Décimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
As instalações em Nova Jersey, onde o Tony trabalhava, fazia
parte de uma multinacional, com sucursais em vários estados dos
Estados Unidos e nos principais países industrializados.
Extraía
o minério do solo, principalmente, na América do Sul, e
processava-o nas suas diferentes fábricas. Tinha um ramal
privado de comboios, que carregam e descarregam o material na
sua sucursal em Nova Jersey.
Era detentora de setenta por cento
do mercado mundial de cobre e alumínio e tinha um potencial um
pouco fora do normal.
Como já dissemos, vendia o seu produto
para todo o mundo, mas principalmente à Agência NASA, entre
outras agências do governo Americano.
O Tony, agora com mais tempo livre, pois a Margarida
encarrega-se das tarefas normais, tenta aproveitar as
oportunidades que essa multinacional oferece. Larga o trabalho
na editora, onde trabalhava em regime de “part-time”, e com
algum tempo livre, matricula-se na escola local, assiste às classes, completa a escola baixa, vai para escolas superiores,
tira classes na universidade, tudo na área de mecânica, assiste
a cursos e conferências em
diversas Estados para onde
se deslocava, às vezes por
algum tempo, tudo
relacionado com altos fornos
de fundição de metais, tanto
eléctricos como a gás, ou
qualquer outro combustível.
Passados uns anos, recebe
o seu “Master” em mecânica
industrial.
Muito antes de terminar
o seu “Master” em mecânica
industrial, já fazia parte do Departamento de Projectos da
referida multinacional, conforme subia nos estudos, subia em
posição, os mais importantes projectos para eliminação de
poluição, tanto sonora como física, ou para poupar energia e que
davam mais eficiência na produção de quase toda a multinacional,
tinham a sua assinatura. Tinha ideias inovadoras que lhe
conferiram alguns prémios.
Transformou bombas de água,
que antes eram lubrificadas a
óleo e contaminavam todo o
produto, a serem lubrificadas
com a mesma água, que faziam
girar dentro de si. Construiu
altos fornos, a gás ou
eléctricos, que com a mesma
dimensão, produziam três vezes
mais produto, simplificava
sistemas de produção, aumentando
a sua produtividade.
O Tony construía os seus
próprios modelos de ensaio, ele mesmo assumia a
responsabilidade, ia para a área de trabalho, debaixo de
temperaturas altíssimas, sem parar a produção, muitas vezes com
risco da própria vida, mas isso não o incomodava, pois já tinha
estado em zona de guerra. Algumas vezes tinha sucesso e provava
algo, outras não tinha sucesso, mas ele sabia que essa
experiência mal sucedida tinha sido
positiva para si, pois ficava a saber que
desse modo não era a boa maneira
de alterar o sistema, tinha que ser
algo diferente, mas não daquela
maneira.
Quando começava num projecto e
via que podia ter algum sucesso, só
terminava quando o novo sistema
estivesse a funcionar. Se tudo
corria bem e a alteração no sistema
funcionava perfeitamente, era tudo
normal e o trabalho do Tony era
quase ignorado, muitas vezes
diziam que era pago para isso, no
entanto, a multinacional ia poupar
milhões de dólares no futuro,
poupando energia, mais eficiência, menos mão de obra e o produto
com melhor acabamento.
Se acabava um projecto, que não tivesse sido tão bem
sucedido e fosse necessário algum ajustamento, era um grande
problema, diziam que o Tony não sabia o que andava a fazer,
pois estava a atrasar a produção e havia prejuízo de milhares de
dólares por minuto!
E alguns até diziam:
- Porque é que o Tony não se encarrega do sindicato e
deixa os projectos e inovações em paz?
Pois o Tony, tal como quando vivia na sua aldeia do Vale do
Ninho d’Águia, “era do contra”, pois não podia ver injustiças,
agora nos Estados Unidos também era representante da
United Steelworkers of
America, onde durante trinta
anos foi proposto e eleito para diversos cargos que
desempenhou com a maior
honestidade, muitas vezes
defendendo alguns na barra
de um tribunal, a quem a
sorte pouco ou nada sorriu.
Era uma guerra e uma pressão
o seu dia a dia, mas que pouco o incomodava, pois tinha passado
dois anos num aquartelamento em Mansoa, num verdadeiro cenário
de guerra e sobreviveu.
O que veio a seguir, foram coisas que qualquer um de nós,
sendo ou não emigrante, passou com mais ou menos sacrifícios.
Toda a sua vida foi em prol da sua família e dos menos
protegidos pela sorte e quando em serviço da multinacional onde
exercia a sua profissão, ou representando a United Steelworkers
of America, e mesmo às vezes única e simplesmente em viagens de
prazer, dormia em hotéis com algum luxo, em Las Vegas,
São Francisco, Miami, Los Angels, Houston, Denver, Nova Iorque,
Chicago, ou outra qualquer cidade, lembrava as noites passadas
dentro do aquartelamento de terra vermelha e arame farpado em
Mansoa, nessa Guiné africana, ou as noites dormidas com frio,
coberto com um plástico, na margem do rio Passaic, encostado a
outras pessoas para melhor resistirem ao tempo que então se
fazia sentir e que o destino não favoreceu lá muito, mas que
eram seus amigos.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11646: Bom ou mau tempo na bolanha (12): O meu 10 de Junho (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
O que te hei de dizer, meu caro Tony?
Nada, a não ser expressar os meus sentimentos de respeito, consideração e admiração que nutro por ti.
Um grande abraço
Manuel Joaquim
Meu Camarada Tony
és para mim um "posso" de surpresas,pois que constato agora que também temos em comum a Fundição.
Eu durante muitos anos fui técnico de manutenção numa multi nacional da industria química,mas a partir de 2002 e por tramas da vida essa industria que era Holandesa se deslocou do país e então fui para Águeda chefiar uma manutenção completa numa multi nacional Suíça na área da Fundição de ferro. E é aí que se ganha um espírito incrível de Fundidor.Trabalhei tanto com fornos de carvão como posteriormente com fornos de Indução Eléctrica dos quais fiz parte do projecto de Implementação e posterior manutenção embora e sempre como responsável da equipe de manutenção.Infelizmente essa empresa ao fim de alguns anos entrou em processo de insolvência e foi vendida a uma outra fundição o que segundo sei até se está a safar mais ao menos.Bom mas isso são outros "quinhentos" como dizem os Brasileiros.
Amigo Tony vai escrevendo que nós cá em casa gostamos da tua prosa.
Um abraço
Henrique Cerqueira
Meu caro Tony:
Se não erro, trabalhaste na Rio Tinto Comnpany (muitinacional britânica), a maior ou segunda maior empresa mineira do mundo... Até aos anos 70, era considerada uma empresa "negreira", pro causa das suas práticas socais e ambientais, nomeadamente na Áfria do Sul do "apartheid"... Depois tornou-se "respeitável", "friendly", "socialmente respeitável"...
Ou será a BHP Billiton, australiana, o teu antigo patrão ?
A Rio Tinto era acionista minorária mas extremamente influente (49% do capital) da nossa Somincor -Sociedade Mineira de Neves Corvo, a nossa "joia da coroa" do setor mineiro... Estudei-a durante vários anos (na década de 1990), quando associada à Rio Tinto...
O Estado português alienou, entretanto, os seus 51% e hoje o controlo accionista é de uma multinacional canadiana... Adorei conhecer e estudar (e fiz amigos) neste setor da indústria extrativa... A mina ("underground") fica no Baixo Alentejo, em Castro Verde. Era(é) a maior empresa de cobre da Europa, e a mais rica em teor de cobre no mundo...
Quanto a ti, dou-te os parabéns pela tua postura, como português, como cidadão e como homem. Fico muito orgulhoso por, nessa terra de oportunidades que é (ou era) a América, terES continuado a estudar e obter o grau de mestre!...
Que belo exemplo! Que orgulho para todos nós!
Teu camarada, Luís Graça
Olá companheiros.
Os vossos simpáticos comentários, deixam-me bastante sensibilizado. Obrigado.
Como alguns de nós combatentes, dizem por vezes, há um antes, um presente naquele conflito que nós vivemos, e agora um depois.
Tive que explicar algumas passagens do depois, para se encaixarem em outros textos, que com o vosso consentimento vou escrever a seguir, e que explicam a minha América, a do povo, a dos afro-americanos, a dos soldados combatentes, de quem o meu filho fez parte, que continuam a morrer todos os dias, fora do meu país, a que eu vivi e continuo a viver, não a que por vezes se mostram nas películas de Hollywood, e muitos de nós, nem tanto da nossa geração, quando falamos da América, pensam por vezes coisas que não são.
Pelo menos a nossa geração de emigrantes, eram pouco cultos, com a instrução mínima, alguns só sabiam escrever o nome, mas eram trabalhadores, sacrificados, obedientes, passavam só com um naco de pão ao dia, e arrojaram-se, atravessaram o Atlântico, criaram família, muitos sabendo que não iam voltar mais à sua aldeia, onde havia água cristalina, ar puro, família e amigos.
Pronto, agora vamos falar um pouquinho do comentário do amigo Luis, o que bastante agradeço, a multinacional onde trabalhei 30 anos era a ALCAN Aluminum Corporation, que nos anos 70, tinha a sua sede no país vizinho do Canadá, eu exercia as minhas funções, na divisão de Nova Jersey, que era ALCAN Ingote and Powders, que transformava produtos de cobre e alumínio, de onde recebia o material em bruto de minas, principalmente na Venezuela, no Chile e do próprio Canadá, dada as minhas funções, visitei em trabalho dois desses países e naturalmente essas minas, e de facto havia algum trabalho duro, que talvez não fosse pago pelo seu justo valor, principalmente na Venezuela.
Toda a nossa produção era quase vendida para agências do governo, naquela altura a NASA, comprava tudo o que fosse alumínio em pó, para utilizar nas naves gigantes que enviava para o espaço, assim como o cobre em pó, que era um produto bastante procurado, e que se usava na fabricação de moedas, e nem só.
Um abraço a todos, Tony Borie.
Caro Tony, com essa vida de combate, quer na Guiné, quer na luta para sobreviveres, venceste e hoje orgulhas-te do que conseguiste, o que significa que valeu a pena. Um abraço e continua.
De Veríssimo Ferreira
Caro Tony
O que se pode dizer deste 'relato de vida' após Guiné? De facto, é um 'depois da guerra' que é um exemplo de perseverança, de trabalho, de luta, de solidariedade. E, ainda por cima, vais imensas vezes 'buscar à tua experiência guineense' a força e a determinação necessárias para venceres. E como venceste!
Por mim, estou muito grato por teres vindo até este Blogue e, de mansinho, como quem não quer a coisa, partilhares a tua experiência de vida. Obrigado!
O Manuel Joaquim escreveu:
"O que te hei de dizer, meu caro Tony?
Nada, a não ser expressar os meus sentimentos de respeito, consideração e admiração que nutro por ti.
Um grande abraço"
Pois, com a devida vénia, peço que aceites a repetição de tais palavras, pois não é necessário mais.
Hélder S.
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