quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 – P9401: Memória dos lugares (171): A minha Bissau, nas vésperas do 25 de Abril de 1974 (Nelson Herbert)



Guiné > Bissau > s/d  > "Praça Honório Barreto e Hotel Portugal"... Bilhete-postal, nº 130, Edição "Foto Serra" (Colecção "Guiné Portuguesa")  

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010).



1.   Comentário de Nelson Herbert, nosso amigo e jornalista da VOA (Voz da América), ao poste P9388 (*)

Caro Luís e Nuno:

Essa "história", pelos episódios descritos, é-me igualmente familiar!

Primeiro por sermos praticamente da mesma geração... eu na altura, [o 25 de Abril de 1974,] a uns 5 meses de completar os 12 anos e no último ano do Ciclo Preparatório (seria Marechal Carmona?), na mesma rua do Liceu Honório Barreto, da Escola Técnica e do estádio escolar... Junto ao Liceu havia igualmente uma messe... será?

Recordo-me perfeitamente desses momentos de exaltação pelas bandas do Liceu, da Escola Técnica e do Ciclo Preparatório...

Tive vários colegas portugueses, grandes amigos de infância que gostaria um dia poder rever (**). Alguns da mesma idade, outros ligeiramente mais velhos, mas unidos pelas partidas de futebol... no estádio municipal, no estádio escolar, no quintal (por detrás) da Sé Catedral, no próprio quintal da Câmara Municipal...

Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Zé (ligeiramente mais velho, 1 a 2 anos pelo menos), do Becas, seu mano mais novo, da minha idade... colega das pescarias no lodoçal das bolanhas, junto ao quartel da Marinha!

O pai era militar... habitavam uma residência, mesmo em frente à messe dos sargentos da Força Aérea, por sinal meus vizinhos. Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos, ante a inocência geral...

Pelos meus parcos conhecimentos da época, na matéria, calculava ser um major do exército (um galão ou divisa da largura de dois dedos, com uma faixa dourada no meio...). Seria isso?

Foi pois em casa desses amiguinhos que vi pela primeira vez o capitão dos comandos João Bacar Djaló, que vim mais tarde a saber, por esses mesmos amigos, nas conversas de catraios, ter sido morto em combate!

Era precisamente, no muro frontal dessa residência, que o pessoal da Forca Aérea aguardava pelo autocarro azul que os levava às sessões nocturnas de cinema na base aérea de Bissalanca... E mais seria esse mesmo murro frontal da residência em questão, a escassos 100 metros da minha casa, o alvo de um dos atentados a bomba relógio registado durante a guerra em Bissau... (entre 73 a 74, por aí) (***).

Armadilhado pelas células clandestinas do PAIGC, numa bela noite, o murro foi-se pelos ares… Isto, minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual!

Não houve vítimas, nem entre o pessoal da Forca Aérea nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite!!!

Um outro amigo da mesma rua responde pelo nome de Joaquim Vicente (para não variar, o Quim)... O pai ficou conhecido por Mestre Vicente, era da Marinha e das Oficinas Navais.

Mestre Vicente, um "mais velho" de trato fácil, do qual lembro-me (eu e o filho) termos recebido, por presente o nosso primeiro carro de rolamentos, feito à maneira, com requisitos de segurança, já avançados para a época.

O brinquedo fazia pois a delícia da meninada no declive que ia dos serviços metereológicos/Boite Cabaret Chez Toi... no cimo da então nossa rua, Engenheiro Sá Carneiro (a mesma da Praça Honório Barreto, do Hotel Portugal, do Café Universal, do Restaurante ou Pensão Ronda... já agora que ia dar ao cemitério, passando lateralmente pelo hospital) à messe dos Sargentos...

Terão porventura fotos dessa época? Da vossa rua? (****)

Mantenhas
Nelson Herbert
Washington DC,USA

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Notas de MR: 

(*) Vd. poste de 23 janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz) 

(**) Vd. poste de 8 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6345: Em busca de ... (130): Três militares, três velhos amigos do meu tempo de infância, em Bissau: os gémeos Mário e Chico e o futebolista Lino (Nelson Herbert, filho de Armando Duarte Lopes, atleta da UDIB)

 (...) Já que nisso de "perdidos e achados", no bom sentido é claro, o blogue tem sido profícuo, a vez desta é minha! E o propósito é o de tentar localizar três velhos amigos, referências da minha infância na Guiné.

Quanto aos dois primeiros, ignoro pois a respectiva graduação na altura. São gémeos,  de nome de baptismo Mário e Chico (Francisco, obviamente). Foram meus vizinhos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a mesma da messe dos sargentos da Força Aérea e do famoso Cabaret ou Boite Chez Toi... Também a rua dos Serviços Metereológicos !

(...) A terceira figura de referência incontornável da minha infância foi, por sinal, um dos meus ídolos da arte de jogar a bola. Militar e futebolista da UDIB, destacou-se na arte da marcação de cantos directos... ao golo ! Era quase que infalível, quando Lino (assim o ficámos a conhecer) era chamado a bater tais lances de bola parada, como soi hoje dizer-se na gíria desportiva !

(***) Mais provavelmente, 21 de janeiro de 1974:

 (...) "Primeira acção do PAIGC na cidade de Bissau, com lançamento de engenhos explosivos contra autocarros da Força Aérea, seguidos, uma semana depois, de dois outros engenhos do mesmo tipo num café da mesma cidade, frequentado por militares portugueses" (José Brandão - Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio, 2008, p. 433).

(****) Último poste da série > 4 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9309: Memória dos lugares (170): Regresso a Missirá em Janeiro de 1990 (Mário Beja Santos) 

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9400: Notas de leitura (326): Anticolonialismo e Descolonização, por Luís Filipe de Oliveira e Castro (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Olá Carlos!
Depois da publicação do trabalho do Zé Brás, em 3 fases, sobre as condicionantes coloniais na África portuguesa, e de uma subsquente comunicação minha em corroboração sobre o incipiente colonialismo português, fui dar uma vista de olhos sobre textos que versam aquela matéria e reli o ivro de que deixo algumas indicações, e parece-me interessante de um ponto de vista do diagnóstico, e desenvolvimento, das ideias sobre anticolonialismo e descolonização. Provavelmente, a eficácia da filosofia a aplicar, já estaria retardada em relação à dinâmica histórica. Ainda assim, contém conceitos que, no meu entender, mostram uma visão serena e objectiva sobre aquela problemática.

Deixo à tua consideração a possibilidade de ser divulgado, pois tratando-se de uma publicação de 1963, só em bibliotecas ou em alfarrabistas poderá ser encontrada.

Para ti, e para a Tabanca, vai um grande abraço.
JD


Título: Anticolonialismo e Descolonização
Autor: Luís Filipe de Oliveira e Castro
Edição: Agência Geral do Ultramar, 1963

Diz o autor (nasceu em Malange em 1932) na introdução: ..."É que não basta denunciar os equívocos evidentes do anticolonialisno; nem afirmar direitos históricos e disposições constitucionais, efémeras como tudo na vida; nem denunciar e repelir com brio agravos espúrios; nem dominar o terrorismo; nem sequer afirmar que não transigimos e não cedemos. Torna-se necessário, acima de tudo, continuar a fazer corresponder, com coerência e coragem, os actos e as realizações com os princípios e com as promessas, e não despertar para a acção só no momento do perigo, vencendo, enquanto for tempo, a rotina anquilosante e os nossos próprios paradoxos e contradições. E isto porque a presença portuguesa no ultramar... só será avaliada e estimada pelo grau da sua utilidade económica e humana"...

A obra subdivide-se em 5 capítulos assim distribuídos: 1 - Portugal e o anticolonialismo; 2 - Quem são os anticolonialistas; 3 - Conceito português de colonização; 4 - Um caso de anticolonialismo: a independência do Congo ex-belga; 5 - Conjuntura política da África negra. Termina com um 6.º capítulo dedicado a documentos atinentes às resoluções da "Table ronde" belgo-congolesa, e à Carta de Addis-Abeba. Finalmente, é enunciada a extensa bibliografia consultada.

Como decorre do título, o autor procura contrapor os argumentos anticoloniais com a original maneira portuguesa de estar em África, conforme as ideologias próximas a 1963. Diz: "pode afirmar-se que o anticolonialismo, no seu aspecto genérico, é um 'estado de espírito' contra a legitimidade de certos Estados europeus se alargarem em outros continentes detendo neles territórios sob sua soberania"...."O movimento panafricanista a que estão ligados... Sylvester Williams, Burghardt du Bois e Marcus Garvey pode também analisar-se sob o aspecto focado, em especial na contribuição que trouxe para o despertar e para o desenvolvimento do racismo antieuropeu"..."Os próprios estados africanos que recentemente obtiveram o estatuto da independência não se libertaram da anterior 'situação colonial', pois o monopólio do poder político e económico manteve-se na mão de uma minoria europeizada, de há muito desenraizada da grande massa da população autóctone, continuando esta a não ter vontade própria e a reflectir inúmeras desigualdades étnico-sociológicas que se entrechocam". E particulariza sobre outro aspecto: "O anticolonialismo movido por interesses económicos dá-lhe o carácter de anticolonialismo utilitário, de que os EUA são os principais paladinos por verem na emancipação dos territórios ultramarinos um caminho aberto para a realização do seu objectivo de hegemonia económica mundial". E adiante: "A União Soviética... logo se aproveitou do ambiente criado pelo anticolonialismo e pelo pan-africanismo para desenvolver... o estribilho aliciador e revolucionário de 'a Ásia para os asiáticos' e 'a África para os africanos'". Assim juntou os dois blocos rivais, como primeiros interessados no desenvolvimento das ideias e lutas independentistas. Depois, faz breve destrinça (do ponto de vista de Estaline) do imperialismo e da opressão capitalista dos colonizadores: "o capitalismo não pode viver sem explorar as colónias e sem as manter num todo único", enquanto para o comunismo, ao contrário, "tais tendências não são mais do que aspectos de uma mesma coisa, ou seja, a emancipação dos povos oprimidos do jugo do imperialismo capitalista... pela sua transformação preliminar em Estados independentes"...

Oliveira e Castro faz uma imparcial descrição sobre os interesses capitalistas americanos relativamente às riquezas africanas, que determinaram um vivo apoio às independências, por um lado; bem como ante o crescendo ideológico comunista sobre as novas élites africanas que estudavam na Europa, o desenvolvimento das ideias e acções afro-asiáticas de emancipação, as diferentes conferências que deram substância a diferentes orientações independentistas, em termos sociais, político e económicos, por outro. Tratando-se de um salazarista indefectível, é muito curiosa a descrição de opções políticas, algumas exageradamente valoradas, outras, de grande acuidade para a evolução e grangeamento de identidade e capacidade, com vista à autonomia das colónias relativamente às metrópoles. Poderá dizer-se que integrou uma vanguarda de pensadores portugueses sobre as diferentes soluções viáveis para a crise ultramarina, todas elas apontadas para o desenvolvimento sócio-económico, descentralização administrativa, e modernização do modelo do estado em relação às responsabilidades sociais, que poderiam desembocar nas independências, e refere em tom idealista: "A campanha comunista visando, por táctica, o 'capitalismo' envolve evidente injustiça e redunda em prejuízo directo do próprio africano. A expressão 'capitalismo' é utilizada nessa campanha como 'termo de combate' e apresenta um sentido neologista ainda não definido de modo preciso, dado que só deve ser classificado de capitalista o regime que aliene a pessoa ao lucro de outras pessoas privilegiadas e que transforme as relações dos homens em relação das coisas". Mas dá conta da insuficiência da potência colonial logo a seguir, quando se expressa nos seguintes termos: "É evidente que ao capital privado, depois de cumprir as suas irrecusáveis obrigações económicas, fiscais e sociais, não pode ser negada a justa remuneração, até como factor imprescindível de estímulo para novos empreendimentos, a maior parte das vezes incomportáveis para o sector público", deixando à escâncara a evidência da insuficiência do Estado para prover às suas obrigações.

"Se é a promoção dos povos de África que no processo civilizador está em causa, não poderemos esquecer que ela só será possível como resultado do desenvolvimento económico; este, por sua vez, não se realizará, a curto prazo e no ritmo necessário, sem o concurso da experiência, da técnica e dos capitais importantes, já que a economia nativa é, por natureza, rudimentar e se apresenta ainda no seu estado embrionário".

Sobre o que considera ser a situação colonial evolutiva nos territórios sob administração portuguesa, estribando-se em Adriano Moreira ("Política Ultramarina"), e Silva Cunha ("Questões Ultramarinas e Internacionais") diz: ... "só haverá verdadeira descolonização quando a integração ou a emancipação corresponderem a uma transformação real e profunda dos colonizados, isto é, quando haja homogeneização real das culturas em presença (o que não significa uniformização) ou quando os colonizados possam viver autonomamente, sem novas dependências que não sejam as que resultem da natural solidariedade entre os povos"; e conclui sobre conceitos de supressão abrupta da colonização: ..."não teve em atenção os casos de descolonização historicamente já realizados ou em vias de se efectivar pela integração e defende o absurdo de que só a emancipação, mesmo quando prematura, será susceptível de assegurar completamente a descolonização".

Apresenta uma conclusão interessante de que destaco: "Podem esbater-se as primeiras situações coloniais; podem mudar-se as circunstâncias e as posições, passando os colonizados de ontem a colonizadores de hoje; podem diferenciar-se os métodos da colonização; podem gerar-se alterações profundas na escala dos valores apreciativos mas, apesar de tudo, a colonização continuará a apresentar-se como fenómeno inevitável, desde que existam deslocações humanas e desníveis provocados pelas diversas idades das culturas dos grupos sociais e pelo desigual poderio e potencialidade económica dos povos. A colonização é mesmo o processo mais válido, desde que honestamente entendido e praticado, susceptível de gerar o equilíbrio orgânico e funcional tão necessário à vida e ao convívio pacífico das nações".

Como contraponto, faz uma exaustiva apreciação sobre a crise do Congo ex-belga, onde mostra a influência dos interesses económicos internacionais sobre o processo de independência, as intervenções militares, o colapso da ONU perante a exploração das diferenças tribais e dos interesses económicos, no que passou a constituir uma afronta de larga escala aos direitos humanos e à vida, princípios propalados para o desenvolvimento da emancipação dos povos e das novas nações, que, afinal, se afiguravam carenciadas de identidade nacional.

Termina com uma interessante apreciação à conjuntura política da África negra, e com alguns documentos a esse propósito. As conclusões da leitura podem ser díspares, conforme a formação, a ingenuidade crítica ou acrítica, e os interesses de cada um, mas trata-se de um ponto de vista interessante, de um português, situacionista, que, a espaços, parece abrir janelas independentistas.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9353: História da CCAÇ 2679 (46): SEXA COMCHEFE visitou Tabassi (José Manuel Matos Dinis)

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9389: Notas de leitura (325): Bordo de Ataque - Memórias de Uma Caderneta de Voo e um Contributo para a História, de José Krus Abecasis (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (16): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)


Luís Gonçalves Vaz, Bissau,  1974

História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)

Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois na manhã do dia 26 é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.

O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole).

Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.

Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…

É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida).


O Clube militar em Stª Luzia, visto de minha casa. Nesta avenida formavam-se algumas colunas militares, que seguiam para o mato, e durante um ano vi a formação de muitas, em que diversos furriéis e alferes milicianos revelavam “alguma emoção”… Lembro-me muito bem como se fosse hoje, e marcaram-me para sempre.


Fotos: © Luís Gonçalves Vaz  (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Pelo caminho assisti ao episódio do "cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação, de grande eficiência, de dois pelotões de Paraquedistas... Lembro-me muito bem... Estive bem ao lado daqueles Paraquedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E, se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Stª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Stª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).

Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.

Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/

(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.

“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”



Guiné-Bissau, pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!".


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)

Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:

(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:

 "...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."

Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.

Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07

Guiné 63/74 - P9398: Documentos (15): Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 47. Sobre a emboscada do 9 de maio de 1974 na estrada Jugudul-Bambadinca, vd. aqui o poste do Jorge Canhão.

Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 48





Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 49. Segundo o nosso camarada José Zeferino, a violenta emboscada no itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole, junto à ponte do Rio Jagarajá, em 15 de maio de 1974, terá sido a última emboscada do PAIGC, com mortos (2) do nosso lado, na zona leste. QA 18 e a 26 de maio, ainda haverá duas emboscadas no itinerário Farim-Jumbembem, na zona oeste (de acordo com o presente relatório).




Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 50




 Relatório da 2ª REP/QG/CTIG (1975), p. 51... Referência a Bobo Queta, ou Bobo Keita, do PAIGC,  que comandava  então a zona leste.



1. Continuamos a publicar páginas, digitalizadas,  do relatório da 2ª rep/CTIG, que nos foram foi gentilmente enviadas pelo Luís Gonçalves Vaz [, foto à esquerda], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM  Henrique Gonçalves Vaz, último chefe do estado-maior do CTIG (1973/74), entretanto falecido em 2001 (*).
Excertos do "Relatório da 2ª Repartição do QG do CTIG”, Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74... Reprodução das páginas 47-51 (Síntese da atividade de guerrilha, por zona (oeste, lestte e sul) > 1. Ações de guerrilha do PAIGC depois do 25 de abril de 1974; 2. Outras ações)... Neste período o aquartelamento das NT mais flagelado foi Jemberém, no Cantanhez: 7 vezes (a 1, 2, 6, 9, 13, 24 e 27 de maio de 1974).




Como já foi dito anteriormente, o relatório tem 74 páginas, é datado de 28 de Fevereiro de 1975 (data da sua publicação ?), não está numerado (seria um exemplar para o CEM?), mas é um original pelo aspecto, e está assinado pelo Major de Infantaria, Tito José Barroso Capela (que o Luís Vaz soube, entretanto, ter agora o posto de major general, reformado).

O relatório contem as seguintes indicações: "SECRETO [carimbo a vermelho]. Exemplar nº [em branco] . CL/QG/CTIG. 2ª Repartição. Lisboa. 2810hFev75... Relatório da 2ª Rep CC/FAG (Relativo ao período de 1Jan73 a 15Out74)"..



Imagens: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados.


2. Continuamos, por outro lado,  a publicar excertos que o Luís Vaz teve a gentileza de adaptar e transcrever:

(...) Análise da atividade de guerrilha:

Avaliado pelo quantitativo de ações,  a atividade de guerrilha da iniciativa do PAIGC em 1973  aumentou cerca de 35% em relação ao ano anterior. Por sua vez em 1974, no final de Abril, aquele quantitativo era 50% superior ao total registado nos primeiros quatro meses de 1973.


A ação do PAIGC vinha sendo caracterizada por um aumento significativo das ações de fogo, em detrimento das ações de terrorismo (raptos e roubos), orientando-se este, cada vez mais, para ações de terrorismo seletivo e sabotagens.


Pág. 13 do relatório: Síntese da atividade do PAIGC (ações de fogo, ações de terrorismo e outras): Ano de 1972, ano de 1973, ano de 1973 até 30Abr73, ano de 1974 até 30Abr874.... 

Fonte: Relatório da 2ª Rep /CCGAF [1975]



Era notória a evolução no sentido do abandono progressivo da atividade de guerrilha dispersa em superfície, em proveito das ações maciças contra objetivos definidos, obrigando a grandes balanceamentos de meios, por vezes, envolvendo elementos de todo o Teatro de Operações.


Estas características eram indicadores seguros do aumento de agressividade das FARP e da sua maior capacidade ofensiva, potencial e eficiência.








Em reforço da conclusão precedente, menciona-se o aparecimento de novas armas durante o período considerado (Míssil Strela e viaturas blindadas) e um maior emprego de outras (Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 85 mm, Canhão 130 e minas especiais).


Finalmente, a situação militar revelou nítido agravamento a partir de Dezembro de 1973, em especial nas Zonas Sul e Leste do Território [, como se pode ver nas páginas - de 47 a 51 - reproduzidas acima].

Estimava-se que,  em 1973/74, o potencial humano do PAIGC tenha atingido cerca de 7 500 combatentes, 4 500 integrados no Exército Popular e 3 000 nas Forças Armadas Locais. Além disso, os elementos disponíveis permitiam estimar que no princípio de 1974, se encontravam em instrução no CIPM de Kambera (dita Madina do Boé) cerca de 300 elementos por trimestre e que nos CI (centros de instrução) dos países de Leste da Europa e Cuba permaneciam 500 elementos dos seus quadros em diversos graus de preparação.

Durante a ofensiva de Maio/Junho de 73 e 1º trimestre de 1974, foi referenciado a presença de elementos estranhos ao PAIGC, provavelmente mercenários, de tez clara, não se conseguindo avaliar o seu efetivo nem determinar a sua nacionalidade (+).
A evolução do material inimigo continuava a processar-se em ritmo crescente e, ao longo do período, foram detetadas novas armas na posse do PAIGC e maior quantidade de outras já existentes de entre as quais se destacam: Míssil SA-7 STRELA (Soviético), Morteiro 120 mm, Foguetão 122 mm, Canhão 130 mm e viaturas Blindadas BRDM-2.
Quanto a meios aéreos, apesar de várias notícias o referirem com insistência, o PAIGC ainda não dispunha de Aviação para apoio aéreo eficaz. Sabia-se da existência de Aviões ligeiros na República da Guiné e era referenciado grande número de sobrevoos suspeitos, nomeadamente com MIG-17 [ foto à esquerda,]  e helicópteros.
Admitia-se, entretanto que a situação evoluísse, e que o PAIGC pudesse vir a dispor de alguns aviões (cedidos pela República da Guiné-Conacri). Sabe-se,  de fonte segura, que estavam na Rússia, para frequentar um curso de pilotagem (desconhece-se o tipo de avião), 28 recrutas do PAIGC.


Neste contexto, em Abril de 1974, face ao aumento do potencial militar do PAIGC, ao recrudescimento da guerrilha que se verificava desde Abril de 1973, a alguns êxitos espectaculares da mesma (abandono de Guileje, no Sul, e Copá, no Leste) e ao alastramento de atos de sabotagem ou terrorismo aos principais centros Urbanos, incluindo Bissau onde o próprio QG/CTIG não foi poupado (++), o anterior sentimento de proteção pela força existente no seio da população que se acolhia junto das nossas tropas estava muito afetado. Para isso muito contribuía a redução das evacuações por meios aéreos, originada pelo aparecimento dos mísseis Strela, e a fraca dissuasão obtida pela artilharia das nossas tropas face aos frequentes ataques com Foguetão 122mm [, foto acima, de Nuno Rubim].

Começaram a ser frequentes os pedidos, formulados por diversas povoações, solicitando melhor proteção e que as guarnições fossem dotadas de armamento mais eficaz, em especial artilharia de maior alcance que o Foguetão 122 mm. (...)
 
Continua


Adaptado por: Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro nº 530)
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Notas de Luís Gonçalves Vaz:

(+) Vd nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 7 de Janeiro de 1974:

 "(...) Soubemos hoje à noite, que em Canquelifá, foram mortos em combate, 6 Cubanos (?) e mais 6 Africanos do IN. Uma equipa fotográfica do Batalhão Fotocine seguiu de madrugada para lá, a fim de obter imagens" (...)."].

(++) Ver nota do Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, de 22 de Fevereiro de 1974:

   " (...) Cerca das 19h e 10 min, quando me encontrava na gabinete do brigadeiro Comandante Militar, com este e com o Brigadeiro 2º Comandante, rebentou um explosivo colocado na casa de banho que a destruiu, assim como algumas das dependências contíguas. A forte deslocação do ar rebentou a porta e os vidros que foram projectados em frente, onde se encontrava o Brigadeiro 2º Comandante, de pé, e que caiu na direcção onde eu me encontrava sentado. O Brigadeiro Comandante Militar sentado na minha frente ainda sofreu. O 2º Comandante foi levado para o Hospital de Bissau, visto sangrar bastante de uma ferida na parte posterior da cabeça. Eu tive leves arranhões, de que me tratei no posto de saúde da CCS.. Estavam também presentes, no Gabinete Central, o Major Ferreira da Costa e o Tenente Abrantes ….Ninguém ficou ferido gravemente. Foi um verdadeiro milagre!" (...)

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Nota do editor:


Guiné 63/74 - P9397: Em busca de... (179): Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, procura fotos aéreas de Gadamael

EM BUSCA DE... FOTOGRAFIAS AÉREAS DO AQUARTELAMENTO DE GADAMAEL


1. O nosso camarada Manuel Vaz* (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67) está a fazer um trabalho sobre Gadamael e precisava de fotos com vistas aéreas daquele aquartelamento para servir de auxiliar de memória. Assim solicita-se a quem eventualmente as possua, o favor de enviar ao nosso camarada (ou ao Blogue) digitalizações das mesmas.

O nosso tertuliano agradece desde já a boa vontade e disponibilidade dos camaradas pois estamos assim a contribuir para a feitura da história da Guerra na Guiné.


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9329: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (5): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - V Parte - Defesa do aquartelamento

Vd.último poste da série de 25 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9264: Em busca de... (178): Meus camaradas Leite, Lopes, Dinis, Ramalho, Veloso... da CCAÇ 2679 (Bajocunda, 1970/71) (Manuel Soares, ex-Sold Cozinheiro)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9396: Memórias de Manuel Joaquim (5): Raios e Carícias


1. Mensagem de Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 6 de Janeiro de 2012:

Meus queridos camaradas
Na sequência da resposta que dei à mensagem do Luís Graça, com data de 17/janeiro, envio este pequeno texto.

Um afetuoso abraço
Manuel Joaquim


Guiné, 1965/67 – RAIOS E CARÍCIAS

Raios das tempestades que nos cegavam e, ao som dos trovões, pareciam dizer que não éramos benvindos.
Raios de sol dourados, belos e acariciantes, furando a copa da floresta para beijarem o seu chão, mas impotentes para nos afastarem do medo, da dor e da morte.
Raios saídos da boca das armas violando, inesperada e despudoradamente, os silêncios da floresta ou das suas sagradas clareiras, feitas altares de sacrifício em favor de um qualquer deus desconhecido.
Raios dardejantes vindos do deus Sol para nos crestarem, raios sedentos e impassíveis que nos roubavam a água sem pejo em nos matarem.
Raios suaves do luar que, parecendo banharem-nos com carinho, nos abandonavam de repente, atirando-nos para a escuridão ameaçadora da noite.
Raios que fulminavam, mas não a triste solidão nem as espessas trevas que por vezes nos envolviam a alma.
“Raios” inesperados saídos do amor, da amizade e da camaradagem que nos davam força e coragem para aguentar.
“Raios” de palavras que tentavam atingir certas ideias, achadas estranhas e perniciosas.

Carícias que saravam, outras agravavam a dor.
Carícias inesperadas vindas de olhares inesperados, sinais de que ainda havia mundo para além da “nossa guerra”.
Carícias traiçoeiras vindas dos lodos do tarrafo ou da neblina da bolanha.
Carícias dos poentes flamejantes saturados de cores púrpura, vermelho e ouro que nos deixavam esmagados com tanta beleza.
Carícias do crepúsculo que em vez de apaziguarem nos aumentavam o temor da noite próxima.
Carícias das gotas de chuva escorrendo-nos pelas faces, lentamente namorando as de suor, envoltas nos aromas fortes e fecundos da terra.
Carícias ausentes quando delas precisava a nossa alma, ao ver-se vergastada por medos e angústias e mesmo pelo horror.
Carícias recebidas nas palavras dos entes queridos que nos amparavam em momentos de solidão e desamparo.

Raios e carícias, ainda me lembro bem. Foram um fortíssimo tempero naquela famigerada “comida” que me serviram na Guiné. E acho esquisito ver-me hoje a acariciar estas recordações. Com mil raios, aguentei e ainda por aqui ando!
Raios partam as guerras! Raios partam os governos que as alimentam! Raios me partam se não foi verdade tudo isto!
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9374: Memórias de Manuel Joaquim (4): Que parvo que eu fui, e uma mãe que apanhou um grande susto

Guiné 63/74 – P9395: In Memoriam (106): Está de luto a CCAÇ 3549, pelo desaparecimento do Mário da Conceição Guedes Teixeira, o "Porto" (José Cortes)



1. O nosso camarada José Cortes, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884 (Fajonquito, 1972/74), enviou-nos mais uma triste e lamentável mensagem com data de hoje, dia 24 de Janeiro de 2012.


Faleceu o "PORTO"

Pois é companheiros, o meu companheiro da CCAÇ 3549 - Mário da Conceição Guedes Teixeira -, conhecido na companhia por PORTO, faleceu ontem dia 23JAN12, vítima de doença.

Perdemos mais um amigo e não voltaremos a ter a alegria do Porto nos convívios, nem o ouviremos a cantar “Piriquito vai no mato”.

À família enlutada endereço os meus sentimentos em nome da Companhia de Caçadores 3549.

OBRIGADO,  PORTO.

Em anexo uma foto do Porto a dançar com a sua esposa.

José Cortes
Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884

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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P9394: Tabanca Grande (318): Carlos Milheirão, ex-Alf Mil da CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar, 1974)

1. Mensagem de Carlos Milheirão (ex-Alf Mil da CCAÇ 4152/73, Gadamael e Cufar, 1974), com data de 12 de Junho de 2011:

Caro Luis
Fui combatente na Guiné na CCAÇ 4152 que esteve sediada em Gadamael Porto e posteriormente em Cufar. Fui contemporâneo do José Gonçalves e subscrevo em (quase) tudo o seu testemunho. Tenho algumas fotos e memórias que gostaria de publicar no Blog mas não sei como fazer. Por isso, gostaria que me enviasse as dicas necessárias para o efeito.

Abraço
Carlos Milheirão
ex-Alf Mil
CCAÇ 4152


2. No dia 9 de Julho de 2011 foi enviada mensagem ao camarada Carlos Milheirão nos seguintes termos:

Caro camarada Carlos Milheirão
As nossas desculpas por só agora virmos ao teu encontro.
Muito obrigado pelo teu contacto que muito nos apraz porque cada camarada que se nos dirige é um novo amigo e um novo colaborador do nosso Blogue.
Claro que teremos o maior gosto em publicar as tuas memórias, acompanhadas pelas tuas fotos.

Para fazeres parte integrante da nossa tertúlia, terás que pagar a respectiva jóia que é enviares uma foto dos teus tempos de Guiné, uma foto actual (ambas tipo passe de preferência em formato JPEG) e uma pequena história que servirá de apresentação. São elementos indispensáveis: nome, posto, especialidade, Unidade, locais de permanência na Guiné, datas de ida e volta, etc.

Todo o material para publicação deverá ser enviado para o editor Luís Graça - luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e para um dos co-editores: Carlos Vinhal - carlos.vinhal@gmail.com  ou Eduardo Magalhães - magalhaesribeiro04@gmail.com, isto para assegurar que a tua correspondência não passará despercebida entre as centenas de mensagens que se recebem.

As fotos deverão vir com um tamanho nunca inferior a 150kb para assegurar uma boa qualidade na publicação. Se vierem "maiores" nós faremos os ajustes necessários. Era óptimo o envio à parte das legendas de cada foto, com indicação do local, data e acontecimento.
Há camaradas que enviam as fotos e legendas integradas nos textos (em Word, nunca em PDF), mas poderão vir à parte, numeradas e com a indicação do local do texto onde as queres ver publicadas.
Depende tudo do conhecimento e da prática informática.

Não estranhes o tratamento por tu, mas na Tabanca, o antigo posto, a idade, a formação académica, a profissão, etc, não diferencia os camaradas que beberam a água das mesmas bolanhas, que pisaram aquela terra vermelha e suaram sob aquele sol naquele clima húmido e pegajoso.

Aguardamos as tuas notícias.
Até lá recebe um abraço dos editores
O camarada e novo amigo
Carlos Vinhal




3. Mensagem com data de 18 de Janeiro de 2012 do nosso camarada Milheirão:

Cumprimentos
A foto a preto e branco, onde me encontro em primeiro plano, foi feita em Bolama durante um desfile aquando da substituição do General Spínola pelo General Bettencourt Rodrigues. Passou-se em Janeiro de 1974, estávamos no I.A.O. e foi pouco antes da partida para Gadamael Porto.
A segunda foto é de Outubro de 2009 e foi tirada no dia das eleições autárquicas.

Carlos Milheirão


4. Comentário de CV:

Caro Carlos, bem aparecido na Tabanca Grande, onde a partir de hoje integras a tertúlia.

Já te disse quase tudo no que respeita à colaboração no Blogue. Falei-te no "tamanho" das fotos, e tens bem à vista o resultado. A tua foto à civil chegou com apenas 3K que não deu sequer para que te venhamos a reconhecer na rua. Se puderes repete o envio desta ou outra para teres uma foto tipo passe como deve ser a encimar os teus trabalhos. A foto militar (65K) também não dá para fazer uma tipo passe com a mínima qualidade.

Estás formalmente apresentado à tertúlia. Recebe um abraço em nome de todos os camaradas e amigos tertulianos.
Pelos editores
Carlos Vinhal
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Em tempo: Fotos da praxe incluídas nos poste em 07FEV13
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9346: Tabanca Grande (317): Anabela Pires, voluntária no projeto Ecoturismo do Cantanhez, nossa tabanqueira nº 536, aqui saudada pelo Hélder Sousa

Guiné 63/74 - P9393: Agenda cultural (184): Conferência "Voluntariado: Que futuro?" e Exposição de Fotografia "Rostos", fotos de rostos da crianças da Guiné-Bissau, a ter lugar no El Corte Inglês de V.N. de Gaia, dia 26 de Janeiro de 2012, pelas 17h00, na Sala de Âmbito Cultural, piso 6.

CONVITE

Para assistir à Conferência "Voluntariado: Que futuro?" a ter lugar no El Corte Inglês de Vila Nova de Gaia, dia 26 de Janeiro de 2012, pelas 17h00, na Sala de Âmbito Cultural, piso 6, tendo entre os oradores o nosso camarada José Teixeira da Associação Tabanca Pequena, assim como à Exposição de Fotografia "Rostos", uma colectânea de fotos de rostos da crianças da Guiné-Bissau.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9377: Agenda cultural (183): Lançamento do livro Recordações de África - Estórias da Guerra Colonial, de António Bacelar Antunes, ex-Alf Mil Médico, dia 28 de Janeiro de 2012 pelas 16h30 na Fundação Eng. António de Almeida, Porto

Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (15): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

1. Seleção de comentários, ao poste P9368 (*), do nosso leitor (e camarada) C. Martins (ex-Alf Mil, Pel Art Gadamael, 1973/74, hoje médico, participou no nosso VI Encontro Nacional, em 4 de Junho de 2011, vd. foto à dierita, ao lado de J. Casimiro Carvalho):Só vou falar do que vivi no terreno e com factos concretos e sem especulações.


Sobre Copá, onde se encontrava um conterrâneo meu e que foi ferido, foi inqualificável a irresponsabilidade do comando de sector, colocar apenas um pelotão sem quase meios de defesa junto à fronteira.

Jemberém, deixo ao critério do camarada Joaquim Sabido comentar, apenas digo que fizemos fogo de artilharia de Gadamael para o perímetro de Jemberém, o que surpreendeu, digo eu, o PAIGC.

(,,,) [Nunca ouvi falar em] insubordinação do aquartelamento de Jemberém 'devido a frequentes ataques em junho' [...]. Se houve algum ataque a Jemberém foi nos primeiros dias de maio. Eu ainda não estou senil e recordo-me muito bem. [ O Joaquim Sabido diz que, no decurso do mês de maio, ainda embrulharam pelo menos umas seis vezes].

Bedanda foi atacada com viaturas blindadas, mas sem grande êxito, diga-se. Mais uma vez uma estratégia imcompreensível dos altos comandos, visto que entre Gadamael e Mampatá-Quebo não havia qualquer aquartelamento, o que tornava fácil a infiltração até Bedanda.

Gadamael: aqui falo com conhecimento de causa...

Se tentassem o ataque directo, nem com 3 mil homens lá entravam, e seria uma carnificina de parte a parte. Tínhamos material de guerra em quantidades astronómicas. Granadas de obus tínhamos à volta de 10 mil em stock, e em cada espaldão em média 300 e prontas a disparar, isto é, já com espoleta colocada.

Quando éramos flagelados era sempre ou quase sempre do território da Guiné-Conacri.

Foram mobilizados muitos graduados de artilharia de costa para serem reconvertidos em artilheiros de campanha.

Desde de janeiro até abril entregaram-se vários guerrilheiros.

Quando das conversações para o cessar fogo,vários altos quadros do PAIGC me confessaram que estavam exaustos de tantos anos de guerra. Quase metade dos efectivos, na principal base no sul, junto a Kandiafara, tinham gonorreia (isso mesmo,  "esquentamentos").

(...) Não sei precisar o dia, mas na segunda semana de Maio [de 1974] acompanhei Pedro Pires e outros altos dirigentes do PAIGC a Cacine,  onde decorreram conversações sobre o cessar fogo e retracção das NT.Para mim,  em termos políticos,  a guerra já estava perdida antes de ter começado, agora afirmar que estávamos a beira de um colapso militar em 74 vai uma grande distância.

Nos primeiros dias de junho iniciou-se a retracção em Gadamael. [...]


Em Gadamael, a retração para Cacine e Bissau foi feita como estava programada e em boa ordem e segundo as normas militares. [...] Aceitámos o cessar fogo com o PAIGC sem sequer consultar o QG, quanto mais pedir autorização. Eu, por exemplo, fui à Guiné-Conacri apenas com o consentimento do Comandante Heitor Patrício. [...]

A propaganda, mas que era apenas e só propaganda, faz parte de qualquer guerra.

Com todo o respeito pela opinião de cada um, eu falo de factos, EU ESTAVA LÁ.

Termino dizendo que "ainda bem que acabou daquela forma", porque se não tivesse sido assim, não sei se ainda estaria no mundo dos vivos.

Um alfa bravo para todos.

Um artilheiro de Gadamael,

C. Martins



Guiné > Região de Tombali > Gamael > Maio de 1974 > A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Heitor Patrício ); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. O nosso camarada José Gonçalves está atrás, na segunda fila,  entre os dois. Por sua vez, o capitão Pimentel, comandante da CCAÇ 4152,  está ao lado do José Gonçalves, por detrás do Comandante Heitor Patrício. 


Foto (e legenda): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


PS - Comentário a esta foto, feita pelo C. Martins, em 6 de julho de 2011:

(...) "A foto supra onde aparece o Comandante Patricío com um emblema do PAIGC, um oficial de marinha fuzileiro excepcional e considerado o 'pai' dos fuzos,  é bom que não se façam juizos de valor precipitados. Aquilo foi apenas circunstancial, resultou apenas e só da troca de 'galhardetes' entre as partes.. É que se o meu amigo e conterrâneo 'Pedras',  fuzo e guarda costas do Comandante Patrício na altura, com três comissões seguidas na Guiné, sabe que estão a pôr em causa a honaribilidade do Comandante Patrício,  ainda dá uma 'latada'...ah, ah, ah,  em alguém".(...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)

(**) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)