sexta-feira, 21 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11740: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): IV (e última) Parte: Quando o bravo soldado Spínola também dansa a valsa do Corubal azul. Ensinamentos colhidos e críticas do cor Hélio Felgas, comandante da operação, à falta de articulação dos 3 ramos das Forças Armadas


Guiné  > Zona leste > Setor L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > c. 1968/60 > Uma das raras foto do ten cor inf Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1969/71). É o segundo militar, a contar da esquerda para a direita. Aqui, em visita ao aquartelamento de Mansambo, em construção, c. 1968/69. Na Op Lança Afiada, ele foi o comandante do Agrupamento Tático Norte. Depois do ataque a Bambadinca, sede do BCAÇ 2852, em 28 de maio de 1969, foi punido disciplinarmente pelo Com-Chefe.

Dele disse o António Vaz, o cap mil do Xime, à epoca da Lança Afiada:

"Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão mil comandante da Cart 1746,  no Xime,  de janeiro de 1968 até ao fim da comissão, em  junho de 1969. Como companhia  independente conheci vários comandantes  de batalhão, primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do BART 1904 , ten cor  Branco,  o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes,  todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito,  a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o,"

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> c. Março / maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

(...) "A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco…

"Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (*). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli / Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória." (...) 

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix (ex-alf mil, pilav heli AL III, BA 12, Bissalanca, 1968/70):


Nota de Jorge Félix (**) :

(...) "dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, (...) o que lá está  [na minha caderneta de voo}:

Dia 12 de Março de 1969 Hel Al III nº 9279 Desp- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 Desp- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 Desp Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 Desp Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Tevs-Bambadinca- Zops (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 Tger-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Bambadinca Zops-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 Tger Bambadinca-Zops-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 Aesc Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 Tevs- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 Desp-Bs- Bambadinca 1 aterrag 45 mint
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 10 aterrag 2:00 horas
Dia 15/3/69 Desp Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 Desp Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 Desp Bamb-Bafatá-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 Tman BS Zops (2x) BS 5 aterg 45. (...)

(Esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio às Forças terrestres, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na Zops da operação Lança Afiada." (...)

[Observ.: TEVS= Transporte Evacuações; TGER= Transporte Geral; ZOPS= Zona Operacional. L.G.]

 Fotos: © Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados


A. Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN". (***)

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano, e depois no final da guerra CAOP 2), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano do consulado de  Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime).

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo de reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra no setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob o controlo  do PAIGC, foi a grande vítima desta algo megalómana e provavelmente mal planeada e pior coordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal militares, de origem  metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno e ao clima do leste da Guiné), conclui-se que um sétimo fora mal selecionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, na época em que se realizou a operação  (março, tempo seco), as temperaturas andavam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nessas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, (ii) precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas, etc., não havendo  paras, comandos nem fuzos do outro lado, para os "encurralar"), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação e a resistência física e psicológica, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível; ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas... (Veja-se, por exemplo, o número de TEVS, ou transportes de evacuação, que o Jorge Félix teve que fazer, nos dia  12 e 13 de março, para Bambadinca e para Mansambo. Sabemos que durante o tempo em que decorreu a Op Lança Afiada, havia 4 médicos em alerta (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), conforme se pode ler no relatório:

(...) "O médico de Bambadinca [, David Payne,]  foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário" (...) 

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos (ou mitificados desde o início da guerra, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal), mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais (?) de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruíram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram a regra básica da guerrilha: primeiro, retirar quando o inimigo, ataca: segundo, e quando possível, atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato (e hilariante, se fosse caso para rir) desta operação é que o pessoal deitou fora... as intragáveis rações de combate e desatou a comer... leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado da hierarquia militar. O relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem  críticas veladas, se não mesmo picardias,  ao Comandante-Chefe, ao Quartel General, à Marinha e à Força Aérea...

Há coisas, que se passaram nesta operação, sobre as quais  n ão faço qualquer comentário crítico, deixando isso à atenção e consideração dos poucos camaradas do blogue que estiveram nesta operação: estou-me a lembrar do Jorge Félix, do Paulo Raposo, do Torcato Mendonça, do Hilário Peixeiro...

Cada um dossos nossos leitores que faça a sua leitura, se possível distanciada e desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada (e que eu e outros camaradas da CCAÇ 12 conhecemos bem entre julho de 1969 e março de 1971).

Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 e doutras unidades que participaram na Op Lança Afiada (***).  Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Corubal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado,  logo em 2005, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros... Esse ataque ficou célebre, pelo menos a nível do humor de caserna: provavelmente. sem qualquer fundamente, dizia-se em Bissau, na 5ª Rep, no Café Bento,  e em Contuboel, "longe do Vietname", que "os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS"...

Eu e o resto da malta da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 estava a chegar a Bissau, no Niassa, quando se deu o ataque a Bambadinca, na noite de 28 de maio de 1969. E passámos por Bambadinca, a caminho de Contuboel, dias depois, a 2 de junho, a tempo ainda de ver e ouvir relatos na primeira pessoa dos camaradas da CCS/BCAÇ 2852...

Ainda há pouco tempo o fur mil reabast José Carlos Lopes (que conserva em casa o lençol da sua cama, todo crivado de estilhaços, na sequência de uma granada de morteiro que explodiu nos quartos dos sargentos) me dizia, ao telefone que "a sorte da malata foi os canhões s/r dos gajos terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha"...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas,  em estilo telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".  (L.G.)


B. Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - IV (e última) parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (IV e última parte) (*)


5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)


Dia D + 8 (16 de Março de 1969)

Os Dest A, B e C actuaram entre Queroane e Mangai destruindo tudo à sua passagem. O que sobrara de Mangai ficou reduzido a cinzas. Foram ainda capturados 3 nativos e feitos 2 mortos confirmados.

Os Dest F, G e I voltaram a bater a mata do Fiofioli mas agora no sentido Leste-Oeste. Inicialmente, porém, deslocaram-se por indicação do guia à zona (C8-71) e aí do lado de lá da bolanha, e portanto já fora da mata do Fiofioli, encontraram espalhado pelo mato, além de novos documentos, importante e valioso material de guerra que deu para encher mais de dois helis.

Os Dest E e H bateram também no sentido Oeste-Leste e Sul da mata e foram acabar de destruir a tabanca de Fiofioli, capturando ainda muitas munições.

Nesse dia, às 10h30 houve nova reunião em Bambadinca com Sua Excia o Comandante-Chefe. Sua Excia informou que em virtude de ter de realizar uma operação noutro Sector, determinava a suspensão do apoio aéreo em 17 [de Março] e o embarque dos Dest A, B e C em Ponta Luís Dias nesse dia com destino ao Xime. Os outros Dest do Agrupamento Sul não seriam reabastecidos em 17. Que o seriam em 18 mas compreendeu-se mal pois, segundo Sua Excia, em 17 o esforço aéreo não poderia ser mantido e só seria deixado o heli de evacuações. No entanto, os Dest do Agrupamento somavam nessa altura mais de 750 homens que seria necessário reabastecer de água e alimentação (os Dest A, B e C somavam entre 450 e 500 homens).

Nessa reunião foram também alteradas as instruções acerca do arroz IN: devia passar a ser todo destruído. Na véspera, porém, de acordo com a ordem recebida, comunicara-se aos Dest que deviam recolher todo o arroz possível, prevendo-se até o seu transporte por meio de colunas de carregadores a serem novamente recrutados. Havia até sido distribuído mais algumas centenas de sacos de linhagem.

Em face desta nova ordem, os helis passaram no regresso do reabastecimento a trazer homens em vez de arroz, afim de aliviar o esforço de reabastecimento. Mas foi só em 16 [de março]. Neste dia fizeram quase reabastecimento e meio, pois sabia-se que não seriam feitos reabastecimentos alguns em 17.

Foi recebida uma mensagem que dizia: “Confirmação ordens verbais Com-Chefe cessa 17MAR Op ‘Lança Afiada’ Agr Norte (.) Tropas Agr. Norte em Ponta Luís Dias 170600Mar69 (.) Comandante Agr Norte coordena Oper embarque atingido cerca 1000 (.) Com-Chefe desloca-se local partir 170900(.)”.

Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C. Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,]  podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês. Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos. Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade.


Dia D + 10 (18 de Março de 1969)

Na [noite] de 17 para 18 os Dest H e I chegaram ao Xitole transportando consigo 4 vacas que em certos pontos tiveram quase que ser levadas ao colo para passarem troncos estendidos sobre os ribeiros. As outras capturadas tiveram que ser abatidas.

Por seu lado, os Dest E, F e G passaram pela margem esquerda do Rio Bissari, atingiram a estrada e chegaram a Mansambo cerca das 08H30. Durante a noite, enquanto pernoitavam, um dos nativos capturados tentou fugir, sendo abatido.

6. Resultados obtidos

a) Baixas infligidas ao IN

O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos.

b) Inimigos capturados

Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres.

c) Material e documentos capturados ao IN

1 Carabina “Mosin Nagant”, 7,62 m/m modelo 1944

1 Espingarda “Mauser”, 7,92 m/mm, K98K

Idem 7,9 modelo 904

1 Espingarda sdemi-automática “Simonov” (SKS), 7,62 m/m

2 Metralhadoras pesadas “Goryonov", 7,62 m/m

2 Pistolas metralhadoras “Shpagin”, 7,62 (PPSH)

1 Granada para LG P-27 “Pancerovka”

12 Granadas para LG RPG-7

85 Granadas para LG RPG-2

1 Granada de Mort 60

19 Granadas de Mort 82

1 Mina A/P de salto e fragmentação (Bailarina)

1 Mina A/P de fragmentação PPMI

1 Mina TMB

2 Petardos de trotil de 1,2 kg

24 Cargas suplementares para morteiro (caixas)

42 Espoletas de granada Mort 82

3 Bolsas para carregadores PPZSH

1 Bolsa para carregadores Degtyarev

Cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios)

E ainda outro material diversos bem como livros, cartas, cadernos e objectos de uso pessoal.´

d) Baixas sofridas pelas NT

AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença

7. Serviços

a. Rações de combate

As R/C especiais agradaram de uma forma geral. As normais (nº 20, E) são absolutamente intragáveis e mais se tornam em operações tão prolongadas como esta.

b. Recursos locais

Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade.

c. Pessoal do Serviço de Saúde

As forças levavam o seu pessoal orgânico.

O médico de Bambadinca foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário.

d. Evacuações

Os feridos e os doentes foram evacuados por heli.

8. Apoio aéreo

a. Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b. Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação [, cor inf Hélio Felgas], dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;

- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;

- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;

- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);

- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;

Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ] às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantaram às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.

9. Ensinamentos colhidos

Dentro do espírito das NEP, este parágrafo “não é uma crítica mas uma análise objectiva que permite obter ensinamentos”. [Itálico e bold, do editor]

a) Torna-se evidente que a Op Lança Afiada foi bem sucedida, tendo sido alcançados todos os objectivos e cumprida integralmente a Missão.

Não há dúvida porém que o IN podia ter sofrido muito mais baixas e que as NT podiam ter capturado muito mais população se simultaneamente tivessem sido montadas emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal, conforme pedido. Esta margem fica fora dos limites do Agrupamento Leste e, concordo, é difícil de alcançar a partir de Buba. Mas uma companhia de paraquedistas ou de comandos teria operado maravilhas nela e evitado que a maior parte do IN e da população da margem Norte fugisse para a margem Sul como se sabe que fugiu durante as noites.

b) O facto de o IN nunca ter tentado resistir pode levar-nos à conclusão de que ele não era tão forte como se julgava. 

No entanto, não se tirou desta Operação um tal ensinamento. O que ele se viu foi varrido por todos os lados. Ao descobrir o “furo” da margem oposta passou-se para ela. Mas se tivéssemos podido tapar esse furo, ele teria sido talvez obrigado a resistir e mostraria então uma força que agora não mostrou porque achou inconveniente fazê-lo.

As 24 flagelações sofridas e os documentos apreendidos mostram porém que não devemos subestimar precipitadamente o IN. Nem sobre-estimá-lo, é claro.

c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade.

Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra.

d) As rações de combate normais voltaram a ser um elemento destruidor do moral das NT. Provocando a sede quando menos água há.

Temendo a sede, os homens deixam simplesmente de comer e ficam rapidamente exaustos.

e) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. 

Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra.


10. Não será talvez exagerado afirmar que o IN ficou desorganizado e que as destruições operadas pelas NT vão criar-lhe grandes problemas.


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 64-71. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

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Notas do editor:

(*) 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)


(...) Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação à prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o único co a voar para a Lança Afiada. A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

 (...) Quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catió fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma Tevs. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa) (...)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III


(***) Vd. postes anteriores da série > 


24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3

Guiné 63/74 - P11739: Parabéns a você (592): António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de Guiné 63/74 - P11734: Parabéns a você (591): Cherno Baldé, amigo guineense, um dos meninos (ou 'djubis') do nosso tempo

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11738: Em busca de... (225): Os "Zorbas", camaradas da minha CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) (Joaquim F. Alves, ex-fur mil, residente em Olival, Vila Nova de Gaia)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Gadamael Porto > 2011 > Vestígos da CART 1659... Foto do álbum de Carlos Afeitos, professor, cooperante (2008/12) (*)... Foram os "Zorbas" que construiram o cais de acostagem, em Gadamael-Porto.

Foto: © Carlos Afeitos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]


 1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) Joaquim F. Alves:

Enviado: sexta-feira, 7 de Junho de 2013 23:42
Assunto: Contactos de camaradas da minha companhia da Guiné

Camarada Luís Graça

Descobri o vosso blogue por mero acaso e já lá vai algum tempo. Depois de algumas hesitações hoje mesmo decidi pôr a minha questão à prova.

O meu nome é Joaquim Fernandes Alves.

Sou ex-furriel mil.  da CART 1659 - Zorba, que fez o IAO no RAC, Oeiras. Partimos de Lisboa a 11 de Janeiro de 1967, e não regressámos todos, como é óbvio, em 10 de Novembro de 1968.

A nossa área de intervenção foi Gadamael Porto / Ganturé, Desembarcámos no meio daquele grande lamaçal do rio que penso ser, o Cachima, onde depois, durante o nosso tempo,  construímos um cais.

Após esta pequena apresentação, e tendo a lista de todos os elementos que faziam parte da Companhia, o que pretendo é saber se há  possibilidades de obter  as moradas de cada um, pelo menos nessa altura da formação da Companhia.

Um abraço do camarada
J.Alves

2. Comentário de L.G.:

Falámos ontem pelo telefone. Pus-te à vontade. E tu foste franco comigo. Infelizmente, não tenho  (nem quero ter) nenhuma base de dados com nomes e moradas do pessoal que passou pelo TO da Guiné, entre 1961 e 1974. Nem sei se alguém tem, a começar pelo Arquivo Histórico Militar. Nas chamadas Histórias das Unidades (HU) há listagens de todo o pessoal de cada companhia, número mecanográfico e posto, mas não as moradas de residência da época (que, passados quase 50 anos, já não serão as mesmas: uns já morreram, outros emigraram, outros mudaram de casa, de rua, de terra...).

A melhor maneira de constituires uma pequena base de dados do pessoal da tua companhia é a partir dos primeiros convívios... Disseste-me que já foste a dois convívios dos teus camaradas. O último,  há 2 anos, em Leiria. Apareceram vinte e poucos. Ficaste dececionado. Mas é assim que se começa. A lista de nomes, moradas e contactos vai aumentando e passando de mão para mão, do primeiro organizador do convívio para o segundo e por aí fora. Não há outra maneira.

Espero que não tenhas ficado desapontado. Há cada vez mais gente a pedir-nos contactos de antigos camaradas (**). Infelizmente, não temos meios materiais, logísticos e humanos para responder rápida e cabalmente a estes pedidos. Somos apenas um blogue, nem sequer somos uma associação de veteranos de guerra, muito menos uma instituição militar. Somos apenas um grupo de algumas centenas de camaradas (e amigos) da Guiné que se juntam aqui para "blogar", partilhando memórias e afetos. Quando é possível, ajudamos, com todo o gosto e sentido de camaradagem. Por exemplo, publicando pedidos como o teu ou divulgando notícias de convívios, realizados ou a realizar.

Dito isto, reitero o conselho que te dei, ao telefone: tenho apenas 4 referências, no blogue, à tua companhia, a CART 1659.  Ninguém aqui a representa, o que é triste. Tu podes ser o primeiro "Zorba" a sentar-se aqui ao pé de nós, debaixo do nosso poilão. Baste-te, para isso,  mandar as duas fotos da ordem e contares a história da tua guerra, o que já fizeste em versão curta. Mas, sabendo que tens em teu poder uma cópia da história da unidade, podes mandar-nos uma série de textos com as partes mais interessantes. Fica ao teu critério. Manda também umas fotos digitalizadas. Sei que eras conhecido como o Alves e ma Tabanca Grande podes ficar registado Joaquim F. Alves, para não haver confusão com os outros nomes parecidos...

A partir do momento que aparece na Net a referência à CART 1659, é maior a probabilidade de os teus antigos camaradas,  os "Zorbas", te descobrirem e baterem aqui à porta... Sei que aceitaste, com agrado, a minha sugestão. Tens tempo, estás reformado, trabalhaste nas Alfândegas do Porto, vives na freguesia do Olival, Vila Nova de Gaia...

Bom, procura também a malta da Tabanca de Matosinhos, de que já ouviste falar e  que te pode ajudar a enquadrar. Tenho o teu telefone (fixo) e o endereço de email. Sei que um há camarada teu, o Viga, que já organizou um encontro. Trá-lo também contigo até nós. Lembra-me que te fiquei de mandar o contacto do Manuel Vaz, de Vila do Conde: foi alf mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto (1965/67), possivelmente ainda o apanhaste... Ele é quem, no blogue, mais sabe da história de Gadamael...

Até uma próxima. De vez em quando passo pela Madalena, outra freguesia de Vila Nova Gaia onde sei que tens uma irmã. Pode ser que a gente se encontre um  dia destes.
Boa saúde, boa reforma.  E não desanimes. Os "Zorbas" hão-de aparecer.
L.G.
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Notas do editor:

Guiné 63/74 - P11737: FAP (74): A instrução do AL III no meu tempo: em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e o Senhor Dom Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II o curso de helis... Saí de Tancos com um total de 291 horas de voo, e no dia 1 de Outubro de 68 fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.... (Jorge Félix)



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968). Foto do Alberto Pires, editada pelo Jorge Félix.

Fotos: © Alberto Pires (Teco) / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007) / Jorge Félix (2009). Direitos reservados.



Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.

Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique [ou Angola ?]  e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda): © Jorge Félix. Todos os direitos reservados  [Cortesia de: Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.]



Guiné > Algures > Jorge Félix, allf mil pil heli Al III (BA 12, BA 12, Bissalanca, 1968/70) e António Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)... O tratamento por "pilav" era reservado aos pilotos-aviadores que vinham da Academia Militar.

Foto: © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados



1. Mensagem do Jorge Félix [, ex-alf mil pil, AL III, Esq 122, BA 12, Bissalanca, 1968/70,], com data de ontem, em resposta ao nosso convite para nos contar como se tornou um valoroso e glorioso "maluco" do heli AL III que faz agora 50 anos na nossa querida FAP (*)


Meu Caro Luis Graça: 

já tinha respondido a este mail, quando me apercebi que seria para os "50 anos do AL III", e como isso aconteceu no dia 20 de Abril, em Beja, onde eu estive, apaguei tudo, por pensar estar fora de tempo. Como voltas "à carga", vou tentar ser útil.

Desde já um abraço ao Pardete Ferreira pelas simpatiquissimas palavras.

Caro Fernando Leitão:

Aproveito para contar algo que será desconhecido da maioria. No ínicio da FAP, os primeiros pilotos vieram da arma de Cavalaria, razão existirem tantos termo da sua gíria:

(i) O "pilão", par de coices - afocinhamento do avião; 

(ii) "borrego", nega ao saltar um obstaculo - aterragem não conseguida; 

(iii) "cavalo de pau",  instrumento que dá o equilibrio do avião - ...

No meu tempo, as idades para concorrer, eram os 17 e 21 anos. Fazia parte das condições ser solteiro, ter autorização do pai.... Centenas de "mancebos" concorriam, uns para "andarem mais perto de Deus", outros para fugirem do "diabo"...

Depois de apertados exames medicos aparecem em São Jacinto (Fevereiro 67), BA7, meia centena de alunos para iniciar as "voadelas". Recordo que  havia um Alferes, um Aspirante e um Cabo, portanto ,recrutados das FT.

O avião de inicio de instrução foi o CHIPMUNK, onde aprendíamos os pequenos segredos de voo.
Fui largado depois de 15 horas,  no dia 21 de Abril de 67 no 1635.[ não sentir o instrutor a corrigir, a emendar, a ajudar ... (o silencio dos Deuses) foi a alegria plena]. 

 Depois da aterragem, na placa, o instrutor esperava-nos para o "caldaço no pescoço e o pontapé no traseiro". Quem estivesse por perto e já fosse Pilav também "molhava a sopa". 

O banho na Ria,  ao fim da tarde,  fazia parte da praxe dos "recém-largados". Fazia-se coincidir com a partida da lancha da Marinha, assim, os que estivessem sobre a ponte de atracagem também poderiam ir ao banho .

Era também tradição oferecer uma garrafa de "whisky" ao instrutor e fazia~se um jantar de confraternização, alunos e instrutores.

Depois desta fase, passava-se para o T-6...

No dia 28 de Junho fui largado no T-6 (1656) com 13 horas de voo. Com 170 horas de voo, acabei em São Jacinto e obtimha  o tão desejado Brevet, "as asas no peito". (Das centenas de recrutas, restaram 20 pilotos;  a seleção natural diminuiu para metade este número).

Nas 150 horas de T-6, Maio de 67 a Dezembro de 67, aprendeu-se tudo que o avião "deve "fazer": o rolar, descolar, voltas de pista, formação, navegação, voo por instrumentos, acrobacia, voo noturno, "rapadelas", tiro , ... e crescia~se ou não, no Bar dos especialistas, dos "marinheiros, nas escapadelas a Aveiro, no "Gato Preto" ....

Aqui chegados era a partida para o Ultramar.

Nesse ano a FAP abriu o primeiro curso de Helicópeteros para pilotos que não eram do quadro. Ofereci-me como voluntário e ao mesmo tempo ofereci-me para a Guiné. (a razão de me oferecer para a Guiné, teve a ver com o tempo da comissão).

Consta na minha caderneta: (Dezembro de 67) Encerra-se a presente caderneta em virtude do seu titular marchar para a Base Aérea nº 3, a fim de frequentar o Curso complementar de Helicópeteros nos termos do rádio BP...

Em Janeiro de 68, eu e mais cinco pilotos do P1 de 67, juntamente com quatro pilotos da Academia Militar e um  Sr Duarte de Bragança, iniciamos com o Al II ,o curso de helis.

Tenho registado 60 horas de AL II até junho de 68, quando comecei com o AL III. Fiz 30 horas de AL III antes de embarcar para a Guiné.

Sobre as modalidades de voo que  "referem" no questionário, naquele tempo, estou convencido que fizemos tudo. Salvamento de guincho e voo de montanha, na altura, forma para mim estranha por pensar que não iria usar isso na "Guerra ", o que veio a acontecer. O Guincho foi utilizado por mim só para manutenção ...

O voo noturno, com os instrumentos que à época existiam, seria o modo de voo a que requeria mais atenção.

Estou convencido que no final do curso que me foi ministrado, estava bem preparado para seguir para o "teatro das operações".

Saí de Tancos com 291 horas, na totalidade, e no dia 1 de Outubro de 68, fazia uma evacuação (TEVS) em Cabuca.

O meu nº da FAP era (é ?) o 114/66.

Estou a perder-me a ficar longo e maçador...
Se mais houver em que possa ajudar, ficarei ao dispor.

Abraço, Luís Graça e Fernado Leitão.

Jorge Félix

2.  Troca de mensagens com o ten cor pilav F. Leitão, com data de ontem:

(i) Caro camarada da FAP, ten cor F. pilav Leitão:

Aqui vai, em primeira mão, mais um contribuição, a do nosso querido amigo, Jorge Félix, experimentado alf mil pil, que voou, como poucos,  aos comandos do AL III no TO da Guiné, em 1968/70... Um Alfa Bravo. Luis Graça

(ii) Luís Graça, Jorge Félix:

Muito obrigado por este testemunho valioso! Vou incorporar a informação transmitida.

Um respeitoso abraço,

Fernando Leitão
Tenente-Coronel Piloto Aviador
Área de Ensino Específico da Força Aérea
Instituto de Estudos Superiores Militares
Rua de Pedrouços 1449-027 LISBOA
Tel: 213002143 / Tel mil: 226140

Guiné 63/74 - P11736: Convívios (531): Encontro anual do pessoal da CART 494, que comemora os 50 anos da sua partida para a Guiné, dia 21 de Julho de 2013, em Viana do Castelo... (Esteve em Ganjola, Gadamael, Ganturé e Bissau) (Coutinho e Lima)


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca > 1960 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gadamael Porto


C O N V I T E 

50 anos da partida para a Guiné, da CART 494

A Companhia de Artilharia nº 494 (CART 494) partiu de Viana do Castelo, de comboio para Lisboa e depois de barco, com destino à Guiné, em 16 de Julho de 1963.

Para comemorar essa efeméride, vai realizar o seu convívio anual, no próximo dia 21 de Julho (Domingo), com o seguinte programa: 

10H30 – Descerramento de uma placa no Castelo de Santiago da Barra (Viana do Castelo; então era uma dependência do Batalhão de Caçadores nº. 9), assinalando os 50 anos de partida para a Guiné. 

11H30 - Missa na Igreja Paroquial de Vila Fria (Concelho de V. do Castelo). 

13H00 - Almoço no Restaurante Camelo, em Santa Marta de Portuzelo.

O nosso convívio está aberto a todos os que quiserem nele participar. Para nós será uma honra a vossa presença. Quem nos quiser acompanhar no almoço, poderá fazê-lo, fazendo a sua inscrição, até ao dia 13 JUL; o custo é de 30 €. 

Edmundo – 963 922 333 
Coutinho e Lima – 917 931 226

A CART 494, comandada pelo então Capitão de Artilharia Alexandre Coutinho e Lima, embarcou em Lisboa, no navio Niassa, em 17 JUL 63, tendo desembarcado em Bissau em 24 JUL.

Esteve em GANJOLA (Norte de Catió), desde 17 SET 63 (, desembarcámos às 11H00, ) até 15 DEZ 63, sendo a primeira tropa portuguesa a ocupar aquela localidade.

O baptismo de fogo foi no dia da chegada, em pleno dia (16H30); um grupo inimigo (IN) atacou com grande intensidade de fogo, aproximando-se a cerca de 3 metros, nas poucas zonas onde já estava instalado.

O IN teve 4 mortos confirmados, encontrados no meio do capim, com as respectivas armas: 2 Espingardas Mauser, 1 carabina e 1 pistola metralhadora PPSH. As nossa tropas (NT) não tiveram a mais pequena beliscadura; foi um dia de muita sorte.

Desde 17 SET 63 até 28 MAI 65, ocupou GADAMAEL, sendo a primeira Companhia naquela localidade. Neste período, construiu, a partir do zero, dois aquartelamentos: a sede da Companhia e o destacamento de GANTURÉ.

Realizou uma intensa actividade operacional, no sector que lhe foi atribuído, bem como a abertura e manutenção dos respectivos itinerários. Gadamael foi uma verdadeira plataforma logística, pois no seu “porto” desembarcavam os reabastecimentos para a Companhia e para as guarnições de Guileje, Mejo e Sangonhá/Cacoca, que davam origem às respectivas colunas, para os levar ao destino.

A Companhia realizou uma permanente acção psicossocial, no sentido de fazer regressar as populações, que se traduziu pelo regresso a Ganturé do seu Régulo Abibo Injassó e de 108 elementos da população.

Desde 28 MAI 65 até 18 AGO 65, esteve no sector de BISSAU, onde desenvolveu acções de patrulhamento, acção psico social e assistência sanitária às populações.

A Companhia regressou a Lisboa em 18 AGO 65, a bordo do navio Uíge; seguimos para o Regimento de Artilharia Pesada nº. 2, em Vila Nova de Gaia, onde o pessoal foi desmobilizado.

Coutinho e Lima
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11721: Convívios (530): Almoço-Convívio do BART 733 (António Bastos)

Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > 22 de maio de 1973: por decisão do comandante do COP 5, maj art Coutinho e Lima, as NT e a população civil abandonam o aquartelamento e a tabanca de Guileje, num total de cerca de 600 almas, dirigindo-se, de madrugada, a Gadamael, através de um carreiro que só a população local conhecia, e iludindo a pretenso cerco das forças do PAIGC. Entre os sitiantes, estava o Nino 'Vieira' e outros comandantes do PAIGC como o aqui citado Osvaldo Lopes da Silva...

Esta foto é, em princípio,  de autor desconhecido. Creio que a vi originalmente reproduzida na revista Pública, do jornal Público,  numa reportagem sobre a retirada de Guileje (provavelmente o artigo do Eduardo Dâmaso, "Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola", Público, Domingo, 16 de Maio de 2004). Mas a cópia, dessa imagem, que temos,  faz parte do espólio "Guiledje Visual" e foi-nos gentilmente cedida pelos nossos amigos (e parceiros) da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2005.

Espero que um dia o autor apareça e dê a cara... Era muito provavelmente alguém da CCAV 8350 ou subunidades adidas... Foi editada por nós, para ilustrar este poste... Entretanto, apareceu o J. Casimiro Carvalho, fur mil op esp, da CCAV 8350, a dizer que muito provavelmente a foto, tal como outras do pessoal (militar e civil) na retirada, é do seu camarada Carlos Santos. A foto de qualquer modo é notável, estando longe de sugerir debandada, pânico, desorganização... Pelo contrário, parece haver alguma dignidade e disciplina na retirada do pessoal (dois terços, civis...).  (LG).


1. Conforme poste P11552, de 10 de maio último, realizou-se em Coimbra, no dia 23 do mesmo mês, a    Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné".

O historiador guinense, doutor Julião Soares Sousa, investigador  do  Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra,  conseguiu juntar à volta da mesma mesa alguns dos protagonistas dos acontecimentos de há 40 anos (Op Amílcar Cabral, na designação do PAIGC),  homens esses que então se confrontaram de um lado (Coutinho e Lima, Ferreira da Silva, Raul Folques, José Calheiros, Pedro Lauret) e do outro (Osvaldo Lopes da Silva, Fandji Fati) da barricada.

A moderação da mesa redonda coube ao historiador, prof doutor Luís Reis Torgal. Não assistimos ao evento. Nem vimos que a nossa imprensa, escrita e falada, tenha feito grande cobertura da iniciativa.  Um dos "recortes de imprensa" que nos chegou, foi este, da Angop - Agência AngolaPress.  Vamos aqui reproduzi-la, com a devida cortesia, e com uma chamada de atenção: não podemos garantir o rigor dos excertos das declarações dos participantes. Algumas merecem-nos reservas, como a do caboverdiano Osvaldo  Lopes da Silva, "então comandante do PAIGC"  e um dos principais responsáveis militares pela 'Operação Amílcar Cabral'  que - passo a citar - "salientou que o quartel português em Giledge estava 'completamente cercado' e que as suas forças dispunham de 'um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês'."

A teoria do cerco (total) a Guileje, por parte do PAIGC, só pode ser uma "figura de estilo", na medida em que é incongruente com a retirada, sem baixas, das NT, na madrugada de 22 de maio de 1973, tendo as forças sitiantes ocupado o aquartelamento, vazio, 3 dias depois, a 25 de maio.

Osvaldo Lopes da Silva (n. 1936) publicou recentemente o livro autobiográfico "Nos tempos da minha infância" (Cabo Verde, 2011).

Feita esta ressalva, aqui fica mais esta peça para os nossos dossiês sobre os 3 Guês (Guidaje, Guileje, Gadamael). Negritos (bold) e realce a amarelo, do editor L.G.

2. Recortes de imprensa > Angop > 24-05-2013 12:23 Guiné-Bissau:  Portugueses e guineenses debatem operação militar em 1973


Coimbra - Oficiais das tropas portuguesas e dirigentes das forças guineenses em 1973, evocaram e debateram, hoje (sexta-feira), em Coimbra, a "Operação Amílcar Cabral", uma das mais "marcantes ofensivas militares" da guerra colonial na Guiné.

Visando os aquartelamentos militares de Guidage, no norte da Guiné, e de Guiledje e de Gadamael, no sul do país, em Maio de 1973, a "Operação Amílcar Cabral" tinha como objetivo final, "a liquidação do colonialismo, através do aproveitamento dos seus resultados do ponto de vista da política doméstica e internacional", recordou o historiador guineense Julião Sousa.

Promovida pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, a mesa-redonda visou evocar os 40 anos de "acontecimentos incontornáveis no desenrolar do conflito".

Além de evocar os 40 anos daquela guerra, o [evento...]  também "servirá de introdução e mote" para o primeiro colóquio internacional "Colonialismo, Anti-colonialismo e Identidades Nacionais", a realizar em Coimbra, no final de 2013, adiantou, à agência Lusa, à margem do encontro, Julião Sousa.

Nas operações militares dos "3 G da Guerra da Guiné" (Guidage, Guiledje e Gadamael) "foram empregues elevadas quantidades de meios humanos e materiais", salientou Julião Sousa, que também é investigador do CEIS20, sublinhando que é, igualmente, preocupação dos promotores da iniciativa, perpetuar a memória de uma das mais" marcantes ofensivas militares" da guerra na Guiné.

A retirada, na madrugada de 22 de Maio de 1973, das tropas portuguesas do aquartelamento de Guiledge, então comandadas por Alexandre Coutinho e Lima, actualmente coronel na reserva, foi um dos momentos recordados pelo próprio e um dos temas que ocupou boa parte do encontro, em que participaram pelo menos uma centena de pessoas e se prolongou por cerca de seis horas, durante a tarde de hoje.

Na sequência da sua decisão de retirar as tropas, Coutinho e Lima foi preso pela hierarquia militar portuguesa, situação que se manteve até 14 de Maio de 1974.

"Tive a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter nas mãos o destino de centenas de pessoas civis e militares", recordou o coronel Coutinho e Lima, considerando que pagou "bem caro" a sua "ousadia, que, seguramente, teria consequências mais graves, não fora o 25 de Abril de 1974".

Sublinhando o "acto de coragem política, mas também física" de Coutinho e Lima, Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e um dos principais responsáveis militares pela "Operação Amílcar Cabral" (***), salientou que o quartel português em Giledge estava "completamente cercado" e que as suas forças dispunham de "um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês".

A retirada de Giledge foi "a decisão mais acertada", conclui a generalidade dos intervenientes na sessão, que também consideram, "sem margem para dúvidas", que "a Guiné era uma causa perdida" para Portugal, no plano militar.

Em termos de armamento "havia um desequilíbrio" muito acentuado, em favor das forças guineenses, destacou o coronel José de Moura Calheiros (que se deteve sobre a situação de Guidage em maio de 1973), sublinhando que "os guerrilheiros do PAIGC estavam muito bem preparados, bem organizados e muito bem comandados".


2. A par desta notícia, da Angop, que reproduzimos acima, emos também, no Diário Digital, de 24/5/2013, a seguinte: 

"Colóquio em Coimbra vai debater colonialismo e anticolonialismo"

O Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra vai promover, em novembro, naquela cidade, um colóquio internacional para debater, «sem tabus», colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais.

«É necessário discutir estes temas sem tabus» e «já há condições» para que isso possa acontecer, acredita o historiador guineense e investigador do CEIS20 Julião Sousa, sublinhando que «nota-se, claramente, que há uma tendência para as pessoas fazerem a catarse - que também faz parte da história»

Ainda há «alguns tabus», reconhece o historiador, considerando que para os ultrapassar é necessário estudar e discutir as questões e isso já é possível com algum distanciamento, pois já passaram 40 anos (sobre o fim da guerra colonial portuguesa) e já há muita documentação sobre aquele tempo, designadamente memórias e biografias de muitos dos seus protagonistas.

Diário Digital / Lusa


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de2013 > Guiné 63/74 - P11552: Agenda cultural (269): Convite para a Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné", dia 23 de Maio de 2013, pelas 14H00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Julião Soares Sousa)


(**) Último poste da série 26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11474: Recortes de imprensa (65): O filme lusoguineense "A batalha de Tabatô", de João Viana, veio pôr Tabató e a cultura da Guiné-Bissau no mapa das rotas do cinema internacional (Luís Graça)

(***) Publicou, no jornal Público, em 26 de julho de 2004, um depoimento, como protagonista dos acontecimentos, sob o título, "Amílcar Cabral: 'Se o quartel de Guiledje cair, cai tudo à volta' ". Reproduzido, na íntegram, pelo cor art ref Alexandre Coutinho e Lima, no seu livro "A retirada de Guileje_ 22 maio 1973: a verdade dos factos, 1ª ed." (Linda a Velha, Oeiras: DG Edições, 2008, p. 358--361). O arttigo de Osvaldo Lopes da Silva vem na sequência da reportagem do jornalista Eduardo Dâmaso, acima referida, publicada no Público, 16 de maio de 2004. O artigo do Osvaldo Lopes da Silva nunca chegou a ser reproduzido no nosso blogue.


Guiné 63/74 - P11734: Parabéns a você (591): Cherno Baldé, amigo guineense, um dos meninos (ou 'djubis') do nosso tempo

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11729: Parabéns a você (590): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, amigo guineense, Historiador e Professor universitário

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11733: Bom ou mau tempo na bolanha (13): Durante 30 anos trabalhei numa multinacional em New Jersey (Tony Borié)

Décimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



As instalações em Nova Jersey, onde o Tony trabalhava, fazia parte de uma multinacional, com sucursais em vários estados dos Estados Unidos e nos principais países industrializados.
Extraía o minério do solo, principalmente, na América do Sul, e processava-o nas suas diferentes fábricas. Tinha um ramal privado de comboios, que carregam e descarregam o material na sua sucursal em Nova Jersey.
Era detentora de setenta por cento do mercado mundial de cobre e alumínio e tinha um potencial um pouco fora do normal.
Como já dissemos, vendia o seu produto para todo o mundo, mas principalmente à Agência NASA, entre outras agências do governo Americano.

O Tony, agora com mais tempo livre, pois a Margarida encarrega-se das tarefas normais, tenta aproveitar as oportunidades que essa multinacional oferece. Larga o trabalho na editora, onde trabalhava em regime de “part-time”, e com algum tempo livre, matricula-se na escola local, assiste às classes, completa a escola baixa, vai para escolas superiores, tira classes na universidade, tudo na área de mecânica, assiste a cursos e conferências em diversas Estados para onde se deslocava, às vezes por algum tempo, tudo relacionado com altos fornos de fundição de metais, tanto eléctricos como a gás, ou qualquer outro combustível.

Passados uns anos, recebe o seu “Master” em mecânica industrial.

Muito antes de terminar o seu “Master” em mecânica industrial, já fazia parte do Departamento de Projectos da referida multinacional, conforme subia nos estudos, subia em posição, os mais importantes projectos para eliminação de poluição, tanto sonora como física, ou para poupar energia e que davam mais eficiência na produção de quase toda a multinacional, tinham a sua assinatura. Tinha ideias inovadoras que lhe conferiram alguns prémios.

Transformou bombas de água, que antes eram lubrificadas a óleo e contaminavam todo o produto, a serem lubrificadas com a mesma água, que faziam girar dentro de si. Construiu altos fornos, a gás ou eléctricos, que com a mesma dimensão, produziam três vezes mais produto, simplificava sistemas de produção, aumentando a sua produtividade.

O Tony construía os seus próprios modelos de ensaio, ele mesmo assumia a responsabilidade, ia para a área de trabalho, debaixo de temperaturas altíssimas, sem parar a produção, muitas vezes com risco da própria vida, mas isso não o incomodava, pois já tinha estado em zona de guerra. Algumas vezes tinha sucesso e provava algo, outras não tinha sucesso, mas ele sabia que essa experiência mal sucedida tinha sido positiva para si, pois ficava a saber que desse modo não era a boa maneira de alterar o sistema, tinha que ser algo diferente, mas não daquela maneira.

Quando começava num projecto e via que podia ter algum sucesso, só terminava quando o novo sistema estivesse a funcionar. Se tudo corria bem e a alteração no sistema funcionava perfeitamente, era tudo normal e o trabalho do Tony era quase ignorado, muitas vezes diziam que era pago para isso, no entanto, a multinacional ia poupar milhões de dólares no futuro, poupando energia, mais eficiência, menos mão de obra e o produto com melhor acabamento.

Se acabava um projecto, que não tivesse sido tão bem sucedido e fosse necessário algum ajustamento, era um grande problema, diziam que o Tony não sabia o que andava a fazer, pois estava a atrasar a produção e havia prejuízo de milhares de dólares por minuto!

E alguns até diziam:
- Porque é que o Tony não se encarrega do sindicato e deixa os projectos e inovações em paz?

Pois o Tony, tal como quando vivia na sua aldeia do Vale do Ninho d’Águia, “era do contra”, pois não podia ver injustiças, agora nos Estados Unidos também era representante da United Steelworkers of America, onde durante trinta anos foi proposto e eleito para diversos cargos que desempenhou com a maior honestidade, muitas vezes defendendo alguns na barra de um tribunal, a quem a sorte pouco ou nada sorriu.
Era uma guerra e uma pressão o seu dia a dia, mas que pouco o incomodava, pois tinha passado dois anos num aquartelamento em Mansoa, num verdadeiro cenário de guerra e sobreviveu.


O que veio a seguir, foram coisas que qualquer um de nós, sendo ou não emigrante, passou com mais ou menos sacrifícios. Toda a sua vida foi em prol da sua família e dos menos protegidos pela sorte e quando em serviço da multinacional onde exercia a sua profissão, ou representando a United Steelworkers of America, e mesmo às vezes única e simplesmente em viagens de prazer, dormia em hotéis com algum luxo, em Las Vegas, São Francisco, Miami, Los Angels, Houston, Denver, Nova Iorque, Chicago, ou outra qualquer cidade, lembrava as noites passadas dentro do aquartelamento de terra vermelha e arame farpado em Mansoa, nessa Guiné africana, ou as noites dormidas com frio, coberto com um plástico, na margem do rio Passaic, encostado a outras pessoas para melhor resistirem ao tempo que então se fazia sentir e que o destino não favoreceu lá muito, mas que eram seus amigos.

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11646: Bom ou mau tempo na bolanha (12): O meu 10 de Junho (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

1. Em mensagem do dia 6 de Junho de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima sexta "Carta de Amor e Guerra".


CARTAS DE AMOR E GUERRA

16. Aerogramas e insuficiência das mensagens

Na imagem > Aerogramas de 1966, com data de 7/4, 25/4 e 1/5 
© Manuel Joaquim 

[O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais.]

Vale de Figueira, 9. Março. 66 
Pois, está claro, que gostaria de receber daí cartas volumosas. (…). Eu sei que te é difícil, muitas vezes, fazer o que queres ou o que tens planeado para este ou aquele dia. Vários factores influem agora no teu querer, eu sei. E só por isso me não desalenta muito receber missivas tão lacónicas. 
(…),sobretudo o que me interessa é que semanalmente me dês testemunho de que ainda há vida nesse corpo tão massacrado, (…). O resto, meu querido M., terá muita importância, sem dúvida que terá, pois não é nada agradável estar-se a falar para o “boneco”, para um poço sem fundo, isso é verdade. Mas também não é bem este o caso. 
Isso, na situação actual em que vivemos, é compreensível e desculpável. (…). Podes estar certo, meu amor, que um “estou bem” género telegrama é uma felicidade para mim (…), um fortificante incentivo para continuar a te esperar. 
(… … …). 
Um longo e terno beijo (…) 
D. 

Bissorã, 17MAR66 
Sem dúvida, meu amor, que compreendo inteiramente o teu desgosto por não te escrever como deveria. Deveria? Aqui não há questão de dever ou não dever. Precisamente porque o que desejo é escrever-te, escrever-te muito, (…). Não o faço muitas vezes porque me sinto cansado e sem forças para reagir (…), ao ciclo de desesperança e frustração que persistentemente me quer ocupar o espírito. 
(… … …). 
Eu sei que é preciso reagir a este estado de espírito. Seria preciso reagir para atenuar tudo isto. Mas reagir é-me praticamente impossível. Palavra que às vezes dá-me vontade de esquecer tudo, ficar em estado hibernal [hibernação] e só acordar para a vida daqui a uma dúzia e tal de meses, quando me visse livre de tudo isto. Esquecer. Esquecer tudo. Adormecer. Como se isto fosse possível!!! 
Recebo as tuas cartas, acho-as maravilhosas. (…). Ao ler as tuas palavras passo-me para junto de ti (…). A tua presença faz-me esquecer tudo o resto. Mas são momentos efémeros porque a realidade que me rodeia está bem à vista. E então absorve-me o medo de nunca mais te ver e um chorrilho de ideias tristes, algumas até absurdas, perpassa dolorosamente por mim. 
Eis a razão por que me custa escrever-te. Só em momentos excepcionais, às vezes excepcionais pela sua inautenticidade, é que te poderia escrever cartas que, de todo, te dessem alegria. Sim, porque estou a falar contigo e desde já a aborrecer-me por adivinhar que com as minhas palavras te provoco tristeza, talvez dor. (…) 
(… … …). 
Não falas para o “boneco”. Eu absorvo as tuas palavras e tenho concordado com elas. (…), quando não concordar contigo, a minha réplica surgirá. (…). (…), varre de ti a ideia de que o teu M. querido não está ligando nada (…). (…) até está muito satisfeito com essas palavras, com essas opiniões. 
(… … …) 
Saudosamente, (…). 
M. 

Foto 1 > Bissorã, 1970 > Rio Armada ao pôr-do-sol 
© Carlos Fortunato, CCaç 13 

Bissorã, 3ABRIL66 
(… … …) 
Minha querida, tens de desculpar a minha demora na correspondência. As operações, agora, no final da estação seca são mais fáceis de fazer. Talvez sejam, até, menos perigosas. Por isso andam a apertar bastante com a tropa. Trabalho estafante (…). 
Está claro que isto não é razão para deixar de te escrever. Mas o cansaço ajuda a ficar indolente, a cair no “não te rales”, no “não me maces” Estas frases não se referem a ti. As tuas cartas são sempre bem-vindas e ansiadas. Simplesmente, apetecia-me mais falar-te do que escrever-te. Às vezes esqueço-me de que não estás junto de mim, de que me não podes ouvir. O resultado está à vista, é estar bastante tempo sem te escrever uma carta, limitando-me a uns lacónicos aerogramas. Mas olha para essa espécie de telegramas com a certeza de que neles o teu M. também está presente, bem presente no amor que te dedica, no desejo de que não estejas muito tempo sem notícias. 
(… … …). 
Muitos e muitos beijos (…). Até sempre! 
M. 

Vale de Figueira, 24-4-1966 
“Amo-te”, “Sou teu”; são sem dúvida expressões sempre agradáveis que se escutam com prazer. (…). Mas não bastam, não são o essencial para que se acredite em quem as pronuncia. (…). São expressões efémeras, correntes em toda e qualquer boca, para qualquer fim. 
(… … …). 
Depois de ler cada um dos teus aerogramas que chegam, depois de pensar demoradamente no que se está passando contigo, tentando absorver das tuas poucas palavras algo de doce e de reconfortante, … desânimo! Nelas, parece-me ver esquecimento, um subterfúgio para não revelares a verdade. 
E então o “amo-te”, o “quero-te”, o “sou teu” não me dizem quase nada, meu querido. Soam-me tão longínquos! Quase amargam. 
Mesmo assim, esses aerogramas representam muito. Pelo menos na hora em que os escrevias ainda havia vida nesse corpo embora o espírito talvez estivesse morto, massacrado pela dor. Não queria que isso acontecesse, meu amorzito. Quero que reajas, que converses comigo se ainda me queres para tua companheira, tua amante, tua mulher. (…). Mas, meu amor, estes aerogramas não serão o teu refúgio, não estarás a desligar-te de mim? 
Vivo este dilema, agora. Perdoa-me se te ofendo, dizendo-te isto. Mas eu não posso perder-te! Tu não podes fugir-me, meu amor! 
Que alegria para mim são, nos primeiros instantes, esses aerogramas! Tu ainda estás comigo, é o meu primeiro pensamento. Depois, mastigando o seu conteúdo, que desilusão, que contrariedade! Nada adiantam … são todos iguais! 
Meu M. querido perdoa-me se não sou compreensiva, se estou a ser injusta, mas não estou a recriminar-te, meu amor. Decerto que há muita coisa em mim que te não agrada, podes dizê-lo. 
(…). 
(…) não escrevo mais, hoje. Talvez amanhã ou depois te escreva mais, quando esta neura tiver passado e eu sentir firmemente que continuas me querendo muito. (…) 
Tenho tantas saudades tuas, meu querido! Beijo (…). 
N. 

Foto 2 > Bissorã, 1966 > ao centro, aquartelamento das CCaç 1419 e CArt 1525; ao centro-direita, edifício-sede da Administração Civil; ao fundo, campo de futebol
© A. Silva Pinheiro, CCaç 1419 

Bissorã, 1 MAIO 66 
Cheguei ontem de Mansoa e cá encontrei a tua última carta. Palavra que, antes de a abrir, já pensava no seu possível conteúdo. Acertei (…). 
Eu sei que os meus aerogramas são insuficientes. Inclusivamente, não gosto de te enviar aerogramas. Dá-me a sensação de coisa impessoal, o que com certeza não é, minha querida. 
(…) por coincidência, há uns tempos para cá, quando estou para me dedicar inteiramente a falar contigo, surge um contratempo. 
(…). Ontem tinha intenções de te escrever uma longa carta mas não pude. Pensei muito em ti, em nós, mas foi de arma às costas “passeando” pela selva. Saímos ontem ao princípio da noite. Chegámos há pouco tempo, são 11h 30. Estou cansado, deveras cansado e cheio, cheio de sono. Só a grande vontade de que não fiques sem notícias minhas me leva a pegar na caneta. 
Espero, nota bem, espero que no próximo correio te ocupe um bocado o tempo a ler-me. Estou pronto a escrever muito.(…). 
Depois de umas horas de descanso, ficarei “au point”. 
Sei que vais ficar mais uma vez aborrecida mas tenta compreender. Eu tenho muito que fazer. Muita coisa me preocupa. Tu terás que ser vítima, um pouco, da minha situação. 
Ou não? Mas, forçosamente, tens de ser. Preciso muito das tuas cartas. 
Preciso mais delas do que tu das minhas. Continua escrevendo, sim? Não te zangues, hem? 
Do que tem esperança de ser teu – desculpa o possível cinismo que a tua carta agora me provocou. Vamos lá falar a sério: 
Muitos e muitos beijos, saudosamente, do TEU 
M.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11674: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (15): Analfabetismo, um outro combate