aviões a picar, desapareciam nas copas da mata, voltámos a vê-los a subir, ouviamos os estrondos, víamos as colunas de fumo. Às 3 horas (a hora do lobo), nutrido fogo apanhou-nos de surpresa e enfiou uma série de granadas de bazuca (?) que destruiram metade dos edifícios.
José Brás
1.3. Pois é. Não me lembro de ter visto o Abdu Injai, mas devo ter-me cruzado com ele em 1968/69 lá para os lados de Balana e Quebo. Eu com a minha bolsa de enfermeiro e ele com a Kalash a espreitar-me na mata cerrada do Cantanhez. Guera é guera, mas já foi há manga di tempo, agora quero ser teu ermon, como me disse o Braima Cassamá, o sapador colega do Abdu que encontrei em Guiledje em 2008. Este analisou comigo alguns encontros em estivemos frente a frente, sem nos vermos, uma das quais em que chegou a entrar dentro do arame farpado em Mampatá em Novembro de 68, mas... teve de fugir porque o Tuga ficou zangado (!), manga dele. Ou... as 87 minas que montou em Tchangue Laia junto ao Balana, que nos levou 7 vidas.
Guerra é guerra. É preciso curar as feridas.Esta é a melhor forma. Que a Alicinha seja a nossa da paz que a Guiné-Bissau merece.
Zé Teixeira
1.4. Que seja benvindo, e que conte as suas histórias, pois é interessante saber se nos cruzámos.
Abdú Indjai, conta lá rapaz.
Recebe um grande abraço do tamanho do Cumbijã,
Mário Fitas
Guiné- Bissau > Instalações da AD - Acção para o Desenvolvimento > Julho de 2007 > O Paulo Malu, antigo comandante do PAIGC, hoje coronel, e quadro superior da Direcção-Geral de Alfândegas. Foi ele que comandou, em 17 de Abril de 1972, o bigrupo que montou e executou a terrível emboscada contra os militares da CART 3490 (Saltinho, 1972/74) que escoltavam um grupo de civis afectos à construção de uma estrada (Quirafo-Foz do Cantoro).
Foto: © Pepito/ AD - Acção para o Desenvolvimento (Bissau) (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 22 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7022: Ser solidário (88): A Alicinha do Cantanhez e a sua mãe, Cadi, estão bem de saúde e recomendam-se (Pepito / Luís Graça)
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