segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (14): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)



São Tomé > s/d > Ensino - Liceu Nacional de D. João II, em S. Tomé, durante a época colonial. Esta foto poderia ter sido tirada no Liceu Nacional Honório Barreto, em Bissau. No dia 25 de Abril de 1974 dois filhos de militares portugueses estavam lá, o Nuno Rodrigues e o Luís Gonçalves Vaz (, este último membro da nossa Tabanca Grande). Foto, da Agência Geral do Ultramar,  de autor não identificado.

Copyright:  © 2008-2011 IICT [Instituto de Investigação Científica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, Calçaada da Boa-Hora, nº 30. 1300-095 Lisboa,  Portugal. Fonte: ACTD [Arquivo Científico Tropical Digital Repositpry] (Reproduzido com a devida vénia...)

1. Comentário, de 15 de dezembro último, ao poste P9194 (*), assinado pelo nosso leitor Nuno Rodrigues que no 25 de Abril de 1974 tinha 12 anos, vivia em Bissau, andava no 3º ano do Liceu Nacional Honório Barreto e era filho de um militar paraquedista do BCP 12:


Caro LGV [ Luís Gonçalves Vaz]


Se a memória não me falha, a fuga do Liceu Honório Barreto foi logo no dia 26 [de abril de 1974]. Nesse dia fugi,  mais um colega,  em direcção à Câmara Municipal (onde a minha mãe trabalhava),  escoltado pelo meu pai. Lembro-me depois de chegar a casa (uma rua por trás da messe de sargentos páraquedistas, corpo a que o meu pai pertencia) e de haver buracos de balas visíveis em alguns sítios.


Foi também esse o dia das primeiras manifestações com o slogan "Vivó Spínola" e da quebra e pilhagem de montras. No dia 27 faltou já na nossa turma um colega (o Martinho) cujo pai era agente da DGS. Pelo que se comentou na altura,  penso que quando o pai foi preso a família foi junto (não foi presa mas acompanhou-o).


Um Abraço

Nuno Rodrigues

2. Comentário de Luís Gonçalves Vaz, com data de 19 de de dezembro:



Olá,  Nuno. O que conta,  é muito familiar!!! Será que fomos colegas? Eu também tinha um colega que faltou no dia seguinte.... Não me lembro se era o "Martinho"! Sei que era de São Tomé e filho de um elemento da DGS, sei pelo meu pai, (na altura Chefe do Estado-Maior do CTIG,) que foram reunidos todos os Pides com as respectivas famílias no Cumeré (centro de instrução perto de Bissau)...


Pergunto: Tinha 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do liceu, o Honório Barreto?


Aguardo uma resposta,  meu caro Nuno!


Outra coisa, na data de 26 de abril não houve libertação de presos... só em 27 ou 28!!! Brevemente enviarei essa "estória", mas fiquei a saber que mais colegas fugiram do Liceu, para "viverem na 1ª pessoa tais momentos históricos"!

Forte Abraço, Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro nº 530)


3. Resposta de Nuno Rodrigues, de 26 de dezembro:


Caro LGV:

Às vezes a memória prega-nos partidas e reconstroi ela mesmo os eventos. Tinha para mim que a confusão havia começado logo a 26, mas pode muito bem ter levado mais um dia ou dois.



Tivemos necessariamente de ser colegas, pelo menos de Liceu (de turma já era pedir muito, mas não sei quantas turmas havia do 3º ano). No ano lectivo de 73/74 frequentava o 3º ano dos Liceus no Liceu Nacional Honório Barreto, em Bissau, mas tinha 12 anos (nessa altura andava um ano "desfasado"). Ainda por cá tenho, algures, a caderneta do Liceu se quisermos aferir a turma. A nossa sala ficava em baixo, com janelas para a rua (acho que todas tinham), mas já não sei identificar qual delas era, sei que não era logo a primeira. Dessa turma reencontrei cá dois colegas, um dos quais ainda contacto diariamente.


Na manhã do "estouro" (aquilo pareceu um estouro de pânico da manada) nunca percebemos o que lhe deu origem. Só me lembro do pânico irracional e da fuga subsequente, da malta a saltar aquele portão, liso e altíssimo, como se tivesse asas, só para depois voltar para trás porque, mais à frente, estavam uns miúdos ao pé do campo da bola a atirar pedras.

Mais tarde apareceu no largo do Liceu, penso que era a P.M. [Polícia Militar,] em jipes e com megafones a mandar evacuar as ruas. Foi nessa altura que o meu pai apareceu a pé, não sei de onde, e lá fugimos atrás dele,  direito à Câmara Municipal (atrás não será o termo correcto, quem ficou para trás foi o meu pai). Também me lembro de na altura dizerem que o pessoal da DGS estava detido no Cumeré com as famílias.

Fico a aguardar a "estória" com expectativa.
Um abraço
Nuno Rodrigues




Guiné > Arquélago dos Bijagós > 1974 > Luís Vaz, estudante, com 13 anos de idade,  na pista da Ilha de Bubaque


Foto: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados


4. Resposta de Luís Gonçalves Vaz:


Meu caro ex-colega Nuno Rodrigues:


É cada vez mais "nítido" que fomos colegas da mesma turma no Liceu Honório Barreto!!! Basta que me confirme que o nosso colega "Martinho" era ou não natural de S. Tomé?! Pois se me confirmar, era o mesmo colega que nós no dia 28 de Abril sentimos falta e ficámos a saber estava "retido" no Cumeré com a família para a sua segurança e da sua família ... (Lembro-me de ver várias "perseguições" a informadores da PIDE ... e no fim entregavam-nos à Polícia Militar...). Gostei da sua estória, conte outras neste blogue.

Sobre o episódio do "Cerco da Pide" que presenciei, já está publicado em no blogue da CART 3494  [, editado pelo Sousa de Castro]... Pois não sei se o editor chefe (Luís Graça) irá publicar aqui a minha História... (**)



Forte Abraço, Luís Gonçalves Vaz.
________________

Notas do editor:

(*) Vd. posted e 13 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9194: Tabanca Grande (310): Luís Gonçalves Vaz, professor, filho do Cor CEM Henrique Vaz (1922-2001)


(**) Último poste da série > 27 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7181: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (11): Lisboa a viver num apartamento com mais três estudantes (José Corceiro)

6 comentários:

Luís Graça disse...

Como mandam as boas regras de respeito pela propriedade inteletual, mandámos o seguinte mail ao administrador do site ACTD - Arquivo Científico Tropical Digital Repository, do IICT:

23/1/2012

Para: admin@actd.iict.pt

Assunto - ACTD > Créditos fotográficos

Caro administrador:
Para os devidos se comunica a utilização, no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, da seguinte foto n2235.jpg, do ACTD.

Este blogue, fundado em 2004, reúne mais de meio milhar de ex-combatentes da guerra colonial na Guiné (1963/74) e de amigos da Guiné-Bissau, não tem qualquer propósito comercial, e regista um número médio de 3500 visitas diárias.

Os créditos fotográficos estão devidamente reconhecidos e a fonte é explicitamente citada.
Com as nossas melhores saudações. O editor do blogue, Luís Graça.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/
2012/01/guine-6374-p9388-no-25-de-abril-de-1974.html

Anónimo disse...

Haverá continuidades semânticas entre..."Esta foto (Liceu Nacional de D.João II em S.Tomé)... poderia ter sido tirada no Liceu Nacional Honório Barreto"... e o Movimento Surrealista tão bem exemplificado por René Magritte com o tal "Ceci n'est pas une pipe"? Quase como:"Isto não é um comentário,simplesmente uma mini-avaliacäo crítica" do nosso genial A.G.A. Um grande abraço.

Antº Rosinha disse...

Fotos antigas como esta da escola de São Tomé, comovem os velhos que sofrem da doença de "luso-tropicalismo".

De vez em quando vemos hoje em dia esse lusotropicalismo escolar na saida das escolas na linha de Sintra e não sei se tambem na linha de Cascais que frequento menos aqueles ares.

Ainda vi bastante este quadro multicolorido na saída do antigo Honório Barreto, que foi escurecendo bastante a partir de 1980.

Agora como somos mais europeistas, comoveu-me aquele programa da RTP apelando a um novo luso-tropicalismo.

Isto é mesmo um comentário A.G.A e não desistas, não vale a pena.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Caro Luis e Nuno

Essa "historia", pelos episodios descritos e-me igualmente familiar!

Primeiro por sermos praticamente da mesma geracao... eu na altura a uns 5 meses de completar os 12 anos e no ultimo ano do ciclo preparatorio ( seria Marchal Carmona ???) na mesma rua do Liceu Honorio Barreto, da Escola Tecnica e do estadio escolar...Junto ao Liceu havia igualmente uma messe...sera ?

Recordo-me perfeitamente desses momentos de exaltacao pelas bandas do Liceu, da Escola Tecnica e do Ciclo Preparatorio...

Tive varios colegas portugueses, grandes amigos de infancia que gostaria um dia poder rever.

Alguns da mesma idade...outros ligeiramente mais velhos, mas unidos pelas partidas de futebol... no estadio municipal, no estadio escolar...no quintal (por detras)da Se Catedral, no proprio quintal da Camara Municipal...

Entre esses amigos, recordo-me perfeitamente do Ze (ligeiramente mais velho...1 a 2 anos pelo menos) do Becas seu mano mais novo, da minha idade...colega das pescarias no lodocal das bolanhas...junto ao quartel da Marinha !!!!

O pai era militar... habitavam uma residencia, mesmo em frente a messe dos sargentos da Forca Aerea, por sinal meus vizinhos.

Hoje calculo que o pai fizesse parte da "psico", contavam ingenuamente os filhos...ante a inocencia geral...

Pelos meus parcos conhecimentos da epoca, na materia...calculava ser um major do exercito (um galao/divisa da largura de dois dedos..com uma faixa adourada no meio..)Seria isso ?

Foi pois em casa desses amiguinhos, que vi pela primeira vez o capitao dos comandos Joao Bacar Djalo, que vim mais tarde a saber, por esses mesmos amigos...nas conversas de catraios...ter sido morto em combate !!!

Era precisamente, no muro frontal dessa residencia, que o pessoal da forca aerea aguardava pelo autocarro azul..que os levava as sessoes nocturnas de cinema na base area de Bissalanca...

E mais seria esse mesmo murro frontal da residencia em questao..a escassos 100 metros da minha casa...o alvo de um dos atentados a bomba relogio registado durante a guerra em Bissau...( entre 73 a 74..por ai).

Armadilhado pelas celulas clandestinas do PAIGC, numa bela noite ...o murro foi-se p/ ares isto ...minutos depois do autocarro azul ter partido do local para a viagem do costume !!! Nesse dia felizmente bem mais cedo que o habitual !

Nao houve vitimas... nem entre o pessoal da forca aerea...nem entre a "meninada" que nas redondezas costumava brincar ao cair da noite !!!

Um outro amigo da mesma rua...responde pelo nome de Joaquim Vicente (para nao variar, o Quim)... o pai ficou conhecido por Mestre Vicente...era da Marinha e das Oficinas Navais.

Mestre Vicente, um "mais velho" de trato facil, do qual lembro-me ( eu e o filho) termos recebido, por presente o nosso primeiro carro de rolamentos...feito a maneira..com requisitos de seguranca..ja avancados para a epoca..

O brinquedo fazia pois a delicia da meninada..no declive que ia dos servicos metereologicos/Boite Cabare Chez Toi...no cimo da entao nossa rua Engenheiro Sa Carneiro
( a mesma da Praca Honorio Barreto, do Hotel Portugal,do Cafe Universal, do Restaurante ou Pensao Ronda....ja agora que ia dar ao cemiterio, passando lateralmente,pelo hospital) a messe dos Sargentos ...

Terao porventura fotos dessa epoca ? Da vossa rua ???

Mantenhas

Nelson Herbert
Washington DC,USA

Vitor Ferreira disse...

Caros amigos.
Ao procurar por curiosidade em que data teriam sido estes acontecimentos aqui descritos,ocorridos em Bissau,foi com grande satisfação que encontrei o depoimento de colegas do n/ Liceu Honório Barreto.
Fomos colegas do Liceu ,do mesmo ano e possivelmente da mesma turma,visto que eu e o meu irmão gémeo também fomos colegas desse rapaz de S.Tomé e cujo pai alegadamente pertencia á Pide/dgs e que terá sido detido.
Os vossos relatos são muito identicos aos nossos.
Também fugimos do Liceu pulando muros etc. etc.,depois de um colega nosso (preto)ter-nos dito para o seguis-mos porque aquela multidão queria qpanhar os brancos.
E assim foi fugimos e a determinada altura encontramos um Jeep Da PM com um oficial amigo(namorado da irmã de um amigo nosso)quando iamos a entrar para o jeep apareceu o nosso pai de carro e conseguimos regressar a casa em segurança.
Viviamos em frente aos Serviços Metereolígicos.
A partir deste dia foi impressionante o contigente militar destacado pelas ruas,especialmente em zonas-chave,mas também de uma forma geral por toda a cidade.
Ainda não sei se terá ocorrido no dia 26 ou apenas no dia 29,visto que entre estas datas foi fim de semana e portanto não havia aulas.
Eu apontaria para 29(2ªfeira).
Gostaria imenso de ter contacto convosco.
Eu sou o Vitor Ferreira e o meu irmão gémeo é o Luís.
Eramos dos poucos "brancos"civis.
A maioria dos colegas eram filhos de militares.
Estivemos na Guiné desde 1965 a 1974.
Abraço e até breve!

Luís Gonçalves Vaz disse...

Caro Victor: É com muita satisfação que acabo de ler o teu "post" aqui neste artigo! De facto o Martinho, é o nosso "elo", pois todos na altura ficamos tristes e consternados com o que lhe aconteceu. Enfim a nossa sala era no piso debaixo virada para a rua e lembrar-me destes episódios recordo-me do seguinte: " éramos menos de seis brancos na nossa turma, um deles era filho de um sargento paraquedista (será o Nuno?), dois filhos de um comerciante/ou industrial (serão vocês os dois tu e o teu irmão Luís?), eu filho do CEM do CTIG e haveria mais um ou dois, que não me lembro de quem eram filhos! Sei que no início do ano lectivo de 73/74, tu, o teu mano e demais colegas me explicaram que nos recreios eu tinha de falar crioulo ... e trataram-me e me ensinar, não te lembras de ensinar um "branquinho" o crioulo? Era eu meu caro! No Liceu tinha um irmão no quinto ano, o António, mas pouco me ligava... Lembras-te daquela professora de História que apareceu toda "negra" num belo dia de aulas? Foi fruto de uma "cena de pãnico", que eu presenciei no clube militar de S Luzia, junto á piscina do mesmo clube, em pleno cinema na época seca. A minha mãe era professora na Escola Técnica, junto ao nosso Liceu, vou-lhe perguntar se ainda tem fotografias dessa altura.

Hoje fico por aqui, abraços para ti e para o teu irmão Luís.


Mantenhas

Luís Gonçalves Vaz